Controle dos fertilizantes

Cargill sai na frente em batalha judicial contra a Bunge

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16 de agosto de 2007, 12h51

A Cargill — por meio de sua controlada a Mosaic Fertilizantes — saiu vencedora no primeiro round da briga que trava na Justiça paulista contra a Bunge. O relator e o revisor do processo votaram a favor da anulação da assembléia-geral ordinária, de abril do ano passado, que elegeu o conselho de administração da Fertifós e da Fosfértil.

O julgamento foi adiado a pedido do terceiro juiz, Donegá Morandini, que pediu vista do processo. Com a ação, a Mosaic tenta retomar três assentos a que tinha direito no Conselho de Administração da Fosfértil.

“O Judiciário não é lugar para bons negócios. A Justiça é chamada para dizer o Direito, não se importando com o mercado. Bons negócios se fazem fora dos tribunais. No Judiciário, o que se busca é a recomposição de um direito lesado ou mesmo impedir que haja essa lesão. E à Justiça cabe a defesa da ordem jurídica para dar, a cada um, o que é seu”, afirmou o relator, Beretta da Silveira.

A Mosaic acusa a Bunge de abuso de direito e de violar o princípio da boa-fé nas relações empresariais. Alega que a representante da Cargill quebrou um acordo de cavalheiros que permitia que três grandes concorrentes convivessem no comando de sua fornecedora e indicou sozinha os representantes do Conselho de Administração da Fosfértil. O estatuto diz que a Mosaic tem direito a pelo menos três das nove cadeiras do colegiado. A norma aponta, ainda, que nenhuma decisão pode ser tomada sem a aprovação de, no mínimo, sete conselheiros.

A Mosaic aponta, ainda, que o Conselho de Administração é ilegítimo e que foi constituído por meio de um golpe, aplicado contra os sócios minoritários — que são a Mosaic/Cargill e a gigante norueguesa Yara. A Fosfértil, que possui hoje conselho indicado pela acionista majoritária Bunge, diz que a fusão não pretende isolar os outros acionistas, mas apenas garantir a sobrevivência da empresa, exatamente contra os sócios que a acusam de irregularidades.

A disputa envolve três sócios: a Mosaic, a Bunge e a Yara. Elas são três das maiores empresas do setor de fertilizantes no mundo. Se associaram na holding Fertifós Administrações e Participações S/A, controladora da Fosfértil e controlada pela Bunge. A Mosaic e a norueguesa Yara são acionistas minoritárias.

A proposta de união entre Fosfértil e Bunge foi anunciada pelas duas em dezembro, criticada em seguida pela Mosaic e, depois, atacada pela Yara. A empresa norueguesa protocolou no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) petição contrária à incorporação pelos efeitos adversos à concorrência que acredita que a união terá.

A Mosaic questiona a perda dos três assentos e a legitimidade do novo conselho de administração. No recurso, alega que o processo de incorporação vai provocar a diluição da holding e a exclusão dela (Mosaic) da condição de co-controladora da Fosfértil. Sustenta, ainda, que essa incorporação não seria possível sem que a Bunge tivesse excluído dos três membros do conselho de administração da Fertifós que foram indicados por ela.

A briga

A Fosfértil é a maior produtora de matérias-primas para fertilizantes do país, mas a empresa vive hoje uma fase turbulenta por conta da disputa entre os controladores. A Bunge e a Cargill são parceiras no comando da Fosfértil. No ano passado, sem avisar a Cargill, a Bunge propôs aos acionistas da Fosfértil a fusão da empresa com a Bunge Fertilizantes. A manobra foi interpretada pela diretoria da Cargill como uma tentativa da Bunge de afastar a empresa para assumir sozinha o controle da Fosfértil. O caso foi parar nos tribunais.

O conselho de administração da Fosfértil aprovou em dezembro a reestruturação societária que prevê a unificação das operações da companhia com a Bunge Fertilizantes no Brasil. A proposta de fusão previa a transformação da Bunge Fertilizantes em subsidiária integral da nova Fosfértil Fertilizantes S.A, empresa que terá receita bruta anual estimada de R$ 5,8 bilhões. O caso foi encaminhado para aprovação dos acionistas em assembléia geral extraordinária. Em maio deste ano, o Tribunal de Justiça decidiu congelar o processo de fusão até que o mérito da ação movida pela Mosaic seja julgado.

Mas a Mosaic, resultado da unificação dos negócios globais das americanas Cargill e IMC, e uma das principais acionistas da Fosfértil, ingressou com ação para impedir a união entre Fosfertil e Bunge. A multinacional entende que a unificação das operações entre as duas empresas poderá concentrar ainda mais o mercado de fertilizantes no país. Atualmente, a Bunge detém cerca de 60% do mercado de fosfatado do país – uma das principais matérias-primas, e passaria para algo em torno de 90%. Outro fator é que independentemente da fusão, a Fosfertil é uma empresa sadia e lucrativa e a fusão poderia comprometer os resultados da empresam, alega a Mosaic.


