Trâmite livre

Não deve incidir custas na ação que discute relação de consumo

Autor

  • Alex Hennemann

    é advogado professor de Direito Civil e Processo Civil e coordenador do curso de Direito da Universidade Federal do Tocantins (UFT). É especialista em Direito Civil e Processo Civil pela FGV e mestrando em Direito Civil pela Universidade de Coimbra.

20 de agosto de 2007, 12h29

O custo do processo no Brasil é um problema sério. Há hipóteses em que o valor exagerado das custas processuais e da taxa judiciária dificulta (ou mesmo impede) o acesso ao Poder Judiciário (o que afronta o inciso XXXV do artigo 5º, da Constituição da República).

De toda forma, o artigo 257 do Código de Processo Civil, preconiza que “será cancelada a distribuição do feito que, em 30 (trinta) dias, não for preparado no cartório em que deu entrada”. Assim, desde a propositura da demanda (ver artigo 263), esse é o prazo que o autor dispõe para pagar pela prestação jurisdicional (aqui é oportuna a crítica de que paga-se antecipadamente por um serviço público que ainda não foi prestado).

Porém, certamente há exceções à norma.

Aquele que afirmar que não está em condições de pagar as custas do processo e os honorários de advogado será beneficiado pela assistência judiciária, nos termos da Lei 1.060/50. Vale ressaltar que se o beneficiário for derrotado na demanda, o vencedor poderá cobrar as despesas do processo e os honorários advocatícios (estes limitados a 15% do valor da condenação) se desaparecer a condição de necessitado do perdedor, desde que o faça no prazo máximo de 5 anos (artigos 11 e 12).

A seu turno, o Código Tributário do Estado do Tocantins estabelece que a taxa judiciária (e não as custas processuais) poderá ser paga em duas vezes. Metade no ajuizamento da ação e a outra metade “na conclusão dos autos para prolação da sentença, definitiva ou terminativa” (artigo 91 da Lei Estadual 1.287/01).

É um direito potestativo do autor, não uma benesse do juiz.

Aliás, embora o Tocantins não esteja entre os primeiros no valor das custas (Paraíba, Paraná e Ceará disputam o primeiro lugar), no Supremo Tribunal Federal tramita a Ação Direta de Inconstitucionalidade 2.846-4, que postula a inconstitucionalidade da Lei Estadual 1.286/01, que trata das custas judiciais e emolumentos no Estado, em razão da sua exorbitância. Depois do parecer da Procuradoria Geral da República, pela procedência parcial do pedido, o processo aguarda julgamento.

Todavia, o que nos interessa neste artigo são as custas e despesas processuais nas ações inerentes às relações de consumo. O Título III do Código de Defesa do Consumidor trata “da defesa do consumidor em juízo”. O artigo 90, por sua vez, que pertence ao referido Título (disposições gerais), diz que “aplicam-se às ações previstas neste título as normas do Código de Processo Civil e da Lei 7.347, de 24 de julho de 1985, inclusive no que respeita ao inquérito civil, naquilo que não contrariar suas disposições”.

Por outro lado, o artigo 18 da Lei 7.347/85 (que trata da ação civil pública), ordena que “nas ações de que trata esta lei, não haverá adiantamento de custas, emolumentos, honorários periciais e quaisquer outras despesas, nem condenação da associação autora, salvo comprovada má-fé, em honorários de advogado, custas e despesas processuais”.

Em honra ao contraditório, pode ser alegado que o artigo 87 do Código de Defesa do Consumidor estabelece expressamente que não haverá adiantamento de custas somente para as ações coletivas, e uma interpretação contrario sensu levaria à conclusão de que nas ações individuais haveria pagamento.

Não é difícil afastar essa interpretação:

1) não há previsão expressa no Código de Defesa do Consumidor sobre o pagamento de custas nas ações individuais, pelo contrário, o artigo 90 manda aplicar, no que não contrariar o Código, as disposições da lei de ação civil pública, que por sua vez isenta o pagamento;

2) a presunção de vulnerabilidade do consumidor é absoluta (artigo 4º, inciso I), e sendo assim, eventual contrariedade nas normas deve favorecê-lo (por analogia ao disposto no artigo 47 do Código de Defesa do Consumidor); e

3) a norma restritiva de direitos deve ser interpretada restritivamente, desta maneira, não havendo norma exigindo o pagamento, deve prevalecer a isenção.

Assim, parece-me que não há dúvida de que nas ações concernentes às relações consumeristas não haverá pagamento de custas e quaisquer outras despesas processuais (independente da sua natureza), indistintamente para hipóteses de ações individuais ou aquelas provenientes de substituição processual (Ministério Público, Associações…), seja no prazo do artigo 257 do Código de Processo Civil, seja em caso de improcedência do pedido do autor. A exceção à norma está restrita para casos de má-fé do demandante, os quais, via de regra, devem ser apurados na entrega da prestação jurisdicional, precisamente no término do processo.

Não obstante a clareza do dispositivo, na prática, em relação ao particular, nunca vi acontecer. Por conseguinte, no intuito de fortalecer a tão propalada cultura consumerista, é imprescindível que na práxis forense, o advogado recuse o pagamento das custas e taxa judiciária nas ações que envolvem direitos do consumidor. O reconhecimento desse direito logo será admitido pela melhor jurisprudência.

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    é advogado, professor de Direito Civil e Processo Civil e coordenador do curso de Direito da Universidade Federal do Tocantins (UFT). É especialista em Direito Civil e Processo Civil pela FGV e mestrando em Direito Civil pela Universidade de Coimbra.

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