Estado policial

OAB pede investigação para suspeita de grampo no Supremo

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18 de agosto de 2007, 15h18

O presidente da OAB, Cezar Britto, pediu às autoridades que investiguem a acusação feita por cinco ministros do Supremo Tribunal Federal, que afirmam publicamente que suas linhas telefônicas estão sendo monitoradas de forma ilegal. O assunto foi divulgado pela revista Veja desta semana. O principal suspeito pelo grampo, segundo três ministros, é a banda podre da Polícia Federal.

“Nada pior para a democracia do que acuar o Poder Judiciário. O Judiciário independente pressupõe a ausência de qualquer interferência externa, especialmente do aparelho estatal encarregado da atividade policial”, disse Britto. Segundo o advogado, os fatos são “gravíssimos e exigem respostas imediatas daqueles que são responsáveis pelo controle da Polícia Federal. Polícia não pode ter banda podre. Ou ela é saudável ou não é polícia”.

A revista afirma que ouviu nas últimas semanas sete dos onze ministros. Cinco deles admitem publicamente a suspeita de que suas conversas são monitoradas por terceiros. Dentre eles, três não vacilam em declarar que o suspeito número 1 é a banda podre da Polícia Federal. “A Polícia Federal se transformou num braço de coação e tornou-se um poder político que passou a afrontar os outros poderes”, afirma o ministro Gilmar Mendes.

A situação é tão grave que a antecipação da aposentadoria de Sepúlveda Pertence, na quinta-feira (16/8), foi resultado de sua preocupação de que a polícia manipula as ligações. “Divulgaram uma gravação para me constranger no momento em que fui sondado para chefiar o Ministério da Justiça, órgão ao qual a Polícia Federal está subordinada. Pode até ter sido coincidência, embora eu não acredite”, afirma à Veja.

As suspeitas começaram em setembro de 2006 durante a campanha eleitoral. Na época, o ministro Cezar Peluso queixou-se de barulhos estranhos nas suas ligações e uma empresa especializada foi chamada para uma varredura. Ela detectou indícios de monitoramento ilegal nos telefones de Peluso e do ministro Marco Aurélio Mello e na linha de fax do ministro Marcelo Ribeiro, do Tribunal Superior Eleitoral. A PF entrou em cena então. Em nove dias, os agentes concluíram que não havia grampo e indiciaram o dono da empresa por falsa comunicação de crime.

Recentemente, as suspeitas aumentaram. Marco Aurélio Mello recebeu uma mensagem eletrônica anônima informando que os telefones do ministro estavam grampeados e que policiais ofereciam as gravações em Campo Grande. O mesmo estaria acontecendo com conversas telefônicas do ministro Celso de Mello.

Por causa do clima de insegurança, Marco Aurélio pediu uma investigação. Em outros tempos, uma denúncia anônima não receberia atenção. O caso foi investigado, mas a Polícia Federal concluiu que a mensagem era obra de estelionatários fazendo uma denúncia falsa.

Quando trabalhava com a Operação Navalha, o ministro Gilmar Mendes adquiriu a convicção pessoal de que seus telefonemas são monitorados. “O procurador Antonio Fernando me ligou avisando que a operação era complexa e precisava manter algumas prisões”, lembra o ministro à revista. Ele respondeu que não podia manter certas prisões por inadequação técnica. “Pouco depois, uma jornalista me telefonou perguntando se eu ia mesmo soltar todos os presos.” Surpreso, o ministro ligou para o procurador, que lhe garantiu não ter comentado o assunto com ninguém. Conclui Mendes: “Estavam me acompanhando pelo telefone”.

Com a libertação de alguns detidos na Navalha, Gilmar Mendes julga ter conquistado em definitivo a antipatia da banda podre da Polícia Federal – e suspeita que, a partir daí, começou a ser perseguido. “Apareceram notas em jornais e sites de notícias dizendo que eu estava soltando alguns dos presos porque um dos envolvidos era meu amigo. Plantaram que havia conversas gravadas que provavam isso”, rememora.

Um boato apareceu na imprensa dizendo que Gilmar Mendes estava na lista das autoridades que receberam mimos da empreiteira Gautama. “Recebi telefonemas de jornalistas garantindo que a Polícia Federal tinha confirmado que meu nome estava na lista”, diz.

O verdadeiro nome na lista era outra pessoa: o engenheiro Gilmar Melo Mendes. “Isso foi uma canalhice da polícia para tentar me intimidar”, acusa o ministro. “Quando a Justiça começa a ter medo de conceder um Habeas Corpus, o problema é da sociedade. Esse medo hoje já é perceptível”.

“O estado policial é a negação das liberdades, indiferente de posição social ou hierarquia. É uma antítese do sistema democrático”, diz o ministro Celso de Mello, cuja preocupação pessoal com grampos telefônicos é quase nula. O ministro fala pouco ao telefone fixo, não usa celular, mas se revolta com o clima de intimidação no Supremo. “É intolerável essa atmosfera que vivemos, com a conduta abusiva de agentes ou órgãos entranhados no aparelho de estado. A interceptação telefônica generalizada é indício e ensaio de uma política autoritária”, diz o ministro à Veja.

Os abusos no comportamento da PF, no entanto, não se esgotam nas suspeitas de grampo ilegal. Também há suspeitas de manipulação do conteúdo de gravações feitas legalmente. Pela lei, os policiais precisam transcrever todo o diálogo telefônico monitorado, e não apenas um resumo. “Hoje, pinça-se o que a polícia quer e o que acha que deve ser informado. Os juízes decidem com base em extratos. Isso é muito arriscado”, diz o ministro Marco Aurélio.

Dos sete ministros ouvidos pela revista, apenas Eros Grau e Cármen Lúcia Antunes Rocha não suspeitam de grampos em seus telefones. “Há uma suspeita generalizada de que nossos telefones são grampeados. De minha parte não há o que esconder, mas temos de medir as palavras com fita métrica”, diz o ministro Carlos Ayres Britto. “Hoje, você não sabe mais quem está ouvindo suas conversas”, conta o ministro Marco Aurélio. “Um dia minha irmã ligou para falar do espólio de meu pai. Repeti várias vezes que os valores se referiam ao espólio. Era para quem estivesse ouvindo entender. Se um ministro do STF tem de tomar essas cautelas, o que não sofre um juiz de primeira instância?”

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