Em defesa do Supremo

Ellen Gracie rebate com números críticas a foro especial

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29 de agosto de 2007, 0h00

A ministra Ellen Gracie, presidente do Supremo Tribunal Federal, aproveitou o final da sessão de julgamento do mensalão para rebater as críticas ao foro por prerrogativa de função, encabeçadas pela Associação dos Magistrados do Brasil e que receberam apoio de setores da opinião pública.

Ellen Gracie se lembrou de levantamento produzido pela presidência do STF durante o mês de julho. Segundo os detratores do Supremo, desde a Constituição de 1988, a Casa recebeu 143 Ações Penais contra autoridades. Para a ministra, o corte de tempo está equivocado já que o período a ser considerado deveria ser contado a partir de 2002.

Entre 1988 a 2002, o STF não podia apreciar as Ações Penais contra autoridades sem autorização do Congresso. “E esta autorização não era deferida”, afirmou Ellen Gracie.

Somente a partir da Emenda Constitucional 35, regulamentada no dia 20 de dezembro de 2001, o tribunal não precisava mais desta autorização. A ministra disse que tramitam 50 Ações Penais no Supremo (agora 51 com a do mensalão).

Dessas, apenas duas têm mais de quatro anos de tramitação. “Em uma delas, ao menos três anos foram gastos tão-somente para a oitiva das testemunhas de defesa”, argumentou a ministra.

Ellen Gracie explicou que cerca de 50% das ações têm menos de seis meses de tramitação. “Indago a Vossas Excelências se conhecem algum juízo criminal em situação tão confortável quanto a desta Corte em relação à tramitação das suas ações penais”, questionou a ministra, dando explícito recado aos críticos do chamado foro privilegiado.

Já sobre as petições criminais, que ainda não se transformaram em Inquérito, a ministra informa que o número é ainda maior: 67% delas têm menos de seis meses de tramitação.

“Creio que tudo isso revela o intenso trabalho dos eminentes relatores; revela as dificuldades processuais que temos de enfrentar; revela também o intenso labor feito perante esta Casa, tanto pela Procuradoria-Geral, na acusação, quanto pelos nobres advogados defensores dos acusados”, disse a ministra.

Dando uma aula de Direito, o ministro Celso de Mello lembrou que a prerrogativa de foro só veio existir a partir Emenda Constitucional 1 da Constituição de 1969. Segundo o ministro, o STF chegou a ser obrigado a editar a súmula 398 (O Supremo Tribunal Federal não é competente para processar e julgar, originariamente, deputado ou senador acusado de crime).

“Há que se registrar e observar, ainda, tal como bem salientado por Vossa Excelência, que, mesmo em relação aos congressistas, salvo por um pequeno intervalo de tempo, só se podia proceder contra eles em face de licença expressamente concedida pela Casa Legislativa respectiva. Essa licença jamais era dada. Tomei posse nesta Corte em agosto de 1989 e, enquanto vigorou esse regime de imunidade parlamentar formal, não constatei qualquer situação em que as Casas do Congresso houvessem concedido licença para que um procedimento penal”, disse Celso de Mello.

Elogiando o trabalho feito pelo relator Joaquim Barbosa, a ministra Ellen Gracie esclareceu que o processo do mensalão, que teve 51 volumes e mais de mil apensos, foi totalmente digitalizado, o que permitiu a manifestação simultânea dos 40 acusados. O tempo reduziu foi de 20 meses.

“O mesmo ganho de tempo será reproduzido na fase instrutória. Isso nos leva a crer que a utilização desses recursos, dessa tecnologia que serve à celeridade processual, deve prosseguir. Por isso mesmo, tivemos debates tão informados, neste Plenário, em todo o transcorrer das sessões de julgamento”, disse a ministra.

Levantamento da AMB

Como mostrou a revista Consultor Jurídico, em julho, a argumentação usada pela Associação dos Magistrados do Brasil em sua campanha pelo fim do foro por prerrogativa de função é uma meia verdade.

