Chances de êxito

Integração na AGU melhora defesa do governo, diz ministro

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19 de agosto de 2007, 12h25

O êxito da defesa judicial da União é indissociável das atividades de controle interno da legitimidade dos atos públicos. A análise sobre a atuação da Advocacia-Geral da União é do ministro Gilmar Mendes, vice-presidente do Supremo Tribunal Federal e ex-advogado-geral da União. De acordo com ele, para identificar a sua missão, é importante para a advocacia pública desenvolver um estudo aprofundado da definição, ou redefinição, do conceito de interesse público sob um paradigma democrático.

Segundo o ministro, “falta à advocacia de Estado a teoria político-constitucional que lhe assegure, para além da adequada autocompreensão, a veiculação de um discurso jurídico apto a evidenciar o significado último do interesse público e a legitimidade normativa de sua defesa”. Ele participou do Seminário Brasileiro sobre Advocacia Pública Federal para falar sobre “As Atividades da AGU como Advocacia de Estado: Características e Implicações”.

Gilmar Mendes afirmou que a AGU está se mostrando cada vez mais firme e empenhada na defesa da União e seguindo a direção do interesse público. Para o ministro, a situação melhora na medida em que acontece a integração entre os diversos ramos que compõe a AGU e também de jurídicos de autarquias e fundações.

“O conhecimento da peculiar condição de cada órgão é que haverá de permitir, inclusive, por meio da elaboração de mecanismos de unificação do processamento de feitos e de sua vinculação a determinada orientação, levar a efeito a maximização da produtividade por meio do trabalho coletivo”, afirmou.

A teoria do ministro é a de que se devem somar às condições institucionais e práticas, as condições intelectuais para otimizar o trabalho da advocacia de Estado. Segundo Gilmar Mendes, “soluções judiciais mais ágeis e eficientes são alcançadas também com a produção de teses qualificadas para a defesa da legitimidade, quer dos atos administrativos quer das leis editadas, o que torna a atividade consultiva essencial para a ótima atuação contenciosa”.

Saiba o que o ministro disse na palestra:

AS ATIVIDADES DA AGU COMO ADVOCACIA DE ESTADO: CARACTERÍSTICAS E IMPLICAÇÕES

15ago2007

GILMAR MENDES•

Em geral, quando se fala de Advocacia Pública no contexto da reforma do Judiciário, apresenta-se desde logo um approach negativo. Diz-se que o Estado é o maior cliente do Poder Judiciário e, por isso, um dos maiores responsáveis pela crise numérica que o atormenta. É verdade! A falta de instrumentos alternativos de solução de controvérsias entre o indivíduo e o Estado fez com que se verificasse nos últimos anos uma autêntica explosão em termos de litigância.

A Constituição de 1988 conferiu maior ênfase à proteção judicial efetiva, emprestando significado ímpar às ações judiciais individuais e coletivas. De resto, o espírito emanando desse texto certamente contribuiu para que as pessoas reivindicassem com maior ênfase os seus direitos na Justiça. Como muitos desses pleitos eram pretensões homogêneas – casos de massa, como v.g., os casos ligados a planos econômicos, questões previdenciárias, FGTS, etc. – ninguém há de se surpreender com o fato de os feitos processuais se terem multiplicado.

Diante desse quadro, há de se reconhecer que a atuação da Advocacia Pública há muito já não se resume à defesa judicial em processos isolados, nem à consultoria restrita a pontos específicos e sem relação com a conjuntura em que se encontra o Poder Público.

A pergunta básica que nos temos feito, relativamente ao exercício da Advocacia Pública, refere-se ao seu modelo.

Diante do gigantismo das atividades a desenvolver, será que o modelo atual é de fato eficiente e eficaz? Ou, será que os modelos de que dispomos atendem às especificidades do trabalho que desenvolvemos?

Frente à Advocacia-Geral da União de 2000 a 2002, fiz da integração, como sabem todos, o mote fundamental da revisão da atuação e da solução das questões internas da Advocacia-Geral da União.

Procurei fundir horizontes entre as várias possibilidades normativas, os distintos recursos discursivos e as múltiplas estratégias de condução de processos judiciais, visando à modernização e à intensificação das atividades da Advocacia da União, e, principalmente, exigindo que fosse abolido o trabalho individual, solipsista, e que, fosse substituído pela adoção de práticas integradoras.

