Malandros da capital

Justiça inocenta advogado preso por desacato em CPI das Armas

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21 de agosto de 2007, 19h21

O advogado Sérgio Weslei da Cunha não cometeu crime de desacato quando disse, durante depoimento que prestou à CPI do Tráfico de Armas, que malandragem se aprende em Brasília. A decisão é do juiz José Airton Aguiar Portela, da 12ª Vara Federal do Distrito Federal. O juiz arquivou a Representação movida pelos deputados da CPI contra o advogado.

Em 2006, Sérgio Weslei recebeu voz de prisão depois de ter respondido a uma provocação do deputado Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP), que afirmou que o advogado teria aprendido rápido com a “malandragem” a se esquivar de perguntas. Weslei respondeu: “A gente aprende rápido aqui”.

Sergio Weslei depunha na CPI do Tráfico de Armas. O advogado era acusado de pagar R$ 200 a um funcionário terceirizado da Câmara dos Deputados para obter gravação de sessão sigilosa da CPI, fato que teria provocado a onde de ataques do crime organizado no estado de São Paulo, no mês de maio de 2006.

Cunha não depunha como advogado. Ele participava de uma acareação, como investigado, com o técnico de som Artur Vinícius Pilastre Silva, que afirmou ter-lhe vendido o CD com a gravação. Os parlamentares ficaram irritados com o fato de o investigado ter se recusado a responder algumas questões, invocando para isso seu direito constitucional de ficar calado. Eles chegaram a afirmar que Sergio Weslei era “malandro”, “bandido” e “advogado de porta de cadeia”.

O juiz Aguiar Portela acolheu os argumentos do parecer do Ministério Público Federal, segundo o qual o advogado respondeu a “injustas provocações” e que as ofensas estavam “fora do contexto do interrogatório”. Para o MPF, não houve crime de desacato, porque “o advogado foi vítima de injúria e, por isso, reagiu à provocação mediante retorsão imediata, que consistiu em outra injúria”.

“O juiz pode deixar de aplicar a pena no caso de retorsão imediata de injúria. No caso em questão, há falta de justa causa para persecução penal devido à falta de um dos elementos da culpabilidade, pressuposto da aplicação da pena, que é a inexigibilidade de conduta diversa”, disse o MPF no parecer. O argumento foi repetido pelo juiz na decisão.

Para o advogado Ademar Gomes, presidente do Conselho da Associação dos Advogados Criminalistas do Estado de São Paulo (Acrimesp), Sérgio Weslei reagiu, durante a CPI, “como qualquer cidadão reagiria quando ofendido”. De acordo com Gomes, “faltou moral aos membros da então CPI das Armas para ofender um advogado e fazer-lhe insinuações que desrespeitam a própria Advocacia, isso tudo em rede nacional de televisão”.

O advogado Sérgio Weslei deve ajuizar nos próximos dias ação de indenização por danos morais e materiais contra o deputado federal Arnaldo Faria de Sá. Pedirá R$ 2 milhões.

Registro regular

No cadastro de advogados da OAB, Sergio Weslei aparece em situação regular. Mas já teve seu cadastro na Ordem suspenso por 90 dias por decisão administrativa. Quando Weslei foi acusado de envolvimento com criminosos, junto com a advogada Maria Cristina de Souza Rachado, a advocacia passou pelo que pode ser chamado de crise ética.

A crise começou depois da primeira onde de ataques do crime organizado em São Paulo. A Polícia apurou que ataques começaram horas depois da transferência de líderes da facção criminosa do Primeiro Comando da Capital para uma unidade em Presidente Venceslau e para a sede do Deic (Departamento de Investigações sobre o Crime Organizado), da Polícia Civil, em Santana (zona norte de São Paulo). O objetivo era evitar rebeliões nos presídios de São Paulo.

Os supostos criminosos teriam sabido da transferência depois que a advogada Maria Cristina Rachado, que defendia Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola, apontado como líder da facção, teria entregue uma fita com conteúdo sigiloso da CPI do Tráfico de Armas, comprada por R$ 200. O técnico de som da Câmara do Deputados, Arthur Vinícius Pilastres Silva, afirmou que vendeu o material aos advogados.

Maria Cristina também teve seu número na Ordem suspenso, mas já voltou ao trabalho. Também foi acusada a advogada Adriana Tellini Pedro. Ela teria combinado com criminosos assaltos contra seus próprios clientes.