A proposta de reorganização acionária e fusão da mineradora de matérias-primas para fertilizantes Fosfertil e a gigante do varejo destes produtos Bunge está sendo discutida em outras cinco ações que tramitam na 26ª Vara Cível da Capital. A proposta é contestada pelos outros acionistas da Fosfertil e concorrentes da Bunge neste varejo.

Leia a sentença contestada pela Mosaic

Vistos. MOSAIC FERTILIZANTES DO BRASIL S/A e MOSAIC FERTILIZANTES LTDA., sucessoras das empresas Cargill Fertilizantes S/A e Cargill Agrícola S/A, ajuizaram a presente ação anulatória com pedido de antecipação dos efeitos da tutela contra BUNGE FERTILIZANTES S/A, FERTILIZANTES OURO VERDE LTDA., FERTIFÓS ADMINISTRAÇÃO E PARTICIPAÇÃO S/A e FERTILIZANTES FOSFATADOS S/A FOSFÉRTIL, alegando, em síntese, que a primeira requerida, BUNGE, adotou conduta ilegal e de má-fé, objetivando assumir, isoladamente, o controle administrativo das co-rés FERTIFÓS e FOSFÉRTIL; para tanto, a ré BUNGE substituiu os Conselhos Administrativos das rés FERTIFÓS e FOSFÉRTIL, em assembléias realizadas em 27/04/2006 e 28/04/2006, respectivamente; tais substituições são viciosas, caracterizando-se como atos lesivos, merecendo serem suspensos e anulados.

Com base nestes argumentos, requer: a) a antecipação de tutela para evitar que sejam causados danos irreparáveis às autoras, suspendendo-se (i) os efeitos da deliberação que substituiu os membros do Conselho Administrativo, (ii) os efeitos da reunião do Conselho Administrativo da FERTIFÓS, realizada em 27/04/2007, (iii) os efeitos do voto da FERTIFÓS, realizado na assembléia de 28/04/2007; b) requer, ao final, a declaração de nulidade da substituição dos membros do Conselho Administrativo da FERTIFÓS, deliberada pela AGO (Assembléia Geral Ordinária), realizada em 27/04/2007. Com a inicial vieram os documentos de fls. 33/501.

A antecipação dos efeitos da tutela foi indeferida a fls. 506. As co-rés FERTIFÓS e FOSFÉRTIL apresentaram contestação a fls. 580/614, alegando, preliminarmente, ilegitimidade passiva da FERTIFÓS e da FOSFÉRTIL e inépcia da inicial; no mérito, alegou que as empresas FERTIFÓS e FOSFÉRTIL não têm notícias da existência do ‘acordo de votos’ alegado pelas autoras, de forma que uma suposta violação de seus termos não pode ser invocada como causa de pedir; assim, argumentam as co-rés pela impossibilidade de presunção de existência do acordo; alegaram, também, a inexistência do direito ao voto múltiplo; refutaram às alegações das autoras, referentes à AGO realizada em 27/04/2006; por fim, requereram a improcedência da ação.

As co-rés BUNGE e OURO VERDE apresentaram contestação a fls. 684/718, alegando, preliminarmente, falta de litisconsórcio necessário; no mérito, argumentou que as autoras não possuem o direito à indicação de três membros do Conselho Administrativo; afirmam que as autoras decaíram do direito ao voto múltiplo; no mais, refutou todos os argumentos das autoras, requerendo a improcedência da ação.

Réplica a fls. 879/885. As fls. 1186 foi determinada a inclusão no pólo ativo de FERTIBRÁS S/A, na qualidade de Assistente Litisconsorcial. É o relatório. Fundamento e DECIDO. A matéria em discussão é eminentemente de direito e de fato que dispensa a produção de outras provas além das que estão presentes aos autos. Destarte, é o caso de julgar a lide nos estritos termos do artigo 330, inciso I, do Código de Processo Civil.

A preliminar de ilegitimidade passiva das co-rés FERTIFOS e FOSFERTIL confunde-se com o mérito, na medida em que os seus argumentos sustentam a regularidade da assembléia geral de acionistas que as autoras pretendem ver anuladas. Ademais, as contestantes são sujeitos da relação jurídica objeto da lide, razão pela qual no pleito da anulação da Assembléia Geral serão materialmente e processualmente atingidas, devendo, portanto figurar no processo. Não ocorre a inépcia da inicial, haja vista que preenche os requisitos do artigo 282 do Código de Processo Civil. Outrossim, a existência ou não do direito perseguido pelas autoras é matéria atinente ao campo de mérito.