Segundo estudo citado pela AMB em sua campanha, desde 1988, ano da aprovação da Constituição, até maio passado, nenhuma autoridade havia sido condenada nas 130 Ações Penais originárias protocoladas no STF. O argumento da entidade é que a falta de punição acontece porque este tipo de ação atravanca o andamento do tribunal.

A ilação se mostra apenas parcialmente verdadeira. Outro levantamento demonstra que desde 1988 o Supremo recebeu cerca de 2 milhões de processos. Comparado a essa montanha, o número de ações penais é irrisório. As acusações contra autoridades são de diversos tipos como crimes contra a administração pública, a honra, o patrimônio e a fé pública e delitos eleitoral e fiscal.

No Superior Tribunal de Justiça, a situação se repete. Desde a aprovação da nova Constituição, o STJ recebeu 483 Ações Penais originárias. Cinco autoridades foram punidas desde então. Apesar do pequeno número de condenações, este tipo de ação representa também uma ínfima parte do que é julgado no tribunal. No mesmo período, foram protocolados cerca de 2 milhões de processos na Casa.


O presidente da AMB, Rodrigo Collaço, atribuiu a impunidade à existência do foro privilegiado no Brasil, o que garante às autoridades o direito de serem investigadas e julgadas perante órgãos como o STF e o STJ. Na opinião de Collaço, “o foro privilegiado é acima de tudo o foro da impunidade. Não há julgamento. O foro é quase uma linha de defesa”.

Para Collaço, o problema só será resolvido com o fim do foro privilegiado ou com a adoção de medidas que tornem mais rápida a tramitação dessas ações.

Novamente, a interpretação de Collaço apresentou uma falha lógica. Das 130 ações criminais protocoladas no Supremo, 52 estão em tramitação atualmente, o que representa 40% do total. No entanto, apenas três destes processos estão há mais de 4 anos em tramitação no STF. Além disso, a maioria dos processos chegou ao tribunal nos últimos anos. Das 130 ações, 96 foram protocoladas a partir de 2003.

O destino final das ações mostra realmente por que as autoridades não são condenadas no Supremo. Quarenta e seis ações foram remetidas para instâncias inferiores por não serem de competência do STF. Apenas seis foram absolvidos e 13 tiveram os casos prescritos. Não se pode falar em impunidade, mas na falta de lições básicas de Direito para alguns operadores do Direito.

No STJ, a situação se repete: das 84 ações que não foram julgadas, apenas 17 estão a mais de quatro anos em tramitação no tribunal. Cerca de 26% (126) das ações protocoladas no tribunal, também foram remetidas para instâncias inferiores. E novamente, apenas 11 obtiveram absolvição. Outras 10 foram remetidas para o STF e 9 aguardam autorização da Assembléia.

O foro privilegiado está previsto na Constituição. Com ele, apenas o STF tem a competência para investigar e processar o presidente da República e seu vice, parlamentares federais, ministros de Estado, o procurador-geral da República, os comandantes das Forças Armadas, integrantes do Tribunal de Contas da União e de tribunais superiores, chefes de missão diplomática e o presidente do Banco Central.

No STJ tramitam os inquéritos e processos criminais abertos contra governadores, desembargadores de tribunais e integrantes de cortes de contas estaduais. Os processos contra cidadãos comuns começam na Justiça de primeira instância e só sobem para outros tribunais quando há recurso de sentença.

Leia encerramento feito pela ministra Ellen Gracie *

Senhores Ministros, Senhora Ministra, o Tribunal, neste momento, encerra a apreciação da denúncia oferecida pelo Senhor Procurador-Geral da República, com base no Inquérito 2.245.