O episódio foi flagrado por escutas telefônicas autorizadas pela Justiça. Em depoimento à CPI do Tráfico de Armas, a advogada admitiu que passava informações sobre a localização dos seus clientes e valores em dinheiro que eles transportavam. Adriana Tellini também já tinha sido suspensa pela OAB. A 3ª Câmara Recursal do Tribunal de Ética da OAB paulista confirmou a decisão.

Ainda constaram como colaboradoras do PCC as advogadas Ariane dos Anjos e Suzana Volpini Micheli. Em depoimento à mesma CPI, Ariane disse ser amiga de Suzana, presa em 2005 sob acusação de conseguir transferências ilegais de presos. Suzana responde ao processo em liberdade e nega qualquer colaboração com a facção criminosa. Já Ariane é acusada de falsificar documentos para ter acesso a presídio na condição de visitante, não de advogada.

Hoje, Sergio Weslei defende Marilene Carlos Simões, conhecida como Marlene, acusada de transmitir a ordem para os atentados da facção criminosa. Marilene está em liberdade e presta depoimento sobre os fatos no dia 7 de dezembro.

Leia o diálogo que provocou a prisão do advogado

Arnaldo Faria de Sá: Por que num momento você disse que não tinha e depois teve de admitir que tinha estado com o Marcola.

Sérgio Weslei da Cunha: Quero garantir meu direito de permanecer calado.

Arnaldo Faria de Sá: Você aprendeu rápido com a malandragem, hein.

Sérgio Weslei da Cunha: A gente aprende rápido aqui.

Arnaldo Faria de Sá: Malandragem lá, que você atende.

Leia o parecer do MPF sobre o caso e, em seguida, a decisão

Autos nº 2006.34.00.700345-1

Arquivamento nº 07-GP/PRDF

O Ministério Público Federal vem, respeitosamente, à ínclita presença de Vossa Excelência, expor e requerer o que se segue:

Trata-se de termo circunstanciado no qual se apura suposta prática do crime de desacato (artigo 331 do Código Penal), praticado pelo Sr. Sérgio Weslei da cunha contra os parlamentares participantes da CPI do tráfico de armas.

Por ocasião da prisão em flagrante do advogado Sérgio Weslei da Cunha, foi lavrado termo circunstanciado onde constam as descrições e alegações dos fatos ocorridos. Em suma, o referido advogado foi intimado a comparecer a CPI na data de 25/05/2006, na qualidade de acusado, onde teria sofrido várias e injustas provocações por parte de vários parlamentares participantes, e, por ter reagido as provocações, foi decretada a sua prisão em flagrante pelo Presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito do tráfico de armas, Deputado Federal Moroni Torgan.

O requerente, em sua inquirição por parte da CPI, utilizou-se do direito constitucional de permanecer calado. Ao que tudo indica, sua atitude irritou os parlamentares, que começaram a lhe dirigir palavras ofensivas, como “malandro”, “advogado porta de cadeia”, “bandido”, ofensas que estavam fora do contexto do interrogatório.

O crime de desacato estaria presente em uma declaração feita por Sérgio, que foi dita após as provocações do Sr. Deputado Arnaldo Faria, o qual disse ser o requerente “advogado porta de cadeia” e “que ele aprendeu bem com a malandragem”. Logo após as provocações, Sérgio disse, acerca da malandragem mencionada pelo Deputado Arnaldo, que “A gente aprende rápido aqui”.

Os deputados afirmam que essa alegação ofendeu a dignidade e o decorre deles, em desprestígio da função pública desempenhada por todos os parlamentares participantes da CPI.

Da análise in casu, depreendeu-se o afastamento do crime de desacato, haja vista que o advogado foi vítima de injúria e, por isso, reagiu à provocação mediante retorsão imediata, que consistiu em outra injúria.

Segundo o art. 140, § 1º, inciso II: “O juiz pode deixar de aplicar a pena: II – no caso de retorsão imediata, que consista em outra injúria”. Portanto, no caso em questão, há falta de justa causa para persecução penal devido à falta de um dos elementos da culpabilidade, pressuposto da aplicação da pena, que é a inexigibilidade de conduta diversa.

