Rumos do mensalão

Julgamentos do STF mostram quando denúncia deve ser aceita

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23 de agosto de 2007, 12h43

O Supremo Tribunal Federal tem posicionamento claro sobre quando uma denúncia deve ser aceita. Dois julgamentos, de plenário e de turma, mostram categoricamente que ela apenas pode ser aceita se estiver apoiada em elementos probatórios mínimos e não em mera presunção.

“A imputação penal – que não pode constituir mera expressão da vontade pessoal e arbitrária do órgão acusador – deve apoiar-se em base empírica idônea”, definiu o ministro Celso de Mello no voto que conduziu a Corte para rejeitar, por unanimidade, denúncia oferecida pela Procuradoria-Geral da República contra o deputado federal Francisco Otávio Beckert, conhecido como Chico da Princesa (PL-PR). O parlamentar era acusado de crime de corrupção eleitoral por compra de voto.

Na ocasião do julgamento, em setembro de 2006, o relator do caso explicou que a denúncia oferecida pelo MP baseou-se apenas no relato de uma única testemunha sobre a suposta compra de voto feita pelo parlamentar. Lembrou, ainda, que a testemunha só fez a acusação contra o deputado federal no segundo depoimento que prestou à Polícia sem ter esclarecido como o fato ocorreu.

“Não há justa causa para a instauração de persecução penal, se a acusação não tiver, por suporte legitimador, elementos probatórios mínimos, que possam revelar, de modo satisfatório e consistente, a materialidade do fato delituoso e a existência de indícios suficientes de autoria do crime”, concluiu Celso de Mello.

Em outra ocasião, a 1ª Turma, composta por cinco ministros, concedeu Habeas Corpus para acusado de estelionato. A Turma entendeu que não cabe ao Poder Judiciário pressupor ou tecer conjecturas sobre a prática de eventual crime, mas sobre a ausência de provas cabais. Segundo o relator do caso, ministro Ricardo Lewandowski, a denúncia era inepta. “A denúncia, como se vê, abriga mera presunção no tocante à prática de estelionato pelos pacientes”, afirmou em seu voto.

No início do julgamento do mensalão, na manhã de quarta-feira (22/8), o procurador-geral da República, Antônio Fernando Souza, em contundente sustentação oral defendeu a “existência e eficiência” de sistema de repasse de valores a parlamentares. “Todos os denunciados participaram das ações descritas na denúncia”, argumentou o procurador. “A farta distribuição de recursos é fartamente provado”, ressalta. Para ele, os denunciados tiveram comportamento típico de membros do “submundo do crime”.

“Os autos revelam de forma incontroversa os repasses, especialmente para parlamentares, de elevadas quantias em espécie, muitas vezes entregues em hotéis, a beneficiários que nem conferiam os altos valores recebidos, dinheiro acondicionado em pastas, sacolas e em envelopes de grande porte, valores depositados em conta no exterior não declarada mediante a utilização de doleiros e de empresa offshore”, argumentou.

Em seu papel, a defesa dos acusados de participar do esquema sustentou a inépcia da denúncia. Alegaram ausência de provas, falta de individualização de conduta e ilações de sobra.

Conheça os casos julgados no STF:

Julgamento em plenário

INQUÉRITO 1.978-0 PARANÁ

RELATOR : MIN. CELSO DE MELLO

AUTOR(A/S)(ES): MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

INDICIADO(A/S): FRANCISCO OCTÁVIO BECKERT OU CHICO DA PRINCESA

ADVOGADO(A/S): ALEXANDRE BRANDÃO HENRIQUES MAIMONI E OUTROS

E M E N T A: SUPOSTA PRÁTICA DO DELITO DE CORRUPÇÃO ELEITORAL (CE, ART. 299) – FORMULAÇÃO DE DENÚNCIA SEM APOIO EM ELEMENTOS PROBATÓRIOS MÍNIMOS – IMPUTAÇÃO CRIMINAL DESVESTIDA DE SUPORTE MATERIAL IDÔNEO – INADMISSIBILIDADE – CONTROLE JURISDICIONAL PRÉVIO DA PEÇA ACUSATÓRIA – NECESSIDADE DA EXISTÊNCIA DE ELEMENTOS DE CONVICÇÃO MÍNIMOS QUE AUTORIZEM A ABERTURA DO PROCEDIMENTO PENAL EM JUÍZO – AUSÊNCIA, NO CASO, DE BASE EMPÍRICA QUE DÊ CONSISTÊNCIA À ACUSAÇÃO CRIMINAL – DENÚNCIA REJEITADA.

