La Dolce Vita

Inconfidências dos paparazzi e o Supremo Tribunal Federal

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30 de agosto de 2007, 20h10

Respeitando ainda ao denominado julgamento do século (uma criança, pode haver outros), há notícia, na Folha de São Paulo, de captação de uma conversa privadíssima, por via telefônica, entre o ministro Ricardo Lewandovski, do Supremo Tribunal Federal, e um interlocutor desconhecido, comentando o Ministro, no diálogo, particularidades da questão delicadíssima posta em debate, antes, no Plenário.

A exemplo da colheita de comunicação eletrônica entre o próprio ministro e uma eminente ministra Cármen Lúcia, a subseqüente interferência de bisbilhoteira na intimidade da conversa dá a medida de que nossa imprensa em geral começa a espelhar-se nos “paparazzi” italianos (o nome o diz), tudo vincado na “La Dolce Vita”, de Federico Felinni.

O aprendizado não é difícil. Aliás, nossos órgãos de investigação podem, hoje, dar lições aos criadores da expressão, porque temos, no denominado computador “Guardião”, um multiplicador do espiolhamento até mesmo dos quartos de casal. Não se surpreendam os leigos, portanto, com o fato de uma repórter ter “encostado” no ministro já mencionado, registrando manifestação absolutamente íntima daquele juiz, sob o cenário de um restaurante da moda em Brasília.

Já afirmou o cronista que embora sendo advogado criminal há cinqüenta anos não se intromete, por disposição estatuária, em processos entregues à defesa de experimentados companheiros. Isso não o impede, entretanto, de prosseguir na crítica ferrenha às rotineiras interceptações da intimidade alheia que constituem, hoje, verdadeira praga no trato marginal das coisas da Justiça.

Em outros termos, o Poder Judiciário começa a perder o respeito dos órgãos de divulgação. Quando tal fenômeno sucede, inicia-se um bailado em que um dos dançarinos pisa continuamente nos pés do outro, disfarçando o último as dores provocadas pelo primeiro, furtando-se o bailarino ferido à observação dos demais.

A partir daí, os pisões ficam mais fortes, não se sabendo onde irão parar. É assim, diga-se, em todos os atos da vida, com realce para a atividade esportiva. O jogador faz uma falta, o juiz não apita, vem outra, não há cartão amarelo, vem uma terceira e fratura a perna do outro atleta.

Respeitadas as diferenças que, evidentemente, fogem à dogmática, a técnica de espionagem do comportamento do ministro revela, sim, conduta que se transforma em rotina, inspirando-se o particular, é bom dizer, no exemplo da polícia eletrônica implantada pelo próprio Poder Público.

Se a justificativa a tais comportamentos advier do denominado “interesse público”, tornar-se-á apenas parte do processo de derruição da privacidade do cidadão, com chegança, então a extremo até agora impensado. No fim das contas, a violação da correspondência dos ministros na Suprema Corte fica numa zona cinzenta de ilicitude, dependendo da vontade do ou dos ofendidos.

Tocante aos “paparazzi”, faltar-lhes-á, quem sabe, a “lambreta” com que o jornalista espião perseguia Anita Ekberg e Marcelo Mastroiani numa das decantadas cenas daquele filme famoso.

A Folha de São Paulo, com certeza, não dotou seus repórteres daquelas motonetas que fazem as delícias dos cidadãos romanos. Provavelmente, já se começa a pensar no assunto, não se procedendo, evidentemente, como na anedota que corria em Portugal ao tempo da “PIDE – Polícia Internacional de Defesa do Estado”.

Conta-se que os investigadores de Salazar se disfarçavam mas mantinham os bonés ostentando a sigla. Precavenham-se os juristas em geral, portanto, contra os “paparazzi” brasileiros. Trata-se, é claro, de conduta muito feia, mas a bisbilhotice indispensável os leva, quem sabe, a deixar de lado pruridos éticos e buscar o resultado. Eis aí.

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