Isenção de taxas

Unesp afirma que liminar pode inviabilizar vestibular 2008

Autor

28 de agosto de 2007, 11h21

Uma liminar da Justiça paulista está dando dor de cabeça aos organizadores do vestibular deste ano da Unesp (Universidade Estadual Paulista). O Tribunal de Justiça aceitou recurso do Ministério Público Estadual e mandou a universidade não cobrar o valor da inscrição de R$ 100 a todos os alunos da rede pública de ensino que pedirem a isenção da taxa do vestibular. A liminar foi concedida pelo juiz João André de Vicenzo, da 3ª Câmara de Direito Público. O magistrado atendeu recurso (agravo de instrumento) na ação que contesta as modalidades de isenção aplicada pela Unesp.

A Unesp alega que a medida judicial pode inviabilizar a aplicação do vestibular de 2008. Os advogados Geraldo Majela Pessoa Tardelli, da Unesp, e Cássia de Lurdes Rigueto, da Vunesp, estão preparando os argumentos para o julgamento de mérito do recurso. A liminar havia sido negada em primeiro grau pelo juiz Domingos de Siqueira Frascino, da 11ª Vara da Fazenda Pública. Insatisfeito, o MP recorreu ao Tribunal que reformou a decisão.

A Unesp tem prazo curto para reverter a derrota judicial. As inscrições para o vestibular vão de 17 de setembro a 5 de outubro. O prazo para o pedido de isenção começou na segunda-feira (27/8) e termina no dia 6 de setembro.

O Ministério Público Estadual contesta a Resolução nº 38/07 da Unesp. Sustenta que a regra é uma forma de exclusão social que nega ao aluno pobre, oriundo da rede pública de ensino, acesso à universidade. Alega, ainda, que os métodos são inconstitucionais, pois ofendem os princípios da isonomia e do acesso universal à educação. Por fim, argumenta que a resolução descumpre um dos objetivos da República que é o da redução das desigualdades sociais.

Para não pagar a taxa de inscrição, o candidato deve ter feito o ensino médio em escola pública ou em particular, com bolsa integral, ou ter feito o ensino supletivo. Além disso, o aluno deve ter renda individual inferior a R$ 456 por mês e morar em São Paulo. A Unesp adota três critérios para conceder a isenção da taxa. O primeiro, dirigido ao que chama de candidatos carentes, reserva 6.189 vagas. O segundo serve aos melhores alunos da rede pública de ensino com um total de 24.122 isenções. Já o terceiro, habilita os alunos de cursinhos pré-vestibulares associados à universidade. Nesse caso, o número de isenções é de 2.300. Só a Educafro tem mais de 9 mil alunos.

“Diante desse quadro, todos os anos, um número enorme de jovens recém-saídos da rede pública de ensino médio é impedido de concorrer a uma das vagas dessa universidade pública, por não ter condições de pagar a taxa de inscrição”, afirmam as promotoras de Justiça Jaqueline Lorenzetti Martinelli e Fernanda Leão de Almeida, autoras da Ação Civil Pública.

“Ou seja, por sua pobreza, a esmagadora maioria dos alunos fica excluída do direito de participar do concurso vestibular em entidades públicas e, em particular, da Unesp, por não ter condições de pagar o valor cobrado para a inscrição, sem comprometer o sustento de sua família”, completa as promotoras, que integram o Grupo de Inclusão Social, braço do Ministério Público paulista.

O MP pede a extensão da isenção do pagamento da taxa de inscrição para todos os candidatos que comprovarem a conclusão do ensino médio da rede oficial do Estado. O processo foi provocado pela Educafro (Educação e Cidadania de Afrodescendentes e Carentes), entidade coordenada por frades franciscanos. De acordo com a Educafro, cerca de 9 mil alunos carentes dos 184 núcleos pré-vestibulares comunitários dessa entidade, são impedidos de fazer a prova vestibular porque a Unesp e Vunesp cobram taxas elevadas para o vestibular.