No decorrer daqueles dois anos, procurei focar minhas preocupações nos seguintes eixos centrais: de um lado, a resistência à mudança; de outro, a dificuldade para identificar o núcleo da verdadeira missão da Advocacia Pública, posto que os paradigmas da iniciativa privada talvez nos fossem insuficientes.

Acreditava – e ainda acredito – que devíamos ter nossos próprios paradigmas, que deviam ser plenamente identificados e compreendidos, servindo-nos de permanente indicador e norteador das nossas reflexões.


Entendi que a sociedade passa por transformações e a reestruturação dos órgãos públicos tornou-se imprescindível diante dos cenários tão mutáveis como os que presenciamos na atualidade.

O objetivo, entretanto, era claro: tornar a estrutura da AGU mais ágil e apta a responder com eficiência a demandas cada vez mais complexas. Sem dúvida alguma, um grande desafio, que teve de ser encarado como maior aliado na busca pela excelência na execução das atividades, desde as mais simples.

Seguindo o parâmetro da universalização na defesa do interesse público, entendi que as soluções encontradas pela atividade contenciosa passariam a ser aplicadas pela atividade consultiva, minimizando os conflitos e maximizando a racionalidade. Soluções judiciais mais ágeis e eficientes são alcançadas também com a produção de teses qualificadas para a defesa da legitimidade, quer dos atos administrativos quer das leis editadas, o que torna a atividade consultiva essencial para a ótima atuação contenciosa.

Insisti na necessidade de integração entre as atividades do contencioso e do consultivo e também de comprometimento com a atuação judicial. Isso para pôr fim à relação meramente burocrática com as ações, numa visão “competencialista”, segundo a qual determinada ação só interessa a esta ou aquela empresa estatal. Não podemos cair no excessivo formalismo que segrega os órgãos públicos.

A superação do paradigma do processo judicial individual pela introdução dos mecanismos de coletivização e racionalização da prestação jurisdicional – em especial do controle de legitimidade dos atos públicos – tem exigido o desenvolvimento de novos métodos de trabalho, fundados na soma de esforços individuais para a reflexão, construção e defesa coletiva de teses jurídicas favoráveis à União. Dessa perspectiva, decorrem diversos deveres: o de capacitar permanentemente os agentes, o de promover ações de cooperação entre os representantes da União e o de coordenar a agregação de valor ao trabalho individual. E os esforços da Advocacia-Geral da União certamente haverão de direcionar-se para o adimplemento dessas obrigações.

Do ponto de vista institucional, esse dever de soma e racionalização progressiva dos esforços individuais repercute imediatamente sobre a necessidade de plena integração entre os diversos ramos que compõem a Advocacia-Geral da União. Essa pretensão é especialmente verdadeira em relação aos corpos jurídicos das autarquias e fundações. O conhecimento da peculiar condição de cada órgão é que haverá de permitir, inclusive, por meio da elaboração de mecanismos de unificação do processamento de feitos e de sua vinculação a determinada orientação, levar a efeito a maximização da produtividade por meio do trabalho coletivo.

Ao lado da integração entre os ramos componentes da instituição, parece-me decisiva a intensificação da colaboração da AGU com os diversos órgãos públicos por ela representados. O êxito da defesa judicial da União é indissociável das atividades de controle interno da legitimidade dos atos públicos. Há de se promover a plena interlocução entre órgãos decisórios e agentes da defesa e representação da União, o que permitirá à formulação jurídica das políticas públicas federais valer-se da expertise dos órgãos de consultoria e assessoramento jurídicos. Um projeto de adequada e eficiente atuação da Advocacia Pública nos dias de hoje completa-se com a orientação e racionalização da aplicação administrativa do ordenamento jurídico, o que, certamente, haverá de contar com oportuna disciplina normativa – tal como aquela introduzida pela Lei de Procedimento Administrativo (Lei federal n. 9784/ 99).

Integração semelhante deve pautar a relação da Advocacia-Geral da União com as demais entidades encarregadas da defesa do patrimônio e do interesse públicos – em todas as esferas da Federação. Sem lugar para dúvidas, é a magnitude desse desiderato que está a exigir a intensificação de políticas de cooperação. Inegavelmente, a parceria poderá conferir singular eficiência, incentivo e transparência à defesa do interesse público, inexistindo razão para que não se absorvam essas vantagens inequívocas do trabalho coordenado.

