Acordo coletivo

Sindicato não pode fazer acordo que reduz direito trabalhista

Autor

18 de agosto de 2007, 0h00

Acordo coletivo de trabalho não pode reduzir percentual de reajuste salarial determinado em convenção coletiva, sobretudo quando se observar que o acordo não prevê qualquer possibilidade de compensar as perdas impostas. O entendimento, unânime, é da 3ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região (Distrito Federal e Tocantins). Os juízes condenaram a empresa Worktime Assessoria empresarial por não pagar integralmente reajuste de 14% previsto na convenção coletiva vigente na empresa no período de 2003 e 2004 para uma funcionária.

De acordo com o processo, a empresa dispensou a funcionária em abril de 2001 (ocasião em que lhe pagava salário de R$ 794) para, no mês de março de 2002, recontratá-la para a mesma função, com salário de R$ 1,5 mil. Anos depois a funcionária foi demitida e solicitou as diferenças salarias (14%) fixados em convenção coletiva.

A empresa, no entanto, só pagou metade da diferença salarial. Por esse motivo, a funcionária recorreu à Justiça. Na primeira instância, a empresa foi condenada a pagar os 14% previsto na convenção. A empresa recorreu da decisão ao Tribunal Regional do Trabalho. Alegou que o acordo coletivo feito com a entidade sindical que representava a categoria da ex-funcionária permitiu a redução do percentual inicialmente fixado, como forma de compensar os reajustes salariais concedidos nos anos de 2001 a 2003, razão pela qual foram pagos apenas 7,16% do acordo.

O argumento não foi aceito. O relator do processo, juiz Grijalbo Coutinho, ressaltou que nenhum sindicato de trabalhadores está autorizado a fazer qualquer tipo de negociação com empregadores. Ele também destacou que a eventual concessão de reajustes salariais em patamar superior aos definidos pelas convenções coletivas de trabalho não pode ser suportado pela empregada.

“O princípio trabalhista da prevalência da norma mais favorável determina que, diante de um quadro de conflito de regras, o aplicador do Direito escolha aquela mais benéfica ao trabalhador”, considerou o juiz.

A 3ª Turma manteve a decisão de primeira instância e condenou a empresa a pagar o que foi combinado no acordo coletivo firmado entre a Worktime e a funcionária.

Leia a decisão

TRT 00283-2007-018-10-00-8 ROPS – ACÓRDÃO 3ª TURMA/2007

RELATOR: JUIZ GRIJALBO FERNANDES COUTINHO

RECORRENTE : Worktime Assessoria Empresarial Ltda.

ADVOGADO: Flávia Rosana Costa Motta

RECORRIDO: Michele Souza Lima Monteiro

ADVOGADO: Enrico Caruso

ORIGEM: 18ª VARA DO TRABALHO DE BRASÍLIA/DF

(Juiz ROSSIFRAN TRINDADE SOUZA)

EMENTA: REAJUSTE SALARIAL PREVISTO EM CONVENÇÃO COLETIVA DE TRABALHO. REDUÇÃO POR FORÇA DE ACORDO COLETIVO. PRINCÍPIO DA NORMA MAIS FAVORÁVEL. O princípio trabalhista da prevalência da norma mais favorável determina que, diante de um quadro de conflito de regras, o intérprete e aplicador do Direito escolha aquela mais benéfica ao trabalhador, de modo a alcançar o sentido “teleológico essencial do Direito do Trabalho”, sem que isso constitua “uma separação tópica e casuística de regras” (teoria do conglobamento). Neste contexto, não merece prevalecer a cláusula prevista em acordo coletivo de trabalho que reduz o percentual do reajuste salarial determinado em convenção coletiva, sobretudo quando se observa que aquele instrumento foi celebrado única e exclusivamente para essa finalidade, sem a previsão de qualquer outro benefício que pudesse compensar a perda salarial imposta (CLT, art. 620). Recurso conhecido e desprovido.

I – RELATÓRIO

O Exmo. Juiz do Trabalho Substituto ROSSIFRAN TRINDADE SOUZA, em exercício na MMª 18ª Vara do Trabalho de Brasília-DF, proferiu a r. sentença de fls. 383/385, julgando procedentes os pedidos deduzidos por Michele Souza Lima Monteiro em face de WORKTIME ASSESSORIA EMPRESARIAL LTDA.

Inconformada, recorre ordinariamente a reclamada às fls. 399/406, pretendendo excluir da condenação as diferenças salariais deferidas.

Documentos destinados à comprovação do depósito recursal e das custas processuais às fls. 383/385.

Contra-razões apresentadas às fls. 415/421.

Parecer ministerial conforme certidão de julgamento.

É o relatório.

