Consultor Jurídico

Sistema incentiva segurado a se aposentar por invalidez

26 de agosto de 2007, 0h00

Por Helder Teixeira de Oliveira

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Dia desses, as câmeras de televisão flagraram um cidadão fingindo estar fisicamente incapacitado. Para tanto, usou muletas. Seu objetivo era a manutenção do benefício por incapacidade então recebido.

Tornam-se freqüentes os casos de agressão a médicos peritos do INSS, e demais servidores. Já há registros de homicídio e de sua tentativa.

Os Juizados Especiais Federais estão se tornando instância automática para quase todo e qualquer indeferimento ou cessação de benefício por incapacidade. Não seria exagero mudar o nome do órgão jurisdicional para Juizado do Auxílio Doença/Aposentadoria por Invalidez.

Milito há 10 anos na área, e fico me questionando as razões do fenômeno. A princípio, há duas causas, bem aparentes.

A primeira delas, são os abusos, ilegalidades e injustiças cometidas pelo INSS, que não são poucos, e são frutos de uma mentalidade administrativa, consciente ou inconsciente, que acredita que é do interesse público negar direitos. E ainda, da falta de investimento na autarquia previdenciária que, à míngua de pessoal e estrutura, passa a adotar a posição mais cômoda e mais rápida: negar, até ‘para não se complicar’.

Outra causa aparente está no desemprego, fruto da globalização e do capitalismo selvagem. Aquele cidadão ‘das muletas’, que aparenta estar na casa dos 40 e poucos anos, se empregado, certamente poderá encontrar dificuldades para retornar ao mercado formal de trabalho. No mais, ele teve apenas o azar de ser flagrado, pois tenho a impressão que os casos de ‘fingimento bem sucedido’ não são poucos.

Para além porém, das duas causas evidentes acima apontadas, há uma terceira, menos aparente, contudo, não menos importante.

É que a legislação previdenciária beneficia, em demasia, quem se aposenta por invalidez, em detrimento dos que buscam a aposentadoria por tempo ou idade. Vejamos as vantagens:

1) na aposentadoria por invalidez, basta que se cumpra a carência de 12 meses, ao passo que na aposentadoria por tempo ou idade, a carência é de 180 meses, sem contar a exigência dos 30/35 anos de tempo e 60/65 de idade ( esta, nas aposentadoria por idade); há casos inclusive, de dispensa de carência para aposentadoria por invalidez;

2) na aposentadoria por invalidez, não há a incidência do cruel fator previdenciário; só isso já é uma vantagem enorme desta espécie de aposentadoria, que até dispensa qualquer outra vantagem;

3) o aposentado por invalidez que precisar do auxílio permanente de terceiro, tem direito ao acréscimo de 25% na aposentadoria; já o aposentado por tempo ou idade que, após se aposentar, vier a precisar do mesmo auxílio permanente de terceiros, não terá direito ao benefício, que é exclusivo daqueles que se aposentam por invalidez;

4) a aposentadoria por invalidez é sempre integral;

Como se percebe, diante de tantas vantagens, beira a insanidade a pretensão de se aposentar por tempo de contribuição nos dias atuais. O segurado que hoje procura o balcão da previdência com este objetivo deveria ser logo encaminhado à perícia para ser aposentado por invalidez, em face de ‘problemas mentais.’

Não pretendo, com este singelo artigo, fazer um manifesto contra o benefício por incapacidade em questão, que é simplesmente indispensável. Apenas chamo a atenção para o fato de que não me parece correto um sistema que incentive tanto a busca por tal espécie de benefício, em detrimento do benefício que decorre do trabalho prestado ou da idade avançada.

Não tenho dados estatísticos, mas posso apostar que o Brasil deve estar entre os primeiros países do mundo no ‘ranking’ dos benefícios por incapacidade.

Aliás, a facilidade na concessão do benefício por incapacidade tem gerado um fenômeno interessante, e talvez único (ou raro), no mundo: muitos segurados, especialmente senhoras, donas de casa, sem qualquer vínculo anterior com a previdência, por volta dos 50 ou 60 anos de idade, já incapacitadas, começam a contribuir para com a Previdência, na qualidade de contribuinte individual (antigo autônomo) ou segurado facultativo. Recolhem a carência mínima de 12 meses, ou pouco mais, apresentam exames médicos recentes (posteriores ao início dos recolhimentos ou ao preenchimento da carência) e aposentam-se por invalidez.

O sistema simplesmente permite a prática acima narrada, e nem sempre o INSS se atenta para o detalhe da incapacidade preexistente — que seria causa para o indeferimento do benefício — até porque todos os documentos médicos apresentados são recentes, pós-filiação ou pós-preenchimento da carência.

E assim temos o fenômeno único — ou raro — no mundo de o sistema simplesmente aceitar o ingresso de pessoas que, pela idade, já deveriam dele estar saindo pela aposentadoria por tempo ou idade. Ou seja, ingressam no sistema já na idade da aposentadoria. E só ingressam porque estão doentes e precisam da renda da aposentadoria por invalidez. E, tudo isso, diga-se, em detrimento do segurado que passa anos trabalhando para se aposentar por tempo de contribuição, geralmente com renda bem menor, em face das regras de cálculo vigente.

Aí cabem as indagações: está correto este sistema? Nada há para ser mudado nesta área? Há justiça previdenciária? Há equilíbrio atuarial?

Espero que o conselho que o presidente Lula criou para debater a previdência atente para esta questão, que é mais importante, a meu sentir, do que a fixação de idade mínima para a aposentadoria por tempo de contribuição. Aliás, a fixação de idade mínima para a aposentadoria por tempo consistirá em mais um incentivo para que o brasileiro busque a aposentadoria por invalidez, onde a carência é só de 12 meses e não se exigirá idade mínima nem fator previdenciário.

Em conclusão, não tenho soluções — senão sugestões — para o problema. Talvez seja o caso de — para os benefícios por incapacidade — estabelecer-se uma carência progressiva, tanto maior quanto maior for a idade de ingresso no sistema; e ainda, excluir tal espécie de benefício para aqueles que ingressem no sistema com idade muito avançada. Para estes, restaria o benefício por idade, desde que completada também a carência mínima. Estas, contudo, são meras sugestões que lanço para reflexão e debate.

Enfim, o que não é viável, assim me parece, é manter um sistema previdenciário que incentive o segurado a buscar o benefício por incapacidade, segurado este que já tem outras boas razões externas, de sobra, para buscar tal tipo de benefício. De outra parte, é preciso valorizar a aposentadoria por tempo de contribuição.

Ficam aqui estas considerações para o debate.