Suprema competência

No julgamento do ano, Joaquim Barbosa ganhou todas

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28 de agosto de 2007, 19h03

Divulgação STF
Joaquim Mensalao - por Divulgação STFO desempenho do relator Joaquim Barbosa no Inquérito 2.245 parece ter surpreendido inclusive os seus colegas do Supremo Tribunal Federal. Em um caso de tamanha estrutura, com 40 denunciados, o tribunal conseguiu finalizar o julgamento em um tempo razoável de 30 horas.

Ao final da sessão, a contida Ellen Gracie, presidente do STF, não poupou elogios ao relator e ao desempenho do tribunal. “Tenho dificuldades em acreditar que alguma corte suprema no mundo se reúna na sua composição plenária para o recebimento de denúncia com essas minúcias, com esse detalhe, esse esforço analítico que foi desenvolvido aqui.”

A ministra lembrou que Barbosa utilizou recursos da informática para dar celeridade ao processo e facilitar o trabalho dos ministros e dos advogados de defesa. Com 51 volumes e mais de mil apensos, o Inquérito foi digitalizado, o que permitiu a manifestação simultânea dos 40 denunciados. A fase foi reduzida em 20 meses. “Esse mesmo ganho de tempo vai ser reproduzido na fase instrutória”, prometeu Ellen Gracie.

Não foi só a ministra. Para o ministro Carlos Ayres Britto o “excelente voto” do ministro Joaquim Barbosa facilitou, do ponto de vista técnico, o trabalho do colegiado. “Joaquim Barbosa debulhou os fatos e, numa confecção primorosa, está nos dando todos os elementos de que precisamos para formular um juízo, que nós chamamos de delibatório. É um juízo preliminar, é um juízo prefacial”, disse Britto animado com o trabalho do colega.

O ministro Ricardo Lewandowski também elogiou o colega: “O ministro Joaquim Barbosa conduziu o inquérito do ‘mensalão’ com competência, firmeza e sensibilidade, formulando um voto no sentido do recebimento da denúncia sem, no entanto, dar qualquer juízo quanto ao mérito das acusações nela contidas”.

Série invicta

Em uma atitude inédita, Joaquim Barbosa dividiu a análise da denúncia em partes. Durante cinco dias, os ministros votaram as acusações em fatias. O método teve vantagens claras como mostrou o resultado final, no qual o relator não perdeu nenhuma decisão.

Com a técnica, público e jornalistas conseguiram acompanhar com mais facilidade as especificidades jurídicas que os complexos debates do Supremo suscitam aos não operadores do Direito. Além disso, deu uma exposição de mídia sem precedentes ao STF.

Sites noticiosos, canais de televisão e rádios tiveram material suficiente para destacarem novas manchetes de hora e hora, mantendo o assunto quente. A todo o momento, durante as sessões, havia um Roberto Jefferson, um Luiz Gushiken ou um José Dirceu se tornando réu da Ação Penal.

O método impediu ainda a criação de uma bola de neve de divergências. Cada ponto em que se criava o consenso, o relator impunha sua visão aos outros ministros em casos parecidos. Um exemplo foi a contestação que o ministro Ricardo Lewandowski fez sobre imputação de crime de formação de quadrilha.

Com a ajuda do ministro Cezar Peluso, o relator impôs o seu voto de que os denunciados deveriam se tornar réu por formação de quadrilha. A divergência era meramente formalista na sua visão. Vencido no primeiro embate, restou a Lewandowski seguir a posição da maioria nas outras 23 decisões sobre este crime.

Único debate

O momento de maior dificuldade para Joaquim Barbosa foi logo ao início das votações, quando o plenário apreciava as preliminares dos advogados. Os ministros discutiram longamente sobre a legalidade das provas, que continham sigilo bancário e foram obtidas pelo procurador-geral, diretamente com o Banco Central, sem autorização judicial.

Eros Grau, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Marco Aurélio, Celso de Mello e Ellen Gracie chegaram a votar contra a validade dessas provas. Entretanto, a questão foi considerada prejudicada pelos ministros porque os documentos também foram obtidos com autorização da CPMI dos Correios, que possui atribuições investigativas e foi ratificada pelo do presidente do STF (a época, Nelson Jobim). A reviravolta chegou a enganar alguns jornalistas que noticiaram a primeira derrota de Joaquim Barbosa. Naquele instante, o relator mostrou ter se cercado muito bem de possíveis divergências.

Os ministros discutiram especificamente aquelas provas que atestariam a concessão de empréstimos pelos bancos Rural e BMG ao “núcleo publicitário-financeiro” do esquema. O relator argumentou que os documentos foram conseguidos pela CPMI dos Correios. “A CPMI é um órgão com o mesmo poder do Judiciário. A CPMI antecede este inquérito”, afirmou Joaquim Barbosa, que citou decisão de Nelson Jobim.

O debate foi acalorado. Joaquim Barbosa chegou a pedir a Eros Grau a identificação das provas que deveriam ser retiradas do inquérito. “O senhor, como relator, é quem deve identificar essas provas”, rebateu Eros, depois de ameaçar pedir vista da questão.

Depois da disputa, Eros teve uma atitude praticamente passiva durante o julgamento. Havia a suspeita de que ele não aceitaria a denúncia depois que diálogos entre Cármen Lúcia e Ricardo Lewandowski foram publicados pelo O Globo revelando uma possível combinação de votos.

Palavra da defesa

Advogados comentam hoje no Supremo que o ministro Joaquim Barbosa sai fortalecido do julgamento. Demonstrou sobriedade e resistência expondo profundo estudo e conhecimento da denúncia. O julgamento durou mais de 30 horas no total. “Não tenho reclamações. Foi um trabalho exaustivo e articulado”, afirmou o advogado do ex-deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ), Luiz Francisco Barbosa.

O advogado, porém, criticou a sistemática do ministro do ponto de vista material. “A sistemática omitiu alguns dados. Alguns pontos da defesa não chegaram a ser apreciados por ele”, disse. O ex-deputado será processado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

De acordo com o advogado Fernando Pacheco que representou o deputado federal José Genoino (PT-SP) o ministro encerrou a primeira fase da missão fortalecido. “O ministro Joaquim Barbosa sai fortalecido do julgamento. Ele não foi contestado em nenhum momento”, declara o advogado. Pacheco ressaltou que não interessa ao seu cliente procrastinar o julgamento da ação penal e, portanto, não vai recorrer. O deputado se livrou da acusação de peculato, mas vai responder ação penal por formação de quadrilha e corrupção ativa.

“Não concordamos com o juízo do STF. Estou convencido da inocência e total falta de provas contra o meu cliente, mas temos de reconhecer que foi um trabalho de fôlego. O ministro apresentou um voto bastante consistente”, afirma o advogado.

Expectativa

Ao final da sessão, Joaquim Barbosa declarou, em entrevista coletiva, que ainda não cumpriu inteiramente seu papel, pois “ainda tem muito trabalho pela frente”. O relator do mensalão disse que foi vencida apenas a primeira parte do processo.

O ministro respondeu que a mensagem fundamental deixada por esse julgamento é que “as instituições funcionam perfeitamente, a pleno vapor, sem quaisquer sobressaltos”. Questionado sobre a percepção de que o STF teria dado um caráter político ao julgamento, o ministro refutou observando que “quem assistiu ao julgamento teve a oportunidade de perceber que as discussões em plenário foram eminentemente técnicas”.

[Texto atualizado às 20h27]

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