À implementação de condições institucionais e normativas favoráveis, acrescentem-se os requisitos práticos para a consecução da meta da Advocacia Pública, tais como a incorporação de contingente significativo de novos membros ao corpo permanente da Advocacia-Geral da União e o aparelhamento e modernização de suas unidades. Tais meios materiais serão igualmente pressupostos da efetivação do almejado trabalho coletivo. Somente a generalização e sofisticação dos mecanismos de processamento e transmissão de dados haverá de permitir o aumento da produtividade determinado pelo acesso irrestrito à informação, pelo valor adicionado pela sistematização e reelaboração da informação disponível e pelo desenvolvimento de programas de informatização e de repositórios de dados destinados especificamente ao atendimento das demandas da Advocacia Pública.


Às condições institucionais e práticas, devem somar-se as condições intelectuais para a otimização da advocacia de Estado. De fato, óbice decisivo à máxima efetividade da defesa do interesse público reside no senso comum teórico dos juristas nacionais, reproduzido pelas letras e pelo ensino jurídicos. Inexiste entre nós – por múltiplas e conhecidas razões, em cujo exame não nos poderemos deter – um corpo teórico sólido e pré-constituído apto a oferecer à advocacia de Estado uma autocompreensão constitucionalmente adequada. Exatamente no momento em que a doutrina constitucional comparada insiste nos reclamos relativos à instauração de uma sociedade aberta dos intérpretes da Constituição, verifica-se entre nós a fragilidade dos métodos, dos topoi, dos construtos hermenêuticos e dos projetos institucionais compatíveis com a advocacia de Estado. Em uma palavra, falta à advocacia de Estado a teoria político-constitucional – sem prejuízo da convivência plural e democrática com discursos concorrentes – que lhe assegure, para além da adequada autocompreensão, a veiculação de um discurso jurídico apto a evidenciar o significado último do interesse público e a legitimidade normativa de sua defesa.

Possivelmente reside no caráter analítico de nosso texto constitucional a razão última para a equivocada crença na viabilidade da interpretação literal da Carta Magna – algo já há muito superado no direito constitucional comparado. O afazer dos juristas e dos operadores do direito dificilmente se compraz com uma atividade declaratória das normas explicitadas em diplomas vigentes. As decisões judiciais possuem antes um conteúdo constitutivo e participam da criação e desenvolvimento do direito. Essa constatação está a exigir dos representantes da União a capacidade de formulação que lhes permita fundamentar uma teoria hermenêutica própria da ordem constitucional. Somente uma tal capacidade habilitará os representantes da União a operar conjuntamente com os órgãos formuladores de políticas públicas no sentido de promover a reforma e a imaginação institucional necessárias ao desenvolvimento infraconstitucional de nossas instituições.

A alternativa à admissão dessa tarefa de imaginação e reforma institucional é a equivocada pressuposição de uma rígida e exaustiva disciplina institucional decorrente da Constituição. Como os textos constitucionais – mesmo os mais analíticos – são sabida e inevitavelmente abertos e fragmentários, a errônea pressuposição da existência de uma única forma institucional compatível com a Constituição conduzir-nos-ia a um dilema, a saber: ou a tomar como necessária e insuscetível de reforma infraconstitucional a estrutura institucional atual ou a autorizar o voluntarismo na definição última do sentido e do alcance das imposições constitucionais. Devemos sustentar, portanto, a pluralidade das perspectivas acerca das possibilidades institucionais admitidas pela ordem constitucional, capacitando-nos para a imaginação e defesa da reforma institucional compatível com o interesse público e as demandas sociais.

Impressiona-me, em última análise, a indevida antropomorfização do interesse público, o que conduziu à equiparação da proteção do interesse público à defesa de um regime ou de um governo determinado. Sob um Estado autoritário, a oposição a todo e qualquer ato estatal convola-se em um exercício simbólico de resistência contra o regime tomado por ilegítimo. Em um Estado Democrático de Direito, contudo, essa pré-compreensão não pode subsistir. Em uma estrutura institucional democrática, opor-se a todo e qualquer ato estatal certamente conduzirá a ofensas ao interesse público. Entre os maiores desafios propostos pela função que passamos a ocupar, elenca-se, seguramente, o de desenvolver uma teoria jurídica do interesse público adequada ao Estado Democrático de Direito que estamos a construir e à defesa intransigente da moralidade administrativa.