Repilo por igual a preliminar de falta de formação de litisconsórcio necessário apresentado pelas co-rés BUNGE e FERTILIZANTES OURO VERDE, haja vista que os conselheiros destituídos e os nomeados na assembléia geral questionada são produtos da deliberação da assembléia e não sujeitos responsáveis por sua elaboração. Superados as preliminares mais relevantes, passa-se a análise do mérito. A ação é improcedente. A matéria em discussão, apesar da complexidade de seus efeitos que refletem na esfera corporativa, econômica e mercadológica, é de extrema simplicidade.

As autoras pretendem a anulação ou a declaração de nulidade da deliberação feita na Assembléia Geral de Ordinária realizada em 27 de abril de 2006, em que se culminou com a substituição dos três membros do conselho de administração da FERTIFOS, indicados pela acionista minoritária. Para tanto, a investigação fica restrita tão somente na regularidade legal da AGO da FERTIFOS realizada em 27 de abril de 2006.


Pois bem. Buscando a anulação, as autoras apresentaram uma série de bons argumentos, entre elas a boa-fé objetiva que deveria ter norteado as relações dos acionistas, na medida em que foram pegas de surpresa com as deliberações ocorridas na AGO de FERTIFOS de 27 de abril de 2006. Cabe dizer desde que as práticas e costumes anteriores não se consolidam como postulados inafastáveis.

Consigne-se que o fato de que as autoras puderam votar em assembléias anteriores indicando os três membros do conselho da administração da FERTIFOS sem a necessidade da manifestação de voto múltiplo, não quer dizer que as autoras adquiriram o direito subjetivo de dispensar a manifestação pelo exercício do direito do voto múltiplo. O fato de que as rés BUNGE e OURO VERDE terem concordado com indicação dos conselheiros das autoras em AGO´s anteriores, dispensando-se a exigência da utilização do voto múltiplo pelas acionistas minoritária não confere às autoras, em momento algum, o direito de voto diferenciado sem a sua regular utilização e manifestação nos termos legais e estatutários. Não houve violação da regra da boa-fé objetiva.

As rés em momento algum foram desleais ou ocultaram informações relevantes às minoritárias. A cordialidade mantida nas correspondências eletrônicas dos dias que antecederam a AGO não pode ser interpretada de forma alguma como uma tergiversação da conduta do acionista majoritário sobre os minoritários. A grande e a mais cruel verdade é que as autoras agiram com uma ingenuidade ímpar incompatível a uma conduta empresarial do porte das empresas envolvidas.

Não é de hoje que há conflitos de interesses corporativos entre os acionistas majoritários e minoritários. Justamente para isto e para preservar a minoria a uma eventual tirania do majoritário confere-se ao minoritário o direito do voto múltiplo, cujo o exercício depende única e exclusivamente do acionista minoritário. É evidente que não interesse ao majoritário o manejo desta estratégia legal por parte do minoritário, haja vista que dilui o seu poder de influência nas decisões estratégicas da empresa.

Dito isto, não se exige do majoritário conduta alguma no que toca à advertência da exigência da formalidade que fará na AGO para que o acionista minoritário possa exercer ou não o seu direito de voto múltiplo. A providência cabe única e exclusivamente ao minoritário. Envolvendo empresas que faturam cifras que ultrapassam oito dígitos, não é admissível que as autoras tivessem se prendido num acordo verbal que ainda que existente seria ineficaz em situações como estas. A ingenuidade das autoras foi muito grande a ponto de ser inescusável.

Com efeito, tem-se que as autoras em momento algum tiveram o direito subjetivo de votar exercendo voto múltiplo sem a sua prévia manifestação, de indicar três membros do conselho da administração da FERTIFOS, e por fim em anular a Assembléia Geral Ordinária da FERTIFOS realizada em 27 de abril de 2006. Por mais que se sustente que a situação atual seja fruto de uma manobra engendrada pelas rés, a verdade é que estas circunstâncias fazem parte do jogo corporativo que por sua vez reflete o sistema democrático prevalecendo a vontade da maioria.

Ao se franquear uma situação diversa, ou seja, a vontade da minoria prevalecer sobre a maioria, estar-se-ia perante àquela situação imaginária e folclórica de que o rabo estaria abanando o cachorro. Por arremate, a Assembléia Geral Ordinária da FERTIFOS realizada em 27 de abril de 2006 é perfeitamente válida e eficaz, estando revestida das formalidades legais.

Posto isto e do mais que consta dos autos, JULGO a presente ação improcedente. Condeno as autoras em regime solidário ao pagamento das custas e despesas processuais, inclusive as suportadas pelas rés, bem como os honorários advocatícios que ora se arbitra em 10% do valor da causa atualizado para cada bloco de advogados contestantes. P.R.I. (Preparo: R$ 4.103,47; Porte Remessa: R$ 125,76)

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