‘Orelha de elefante’

Toffoli anuncia criação da Ouvidoria-Geral da AGU

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16 de agosto de 2007, 18h43

O ministro José Antônio Dias Toffoli anunciou a criação da Ouvidoria-Geral da Advocacia-Geral da União, que pretende ser um canal de comunicação da instituição com a sociedade ao receber reclamações, solicitações, denúncias e sugestões. O anúncio foi feito durante a abertura do Seminário Brasileiro sobre a Advocacia Pública Federal, que acontece em Brasília até sexta-feira (17/8). Na ocasião, ele deu posse ao ouvidor-geral, Gabriel Felipe de Souza.

Segundo Souza, “ao discutirmos o futuro da instituição e a sua adequação as transformações que ocorrem na sociedade brasileira, enfatizamos a importância da participação da sociedade civil no controle da prestação e da qualidade dos serviços públicos”.

O presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva também participou da cerimônia. Em seu discurso destacou que o cidadão vai se sentir como um participante do governo com a criação da Ouvidoria-Geral da AGU. “É muito importante ouvir as críticas da sociedade brasileira, para que a população possa se sentir participante da construção do país”, disse.

Ao falar sobre o papel do ouvidor-geral, Lula brincou e afirmou que “é preciso ter orelha de elefante” para escutar não só elogios, mas também as reclamações da população. O presidente também ressaltou a atuação da Advocacia-Geral da União em seu curto período de existência. “Apesar de jovem, de ter apenas quatorze anos, a AGU já anda sozinha” observou.

Para o presidente, as instituições públicas estão no caminho certo. “Estamos descobrindo que o Brasil é um país em formação, e as instituições públicas estão se formando da melhor maneira possível”. Ele ainda acrescentou que “todas as vezes que olharmos as deficiências destas instituições devemos imaginar como seria o país sem elas”.

Lula aproveitou para dizer que os pareceres da AGU devem ser seguidos por todos os órgãos da administração direta e indireta do governo. Para ele, a análise jurídica de propostas de leis e de políticas públicas pela AGU é muito importante para verificar a constitucionalidade desses projetos.

Segundo o presidente, não é coerente que uma decisão do governo seja questionada depois por um advogado de um Ministério, por exemplo. “Passamos a utilizar melhor a democracia fazendo com que a AGU participe da discussão de futuras leis e dê o parecer final nos projetos que a gente vai encaminhar ao Congresso”, observou.

O ministro Gilmar Mendes, vice-presidente do Supremo Tribunal Federal e ex-advogado-geral da União, também participou do seminário. Ele discursou na abertura do painel As Atividades da AGU como Advocacia de Estado: Características e Implicações. “Independentemente da evolução institucional que venha a experimentar o Brasil, acredito que sempre haverá lugar para a advocacia pública, mais contenciosa em algum momento, mais regulatória ou conciliatória em outro. E, nesse contexto de Advocacia de Estado, a AGU têm um papel fundamental”, afirmou.

Gilmar Mendes reforçou que a função da advocacia pública no país transcende em muito ao trabalho da advocacia privada. “É preciso refletir que a advocacia do estado, é do Estado democrático de Direito. Vocês não estão a serviço de governo e, obviamente, não há porque ter complexo de inferioridade por isso”, salientou.

No painel, o ministro criticou os efeitos protelatórios dos recursos judiciais classificados como “um verdadeiro estelionato por via judicial”. Também ressaltou que a imagem criada pela sociedade a respeito das personalidades públicas é um “viés de satanização da autoridade pública, como se encarnasse o mal”.