Leia a íntegra da ação

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA CAPITAL

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO, por meio das representantes que esta subscrevem, no uso das atribuições que lhes são conferidas em lei, vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, com fundamento nos artigos 1°, II e III; 3°; 5°, caput; 6° ; 127; 129, II e III; 205; 206, 1 e IV; 208, V, da Constituição Federal; artigos 1°, l e 5°, caput, da Lei 7.347/85 — Lei da Ação Civil Pública (LACP); artigos 81, § único, 1 e II, 82, I, e 84, § 1° a 5°, da Lei 8.078/90 — Código de Defesa do Consumidor (CDC); ajuizar AÇÃO CIVIL PÚBLICA em face da UNESP — Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, instituição pública de ensino superior, sediada na Alameda Santos, 647, Cerqueira César, e VUNESP — Fundação para o Vestibular da Universidade Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, fundação pública destinada a realização do vestibular da UNESP, sediada na Rua Doutor Germaine Burchard, 515, Água Branca, Perdizes, nesta capital e comarca de São Paulo, pelas razões a seguir expostas:


1. FATOS

O Ministério Público do Estado de São Paulo recebeu representação da EDUCAFRO — Educação e Cidadania de Afrodescendentes e Carentes, entidade coordenada pelos Freis Franciscanos da Igreja Católica, dando conta de que, cerca de mais de 9.000 (nove mil) alunos carentes dos 184 (cento e oitenta e quatro) núcleos pré-vestibulares comunitários dessa entidade, são impedidos de fazer a prova vestibular porque a UNESP e a VUNESP cobram taxas elevadas para o vestibular.

Segundo consta, a taxa de inscrição cobrada para o vestibular de 2007 foi de R$ 105,00 (cento e cinco reais), preço que incluiu o valor para aquisição do manual.

Além dos jovens acima, sobretudo há que se ter em conta os cerca de 420.000 (quatrocentos e vinte mil) alunos que se formam todos os anos na rede pública e, via de conseqüência, por serem pobres, não têm como custear o pagamento dessa taxa para concorrer a uma das vagas da universidade pública.

De acordo com números do IBGE metade das famílias brasileiras possui renda mensal familiar de até 03 (três) salários mínimos. E mais, o perfil dos alunos oriundos da escola pública do Estado de São Paulo revela que mais de 63% (sessenta e três por cento) deles possuem renda mensal familiar per capita de até 01 (um) salário mínimo (conforme dados fornecidos pela Fundação SEADE para instrução do inquérito civil).

Dessa forma, para esses cidadãos e seus filhos, a taxa de inscrição para o vestibular é uma taxa de exclusão.

Aos alunos oriundos da rede pública de ensino, mostra-se insuficiente o número de isenções patrocinadas pela UNESP, mediante a adoção reiterada de critério regulamentar, altamente restritivo, em seus concursos vestibulares.

A primeira modalidade de isenção — candidatos socioeconomicamente carentes -, na qual se inclui a grande maioria dos 400.000 (quatrocentos mil) alunos da rede pública que se formam anualmente, oferece número flagrantemente limitado de isenções frente ao tamanho da demanda, ou seja, um total de apenas 6.189 (doc. a fls. 17 do IC).

A segunda modalidade de isenção — convênio entre a Secretaria de Estado da Educação, a UNESP e a VUNESP — dirige-se tão somente aos dois melhores alunos por classe da última série do ensino médio da rede pública, somando um total de 24.122 (vinte e quatro mil, cento e vinte e duas) isenções para o ano de 2007 (doc. a fls. 17 do IC). No entanto, embora seja louvável essa iniciativa, o seu objetivo principal é fomentar a formação de quadros de professores mais qualificados para a rede estadual de ensino, na medida em que metade dessas isenções é específica para os cursos de Licenciatura da UNESP, conforme se extrai dos itens I da cláusula primeira e itens I, II, V e VI da cláusula segunda, do Protocolo de Intenções que fundamentou referido convênio (doc. a fls. 25/31 do IC). Ou seja, a isenção fornecida nesta modalidade tem muito mais o caráter de solucionar um problema da Secretaria Estadual de Educação sobre como estimular a formação de novos professores do que propriamente o de promover oportunidades iguais de acesso à universidade pública, com o direito de livre escolha do curso a que o/a aluno/a carente pretende se candidatar.