– A imputação penal – que não pode constituir mera expressão da vontade pessoal e arbitrária do órgão acusador – deve apoiar-se em base empírica idônea, que justifique a instauração da “persecutio criminis”, sob pena de se configurar injusta situação de coação processual, pois não assiste, a quem acusa, o poder de formular, em juízo, acusação criminal desvestida de suporte probatório mínimo.

– O processo penal condenatório – precisamente porque não constitui instrumento de arbítrio e de opressão do Estado – representa, para o cidadão, expressivo meio de conter e de delimitar os poderes de que dispõem os órgãos incumbidos da atividade de persecução penal. O processo penal, que se rege por padrões normativos consagrados na Constituição e nas leis, qualifica-se como instrumento de salvaguarda da liberdade do réu, a quem não podem ser subtraídas as prerrogativas e garantias asseguradas pelo ordenamento jurídico do Estado. Doutrina. Precedentes.

– Não há justa causa para a instauração de persecução penal, se a acusação não tiver, por suporte legitimador, elementos probatórios mínimos, que possam revelar, de modo satisfatório e consistente, a materialidade do fato delituoso e a existência de indícios suficientes de autoria do crime. Não se revela admissível, em juízo, imputação penal destituída de base empírica idônea, ainda que a conduta descrita na peça acusatória possa ajustar-se, em tese, ao preceito primário de incriminação.

– Impõe-se, por isso mesmo, ao Poder Judiciário, rígido controle sobre a atividade persecutória do Estado, notadamente sobre a admissibilidade da acusação penal, em ordem a impedir que se instaure, contra qualquer acusado, injusta situação de coação processual.

A C Ó R D Ã O

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Sessão Plenária, sob a Presidência da Ministra Ellen Gracie, na conformidade da ata de julgamentos e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, em rejeitar a denúncia, nos termos do voto do Relator. Ausente, justificadamente, o Senhor Ministro Joaquim Barbosa. Falou pelo indiciado o Dr. Alexandre Brandão Henriques Maimoni.

Brasília, 13 de setembro de 2006.

CELSO DE MELLO – RELATOR

Julgamento da 1ª Turma

HABEAS CORPUS 88.344-3 PERNAMBUCO

RELATOR : MIN. RICARDO LEWANDOWSKI

PACIENTE(S): FÁBIO FIORENZANO DE ALBUQUERQUE

PACIENTE(S): ORLANDO FIORENZANO DE ALBUQUERQUE

IMPETRANTE(S): JOSÉ AUGUSTO BRANCO E OUTRO(A/S)

COATOR(A/S)(ES): SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

EMENTA: PENAL. PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. ATIPICIDADE E ILEGITIMIDADE DE PARTE. MEDIDA EXCEPCIONAL. INÉPCIA DA PEÇA ACUSATÓRIA. SOCIEDADE EMPRESÁRIA. ESTELIONATO. CONCURSO DE PESSOAS. DOLO ESPECÍFICO. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. ORDEM CONCEDIDA.

I – Reputa-se inepta a denúncia quando os fatos imputados aos pacientes não configuram, prima facie, crime.

II – Não cabe ao Poder Judiciário pressupor ou tecer conjecturas sobre a prática de eventual crime, mas sobre a ausência de provas cabais.

III – A abertura de sociedade empresária, por si só, representa o exercício lícito de um direito, assegurado a todos os cidadãos.

IV – Ordem concedida.

A C Ó R D Ã O

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Senhor Ministro Sepúlveda Pertence, na conformidade da ata de julgamentos e das notas taquigráficas, por decisão unânime, deferir o pedido de habeas corpus, nos termos do voto do Relator.

Brasília, 12 de dezembro de 2006.

RICARDO LEWANDOWSKI – RELATOR

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