Leia o discurso do presidente Lula na abertura do I Seminário Brasileiro da Advocacia Pública Federal

Meu caro companheiro José Antônio Dias Toffoli, advogado-geral da União,

Meus companheiros ministros de Estado, Tarso Genro, da Justiça, e Jorge Hage, da Controladoria-Geral da União,

Meu caro ex-presidente da República, companheiro José Sarney, hoje senador da República,

Meu querido companheiro Sepúlveda Pertence, do Supremo Tribunal Federal,

Meu caro César Rocha, ministro do Superior Tribunal de Justiça, corregedor do Conselho Nacional de Justiça,

Meu caro Gilmar Mendes, ministro do Supremo Tribunal Federal,

Senhor Oscar Fiumara, advogado-geral do Estado italiano,

Meus amigos e minhas amigas advogados e advogadas da União, integrantes do Poder Judiciário,

Meus amigos e minhas amigas participantes do I Seminário da Advocacia Pública Federal,

Companheiros da imprensa, nós todos temos que agradecer por vocês ficarem acordados até esta hora, não sei se atrás de notícia boa ou de notícia ruim. Como a notícia ruim sempre tem prevalência, é melhor que não aconteça nenhuma no encerramento do Seminário.


Você sabe qual é o problema, Toffoli, de trazer discurso escrito? É que os que falam antes já leram o meu discurso. O Toffoli está dizendo que é o primeiro seminário feito pelos advogados da União, é a primeira vez que vem um presidente da República, e eu penso que neste seminário vocês deveriam parar um pouco para refletir sobre o País que nós queremos construir. Houve um imenso trabalho que envolveu muitos ministros da Suprema Corte brasileira, que envolveu o Pertence, que envolveu o então presidente Jobim, que envolveu o Márcio Thomaz Bastos, ministro da Justiça, e o Congresso Nacional, para que a gente pudesse fazer um avanço no Poder Judiciário brasileiro.

Não é uma tarefa fácil, porque é inacreditável a dificuldade que nós temos para fazer qualquer reforma. Isso não é apenas na política, no Poder Judiciário, na Receita, na Previdência. Qualquer reforma, qualquer mudança significativa nos traz muitas dúvidas. Não sei se vocês se lembram, quando vocês eram jovens, mais jovens ainda do que são, e se um dia se mudaram de uma casa para outra, ou de uma vila para outra, o quanto vocês resistiram para não mudar, para não deixar os amigos, para não deixar a cidadezinha, embora depois vocês pudessem até ter chegado a um lugar melhor.

As pessoas estão habituadas a conviver com determinadas coisas e não aceitam mudanças. Todas as vezes que nós discutimos reforma no Brasil, discute-se a questão do direito adquirido. Eu me lembro, meu caro Toffoli, meu caro Sarney – o presidente Sarney não deveria acompanhar, porque ele era presidente, na época, eu era deputado Constituinte e o Jorge Hage também era deputado Constituinte – eu me lembro de que o senador Bisol tentou tirar o direito adquirido da Constituição. Eu, com a minha mentalidade eminentemente metalúrgica, achava que queriam golpear os direitos adquiridos dos trabalhadores e fui um dos que brigaram para que fossem mantidos, na Constituição, os direitos adquiridos.

Quando eu cheguei à Presidência da República, convidei o Álvaro para ser o advogado-geral da União. Um dia, Deus queira que um de vocês possa chegar à Presidência da República, e vocês vão perceber quanta gente vocês precisam convocar para cargos importantes, que vocês não conhecem, porque você passa a trabalhar com referências, até porque só quem poderia ganhar a Presidência e conhecer todo mundo seria Jesus Cristo, mas eu acho que ele não está disposto a isso. Mas as minhas referências eram seguras, como é o caso do Pertence, que eu já conhecia há muito tempo e se prestou a ser meu advogado em 1980, e de outros amigos que a gente vai consultando: quem é fulano? Quem é beltrano? E vai montando a engenharia.

Eu penso que nós estamos descobrindo o seguinte: graças a Deus, o Brasil é um país em formação e as instituições democráticas neste País estão se formando da melhor maneira possível. O grande problema que nós temos é que me parece que também está impregnado nas células de cada brasileiro ou brasileira falar mal do Brasil e falar bem das coisas de fora. É uma coisa cultural. De vez em quando eu digo: o cidadão bebe uma cerveja feita num país que não tem nenhuma especialidade em fazer cerveja, mas se estiver escrito made in não sei o quê, ele acha que é melhor do que a brasileira.