A terceira modalidade de isenção — alunos provenientes de cursinhos pré-vestibulares associados à UNESP (doe. a fls. 18 do IC) — oferece número igualmente limitado de isenções, cerca de 2.300 (duas mil e trezentas), muito inferior frente à demanda existente (só os alunos dos cursinhos da EDUCAFRO ultrapassam 9.000).

Diante desse quadro, todos os anos, um número enorme de jovens recém-saídos da rede pública de ensino médio é impedido de concorrer a uma das vagas dessa universidade pública, por não ter condições de pagar a taxa de inscrição.

Ou seja, por sua pobreza, a esmagadora maioria dos alunos fica excluída do direito de participar do concurso vestibular em entidades públicas e, em particular, da UNESP, por não ter condições de pagar o valor cobrado para a inscrição, sem comprometer o sustento de sua família.

Deparamo-nos nesta simples taxa de inscrição para o vestibular com mais uma engrenagem da exclusão social: negar ao aluno pobre – proveniente da escola pública -, o acesso à educação superior, igualmente, pública.

Dessa forma, uma vez que as Rés vêm mantendo a conduta sistemática de limitar o número de isenções da taxa de inscrição para participação dos alunos da rede oficial do ensino médio em seus concursos vestibulares, o Ministério Público propõe a presente ação civil pública, sob os seguintes fundamentos:

2. CABIMENTO DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA

O Ministério Público é parte legítima para a propositura da ação, como representante da sociedade, exercendo sua função de defensor da ordem jurídica, do regime democrático e da proteção dos direitos sociais e individuais indisponíveis, nos termos do disposto no art. 127, “in fine”, da Constituição Federal, e de sua função constitucional de zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados na Constituição, promovendo as medidas necessárias para sua garantia, à luz do artigo 129, II, da Constituição Federal.


Nesta ação, o Ministério Público defende interesse de natureza transindividual indivisível (art. 129, III, da CF), cujos titulares são os alunos da rede pública do ensino médio do Estado de São Paulo, a que se busca garantir o direito fundamental de acesso ao nível superior de ensino, respeitado apenas o sistema meritório, na exata conformidade do que impõe a ordem constitucional em vigor.

De outra parte, defende, também, o Ministério Público o interesse de toda a sociedade a uma Administração Pública proba e eficiente, pois, se o inciso IV do artigo 206, da Constituição Federal, prevê a “gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais”, a concessão de isenção da taxa para a participação de alunos carentes nos concursos vestibulares da UNESP não pode se afastar do princípio constitucional. É que, considerando ser o concurso vestibular a forma constitucionalmente admitida para o acesso pelos interessados ao nível superior de ensino, é imperioso admitir que a cobrança de taxa dos que não conseguem pagá-la acaba comprometendo o sistema integral de gratuidade estabelecido na Constituição.

Evidente, pois, que as Rés vêm agindo com ilegalidade, na forma do parágrafo único, alínea “c”, do artigo 2°, da Lei 4.717/65 – a ilegalidade do objeto ocorre quando o resultado do ato importa em violação de lei, regulamento ou outro ato normativo” -, na medida em que restou violada a lei, na sua expressão máxima; qual seja: a Constituição Federal.

3. FUNDAMENTOS JURÍDICOS DO PEDIDO

A Constituição Federal foi ampla na definição das áreas sociais em que o poder público há de investir para a construção do modelo de Estado Democrático de Direito alicerçado na defesa da cidadania e da dignidade da pessoa humana (ad. 1°, II e II da CF).

A educação mereceu por parte do legislador especial atenção. A declaração contida no artigo 205 da Constituição, no sentido de ser a educação direito de todos e dever do Estado, “significa, em primeiro lugar, que o Estado tem que aparelhar-se para fornecer, a todos, os serviços educacionais, isto é, oferecer ensino, de acordo com os princípios estatuídos na Constituição (ad. 206); que ele tem que ampliar cada vez mais as possibilidades de que todos venham a exercer igualmente esse direito; e, em segundo lugar, que todas as normas da Constituição, sobre educação e ensino, hão que ser interpretadas em função daquela declaração e no sentido de sua plena e efetiva realização”.

