Classe unida

Associação apóia ação contra lei que ampliou foro em Minas

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14 de agosto de 2007, 11h59

O Movimento do Ministério Público Democrático enviou carta ao procurador-geral da República, Antônio Fernando de Souza, para apoiar Ação Direita de Inconstitucionalidade contra a Lei Complementar 105/2007, de Minas Gerais, que altera a organização do Ministério Público do Estado restringindo a atuação dos procuradores.

Com a nova lei, em seu artigo mais polêmico, quase duas mil autoridades terão a prerrogativa de serem investigadas ou processadas criminalmente apenas pelo procurador-geral de Justiça do estado, Jarbas Soares Junior.

A associação, presidida por Roberto Livianu, do MP paulista, também mandou uma mensagem de apoio ao procurador-geral de Minas. Para o MMPD, a lei é “uma tentativa de exterminar o poder de investigação do MP”.

A lei permite somente que o procurador-geral investigue deputados, magistrados, vice-governador, conselheiros do Tribunal de Contas, secretários de Estado, advogado-geral do Estado e defensor público-geral. Hoje, a legislação refere-se apenas ao governador, a presidentes da Assembléia ou de tribunais.

“Acreditamos que a investigação dos agentes políticos é mais do que saudável, atualmente tem sido premissa para a consolidação da cidadania brasileira. Seria profundamente lastimável que, justamente em Minas Gerais, estado de gloriosas tradições na luta pelo estado democrático de direito, a lei criasse injustificáveis obstáculos à investigação de atos de improbidade administrativa”, afirma a nota.

Na quinta-feira (9/8), a Assembléia Legislativa de Minas Gerais derrubou parte do veto do governador Aécio Neves (PSDB) à lei que organiza o MP. Para não ofender os deputados, o governador não havia emitido juízo sobre o assunto. Utilizou apenas parecer da Advocacia-Geral do Estado. A análise técnica concluiu que “as normas relativas à competência do procurador-geral na abertura de procedimentos que envolvam autoridades públicas devem seguir deliberação nacional, não se justificando procedimentos diferenciados em cada unidade da Federação”.

Uma emenda anterior, incluída num Projeto de Lei Complementar do Executivo, já havia sido vetada com base também em parecer da AGE. Os deputados insistiram desta vez por meio de alterações em um projeto de autoria da Procuradoria-Geral de Justiça de Minas, que tratava de gratificações para integrantes do MPE que acumulavam trabalhos em mais de uma comarca.

No mês passado, integrantes do MPE e representantes de entidades da sociedade civil promoveram em Belo Horizonte um ato para pedir o “veto total” ao projeto. O Conselho Nacional dos procuradores-gerais e o Conselho Nacional dos Corregedores-Gerais dos Ministérios Públicos dos Estados e da União também cobraram o veto.

O MPE já havia encaminhado ao governador parecer de um grupo de estudos constituído por procuradores e promotores, que concluiu que as emendas inseridas no PLC são “formal e/ou materialmente inconstitucionais”.

Leia a carta:

São Paulo, 13 de agosto de 2007

Senhor Procurador-Geral,

Dirigimo-nos a V. Exa. para pedir sua especial atenção quanto à Representação que lhe será dirigida hoje pelo Procurador-Geral de Justiça de Minas Gerais, relacionada à Lei Complementar n. 105/2007 de Minas Gerais, disciplinando a atuação do Ministério Público nos inquéritos e ações civis sobre improbidade administrativa e colocando vários óbices à realização das investigações e à promoção da responsabilidade de agentes públicos suspeitos de violar o patrimônio público.

A representação em foco, cujo teor conhecemos integralmente e endossamos, pugnará pela propositura de ação direta de inconstitucionalidade em face dos artigos 2 a 13 e 15 a 17 da Lei Complementar Estadual 105/2007 de Minas Gerais, postulação esta que apoiamos integralmente.

Antes de tudo, lembramos a V. Exa. que nós, do Movimento do Ministério Público Democrático, entidade civil sem fins econômicos, fundada em agosto de 1991 e que congrega membros do Ministério Público de 21 estados da federação, defendemos aqui o interesse público – e não a corporação do Ministério Público. Dito isso, temos por obrigação afirmar nossa severa preocupação com as conseqüências sociais nefastas que serão produzidas se mantidos vigentes os mencionados artigos da lei em questão.

Como afirma o douto Procurador-Geral de Justiça de Minas Gerais, Doutor Jarbas Soares Jr, na representação em foco, a postura do parlamento mineiro atinge o MP “não apenas pela questão em comento, mas pelo precedente que produz: a permanecer tal linha de conduta, os Poderes Executivo e Judiciário, assim como o Ministério Público, sentir-se-ão tolhidos no exercício de suas prerrogativas constitucionais, ficando reféns de manobras regimentais claramente desafiadoras do devido processo constitucional legislativo, que desfiguram a própria estrutura de checks and balances do sistema republicano”.

“Neste diapasão, a manobra regimental lamentavelmente urdida no Parlamento Estadual, com clara inobservância de preceitos e princípios constantes da própria Constituição, não configura simples questão interna corporis, mas autêntica hipótese de controle jurisdicional de ato legislativo, que, só por si, já permitiria a declaração de inconstitucionalidade pelo Excelso Pretório”.

Acreditamos que, se mantida em vigor tamanha restrição ao poder de investigação de atos de improbidade administrativa, quem sairá ferida é, mais uma vez, a sociedade brasileira, já golpeada de morte nos últimos tempos por uma série de acontecimentos envolvendo a nossa classe política.

A sociedade brasileira está exausta de desmandos e tem percebido, na própria carne, o resultado da falta de transparência no trato da coisa pública por parte de alguns.

Acreditamos que a investigação dos agentes políticos é mais do que saudável, atualmente tem sido premissa para a consolidação da cidadania brasileira. Seria profundamente lastimável que, justamente em Minas Gerais, estado de gloriosas tradições na luta pelo estado democrático de direito, a lei criasse injustificáveis obstáculos à investigação de atos de improbidade administrativa.

Ressaltamos que, ainda que se faça necessário regulamentar a atuação do Ministério Público, coibindo abusos, tal compete à legislação federal e ao poder regulamentar do próprio Ministério Público. Não é tolhendo a atividade dos Promotores de Justiça, como se dá no mencionado projeto, que se alcançará esse objetivo.

Se necessário, no âmbito estadual, podem e devem, Executivo, Legislativo e Judiciário cobrar a melhor disciplina da questão pelo próprio Ministério Público, denunciando o corporativismo que sistematicamente leva os órgãos internos de fiscalização à injustificada leniência nessa seara.

Aguardamos, portanto, que V.Exa. determine a propositura da competente ação direta de inconstitucionalidade nos moldes propostos pela Procuradoria Geral de Justiça de Minas Gerais, tornando sem valor essa tentativa de pôr injustificados óbices à livre atuação do Ministério Público do Estado de Minas Gerais.

A consolidação da ordem democrática reclama, sobretudo nesta hora tão difícil da Nação, exemplar repressão à impunidade, e para tanto se faz imperativa a atuação enérgica e desassombrada de todos, em suas atribuições.

Certos de que V.Exa. saberá trilhar, como de costume, os caminhos da concretização do interesse público, subscrevemo-nos.

Roberto Livianu

promotor de Justiça

Presidente do Movimento do

Ministério Público Democrático

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