Excesso de cadeiras

Metástase de cargos é a causa do caos aéreo

Autor

15 de agosto de 2007, 0h00

O presidente Lula comparou a crise aérea com metástase, quando o paciente que sofre de câncer em um órgão descobre que há ramificações da doença pelo corpo. O presidente está perto do diagnóstico correto, mas, não sabe o tipo de câncer. O nome é “loteamento de cargos”.

Começou com o Ministério da Defesa, órgão sem função, de imediato, atingido pelo “loteamento”. Nunca foi ocupado por técnico que entendesse alguma coisa de defesa e muito menos de aviação. Dali o câncer foi se alastrando. Houve a quebra da hierarquia, espinha dorsal de qualquer sistema de aviação civil. Criou-se o Comando da Aeronáutica, subordinado ao Ministério da Defesa. Subordinação inócua e inútil. Essa disfunção deu início ao esquartejamento do Sistema de Aviação Civil, que teve seu primeiro órgão retirado: a Infraero, rapidamente atingida pelo câncer do loteamento. Começou a metástase. O resultado na Infraero já se conhece, pois os aeroportos estão se deteriorando, assim como as estradas do país e outros serviços públicos.

A seguir, retirou-se do pobre Sistema de Aviação Civil, que já estava na UTI, mais um órgão: o DAC. Nesse momento, ocorreu a falência múltipla de órgãos. Em seu lugar, em março de 2006, inoculou-se a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), através da Lei 11.182. E deu-se a metástase a que se refere o Presidente da República. Junto houve a rejeição, pelo sistema, de um corpo estranho. De lá para cá tudo o que aconteceu não foi coincidência. Em poucos meses o loteamento de cargos espalhou-se pela Anac, atingindo todo o Brasil. O paciente entrou em colapso e não mais se recuperou. Até uma desnecessária 8a. Gerência Regional da Anac foi criada na Bahia, por razões políticas, apenas porque um dos diretores é daquele Estado.

O sistema de aviação civil do Brasil é um paciente terminal. Só sobreviverá se o câncer for extirpado e o paciente imunizado, como sempre esteve ao longo de seis décadas. O Ministério da Aeronáutica, a Infraero e o Departamento de Aviação Civil (DAC) eram organizações militares, imunes a indicações políticas, ao loteamento de cargos e ao conhecido troca-troca. A Lei 11.182 não serve para o Brasil. Precisa ser revogada, com urgência, através de outra lei federal que recoloque o antigo DAC no lugar, subordinado ao Comando da Aeronáutica.

Se isso não for feito, o paciente continuará na UTI, morrendo e matando inocentes. A aviação rejeita conxavos políticos, falta de profissionalismo, de disciplina e de hierarquia. Assim como é inadmissível substituir pilotos de uma aeronave por militantes políticos, é inaceitável fazer o mesmo com os gestores dos órgãos técnicos do setor aéreo. O presidente Lula precisa decidir entre preservar cargos e ministérios inúteis ou vidas. No país campeão mundial do loteamento de cargos, só uma organização militar resiste à pressão por cargos.

Não é possível aplicar no Brasil receitas do primeiro mundo. Em outros países, quando muda a administração federal, troca-se 100 cargos. No Brasil, a cada quatro anos, loteia-se cinquenta mil. Em outros países, se o presidente indica nomes de pessoas que não tem habilitação técnica para os cargos, o Senado rejeita. No Brasil, o presidente indica qualquer nome e o Senado aprova, porque, previamente, foi feito algum acordo político.

Pessoas que não entendem nada de aviação (senadores) sabatinam outras, que sabem menos ainda. Não há aviação nem país que resista. A lei 11.182 estabelece que a Anac não se subordina a ninguém. Isso representou a quebra da hierarquia do sistema. É fórmula que não se aplica ao país do loteamento de cargos, onde não há critério técnico para o preenchimento dos cargos.

O parágrafo único, do artigo 6o da Lei 11.182 estabelece “Quando, no exercício de suas atribuições, a Anac tomar conhecimento de fato que configure ou possa configurar infração contra a ordem econômica, ou que comprometa a defesa e a promoção da concorrência, deverá comunicá-lo aos órgãos e entidades referidos no caput [órgãos e entidades do Governo Federal] deste artigo, para que adotem as providências cabíveis”. Alguém tem dúvida de que a interrupção da “concessão” da Varig (não dá Varig) representaria infração contra a ordem econômica? Alguém tem dúvida de que a interrupção de 33% da oferta de vôos domésticos e 80% de internacionais, comprometeria a defesa e a promoção da concorrência?

O Governo Federal descumpriu, no caso da concessão da Varig, o artigo 175 da Constituição e a Lei que o regula 8987/95, que estabelece intervenção, encampação e nova licitação de serviços públicos essenciais e contínuos. Se são “contínuos” não podem ser “descontinuados”. E foram. A concessão da Varig, literalmente, parou. Isso significou a destruição de um terço da malha aérea do país (patrimônio público), infração contra a ordem econômica (artigo 170, da Constituição) e o fim da concorrência. Milhões de passageiros foram jogados sobre apenas duas empresas, uma muito nova, e sem experiência (Gol), e outra que havia perdido seu principal líder (Tam). Nenhuma das duas tinha condições de absorver essa enorme quantidade de passageiros.

O que fez a agência reguladora nesse caso? Nada. Com isso, descumpriu o parágrafo único do artigo 6o da lei que a criou. E descumpriu, porque seus diretores não eram técnicos e estavam atrelados ao Governo. E assim estavam, porque os senadores que sabatinaram os diretores, descumpriram o artigo 12, da mesma lei 11.182, que, claramente estabelece: “Os diretores serão brasileiros, de reputação ilibada, formação universitária e elevado conceito no campo de especialidade dos cargos para os quais serão nomeados pelo Presidente da República, após serem aprovados pelo Senado Federal (grifou-se)…”., Ora, é público e notório que os diretores da Anac não se enquadram nesse perfil. O caos aéreo, portanto, decorre do descumprimento da lei, por parte de todos aqueles que deveriam estar defendendo seu cumprimento.

Importante lembrar que esse mal atinge toda a administração pública, levando à falência dos serviços de educação, segurança, saúde, às filas nos hospitais e às mortes nas rodovias. Os usuários do transporte aéreo se acostumaram com os bons serviços prestados por profissionais. Por isso o espanto, quando tudo veio abaixo, em poucos meses de gestão política. Os usuários dos demais serviços públicos assistem, anestesiados, à falência do Estado. Se há esperança não se sabe. O que se sabe é que, no setor aéreo, a solução não começa sem revogar a lei que criou a Anac, que é uma anomalia, e sem extingüir o Ministério da Defesa, que é outra, pois não tem função nenhuma. Câncer se mata extirpando. Se ficar como está, os serviços aéreos públicos continuarão tão ruins quanto todos os demais. A morte das rodovias atingiu as aerovias.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!