Essa última tarefa exigirá da Advocacia-Geral da União um hercúleo esforço de formulação conceitual, levantamento, sistematização e reelaboração dos materiais existentes na doutrina jurídica. Será necessária, ao lado do óbvio e constante empenho de atualização e qualificação do corpo funcional da instituição, a criação de forum de debates e de construção coletiva de teses. A forma procedimental de consecução desse objetivo implicará ainda a eleição de temas e agendas, a formação de grupos temáticos e de intercâmbio, bem como a veiculação dos resultados discursivos obtidos. Em um segundo momento dessa empresa, seria legítimo considerar, inclusive, a hipótese de criação de uma Escola da Advocacia Pública.

Uma vez mais, esse programa recorre ao campo semântico do termo integração. Seguramente, concerne a todas as unidades da Federação a introdução e o desenvolvimento de uma doutrina jurídica da Advocacia Pública. Afigura-se-nos, por conseguinte, absolutamente natural a comunhão de iniciativas em tal direção, promovendo-se a confluência dos programas estaduais, municipais e federal.


Assim renovada, a doutrina jurídica pátria procederia à superação da insuficiência teórica relativa à defesa do interesse público. Se a teoria jurídica haveria de beneficiar-se da iniciativa, seus resultados seriam inestimáveis para a advocacia de Estado. A obtenção dessas condições teóricas possibilitará fundir o discurso de legitimidade – inerente à prática jurídica – com os atributos historicamente contextualizados da advocacia de Estado no Brasil. Cuidar-se-ia da substituição da atuação meramente estratégica por parte dos representantes da União pela defesa de parâmetros normativos de legitimidade, fundindo missão institucional e busca da realização de uma teoria pública da justiça.

Para a tarefa de identificar a missão da Advocacia Pública, importante é iniciar por um estudo mais aprofundado da definição, ou redefinição, do conceito de interesse público sob um paradigma democrático.

Creio que uma teoria democrática do interesse público deve considerar ao menos três aspectos fundamentais:

a) ainda que se tenha como ponto de partida para orientação hermenêutica a tese de uma sociedade aberta de intérpretes da Constituição, a configuração do interesse público pela autoridade democraticamente eleita possui uma relevância específica, como decorrência necessária da democracia representativa consagrada no art. 2o da Constituição Federal;

b) o interesse público só se concebe como universalizável –ou seja, aquele que pode repercutir favoravelmente na esfera de todos e de cada um dos membros de uma comunidade política– e publicamente justificável –vale dizer, sustentável no debate político aberto ;

c) para além destas condições normativas e políticas, são as autoridades públicas as detentoras das condições prático-institucionais para a aferição do interesse público, isto é, somente quem possui responsabilidade política decide de modo público e oficial.

Com efeito, se o direito é a forma própria de manifestação dos atos dos representantes populares, compete à Advocacia Pública oferecer a melhor alternativa técnica para a concretização institucional do modelo almejado pela sociedade.

As múltiplas demandas sociais, frutos de intensa e dinâmica renovação dos modelos institucionais existentes, geram a necessidade de conformação dos sistemas jurídicos em geral. E este é o contexto em que se insere o nosso País nos últimos anos. A edição de atos normativos em grande quantidade não representa, necessariamente, uma disfunção do sistema jurídico, podendo, antes, revelar sua agilidade em prestar aos demais sistemas sociais as reformas institucionais demandadas. Com efeito, as medidas provisórias, assim como os demais mecanismos de superação da necessidade legislativa identificáveis no direito comparado, respondem, isto sim, à demanda por um direito dinâmico e mutável.

Assim, as atividades de consultoria e assessoramento jurídicos ao Poder Executivo devem iluminar as alternativas institucionais da democracia brasileira. Todas as ações devem pautar-se pela defesa da legítima interpretação da Constituição e das leis, veiculada nos atos editados pelas autoridades públicas federais.

Também assim deve ser a representação judicial e extrajudicial da União.

À Advocacia Pública cabe, portanto, intensificar redes de interação com sua clientela, tanto para manejar com maior familiaridade a informação adquirida, como para resolver dúvidas e propor soluções para uma atuação mais racional da União.

Diferentemente da advocacia privada, a Advocacia Pública possui uma especificidade própria, qual seja, a de contribuir, com o fim último de um ethos de defesa do interesse e do patrimônio públicos, para a construção de um paradigma de prestação jurisdicional uniforme e integral, buscando impedir a existência de um sem-número de feitos homogêneos, protelatórios ou sujeitos a fraudes.