É pacífico na doutrina e na jurisprudência que a retorsão imediata afasta a culpabilidade nos casos de crime de injúria e de desacato.

São os entendimentos dos tribunais acerca do assunto:

Ementa: INQUÉRITO JUDICIAL CONTRA JUIZ FEDERAL, DESACATO, PROMOTORA DE JUSTIÇA ELEITORAL, MATERIALIDADE ELEMENTO SUBJETIVO (DOLO ESPECÍFICO), ALTERCAÇÃO NA SEÇÃO ELEITORAL, CONTEXTO DE DISPUTA ACIRRAMENTO E EXALTAÇÃO DE ÂNIMO, INOCORRÊNCIA DE ELEMENTO SUBJETIVO DO DELITO, RETORSÃO.

1. Dolo específico, vínculo psicológico que liga a cão ao resultado, consubstancia volição preordenada ipso fato consciente e conseqüente dirigida a atingir o bem jurídico tutelado; por isso não pode manifestar-se em estados comocionados, contidos de pertubação emocional, mesmo que momentânea, deflagrada por situações nas quais uma pessoa humana venha a envolver-se. “À evidencia, pois, deve estar presente para a instauração da ação penal”. (TACRIM-SP, in RT 610/366).

2. A exigência de ânimo calmo e refletido é condição para a ocorrência do fato capitulado como desacato (Doutrina e jurisprudência majoritária).

3. Extraindo-se do contexto probatório a alteração ocorrida entre Promotora de Justiça Eleitoral e Juiz Federal que não irrogara condição de autoridade federal, presente iniludível acirramento eleitoral, em nítida situação fática de exaltação mútua de ânimos, representativo retorsão imediata, mitigado está o elemento subjetivo do tipo (dolo específico) o que descaracteriza a natureza criminógena do fato.

4. Precedentes: REsp 13946/PR, Relator Min. Cid Flaquer Seartezzini, DJ de 17/08/1992; ACR 89.01.06514-2/GO, Rel. Juiz Fernando Gonçalves. TERCEIRA TURMA, DJ 02/04/1990; ACR 90.01.00564-0/PA, Rel. Juiz Leite Soares, Quarta Turma, DJ de 01/10/1990.

5. Denúncia rejeitada.

Referência: LEG:FED DEL: 002848 ANO: 1940 ART. 00331 ART: 00029

CO-40 CODIGO PENAL

HABEAS CORPUS, DESACATO, FALTA DE JUSTA CAUSA PARA A AÇÃO , WRIT CONCEDIDO.

Restando evidente a ausência de intenção de desrespeitar, ofender ou menosprezar funcionário público no exercício da função, falta justa causa para a ação em que a paciente é denunciada pela prática de desacato.

2- Habeas corpus concedido para trancar ação penal de que aqui se cuida.

3- Processo HC 25421 / RJ; HABEAS CORPUS 2002/0151774-5

Relator(a) Ministro PAULO GALLOTTI (1115)

Órgão Julgador T6 – SEXTA TURMA

T6 – SEXTA TURMA

Data do Julgamento 15/03/2005 DJ 20.03.2006 p.354

Ante o exposto, o Ministério Público Federal requer o arquivamento deste termo circunstanciado, observado o disposto no artigo 18 do Código de Processo Penal.

Brasília, 24 de abril de 2007.

Gustavo Pessanha Velloso

Procurador da República

Leia a decisão

DECISÃO Nº: 07/2007

PROCESSO: 2006.34.00.700.345-1

CLASSE: 62100 — INQUÉRITO POLICIAL

REQTE: JUSTIÇA PÚBLICA

REQDO: IGNORADO

D E C I S Ã O

Cuida-se de manifestação do representante do Ministério Público Federal, às fls. 338/340, pelo arquivamento, nos seguintes termos: “(…). Portanto, há falta de justa causa para persecução penal devido à falta de um dos elementos da culpabilidade, pressuposto da aplicação da pena, que é a inexigibilidade de conduta diversa”. Assim, determino o arquivamento do procedimento nº 2006.34.00.700.345-1.

Ciência ao MPF, após dê-se baixa nos registros e arquive-se.

Brasília, 14 de maio de 2007-08-21

JOSÉ AIRTON DE AGUIAR PORTELA

JUIZ FEDERAL SUBSTITUTO

NA TITULARIDADE PLENA DA 12ª VARA

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