Agora, as instituições brasileiras dão demonstração de vigor e de muita força e elas estão se consolidando. Se a gente for olhar a Advocacia-Geral da União, são apenas 14 anos. É uma adolescente. Na vida humana, a mãe, preocupada, não deixa um adolescente ir ao cinema sozinho, ir ao baile sozinho. A Advocacia-Geral da União já anda sozinha, e o Ministério Público, então? Tem muita gente que se queixa. Agora, todas as vezes que nós olharmos uma deficiência, fechemos os olhos e olhemos o País sem essas instituições. Obviamente que o Brasil seria mais frágil. Obviamente que eu também acho desagradável quando vejo uma pessoa execrada na primeira página do jornal, sem que tenha tido uma apuração correta, apenas porque alguém foi lá e achou que era.

Obviamente que eu tenho dito que toda instituição que tem poder tem que ter mais responsabilidade. É como na família da gente, um filho pode até falar uma bobagem, mas o pai não pode. O pai precisa estar sempre tentando fazer com que o filho não fale bobagem. E com as instituições no Brasil se fortalecendo, nós temos a garantia de que a democracia é, no fundo no fundo, a coisa que mais garante a todos nós o direito de vivermos tranqüilos e em paz, porque sempre terá alguém disposto a nos mostrar que a lei nos dá garantias.

Eu me lembro de que, em 1980, quando fui processado – eu não conhecia o Pertence – convocaram o Pertence para ser um dos meus advogados. Em Manaus – Gilmar, preste atenção nisso – um juiz me condenou porque tinham matado um dirigente sindical, e eu fui a um ato, três dias depois, de protesto pela morte do dirigente sindical. Lá no ato, um ato muito tenso, tinha muita gente armada, escondida, e a Polícia Federal estava gravando tudo. Eu disse: olhem, eu acho que não dá mais para a gente ficar chorando os nossos mortos, eu acho que está na hora de a onça beber água. Bem, alguns dias depois, os trabalhadores que já estavam denunciando o suposto mandante do crime do sindicalista, mataram esse suposto mandante. Aí eu fui condenado, como se eu tivesse dado a senha. Eu fui ao julgamento. Cheguei ao julgamento, o Pertence está lembrado, o juiz disse que eu não tinha que ser condenado porque tinha alguma arma não, eu não tinha que ser condenado porque tinha um canhão, uma metralhadora ou um revólver, eu tinha que ser condenado por causa da minha língua. Seria o primeiro caso em que alguém teria uma língua tão ferina, que merecesse ser condenado.


Naquele tempo, se a gente não tivesse amigos, a gente não teria levado um homem como o Pertence para defender. E o que nós estamos criando, ao longo desses anos? A Defensoria Pública. Para muita gente que pode contratar um bom advogado, pode não parecer nada, mas, para os milhões de brasileiros que não podem nem chegar perto de um advogado, a única coisa que eles conhecem de advogado são aqueles adesivos que vão nos carros: “Se precisar, procure um advogado”, grande coisa. Então, eu queria que vocês refletissem: por que o Brasil tem hoje mais de 600 bilhões de reais de dívida ativa? Eu estou dizendo mais de 600 bilhões de reais de dívida ativa. Por que, no Brasil, ainda hoje, o processo de não pagamento de um imposto qualquer, na transição entre as instituições, demora quase 7 anos na via administrativa? Se nós não começarmos a preparar mecanismos para fazer o Estado ser mais ágil para pagar e mais ágil para receber também, no fundo, no fundo, nós vamos permitindo que aqueles que não querem cumprir com a determinação da lei se utilizem de mecanismos jurídicos para não pagar as coisas que têm que pagar.