O dispositivo 206 do texto constitucional prescreveu ainda algumas diretrizes que devem nortear o sistema de ensino no país. Destacam-se a “igualdade de condições para o acesso e permanência na escola” e a “gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais” (art. 206, I e IV, da CF). E mais, o Estado tem o dever de garantir, respeitada a isonomia, o acesso aos níveis mais elevados de ensino, segundo a capacidade de cada um (ad. 208, V, da CF).

É dentro desse contexto que se verifica a ilegitimidade do limite de isenção da taxa cobrada pela VUNESP para a inscrição dos candidatos da rede pública de ensino nos concursos vestibulares da UNESP.

O concurso vestibular trata-se de procedimento voltado à seleção de alunos para participação nos cursos de nível superior. Segundo já se adiantou, consiste em uma forma de assegurar o acesso dos interessados aos graus mais elevados do ensino, segundo a capacidade de cada um (ad. 208, V, da CF). Por óbvio, a capacidade a que se refere o preceito constitucional encontra-se diretamente relacionada à formação escolar do candidato. O que o legislador pretendeu ressalvar foi apenas a possibilidade de que o acesso ao nível do ensino universitário continuasse a se verificar, por meio de prévia aprovação dos candidatos nos exames dos concursos vestibulares.

A instituição do tributo para a inscrição nos concursos vestibulares dos candidatos socioeconomicamente vulneráveis traduz um quadro de flagrante desigualdade, que não encontra ressonância no princípio da isonomia, cláusula que orienta, de modo específico, a ordem constitucional na área da educação e, de resto, o ordenamento jurídico como um todo.

A taxa de inscrição para os exames veda, sem sombra de dúvidas, o acesso de muitos educandos menos abastados aos níveis superiores de ensino, sinalizando o fato de que somente aqueles com recursos ao pagamento do montante poderão concorrer às vagas nas universidades públicas, em detrimento da grande maioria de alunos da população, oriundos da rede pública oficial, que infelizmente não dispõem de condições econômicas para arcar com o mesmo ônus.

É verdade que existe a outorga de certo número de isenções ao pagamento da taxa para alunos que tenham concluído o ensino médio em escolas públicas, mediante o cumprimento de alguns requisitos, conforme acima mencionamos.


Porém, tal circunstância, porque flagrantemente limitativa, não atenua a ofensa à isonomia que tem como lastro central a outorga de equânime tratamento, na exata medida das desigualdades de cada um.

Assim, não obstante tenha sido instituído no escopo que lhe é próprio, ou seja, o de ressarcir o custo da atividade estatal com a promoção dos vestibulares, a não concessão de isenção da taxa para significativo número de alunos provenientes da rede oficial representa injustificável tratamento discriminatório, que lhes obsta o acesso ao nível superior de ensino, já que, sem a inscrição nos concursos, não terão chance alguma de realização das provas. A eles é impedida a participação no procedimento seletivo e, via de conseqüência, a possibilidade de, em pé de igualdade com os demais interessados, ascenderem aos cursos de formação profissional ministrados na universidade. A possibilidade de acesso às universidades públicas subsiste reservada, de forma prioritária, à parcela de alunos da rede privada da educação, para quem o valor do dispêndio certamente apresenta-se de todo irrelevante.

Dessa forma, a simples apresentação pelos educandos carentes de prova oficial de conclusão do ensino médio em escola pública deve constituir providência mais do que suficiente à constatação inquestionável de integrarem a população de baixa renda, merecendo, via de conseqüência, tratamento diferenciado, capaz de alçá-los a posição ocupada por candidatos de extrato social superior. Vale dizer; se o candidato preenche os requisitos regulares editalícios, é abusivo e iníquo negar-lhe acesso a um concurso vestibular, meramente por não dispor do valor cobrado como taxa de inscrição.