Ao proclamar o resultado dos trabalhos desenvolvidos por este plenário, nos últimos três dias da semana passada, ontem e hoje – no total, estivemos, nessas bancadas, mais de trinta horas -, desejo registrar que o Tribunal conclui esta primeira fase em prazo absolutamente compatível tanto com a dimensão do caso – que é sui generis, com quatro dezenas de acusados e extrema complexidade -, como também com as demais tarefas que correspondem ao cotidiano dos Senhores Ministros.

Neste momento, não posso deixar de consignar – espero que os Colegas não me queiram mal por isso – que, no intervalo deste julgamento, fizeram-se distribuir 2.094 processos na Casa. E, mais importante que tudo, com absoluto e rigoroso respeito ao devido processo legal.

Esses resultados só se fazem possíveis na medida e graças à segura condução do processo, empreendida pelo eminente Relator, Ministro Joaquim Barbosa. Sua Excelência fez também por utilizar recursos modernos de informática que facilitaram muito o seu trabalho, e também o nosso. Os autos foram, em seus cerca de cinqüenta e um volumes e mais de mil apensos, da primeira à última página, inteiramente digitalizados. Assim, foi possível que todos os Ministros tivessem acesso às peças do processo. Foi possível também aos ilustres defensores dos quarenta acusados o acesso simultâneo a este mesmo processo.

Não fosse por isso, somente a vista sucessiva dos autos teria consumido, no mínimo, por baixo, vinte meses, para que cada um dos acusados pudesse se manifestar nos autos. Não teríamos, portanto, chegado ao estágio atual.

O mesmo ganho de tempo será reproduzido na fase instrutória. Isso nos leva a crer que a utilização desses recursos, dessa tecnologia que serve à celeridade processual, deve prosseguir. Por isso mesmo, tivemos debates tão informados, neste Plenário, em todo o transcorrer das sessões de julgamento.

É importante constatar também, senhoras e senhores, no momento em que encerramos a fase de recebimento desta denúncia, o quanto são equivocadas algumas opiniões pouco informadas sobre a eficiência deste Tribunal no trato da matéria penal.

Vossas Excelências já tomaram conhecimento dos dados levantados pela Presidência durante o mês de recesso, o mês de julho. Esses dados revelam que, a partir de 1988 – e essa era a afirmação equivocada com relação a esta Corte; esse era o corte de tempo feito -, até o momento atual – o ano de 2000 -, o Tribunal já recebeu 143 ações penais, não mais que isso, ao longo de todo esse período.


É importante revelar, porque nem todos o sabem, que o Tribunal só pôde apreciar efetivamente ações penais a partir da autorização que lhe vem da Emenda Constitucional nº 35, a qual tem data de 20 de dezembro de 2001. Portanto, se mora houvesse desta Corte, ela só se poderia contar a partir do ano de 2002. Sabem todos que, antes disso, a Casa não processava sem a autorização das Casas Legislativas; e esta autorização não era deferida.

É importante revelar também – e, creio, este é o dado mais interessante – que, nesta Casa, tramitam, hoje, não mais que cinqüenta ações penais, dentre as quais agora se inaugura mais uma – são cinqüenta e uma. De todas as ações penais em tramitação nesta Casa, as duas mais antigas contam com pouco mais de quatro anos de tramitação. Em uma delas, ao menos três anos foram gastos tão-somente para a ouvida de testemunhas de defesa.

Cerca de 50% dessas cinqüenta ações têm menos de seis meses de tramitação. Indago a Vossas Excelências se conhecem algum juízo criminal em situação tão confortável quanto à desta Corte em relação à tramitação das suas ações penais.

O mesmo se há de dizer com relação aos inquéritos em andamento. De novo, certa de 50% deles têm menos de seis meses de tramitação.

Já quanto às petições criminais, que veiculam alguma informação de natureza criminal que ainda não se transformou em inquérito, o número é ainda maior: temos mais de 67% delas com menos de seis meses de tramitação.

Creio que tudo isso revela o intenso trabalho dos eminentes Relatores; revela as dificuldades processuais que temos de enfrentar; revela também o intenso labor feito perante esta Casa, tanto pela Procuradoria-Geral, na acusação, quanto pelos nobres advogados defensores dos acusados.

