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É preciso acordo de extradição entre Brasil e Colômbia

14 de agosto de 2007, 0h00

Por Antonio Baptista Gonçalves

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A justiça brasileira foi responsável pela prisão de um dos mandatários do crime organizado de maior importância no cenário mundial: o colombiano Juan Carlos Ramírez Abadía, responsável pelo controle do tráfico de drogas na Colômbia, mais especificamente do Cartel Vale do Norte, e tido como o sucessor de Pablo Escobar.

E, num rompante desenfreado, o noticiário nacional acena com a possibilidade de extradição do criminoso para os Estados Unidos da América, no qual é acusado de ser o suposto mentor da morte de 15 pessoas.

Entretanto, o real interesse pode ser atribuído ao recebimento da recompensa oferecida pelas autoridades daquele país na monta de U$ 5 milhões.

Jornalistas um pouco mais entusiasmados reportam a possibilidade de uma extradição imediata. Na prática, o procedimento não é assim tão simples e sua conclusão não será efetuada num presente imediato.

A Lei de Introdução do Código Civil Brasileiro é clara em seu artigo 13:

“Artigo 13. A prova dos fatos ocorridos em país estrangeiro rege-se pela lei que nele vigorar, quanto ao ônus e aos meios de produzir-se, não admitindo os tribunais brasileiros provas que a lei brasileira desconheça”.

Já o Código Penal trata da competência nacional:

“Artigo 7. Ficam sujeitos à lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro:

(…)

II — os crimes:

a) que, por tratado ou convenção, o Brasil se obrigou a reprimir;

b) praticados por brasileiro;

c) praticados em aeronaves ou embarcações brasileiras, mercantes ou de propriedade privada, quando em território estrangeiro e aí não sejam julgados.

§1° Nos casos do inciso I, o agente é punido segundo a lei brasileira, ainda que absolvido ou condenado no estrangeiro.

§2° Nos casos do inciso II, a aplicação da lei brasileira depende do concurso das seguintes condições:

a) entrar o agente no território nacional;

b) ser o fato punível também no país em que foi praticado;

c) estar o crime incluído entre aqueles pelos quais a lei brasileira autoriza a extradição;

d) não ter sido o agente absolvido no estrangeiro ou não ter aí cumprido a pena;

e) não ter sido o agente perdoado no estrangeiro ou, por outro motivo, não estar extinta a punibilidade, segundo a lei mais favorável.”

Segundo os dispositivos acima o Brasil tem capacidade de julgar e condenar um estrangeiro desde que sejam respeitadas algumas condições: o cometimento do crime em território nacional, por estrangeiro e previsão legal de punibilidade no ordenamento nacional.

Como o criminoso em questão não foi acusado da prática de homicídio em território nacional, e tampouco por tráfico, a única possibilidade de processo é pela prática de lavagem de dinheiro.

Sobre a matéria o ordenamento jurídico brasileiro possui aparato suficiente para tipificar as condutas praticadas por Juan Carlos Ramírez Abadia.

A Lei 9.613 de 3 de março de 1998 tipifica em seu artigo 1°:

“Artigo 1º Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de crime”:

I — de tráfico ilícito de substâncias entorpecentes ou drogas afins;

II — de terrorismo e seu financiamento;

III — de contrabando ou tráfico de armas, munições ou material destinado à sua produção;

IV — de extorsão mediante seqüestro;

V — contra a Administração Pública, inclusive a exigência, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, de qualquer vantagem, como condição ou preço para a prática ou omissão de atos administrativos;

VI — contra o sistema financeiro nacional;

VII — praticado por organização criminosa;

VIII — praticado por particular contra a administração pública estrangeira.

Pena: reclusão de três a dez anos e multa.

§ 1º Incorre na mesma pena quem, para ocultar ou dissimular a utilização de bens, direitos ou valores provenientes de qualquer dos crimes antecedentes referidos neste artigo:

I — os converte em ativos lícitos;

II — os adquire, recebe, troca, negocia, dá ou recebe em garantia, guarda, tem em depósito, movimenta ou transfere;

III — importa ou exporta bens com valores não correspondentes aos verdadeiros”.

O criminoso colombiano amealhou uma fortuna em território nacional pelo gerenciamento de negócio de dezesseis empresas. Como de praxe em negócios fomentados pelo crime organizado as atividades são lícitas e regulares.

A forma de caracterizar a lavagem é o rastreamento do recebimento do dinheiro estrangeiro e da transmissão do dinheiro nacional para contas no exterior.

Segundo as normas do artigo 7° do Código penal quatro eventos concomitantes são exigidos para que se concretize uma extradição: o delito ser praticado por estrangeiro no Brasil; a previsão de punibilidade do delito também no país estrangeiro; estar o crime incluído entre aqueles pelos quais a lei brasileira autoriza a extradição; e não ter sido absolvido ou já ter cumprido pena pelo mesmo crime no estrangeiro.

Então é necessário uma análise de compatibilidade com a norma americana. E, segundo o Decreto 55.750, de 11 de fevereiro de 1965 existe a possibilidade de extradição pelo cometimento de delitos como o previsto no item 19:

“Receptação de dinheiro, títulos de valor ou outros bens, sabendo que foram obtidos ilegalmente”.

Todavia, o mesmo diploma preceitua em seu artigo 5°:

“Artigo 5° Não será concedida a extradição em qualquer das seguintes circunstâncias:

1. Quando o Estado requerido, sendo competente, segundo suas leis, para processar o indivíduo, cuja entrega é pedida, pelo crime ou delito que determinou o pedido de extradição, pretenda exercer sua jurisdição”.

Segundo esta previsão somente será possível uma extradição se a justiça brasileira não tiver interesse na condenação do criminoso colombiano.

Mesmo assim, outro problema surge: não será possível a extradição para o Estado americano para o julgamento dos homicídios. E a justificativa não é a falta de previsão, porque o artigo 1° do decreto assim o prevê, mas sim, pela existência do artigo 6°:

“Quando ao crime ou delito, em que se baseia o pedido de extradição, for aplicável a pena de morte, segundo as leis do Estado requerente, e as leis do Estado requerido não admitirem esta pena, o Estado requerido não será obrigado a conceder a extradição, salvo se o Estado requerente der garantias, que satisfaçam ao Estado requerido, de que a pena de morte não será imposta a tal pessoa”.

Por tudo que foi exposto a extradição não será feita num futuro próximo e será mais interessante para as autoridades uma extradição para o país de origem, porque lá o acusado responderá pelo homicídio de mais de 300 pessoas.

O aceno com a competência americana parece um temor da fragilidade de cumprimento de sanções na Colômbia.

Então resta um acordo entre os dois países para a equação ter um denominador comum, do contrário, de nada terá valido a tão preciosa prisão.