Máquina adoentada

CPMF gera efeito confisco que é vedado pela Constituição

Autor

  • Ives Gandra da Silva Martins

    é professor emérito das universidades Mackenzie Unip Unifieo UniFMU do Ciee/O Estado de S. Paulo das Escolas de Comando e Estado-Maior do Exército (Eceme) Superior de Guerra (ESG) e da Magistratura do Tribunal Regional Federal da 1ª Região professor honorário das Universidades Austral (Argentina) San Martin de Porres (Peru) e Vasili Goldis (Romênia) doutor honoris causa das Universidades de Craiova (Romênia) e das PUCs PR e RS catedrático da Universidade do Minho (Portugal) presidente do Conselho Superior de Direito da Fecomercio-SP ex-presidente da Academia Paulista de Letras (APL) e do Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp).

24 de agosto de 2007, 0h00

*Reza o artigo 150, inciso IV, da Lei Suprema, que: “Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios: IV — utilizar tributo com efeito de confisco”.

Na ADI 2.010-2, do Distrito Federal, o Supremo Tribunal Federal encampou, pelos votos dos ministros Marco Aurélio Mello, José Celso de Mello e Carlos Mário Velloso, tese que eu expusera nos Comentários à Constituição do Brasil (6º volume, tomo 1 — escritos por Celso Bastos e por mim) segundo a qual o efeito confisco pode ocorrer mesmo por força de um tributo não confiscatório.

Na referida ADI, mostrou, o ministro Carlos Velloso, que: “Em primeiro lugar, a questão, ao que me parece, deve ser examinada no conjunto de tributos que o servidor pagará, no seu contracheque, dado que se trata de tributo incidente sobre o vencimento, salário ou provento. Este é, também, o entendimento de Ives Gandra da Silva Martins (Comentários à Constituição do Brasil, Saraiva, vol. IV, p. 161 e seguintes), como lembrado pelo ministro relator” (grifos meus).

De rigor, “sempre que o aumento de um tributo atingir, no conjunto da carga tributária, a capacidade contributiva, ultrapassando-a, aquele tributo, embora isoladamente possa não ser confiscatório, passa a sê-lo. É que, destinando-se os tributos ao Estado, que é um só — embora sua Federação divisível em esferas de governo —, a exigência sobre o cidadão deve ser medida pelo conjunto e não apenas por cada tributo em particular. Há, como já disse, tributos confiscatórios e incidências confiscatórias representadas pelo conjunto de tributos não-confiscatórios. É que o direito individual a ser preservado não é a média da carga tributária geral, mas o acréscimo desta sobre cada incidência que define, em cada caso particular, a existência ou não do confisco”.

Ora, no Brasil, há muito a tributação passou a gerar efeito de confisco.

Os dados não desmentem. Paga o brasileiro tributos para sustentar uma máquina adoentada, que se incha, a cada governo e a cada exercício.

Tivemos, por exemplo, um aumento fantástico da arrecadação — segundo o jornal O Estado de S.Paulo de 6 de agosto deste ano, p. 3 —, de 70%, no período compreendido entre 2002 e 2006, contra um aumento de gastos com o funcionalismo de 54,3% e uma inflação de 37,7%.

Desta forma, os gastos com a mão-de-obra oficial e a multiplicação de cargos, ministérios, secretarias e acomodações políticas foram muito além da inflação suportada por uma pesadíssima elevação da arrecadação sem contrapartida em serviços políticos à altura (o apagão aéreo insere-se neste lamentável crescimento impositivo sem retorno em melhoria de serviços).

O pior dado reside, ainda, no aumento da remuneração dos servidores públicos, cuja média é de 19,57% acima da inflação, contra apenas 0,5% de acréscimo, em média, para os cidadãos comuns, integrantes da classe “Não Governamental”, numa inequívoca sinalização de que pagamos tributos apenas para sustentar as benesses dos detentores do poder, que mais se servem da sociedade do que a servem.

Tais dados, a meu ver, já poderiam ter sido levados aos Tribunais para demonstrar o efeito confisco.

Quando a CPMF foi prorrogada, pela última vez, com a Emenda 42/03, a arrecadação era muito menor e já afirmava o governo federal que não havia mais espaço para o crescimento da tributação, pois estávamos no limite do intolerável.

De lá para cá só aumentou a arrecadação, ao ponto de dizer, o presidente Lula, num de seus improvisos mais sinceros, que havia dinheiro de sobra nas burras governamentais.

Pergunta-se, agora: por que, então, prorrogar a CPMF? Com o dobro da média de arrecadação dos países emergentes (em torno de 18% do PIB), ou seja, com quase 36%, à luz dos novos cálculos do PIB (só cresceu em valor pela Inclusão dos tributos indiretos na sua quantificação, o que vale dizer que, porque pagamos mais tributos, o PIB cresceu!!!!), é de se indagar: já não atingimos o efeito confisco a que o Supremo Tribunal Federal se referiu, na ADI 2.010-2-DF, pelos votos dos ministros Carlos Mário Velloso, Marco Aurélio Mello e José Celso de Mello?

A meu ver, do ponto de vista econômico, a CPMF não mais se justifica e, do ponto de vista jurídico, gera o efeito confisco vedado pela Constituição, na conformação jurídica que lhe foi atribuída pelo Supremo, ao julgar a ADI 2.010-2-DF.

*Artigo publicado originalmente na Gazeta Mercantil, desta quarta-feira (22/8).

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  • Brave

    é advogado tributarista, professor emérito das Universidades Mackenzie e UniFMU e da Escola de Comando e Estado Maior do Exército, é presidente do Conselho de Estudos Jurídicos da Federação do Comércio do Estado de São Paulo, do Centro de Extensão Universitária e da Academia Paulista de Letras.

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