Atividade lícita

É ilógico punir quem contribui com a prostituição

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24 de agosto de 2007, 15h31

Desde os primórdios, a “profissão” prostituição fez parte da realidade da convivência em sociedade. Embora sempre tenha sido considerada, pela maioria dos grupos sociais, uma “forma de ganhar a vida imoral ou amoral”, menos ou mais intensa, dependendo da época histórica da humanidade, todos os grupos sociais, ainda que ignorando sua existência, tacitamente, a aceitava.

Segundo Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, “prostituição é, além do ato de prostituir-se, o comércio habitual ou profissional do amor sexual.”[1]

Sabe-se que o ato de prostituir-se não é considerado crime, embora induzir, atrair, facilitar, intermediar, promover ou impedir, são verbos que caracterizam os tipos penais (leia-se crimes) de Favorecimento da prostituição (art. 228, CP) e Tráfico de Mulheres (art. 231, CP).

Entretanto, as condutas praticadas pelos verbos acima descritos, não são necessariamente caracterizadas como habituais, diferentemente da prostituição que como já nos referimos, pressupõe a habitualidade como meio inerente à sua conceituação.

Isto quer dizer, não se poder falar em prostituição a existência apenas um ato isolado de uma mulher que obteve lucros econômicos com uma relação sexual.

Trazemos estas breves informações iniciais para justificar que, além de ser a prostituição uma habitual comercialização do amor sexual, qualquer dos crimes referidos exigem, para sua adequação, a presença inconteste da prostituição que é, necessariamente, habitual, concluindo-se que: induzir, atrair ou facilitar a prostituição, torna-se ação ou omissão absolutamente inócua, pelo simples fato de que não se pode induzir, atrair ou facilitar a prostituição, se ela deve preexistir à suposta indução, atração ou facilitação.

Se assim não fosse, estaríamos diante de uma situação absolutamente impossível que é prostituir o que já é prostituído pela própria necessidade anterior da habitualidade. Vê-se que é ilógico, ser a prostituição prática em si atípica e punir o indivíduo que contribui, seja de que forma for, à prostituição alheia.

Obviamente, como razoável observação, não entrariam neste rol, aquelas mulheres forçadas a exercer a prostituição (fraude, violência ou ameaça); neste caso estamos diante de uma outra situação que não somente pode como deve ser tutelada pelo Direito Penal, por ser de grande relevância social e inconteste.

Por outro lado, se a pessoa atraída ou induzida a exercer a prostituição for maior de 18 anos (Maioridade Civil), trata-se, a nosso ver, de atividade socialmente irrelevante por haver ela discernimento para a escolha, ainda que pressuposto este discernimento, sendo, portanto, inadequada a tutela penal neste caso; primeiro, porque é considerada maior pela Lei Civil; segundo, porque adentra no campo da inobservância dos direitos considerados indisponíveis, tal qual o é o próprio corpo.

Como princípios constitucionais penais e não penais existentes em nosso ordenamento jurídico que são flagrantemente afrontados com a tutela penal que consideramos equivocada, não nos cabendo discorrer um a um por serem auto – explicativos, podemos citar:

•Art. 1º (Estado Democrático de Direito);

•Art. 1º, II (a cidadania);

•Art. 1º, III (dignidade da pessoa humana);

•Art. 3º, I (construir uma sociedade livre, justa e solidária);

•Art. 3º, IV (promover o bem de todos , sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação);

•Art. 4º, II (prevalência dos direitos humanos);


•Art. 5º (garantias e direitos individuais, tal qual o é a liberdade, sem distinção de qualquer natureza);

•Art. 5º, XLI (punição a qualquer liberdade atentatória dos direitos e garantias individuais);

Os princípios acima elencados são princípios considerados basilares para a garantia de qualquer cidadão que pertença ao chamado Estado Democrático de Direito.

Assim sendo, incluí-se toda prostituta que, podendo fazer do seu corpo aquilo que julgar conveniente, desde que não adentre em direitos de terceiros de igual valor, também é pelo Estado Democrático, considerada cidadã brasileira.

A prostituição não atinge qualquer relevância social (consideradas as observações citadas). Tanto é verdade que, desde os mais remotos tempos, ela existe e todos têm pleno conhecimento disso. A irrelevância é tanta que a conduta não é tutelada pelo Direito, e se contrário fosse, haveria desrespeito às garantias arduamente conquistadas, como a liberdade.

O chamado Direito Penal Simbólico, é o termo usado para caracterizar dispositivos penais que não geram, primariamente, efeitos protetivos concretos, isto é, que previsivelmente são ineficazes mas dão a impressão de que se está fazendo algo para controlar as ações e situações indesejáveis (grupos ideológicos, políticos, entre outros).

Ora, no caso que se discute, ou estamos diante do Direito Penal Simbólico ou estamos diante de dispositivos legais ultrapassados, uma vez que o Código Penal traduz os valores e desvalores da cultura de um Povo, que neste caso, hodiernamente, se convergem em desnecessários e infrutíferos.

Se pararmos para analisar, não haveria tantos anúncios e propagandas com este apelo se não fosse prática exercida com a condescendência e anuência silenciosa das autoridades competentes, o que se inclui, principalmente, os representantes do Ministério Público, que por dever constitucional, desde a Carta de 1988, atuam como fiscais das leis (custus legis).

Entendemos que diante das considerações apresentadas, tais crimes deveriam ser retirados do Código Penal, como ocorreu com os crimes de adultério e sedução, recentemente. O simples fato de que todos os meios de comunicação ofertam o sexo com a nítida e clara finalidade de lucro, por si já representa uma total desnecessidade de repressão penal.