Sem dúvida nenhuma, tenho dificuldades em acreditar que alguma Corte Suprema, no mundo, se reúna, na sua composição plenária, para o recebimento de denúncia com essas minúcias, esse detalhe, esse esforço analítico desenvolvido aqui, apesar de termos a quantidade de trabalho que todos os Senhores bem conhecem.

Neste momento em que encerramos este julgamento considerado histórico por muitos, é importante se restabelecer a verdade sobre fatos que dizem respeito ao funcionamento desta Casa, especialmente ao seu funcionamento em matéria criminal. A Casa tem uma longa história. Ela se credencia, perante a nação, por um desempenho notável no decorrer do tempo. É importante que, vez ou outra, tenhamos voz para refletir a realidade do nosso trabalho.

Ministro Celso de Mello – Senhora Presidente, na linha do que Vossa Excelência expõe, também é preciso revelar, àqueles que demonstram o conhecimento da nossa realidade constitucional, que Deputados Federais e Senadores da República só passaram a ter prerrogativa de foro perante o Supremo Tribunal Federal, nas infrações penais comuns, a partir da Carta Federal de 1969, travestida de Emenda Constitucional nº 01, daquele mesmo ano. Até então, sob a égide das Constituições Republicanas de 1891, de 1934, de 1937, de 1946 e de 1967, até o advento da chamada Emenda nº 01, de outubro de 1969 – Carta Federal de 1969 -, os membros do Congresso Nacional não tinham essa prerrogativa de foro. Tanto que o Supremo Tribunal Federal se viu obrigado a formular um enunciado sumular: a Súmula nº 398, com este conteúdo:

“O Supremo Tribunal Federal não é competente para processar e julgar, originariamente, Deputado ou Senador acusado de crime.”

Isso sobreveio com o advento da Carta Federal de 1969. Digo assim porque a maior clientela do Supremo Tribunal Federal na área penal situa-se exatamente no Congresso Nacional, em ambas as Casas Legislativas. Portanto, o Supremo Tribunal Federal somente passou a se defrontar com processos penais originários em relação aos membros do Congresso Nacional a partir de outubro de 1969.

Há que se registrar e observar, ainda, tal como bem salientado por Vossa Excelência, que, mesmo em relação aos congressistas, salvo por um pequeno intervalo de tempo, só se podia proceder contra eles em face de licença expressamente concedida pela Casa Legislativa respectiva. Essa licença jamais era dada. Tomei posse nesta Corte em agosto de 1989 e, enquanto vigorou esse regime de imunidade parlamentar formal, não constatei qualquer situação em que as Casas do Congresso houvessem concedido licença para que um procedimento penal – instaurado por iniciativa do Ministério Público, ou eventualmente nas hipóteses de querelas privadas -tivesse seqüência. Havia obstáculos constitucionais que impediam, na verdade, a formulação, por esta Corte, de qualquer juízo condenatório.

Ministro Carlos Britto – Senhora Presidente, creio que é de justiça consignar aqui o impecável e irretocável desempenho de Vossa Excelência no planejamento deste julgamento que se encerra, verdadeiramente histórico e timbrado por tantas dificuldades e tanta complexidade de ordem técnica.

Todos somos testemunhas da extrema organização, por parte de Vossa Excelência, no que tange ao planejamento das nossas atividades e ao empenho pessoal para que tudo desse certo e acontecesse a tempo e a hora, para chegarmos a esta terça-feira com o julgamento da denúncia completamente encerrado.

Cumprimento Vossa Excelência com toda a sinceridade.

Ministra Ellen Gracie (Presidente) – Agradeço a Vossa Excelência.

Senhores Ministros, Senhora Ministra, está encerrada a sessão.

* Os apartes dos ministros Celso de Mello e Carlos Britto não foram revistados

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