Privado e público

Divulgação de diálogos entre ministros é alvo de controvérsia

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24 de agosto de 2007, 12h14

Depois de divulgar a troca de mensagens entre ministros do Supremo Tribunal Federal, durante o julgamento do mensalão, o jornal O Globo perguntou à especialistas se houve excessos na atuação da imprensa no caso.

Entre os que respondem que não, o principal argumento é a proteção do direito de acesso à informação, em um ambiente público. Entre os que condenam a publicação dos diálogos, é comum a defesa da privacidade dos magistrados.

Leia a reportagem do jornal

O advogado Ives Gandra Martins sustentou que as mensagens eletrônicas revelam trechos de uma rotina comum em qualquer tribunal. Mas há o mérito do fotógrafo Roberto Stuckert Filho em ter ficado atento ao trivial. Ele lembrou que o acesso do repórter e da câmera fotográfica ao plenário foram liberados pelo STF.

“Foi um brilhante trabalho de jornalismo. Mas, para quem vive a rotina do Judiciário, nada do que foi apresentado é novo. Antes, a troca de impressões era apenas oral. Agora, existe o meio eletrônico. Às vezes, frases agressivas são trocadas até na hora do café. Só que para o público isso não costuma ser revelado”, disse ele.

Para o advogado Luis Roberto Barroso, a conversa entre os ministros era privada, mesmo acontecendo em um ambiente público. A divulgação do teor, segundo ele, caracteriza invasão de privacidade.

“O fato de o acesso à informação ter se dado em um ambiente público pode excluir a ilicitude da conduta do jornalista, mas não descaracteriza a natureza privada da conversa”, afirmou ele, ressaltando que não vê, nos diálogos, nada de impróprio.

“Na maior parte do mundo, as Supremas Cortes ou tribunais constitucionais decidem os casos que lhes são submetidos em sessões reservadas, onde procuram produzir consenso ou conciliar posições. Mesmo no STF, não é incomum ministros mudarem seus votos, cedendo ao argumento do outro”, completou.

Nenhum dos juristas ouvidos pelo jornal O Globo enxergou, nos diálogos, combinação de votos. O jurista Dalmo Dallari, por exemplo, concorda com Barroso a respeito da normalidade dos diálogos. “É normal a troca de idéias nos julgamentos, o que não significa barganha”, esclareceu.

Celso Campilongo chamou os diálogos de naturais. “Parece mais do que razoável haver conversas numa composição como o STF. Mais complicado do que a troca de bilhetes é a invasão de privacidade” disse ele, com uma ressalva. “Se a discussão sobre a sucessão do ministro Sepúlveda Pertence acontecia durante as sustentações, é um deslize. Mostra falta de atenção com um processo desta relevância”, ponderou.

O ex-ministro da Justiça Célio Borja afirmou que a discussão sobre a sucessão de Pertence foi “inconveniente”, mas sustentou que a divulgação das conversas abala o princípio da “privacidade funcional”.

“A imprensa deveria se abster de revelar a intimidade das opiniões dos juízes, durante um julgamento, para preservar a independência do Poder (Judiciário). Com a divulgação, os juízes ficam expostos a constrangimentos”, disse o jurista.

O jornalista Alberto Dines, editor do Observatório da Imprensa, sustentou que o ambiente público justifica a publicação das conversas. Ele afirmou que, nesse caso, a atuação dos jornalistas é ainda mais defensável do que no uso das imagens do assessor especial da Presidência Marco Aurélio Garcia, flagrado fazendo gestos obscenos ao comemorar reportagem do Jornal Nacional sobre o acidente com o Airbus da TAM.

“A sessão era franqueada aos jornalistas. Eles (os ministros) que tomassem cuidado e não se deixassem flagrar. A condenação da divulgação é atitude totalitária, discricionária e oligárquica” disse Dines.

Em seu blog, o colunista do Globo Ricardo Noblat lembrou que os ministros sabiam que os fotógrafos estavam no plenário. “A sessão é pública. Os ministros sabiam que poderiam ser alcançados pelas lentes dos fotógrafos. Trocaram e-mails à frente de todos porque quiseram. Ou porque foram descuidados. O assunto por eles tratado é de interesse público”, afirmou Noblat.

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