II – V O T O

1. ADMISSIBILIDADE

Presentes os pressupostos objetivos e subjetivos de admissibilidade do recurso, dele conheço.

2. MÉRITO. DIFERENÇAS SALARIAIS. REAJUSTE PREVISTO EM CONVENÇÃO COLETIVA DE TRABALHO. REDUÇÃO POR MEIO DE ACORDO COLETIVO. IMPOSSIBILIDADE.

Em sua petição inicial, pretendeu a autora o pagamento de diferenças salariais, alegando que a reclamada não concedeu integralmente o reajuste de 14% previsto na convenção coletiva de trabalho, vigente no período de 2003/2004.

A reclamada defendeu-se, aduzindo que o acordo coletivo celebrado com a entidade sindical representativa da categoria do reclamante permitiu a redução do percentual inicialmente fixado — como forma de compensar os reajustes superiores concedidos nos anos de 2001 a 2003 –, razão pela qual foram pagos apenas os 7,16%, previstos no referido instrumento.


Analisando a controvérsia, a d. magistrada sentenciante deferiu as diferenças postuladas, considerando que a previsão de compensação dos reajustes constante no acordo coletivo não contemplava as diferenças postuladas pela reclamante.

Em suas razões de recurso, diz a empregadora que os salários pagos a seus empregados foram majorados em 2001, razão pela qual não poderiam ter sido concedidos reajustes salariais normativos integrais àqueles admitidos em 2002 (os quais já tinham sido beneficiados pelo aumento), como é o caso da reclamante.

Estas circunstâncias, no seu entender, acabaram ensejando um acréscimo salarial superior aos índices previstos nas normas coletivas aplicáveis, razão porque foi firmado acordo coletivo de trabalho que corrigiu as referidas distorções, por meio da compensação dos reajustes.

Ressalta, ainda, que a própria convenção coletiva de trabalho (2003/2004) que prevê o reajuste de 14% faculta a compensação dos aumentos e antecipações eventualmente concedidos nos períodos anteriores, contexto a revelar a legalidade da redução questionada pela reclamante.

A r. sentença originária deve ser mantida, embora por outros fundamentos.

,

A eventual concessão de reajustes salariais em patamar superior aos definidos pelas convenções coletivas de trabalho constituem mera liberalidade do empregador, não podendo, por isso mesmo, ser compreendida como equívoco a ser suportado pelo empregado.

O fato de ter a reclamada concedido aumento salarial a seus empregados no ano de 2001 — supostamente superior aos índices previstos nas normas coletivas aplicáveis — em nada se comunica com a realidade vivenciada pela reclamante.

O fato de ter a reclamada dispensado a reclamante no dia 01/06/2001 (ocasião em que lhe pagava salário de R$794,27 – fl. 178) para, no dia 10/03/2002 recontratá-la para a mesma função, com salário de R$1.500,00 (fl. 179) não autoriza a conclusão de que o acréscimo salarial verificado possa ser compensado com aqueles previstos em normas coletivas subseqüentes.

O contexto fático admitido pela própria recorrente, na realidade, revela que a conduta patronal adotada em 2001 objetivou, tão somente, a adequação dos salários pagos aos empregados aos valores dos serviços previstos no novo contrato que a empresa estava celebrando com a ANEEL (tomadora dos serviços), nos exatos termos do instrumento de fls. 252/254.

Aliás, todos os demais reajustes previstos em norma coletiva resultaram na celebração de novos termos aditivos ao contrato celebrado entre a reclamada e a tomadora dos serviços (ANEEL), como demonstram os documentos de fls. 257/258, 259/261, 266/268 e 273/274.

Ora, se os aumentos salariais concedidos pela reclamada aos seus empregados foi objeto de negociação com a tomadora dos serviços, gerando inclusive um acréscimo no valor do contrato entre elas celebrado, como poderia a prestadora pretender compensar esse aumento com reajustes normativos posteriores?

Não houve, definitivamente, qualquer reajuste ou aumento salarial nos anos de 2001 a 2003 passível de compensação futura.

O que ocorreu, na verdade, foi que o reajuste salarial de 14% previsto na convenção coletiva vigente a partir de 01/11/2003 não foi totalmente absorvido pela ANEEL, enquanto tomadora dos serviços, decorrendo daí a tentativa da reclamada de evitar o pagamento integral do reajuste, simulando a compensação por meio de acordo coletivo de trabalho.

Vejamos.

Quando da celebração da CCT 2003/2004 (que previu reajuste salarial de 14% aos empregados do comércio do Distrito Federal – fl. 27), a reclamada propôs à ANEEL um reajuste do valor do contrato de prestação de serviços existente entre elas — em percentual equivalente ao previsto na aludida CCT — objetivando repassar à tomadora dos serviços o custo do implemento daquela norma coletiva.