O Toffoli dizia uma coisa aqui, logo que nós entramos no governo, o que tinha? Era muito engraçado, meus queridos companheiros, Sarney: um ministro fazia uma lei, a lei chegava ao Congresso e era aprovada. Aí, alguém argüia inconstitucionalidade e a gente ia pedir ao Advogado-Geral da União, que tinha dito que a lei era inconstitucional, para ir defender, contra os seus princípios. Então, passamos a utilizar melhor a democracia, fazendo com que a Advocacia-Geral da União participe da discussão e dê um parecer final aos projetos que a gente vai mandar para o Congresso, para que quando ele tiver que defender, ele não vá defendê-los contrariamente. Esse negócio do cidadão defender uma lei com a qual ele não concordava antes, é como a gente ir ao casamento da ex-namorada, ou ir ao casamento da ex-mulher, é um negócio mais ou menos assim. Portanto, é importante. Mais grave ainda é que muitas vezes tinha uma decisão do governo e um advogado de um Ministério ia à Justiça contra a decisão. Essas coisas foram se ordenando, e precisam ser ordenadas. Tendo um parecer da Advocacia-Geral da União, o governo, como um todo, os Ministérios, como um todo, são obrigados a acatar, senão você não tem uma referência.

Eu sei que nós precisamos sempre tomar o cuidado de não estar colocando o pé nos sapatos dos outros. Já aconteceu com você, de colocar o pé no sapato dos outros? Às vezes não entra e, às vezes, entra e fica folgado demais. Então, como nós estamos num processo e vocês são todos muito jovens, a própria Advocacia-Geral é uma coisa muito jovem, eu acho que está na hora de construirmos aquilo que falta construir. Nesses 14 anos já tivemos muitos advogados-gerais da União. Eu me lembro que quando o meu querido Pertence era o procurador-geral da República, era assim que se chamava, na época – eu não te contei essa, Sarney, mas eu vou contar – eu fui conversar com o Pertence a respeito de uma CPI de grilagem de terra, em que tinha ofensas e mais ofensas entre você e o Cafeteira, está lembrado? Eu falava assim para o Pertence: mas, Pertence, se tudo o que está escrito aqui for verdade, estamos arrasados neste País. E o Pertence falava: “Lula”, ele me chamava de Lula, na época, “isso aqui, você pode ver, isso é um jogo de palavras, essas coisas, se o advogado, se o Procurador-Geral for levar isso a sério, as coisas vão ficar piores neste País.”

Então, eu gostaria, Toffoli, da indicação de um ouvidor que precisa ter orelhas de elefante, não sei se é o elefante que tem maior sensibilidade para ouvir, mas pelo menos a orelha é. Então, que você possa ser um ouvidor da maior grandeza, para que receba não apenas elogio, porque tem ouvidor que só quer receber elogio. É importante ouvir as críticas, porque é uma forma de a sociedade brasileira se sentir participante de alguma coisa neste País, para ela se sentir parte viva da construção da democracia neste País.

Bem, eu só espero que vocês não discutam aumento de salário, porque vocês viram uma coisa, eu comecei chamando vocês de companheiros. Hoje, eu sou o presidente e vocês pensam que eu sou o patrão de vocês. Mas, daqui a três anos e meio, termina o meu mandato e eu vou receber homenagem, que nem o Pertence recebeu aqui, porque aí eu volto a ser o companheiro e não o patrão, porque sou presidente da República.

Para terminar, o meu discurso não valeu nada aqui, eu queria dizer para vocês: olha, eu fico feliz que vocês estejam se reunindo. Tem gente que não gosta disso, mas a minha vida toda é resultado disso. Eu sei que vocês vão debater, sei que vocês vão divergir, sei que vai ter coisas importantes. A única coisa de que eu tenho certeza, sem saber o que vocês vão decidir, é que o fato de vocês se reunirem e discutirem o papel da instituição de que vocês participam na sociedade é mais importante e vai produzir muito mais resultado do que se vocês se omitirem de fazer o que têm que fazer.

Muito obrigado, boa sorte e que Deus abençoe vocês.

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