Busca da verdade

Indícios são suficientes para que denúncia seja aceita

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22 de agosto de 2007, 21h13

O procurador-geral da República, Antonio Fernando Souza, e os 22 advogados da defesa que se manifestaram no primeiro dia de julgamento no Supremo Tribunal Federal do inquérito sobre o mensalão cumpriram com perfeição o papel que lhes cabe.

Enquanto o primeiro se empenhava a demonstrar a gravidade dos crimes atribuídos aos 40 integrantes da suposta organização criminosa especializada em comprar apoio parlamentar para o governo federal, os demais se esforçaram em provar a inépcia da denúncia, basicamente por falta de provas. Aos dez ministros do STF caberá decidir quem está certo.

Como se percebe, a questão sobre a aceitação da denúncia gira em torno da existência de indícios para que o processo seja instalado. Segundo um criminalista ouvido pela Consultor Jurídico, não existe matemática para se estabelecer o que é um indício. De acordo com o Código de Processo Penal (artigo 239), “considera-se indício a circunstância conhecida e provada, que, tendo relação com o fato, autorize, por indução, concluir-se a existência de outra ou outras circunstâncias”.

Na primeira instância, é raro que a denúncia não seja aceita. Nos tribunais, onde o rigor é maior, a possibilidade de rejeição aumenta. Entra uma posição e outra, existe uma zona cinzenta que justifica as divergências. A posição histórica e pacífica no Supremo é a de não receber denúncias sem que estejam descritas com propriedade e individualizadas as condutas criminosas. Para a defesa dos acusados, a denúncia peca principalmente neste ponto: não aponta a participação deles na suposta organização criminosa.

Segundo especialistas ouvidos pela reportagem, desembargadores e ministros podem ser divididos em duas correntes. A ala liberal tende a ser mais favorável aos réus. Nestes casos, o trabalho do Ministério Público precisa ser bem fundamentado para que a denúncia seja aceita. Um caso exemplar é o do ex-governador Orestes Quércia que teve uma denúncia rejeitada pelo Superior Tribunal de Justiça em 1994. Ele teria cometido o crime de estelionato ao assinar um Protocolo de Cooperação Técnica, Cientifica e Tecnológica com o Consulado Geral de Israel.

Do outro lado, há uma corrente mais rigorosa e mais sensível ao clamor público pela punição de autoridades acusadas de corrupção. A lembrança clássica é a do caso de ex-presidente Fernando Collor. A denúncia foi aceita pelo Supremo Tribunal Federal, mas ele foi absolvido por falta de provas.

Prova e indício

A diferenciação entre prova e indício pode se tornar difícil após se ouvir a sustentação dos advogados de defesa dos denunciados do mensalão. Segundo procuradores e criminalistas, o indício não precisa ser uma prova irrefutável. Neste momento do processo, não é necessário haver, por exemplo, uma foto de um denunciado recebendo o mensalão.

Na visão de alguns dos entrevistados, o depoimento acusatório em uma CPI no Congresso, prestado sob juramento, é um indício forte o bastante para que a denúncia seja aceita. Para outros, este depoimento deve ser embasado em alguma prova para que se constitua um indício.

Peculato

Uma das dúvidas criadas pelas sustentações foi a interpretação de Antonio Fernando Souza, que teria denunciado por crime de peculato pessoas que não exerciam cargo público como Silvio Pereira, Delúbio Soares e Marcos Valério. “O que ele fez além de ser secretário do Partido dos Trabalhadores? Não poderia indicar ninguém no governo”, disse o advogado de Silvio Pereira, Sérgio Salgado Badaró na sustentação.

O artigo 312 do Código Penal diz claramente que peculato é “apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio”.

No entanto, na interpretação de procuradores, o caso dos denunciados é de co-autoria, já que aquele que se associa com um funcionário público para cometer tal crime também é imputável.

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