A ANEEL, todavia, recusou-se expressamente a assumir o ônus do reajuste, conforme demonstra o ofício de fl. 102.

Em face do recurso administrativo interposto pela reclamada, porém, a ANEEL acabou concordando em majorar o contrato de prestação de serviços existente entre as empresas em exatos 7,16% (fl. 118).

Foi a partir daí, que a reclamada, valendo-se da previsão normativa de possibilidade de compensação de reajustes por meio de acordo coletivo, pretendeu reduzir para 7,16% o percentual a ser pago a seus empregados, a título de reajuste salarial, alegando despropositadamente ter concedido reajustes superiores aos devidos nos anos de 2001 a 2003.

Em absoluta violação ao princípio da boa-fé objetiva que deve permear a celebração dos contratos, buscou a reclamada simplesmente adequar o reajuste salarial dos seus empregados ao percentual de aumento que conseguiu repassar à tomadora dos serviços (7,16%), na tentativa de se abster de cumprir a norma coletiva que lhe gerava custo adicional.


A situação que ora se apresenta é absolutamente absurda, sobretudo quando se observa que o sindicato representativo da categoria obreira firmou acordo coletivo de trabalho permitindo a “fictícia” compensação (fls. 275/276).

Estou convicto de que a referida negociação conduzida pela empresa e pelo SINDICATO DOS EMPREGADOS NO COMÉRCIO DO DISTRITO FEDERAL (fl. 275/276) é manifestamente ineficaz, porque resultou em nítido prejuízo aos empregados, sem qualquer justificativa plausível ou mesmo concessão de benefícios outros que pudessem compensar a redução do reajuste salarial previsto em convenção coletiva anterior.

Ainda que assim não fosse, a análise da questão passaria, necessariamente, pela observância dos princípios da prevalência da norma mais benéfica, da regra mais favorável, os quais têm força normativa.

Mário de La Cueva assinalava que “A lei é o ponto de partida, é o mínimo que não se poderá diminuir, mas não representa o Direito que necessariamente há de reger as relações operários patronais”.

Precisa a lição de Antônio de Lemos Monteiro, citado por Pinho Pedreira, ao declarar que “a norma hierarquicamente mais alta admite derrogação aparente pela inferior, mais favorável ao trabalhador, estabelecendo um limite ao critério hierárquico, desde que não haja oposição expressa ou tácita das fontes superiores” (Principiologia do Direito do Trabalho; Editora Ltr, 2ª edição, página 82, São Paulo, 1999).

O poder conferido aos sindicatos, pela Constituição (Artigos 7º, Inciso XXVI, e 8º), e pela CLT (Artigo 444), está longe de ser absoluto.

O princípio trabalhista da prevalência da norma mais favorável determina que, diante de um quadro de conflito de regras, o intérprete e aplicador do Direito escolha aquela mais benéfica ao trabalhador, de modo a alcançar o sentido “teleológico essencial do Direito do Trabalho”, sem que isso constitua “uma separação tópica e casuística de regras” – teoria do conglobamento – (Maurício Godinho Delgado).

Neste contexto, não merece prevalecer a cláusula prevista em acordo coletivo de trabalho que reduz o percentual do reajuste salarial determinado em convenção coletiva, sobretudo quando se observa que aquele instrumento foi celebrado única e exclusivamente para essa finalidade, sem a previsão de qualquer outro benefício que pudesse compensar a perda salarial imposta.

Além disso, certo é que o art. 620 da CLT determina que “As condições estabelecidas em Convenção, quando mais favoráveis, prevalecerão sobre as estipuladas em Acordo”.

Aplicável, pois, a previsão contida na convenção coletiva de trabalho de fls. 27/43 — que reajusta os salários em 14% –, em detrimento daquela pactuada no acordo coletivo de trabalho de fls. 275/276 — reduzindo o percentual para 7,16%.

Por todos esses motivos, mantenho a condenação imposta na origem e nego provimento ao recurso.

III – CONCLUSÃO

Ante o exposto, conheço do recurso ordinário e, no mérito, nego-lhe provimento, nos termos da fundamentação.

É o meu voto.

ACÓRDÃO

Por tais fundamentos, ACORDAM os Juízes da Egrégia Terceira Turma do Tribunal Regional do Trabalho da Décima Região, conforme certidão de julgamento, em aprovar o relatório, conhecer do recurso ordinário, e, no mérito, negar-lhe provimento. Ementa aprovada.

Brasília(DF), 25 de julho de 2007.(data do julgamento)

GRIJALBO FERNANDES COUTINHO

Juiz Relator (Convocado)

PROCURADORIA REGIONAL DO TRABALHO

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!