Como se vê, padece de franca mácula de inconstitucionalidade a concessão de número limitado de isenções da taxa de inscrição para a participação dos alunos da rede oficial de ensino nos vestibulares da UNESP, cerceando o direito de incontáveis estudantes hipossuficientes de se candidatarem às vagas por ela oferecidas, em clara afronta a diversos dispositivos da Constituição Federal:

a) artigo 3° e seus incisos, pois o acesso universal à educação é pressuposto essencial para a realização dos objetivos fundamentais da República;

b) artigo 5°, caput, pois o direito fundamental à igualdade obriga o Estado tratar, de forma efetivamente igual, todos os seus cidadãos, inclusive por meio de medidas tendentes a compensar a desigualdade de oportunidades;

c) artigo 206, inciso I, que, no mesmo sentido, garante a igualdade de condições para o acesso e permanência no ensino público;

d) artigo 206, inciso IV, que garante a gratuidade do ensino nos estabelecimentos públicos;

e) artigo 208, inciso V, que, ao garantir o acesso aos níveis mais elevados do ensino, apenas condiciona-o à capacidade de cada um.

Vejamos, mais pormenorizadamente, as graves afrontas aos mandamentos constitucionais, resultantes do limite de isenção da taxa de inscrição para o vestibular da UNESP:

a) dos objetivos fundamentais da República (artigo 3° e seus incisos, CF)

Para um Estado que tem como objetivos fundamentais a construção de uma sociedade livre, justa e solidária; a garantia do desenvolvimento nacional; a erradicação da pobreza e da marginalização; a redução das desigualdades sociais e regionais; e a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação, a educação de seus cidadãos desponta como pressuposto essencial de primordial relevo.

Ora, a limitação do número de isenções da taxa de inscrição aos concursos vestibulares, na medida em que exclui um número indeterminado e elevado de pessoas pobres da possibilidade de acesso aos níveis superiores de ensino, pelo simples fato de não poderem pagar o valor cobrado, é fator que coloca injustificadamente obstáculos àqueles objetivos fundamentais, sendo causa mesmo da manutenção das desigualdades sociais que tanto nossa Constituição pretende eliminar.

b) do direito à igualdade (artigo 5°, caput, CF)

Contra este princípio, reside a gravidade maior da afronta cometida pelas Rés ao instituírem a limitação do número de isenções da taxa de inscrição para o vestibular, tornando oficial, sob as vestes de suposta legalidade, ante prática reiterada por anos a fio, um inaceitável ato de discriminação, em razão de extrato social (art. 3°, IV, da CF).

As isenções concedidas, ademais, na medida em que limitam o número de beneficiários, não alcançam todos os necessitados de forma indistinta, como rigorosamente obriga o norte maior da isonomia.

c) da igualdade de condições de acesso ao ensino público (artigo 206, inciso I, CF)

A Constituição Federal reiterou a inserção do princípio fundamental da igualdade no inciso I, do seu artigo 206, a fim de garantir a todo e qualquer cidadão o acesso à escola.


Ora, conforme por vezes repisado, o limite do número de isenções para a taxa de inscrição restringe o acesso dos economicamente hipossuficientes ao concurso vestibular e, por conseguinte, viola frontalmente esse princípio constitucional, pois, ainda que por via indireta, nega- lhes o acesso ao ensino público superior.

De fato, a imposição pelas Rés de número limitado de isenções exclui milhares de jovens carentes oriundos da rede oficial de ensino da possibilidade de participarem do processo seletivo, não lhes assegurando a igualdade real que deve existir entre os potenciais candidatos, segundo o comando constitucional expresso.

d) da gratuidade do ensino público (artigo 206, inciso IV, CF)

A Constituição Federal dispõe que o ensino público nos estabelecimentos oficiais será gratuito.

Essa gratuidade não se refere apenas à efetiva prestação da atividade educacional, mas também ao acesso gratuito aos estabelecimentos oficiais de ensino, de modo a não privar alguém de prestar exame vestibular somente por ser pobre e não ter condições de pagar pela inscrição às provas.

Nesse sentido, a limitação do número de isenções da taxa de inscrição afigura-se como abuso claramente incompatível com a vontade constitucional, pois as atividades seletivas para o ingresso na universidade pública devem ser reconhecidas como integrantes do acesso aos níveis mais elevados de ensino e, portanto, alcançadas pela cláusula da gratuidade constitucional, sobretudo em benefício dos candidatos que não reúnem condições econômicas para a satisfação do tributo.

e) da garantia de acesso aos níveis elevados de ensino (artigo 208, inciso V, CF)

Esse princípio constitucional também está sendo violado, na medida em que a limitação de isenções daquela taxa impõe requisito de acesso não previsto no ordenamento constitucional que veio condicioná-lo, única e exclusivamente, à capacidade do estudante.