Igualmente relevantes se mostram os exercícios de reorganização institucional para o fim específico da defesa do Erário, principalmente se considerarmos a gravidade de que se revestem os casos de condenações milionárias impostas aos cofres públicos, muitas vezes decorrentes de múltiplas fraudes.

Vejo que a atuação da AGU tem se mostrado cada vez mais firme e empenhada na defesa da União, não em detrimento, mas em consonância com o interesse público, considerado em toda a sua dimensão social. A defesa e preservação dos recursos públicos tem como objetivo possibilitar a consecução de políticas públicas voltadas para áreas prioritárias como saúde e educação. O verdadeiro cliente da Advocacia do Estado é, portanto, o contribuinte e, ao cuidarmos do interesse público, estamos também visando ao interesse social.

Sei que, desde a sua criação, com a Constituição de 1988, a Advocacia-Geral da União vem sendo estruturada institucionalmente para atender à sua função precípua de defesa da União Federal.


Nesse processo, algumas perguntas básicas precisam ser respondidas: devemos dar ao Advogado da União um tratamento idêntico ao que é dado ao Juiz? Ou, se tal não for possível, devemos dispensar-lhe tratamento idêntico ao do Promotor ou do Procurador da República, inclusive no que diz respeito ao ambiente de trabalho e ao sistema de distribuição de processos, dentre outros aspectos? É este o modelo ideal para a Advocacia Pública? É assim que se deve lidar com a massa de processos que temos?

Essas são perguntas fundamentais, e é importante que se reflita sobre elas. E é preciso que nossa reflexão tome em conta as práticas levadas a efeito em órgãos do Ministério Público, setores do Judiciário e da advocacia privada, por exemplo, sabendo-se que nenhum deles poderá fornecer-nos um modelo pronto e acabado. Por outro lado, um modelo próprio para a Advocacia Pública terá de contar com um sistema de “controle de resultados”, o que é uma idéia quase avessa ao pensamento burocrático. É preciso, portanto, que sejam encontradas formas de avaliação desse resultado.

Além disso, parece-me fundamental a existência de elementos para a detecção de problemas. É preciso saber que um dado problema está surgindo e que ele pode vir a ter uma dimensão significativa nos campos jurídico, político ou financeiro. É preciso, para tanto, que os próprios Advogados estejam integrados, encontrando formas de comunicação que permitam, por exemplo, que Recife fale com Porto Alegre, independentemente dos órgãos centrais da Advocacia-Geral da União, de modo que, se estão aparecendo demandas sobre determinado tema, possam ser detectadas tendências e suas potenciais dimensões.

Outro desafio a que a administração de uma Advocacia de Estado está submetida é ter uma visão completa das demandas. Sabemos quantos processos temos, que tipos de processos temos, a sua idade, se há uma tendência de crescimento desses processos, ou se a curva é decrescente?

É preciso planejar, nessa perspectiva, sua ação judicial. É preciso desenvolver, no campo administrativo, uma mentalidade de planejamento. Mas, antes de mais nada, é necessário fazer um balanço daquilo que temos e detectar as tendências que se nos afiguram. Se houver causas repetidas, por que não mudar a legislação, ou eventualmente nos conformarmos a uma jurisprudência que já se consolidou?

O trabalho feito pelo Advogado de Estado, nada ou pouco tem a ver com Advocacia de Governo. Este carimbo, inclusive, é ruim e negativo, porque muitas vezes tende a apresentá-lo como aquele que está a serviço de causas do Governo, num sentido pejorativo. Quando, na verdade, as ações básicas desenvolvidas pela Advocacia da União, ou pela Advocacia de Estado em geral, são defesas de programas de interesse do Estado, ou defesa das finanças públicas no sentido geral.

Já dizia isso quando Advogado-Geral da União e reitero agora: comparar a atividade do advogado público com a atividade do advogado privado não tem cabimento. Quem acompanha, minimamente, essas questões, sabe-o muito bem. Não é por acaso que todo advogado público que atua com denodo na defesa sofre uma perseguição enorme, por causa da organização do estelionato pela via judicial. Realmente, os exemplos estão aí.