Assim, se existem aqueles que contrariam a idéia da existência de locais destinados para estes fins, razoável seria que criassem ONGs ou Centros de Educação Sexual e Moral para combater e prevenir a prostituição, não cabendo ao Direito Penal a tutela de interesses socialmente irrelevantes, pois a função da pena também é a de reprimir.

Sendo a prostituição facilitada, podemos vislumbrar uma situação positiva para a sociedade, isto é, havendo locais destinados licitamente para essa prática, a ofensa à “moral” ou aos “bons costumes”, certamente diminuiria por não precisar estar nas ruas, às vistas de todos, aquelas que possuem o total direito de exercer o comércio habitual ou profissional do amor sexual, chamado de prostituição.

Analisando sob outro aspecto, outros princípios também são afrontados diretamente ao serem punidos, ou passíveis de punição, aqueles que “trabalham” com o comércio do amor sexual (conduta lícita), mas não o praticam pessoalmente. Vejamos:

• Princípio da razoabilidade e proporcionalidade (apenas o que é adequado pode ser necessário, mas o que é necessário não pode ser inadequado);

• Princípio da intervenção mínima: ao Direito Penal cabe apenas a tutela de interesses penalmente e juridicamente relevantes, o que quer dizer: apenas aqueles em que, não podendo ser suficiente a tutela dos outros ramos do Direito, cabe então ao Direito Penal intervir; é o caráter fragmentário do Direito Penal);

Estamos aqui a nos referir, que ao legislador cabe conceber delitos e penas de acordo com o juízo de valor e em conformidade com a consciência moral de um povo, declarando ao mesmo tempo, a ofensa direta ao senso de justiça, o que não nos parecer ocorrer com a prostituição.


Assim, se os crimes elencados nos artigos previstos no Capítulo V do Código Penal (DO LENOCÍNIO E TRÁFICO DE MULHERES) – evidentemente excetuando os casos que envolvam menores de idade e as vítimas de violência, atos fraudulentos e ameaçadores-, pressupõem a prostituição como parte integrante do tipo legal, cremos que tais crimes são em si mesmos equivocados e conglobantes, pois não há possibilidade de uma norma permitir e proibir o mesmo ato, devendo ser, a nosso ver, consideradas atípicas estas condutas.

Por outro lado, o caso ocorrido com o “Bahamas”, levando-se em consideração as inúmeras Casas que a ela são similares, fere ostensivamente o princípio da isonomia, bem como desrespeita o dever de fiscalização da Lei, que cabe ao representante do Ministério Público. Segundo o noticiado pela imprensa, nos faz crer, que o representante do Ministério Público intervém, denuncia e requer a prisão do responsável de uma única Casa Noturna voltada ao amor sexual, quando é sabido por todos que são inúmeras as existentes não somente em São Paulo, mas no mundo todo.

Cabe, portanto, diante de seu dever constitucional e prerrogativa de função, agir da mesma forma, diante de todas as “Casas” do gênero existentes, para que o senso de Justiça e o princípio da isonomia e legalidade possam ser respeitados.

O que não pode ser concebido é investigar e deter, pelo menos é o que nos mostra, apenas aqueles “casos” que de alguma forma possuem grande repercussão na mídia.

Pelo princípio da isonomia, devemos tratar os iguais de forma igual respeitando suas desigualdades (se é que existem no caso a que se destina).

Outra questão que devemos pontuar é o princípio da eficiência do Estado que, com a Emenda Constitucional nº 19/98, foi acrescido como um dos Princípios Constitucionais obrigatórios da Administração Pública.

Com isso, a ineficiência do Estado passa a ser considerada afronta à Constituição Federal. Dizemos isso, pois, comumente, temos como resposta das autoridades competentes que a inaplicabilidade da Lei dá-se pela falta de recursos, entre outros, e não pela ineficiência do Estado.

A possível justificativa de não serem presos todos aqueles que praticam a mesma “conduta comercial” que Maroni, é justamente a impossibilidade: leia-se ineficiência, da máquina Estatal.

Entretanto, se a idéia é a aplicação da Lei, com tais condutas já discorridas acima, conclui-se que a mesma não está sendo cumprida, ao contrário, está-se diante de uma aplicação, em tese, arbitrária, pois não é permitido, pela Constituição, condutas aplicadas apenas a alguns, caracterizando-se, destarte, ao que chamamos de Responsabilidade Objetiva do Estado, cabível,inclusive, indenização com direito de regresso ao servidor público que tenha dado causa a ela. É a teoria do Risco Administrativo.

Conclusivamente, se o Princípio Fundamental do Interesse Público é o Bem Comum, e se a prática da prostituição não possui relevância jurídica e social, tanto que não é juridicamente protegida, excetuados os casos em que são envolvidos menores e vítimas de fraude ou violência, entendemos não serem também relevantes e não afetar o Bem Comum, as práticas que estão diretamente ligadas à prostituição, ao contrário, se tais condutas são penalmente, socialmente e juridicamente relevantes do ponto de vista formal da Lei, afetam sim o Bem Comum porque aos envolvidos nessas situações, não está sendo respeitado o Bem Particular que é comum a todos os cidadãos brasileiros.

Somente estamos diante do Bem Comum quando há comunhão e respeito a todas as garantias e princípios individuais do Bem Particular.

Neste caso, não nos parece, ao menos diante dos fatos apresentados, estarem qualquer deles sendo respeitados.


[1] Aurélio Buarque de Holanda Ferreira. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. 2ª ed. Editora Nova Fronteira: Rio de Janeiro, 1986. P. 1405

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