Exigir taxa de inscrição daqueles que não possuem condições financeiras é equivalente a lhes negar acesso aos níveis elevados de ensino, na medida em que se coloca obstáculo que os impede de participar do processo de seleção estabelecido para conquista das vagas disponibilizadas pela universidade pública.

Ou seja, milhares de candidatos pobres sequer têm condições de testar a sua capacidade, pois são excluídos da participação do vestibular onde essa capacidade poderia ser aferida.

A prevalecer o limite de isenções da taxa de inscrição dos concursos vestibulares da UNESP, a garantia constitucional de acesso aos níveis elevados de ensino, segundo a capacidade de cada um, revela- se totalmente inócua para alunos provenientes da rede oficial de ensino do Estado de São Paulo.

4. PEDIDO

1) Requer-se, inicialmente, de plano, com fu no artigo 12, da Lei da Ação Civil Pública-LACP, na regra do artigo 84, § 3°, do Código de Defesa do Consumidor-CDC, e na do artigo 461, § 3°, do Código de Processo Civil-CPC, uma vez presentes os requisitos legais, a concessão de medida liminar para obrigar as Rés, já no concurso vestibular de 2008, instaurado para o ingresso nos cursos de ensino superior da UNESP, a estenderem a isenção do pagamento da taxa de inscrição para todos os candidatos que comprovem a conclusão do ensino médio na rede oficial do Estado de São Paulo.

É inequívoca a relevância dos fundamentos da demanda. Alude-se a direitos fundamentais positivados na Constituição Federal, em grau de absoluta supremacia. O direito à igualdade de condições de acesso aos níveis mais elevados de ensino extrai-se, de modo exaustivo, da ordem estabelecida ao direito fundamental à educação (arts. 6°, 205, 206, I, e 208, V, da CF) que, sob o mando da isonomia (art. 50, caput, da CF), representa pressuposto básico à garantia de uma existência digna para as nossas gerações futuras (art. 1º, III, da CF), de sorte à efetiva persecução pelo Estado dos objetivos que lhe incumbe alcançar (art. 3º, I a IV, da CF).

Da mesma forma, em função da demora na solução do litígio, é, sem dúvida, fundado o receio da ocorrência de dano de difícil reparação aos potenciais interessados em concorrerem, no próximo vestibular, às vagas dos cursos ministrados pela UNESP, à mercê do risco de serem alijados do concurso, pela ausência de disponibilidade de recursos para o pagamento da taxa de inscrição. Vale ressaltar que mais de 400.000 (quatrocentos mil) alunos formam-se, anualmente, na rede pública do Estado.

2) Após a concessão da medida liminar, observado o procedimento comum ordinário (art. 274 do CPC), requer-se a citação das Rés para, querendo, contestar a presente ação civil pública no prazo legal, sob pena de serem considerados verdadeiros os fatos articulados nesta petição inicial, nos termos do artigo 285 do Código de Processo Civil.

3) Requer-se, ainda, seja julgada procedente a ação para obrigar as Rés a estenderem o benefício de isenção do pagamento da taxa de inscrição de seus concursos vestibulares para todos os candidatos oriundos da rede pública do ensino médio do Estado de São Paulo.

4) Nos termos do disposto nos artigos 11 da LACP, 84, § 4° e 5°, do CDC; e 461, §§ 4º e 5º, do CPC, ao cumprimento da tutela específica ou para a obtenção de resultado prático equivalente, requer-se a imposição de multa diária, além de outras medidas coercitivas tendentes à consecução do mesmo fim.

5) Protesta-se provar o alegado por todos os meios de prova em direito admitidos, incluindo-se a juntada de documentos, depoimentos pessoais, oitiva de testemunhas e outros.

6) Por último, observando o disposto no artigo 18 da LACP, atribui-se à causa, apenas para efeitos fiscais, o valor de R$ 1000,00 (um mil reais).

Termos em que,

P. E. Deferimento.

São Paulo, 29 de junho de 2007.

JAQUELINE LORENZETTI MARTINELLI

FERNANDA LEÃO DE ALMEIDA

Promotoras de Justiça da Capital

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!