Segredos do tráfico

Traficante colombiano revela detalhes de sua trajetória

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31 de agosto de 2007, 14h46

O colombiano Juan Carlos Ramirez Abadia afirmou, no inquérito que tramita em segredo de justiça, que é um traficante independente e nunca pertenceu a nenhum cartel. “Gostaria de esclarecer que conheço todas as pessoas do Cartel de Norte Valle, mas cada um tem seu negócio independente”, contou o traficante preso no Brasil em seu depoimento obtido com exclusividade pela revista Consultor Jurídico.

Ele disse mais: “Todo o dinheiro que possuo atualmente, bem como todo o dinheiro que foi gasto no Brasil, é ou foi proveniente diretamente do narcotráfico ou de empresas que foram montadas com recursos oriundos do narcotráfico”. Segundo Abadia, dentre essas empresas “duas foram constituídas na Colômbia com recursos do narcotráfico, sendo que uma atuava o ramo imobiliário e outra no ramo de comunicações”.

O depoimento do traficante tem 222 linhas. Foi tomado no dia 10 de agosto de 2007. Nele, estão detalhes de toda a sua trajetória, da Colômbia ao Brasil. E há curiosidades dignas de um romance policial. “Realizei duas cirurgias plásticas no Brasil, que foram feitas na Clínica Loriti Bruel, na Vila Nova Conceição, em São Paulo (rua Bruno de Andrade, 693, Jardim Paulista). Paguei R$ 20 mil pelas duas plásticas, pagamento à vista, em dinheiro, em euros. Não me exigiram nenhum tipo de identificação na clínica”, revela.

Cenas da vida real

Abadia nasceu em 16 de fevereiro de 1963, em Calle. No depoimento, disse que é solteiro e engenheiro. Veio para o Brasil “há uns três anos” para fugir de “um pedido de extradição feito pelo governo dos Estados Unidos à Colômbia”. Ele confessou ter sido “condenado na Colômbia por narcotráfico, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha”.

O relato de como chegou ao Brasil é digno de um filme. “Peguei um barco na Venezuela, desembarquei no nordeste brasileiro, não me recordo em que cidade. Depois, peguei um carro, andei com ele uns 400 ou 500 km, até que embarquei num pequeno avião. Vim nesse avião até o interior de São Paulo. Aqui no Brasil passei a maior parte do tempo em São Paulo, mas morei também em Florianópolis, Curitiba e Porto Alegre”, narrou ele.

O traficante contou, ainda, como fez para se manter no Brasil e comprar bens. “Envio recursos da Colômbia para a Venezuela e lá uma pessoa pega um carro e entra no Brasil através da fronteira da cidade de Santa Helena. Depois essa pessoa vai de carro até Boa Vista. Nessa cidade, os recursos são divididos e entregues para várias pessoas, que me trazem esse dinheiro utilizando-se de vôos comerciais normais”, explicou.

Ele disse que quando chegou ao Brasil tinha trazido aproximadamente US$ 4 milhões. Mais tarde, com o uso do esquema, trouxe para o país mais US$ 4 ou US$ 5 milhões, além de uma quantia em euros que não especificou. “Uma parte desse dinheiro usei na aquisição de bens, e outra estava guardada”, disse. De acordo com o traficante, uma parte do dinheiro estava em sua casa e foi apreendida pela Polícia. “Outra parte estava na casa de uma pessoa chamada Jaime, em Campinas, e uma parte está na casa que tenho em Florianópolis, na Praia de Jurerê Internacional”, revelou.

Fala mansa e pausada, Abadia listou em seu depoimento, com tranqüilidade, os bens adquiridos com recursos do narcotráfico. A lista é a seguinte: uma casa na Alameda Dourada, 71, Condomínio Morada dos Lagos, em Aldeia da Serra, no município paulista de Santana do Parnaíba; uma casa na Rua do Bosque, sem número, no Condomínio dos Frades, em Angra dos Reis, no Rio de Janeiro; uma casa em Florianópolis, na praia Jurerê Internacional, na rua dos Robaletes; um sítio chamado Santa Bárbara, em Pouso Alegre, em Minas Gerais; uma fazenda em Guaíba, no Rio Grande do Sul; uma lancha modelo Azimuth Intermarine 520. E ainda diversos veículos, bens de consumo, uma academia de musculação que montou em sua casa em São Paulo, fazenda em Guaíba e outra casa alugada em Curitiba.

Um de seus comparsas, apelidado de Peter (Victor Garcia Verano), segundo Abadia, “trazia dinheiro da Espanha de forma oficial” e era um de seus colaboradores para adquirir bens. “Peter” nasceu em 8 de dezembro de 1963, em Bogotá, na Colômbia e é administrador de empresas. Está no Brasil há 17 meses.

“Peter” comprou a casa do traficante em Florianópolis. “Quando eu queria adquirir algum bem eu os procurava, eles me mostravam as propostas e eu comprava aquilo em dinheiro vivo”, contou Abadia. Ele discriminou o que cada “colaborador” fazia. Daniel Bras Marostica, um paulistano, comerciante, nascido em 4 de agosto de 1975, comprou sua casa em Aldeia da Serra, a casa de Angra dos Reis e o sítio em Pouso Alegre. Daniel buscava “laranjas” para botar os imóveis no nome. A casa de Abadia, em Aldeia da Serra, estava em nome de um cunhado do “colaborador” Daniel, por exemplo. Já o colaborador André Luis Telles Barcellos comprou a fazenda em Guaíba e uma aeronave modelo King Air B90, que depois “foi vendida para um terceiro na Venezuela”. Barcellos é natural de Porto Alegre, onde nasceu em 12 de abril de 1986. Diz que é “estudante”.

De acordo com o inquérito, o colaborador Jaime Hernando Martinez Verano escondeu na casa de Florianópolis “uns 200 mil euros no teto do imóvel e dois passaportes, bem como carimbos de entrada e saída da Venezuela e Paraguai”. Das quase 20 empresas cujos nomes lhe foram lembrados no interrogatório, Abadia só admitiu conhecer duas: Disdrogas Ltda. e Ramirez Abadia Y Cia. S.C.C, que são de seu pai e estão baseadas na Colômbia.

Durante o depoimento, Abadia inocentou a todo o momento sua companheira, Yessica Paola Rojas Morales, a “Gege”. Ela é natural de Cartagena, na Colômbia, onde nasceu em 13 de abril de 1981. Diz-se “solteira, do lar e com o segundo grau incompleto”.

Interesse público

A revista Consultor Jurídico, após ter acesso ao inquérito em segredo de justiça, resolveu publicar as informações sobre o traficante com base em um voto do ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal. Para ele, o segredo de justiça é restrito às autoridades. E nessa categoria, obviamente, não se enquadram jornalistas que apuram fatos de interesse público.

O mesmo entendimento embasou a publicação pela Conjur, há quatro anos, de todas as investigações sigilosas da Operação Anaconda, deflagrada pela Polícia Federal e que levou à cadeia o juiz federal João Carlos da Rocha Mattos, entre outros.

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