Creio que uma das atividades arriscadas, hoje, no Brasil, é a da advocacia pública. Há algum tempo, uma eminente colega, Procuradora da República que atuou com grande vigor na defesa da União, dizia que sempre sofreu perseguição e ameaça na condição de Procuradora da República na defesa da União, e não atuando como membro do Ministério Público. Isso é um dado curioso!

O que temos, hoje, de episódios na advocacia pública, inclusive de inquéritos policiais abertos contra advogados públicos que evitam os estelionatos pela via judicial – como bem conhecemos -, é um número expressivo.

Penso que a garantia constitucional da prerrogativa de foro passa a ser tanto mais importante se se considera que vivemos hoje numa sociedade extremamente complexa e pluralista, em que a possibilidade de contestação às escolhas públicas é amplíssima.

Refiro-me ao problema da complexidade de que fala Canotilho em relação à Teoria da Constituição. Vivemos em uma sociedade organizada sob bases plurais assentadas em inevitáveis diferenciações funcionais (sistema político, econômico, científico) (Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 4ª edição, Coimbra, 2000, p. 1303). “Isto conduz – diz Canotilho – a crescentes graus de especialização, impessoalidade e abstração no conjunto do sistema”.

Por isso, ensina o mestre português, não se vislumbra a possibilidade de um código unitarizante dos vários sistemas sociais. Não é por acaso também que, em nome dessa hipercomplexidade social, se justifica a oposição a qualquer escolha pública e, sobretudo, as deliberações políticas democráticas. (Canotilho, cit., p. 1303).


Por isso, tendo em vista a importante função social desempenhada pelo Advogado de Estado, e o interesse da sociedade no bom exercício da função pública, recomendável que o foro especial por prerrogativa de função a que faz juz seja prorrogado mesmo depois de cessado o mandato ou a investidora em relação aos atos praticados no exercício do cargo, ou a pretexto de exercê-lo.

Eis, pois, em rápidas linhas, esses vários pontos de angústias e de desafios que vejo para a Advocacia-Geral da União, alguns ligados, na verdade, à própria Advocacia de Estado. Não é preciso dizer que todo este processo de reforma deve estar acompanhado de um permanente processo de crítica e racionalização.

O desafio é produzir formas, métodos, instituições, órgãos, que possam responder com a flexibilidade necessária a essas demandas dos novos tempos.

Em outro plano, afigura-se igualmente evidente a imediata afetação da Advocacia-Geral da União aos compromissos normativos e políticos do País. A defesa judicial e extrajudicial dos atos federais revela-se então como a busca da maximização da eficácia da ordem constitucional. Mesmo a defesa de atos federais impugnados quanto à sua legitimidade não constitui óbice a esse seu compromisso com a ordem constitucional. O pluralismo político consagrado pela Constituição e a moderna doutrina constitucional manifestaram a inevitável disputa conceitual em torno das disposições constitucionais. Na medida em que opera na defesa da interpretação da Constituição veiculada pelos atos federais (cuja legitimidade última repousa na representação popular), o Advogado-Geral da União contribui para o desenvolvimento constitucional e assegura, por meio do exaurimento das razões derivadas de um texto necessariamente polissêmico, um ótimo discursivo indispensável ao pleno funcionamento de uma sociedade aberta dos intérpretes da Constituição.

Por outro lado, tal missão institucional deve compatibilizar-se com a existência de um órgão incumbido de promover, precipuamente, a guarda da Constituição. Em nosso modelo institucional, as decisões definitivas do Supremo Tribunal Federal devem alcançar a necessária eficácia geral e o efeito vinculante sobre os órgãos federais. É fato notório o já referido esforço da Administração Federal, sob o Governo Fernando Henrique Cardoso, no sentido de promover sua imediata adequação às decisões definitivas de mérito do Supremo Tribunal Federal.

E fê-lo em relação às decisões prolatadas não só em processos de controle abstrato de normas, mas igualmente naqueles associados à via concreta. Conclui-se, por conseguinte, que, à missão de assegurar a pluralidade hermenêutica na apreciação da legitimidade dos atos federais, soma-se o dever de implementar as decisões que a esse respeito proferir a jurisdição constitucional. É tal o dever imposto à Advocacia-Geral da União em decorrência de sua fidelidade à Constituição, expressão última do Estado de Direito.

Reunidas tais condições institucionais, práticas e teóricas, a Advocacia-Geral da União haverá de realizar, à plenitude, a missão que lhe foi confiada pela Assembléia Nacional Constituinte.

Muito obrigado!

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