Apurar para punir

STF concede liberdade a 36 presos na Operação Furacão 2

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7 de agosto de 2007, 21h23

O ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal determinou a liberdade dos 36 presos na segunda fase da operação da Polícia Federal que desarticulou, em abril desde ano, um esquema de compra de sentenças para favorecer o grupo que explorava ilegalmente jogos de bingo e caça-níqueis. A chamada Operação Hurricane 2 (furacão) foi focada em policiais acusados de receber propina da máfia dos jogos.

“Apesar dos anseios da sociedade por uma mudança de quadra, deve-se apurar, com a percuciência própria, com o rigor devido, para, posteriormente, punir-se”, afirma o ministro em sua decisão. Entre os beneficiados com a decisão está José Renato Barbosa de Medeiros, identificado pela PF como filho do apresentador Abelardo Barbosa, o Chacrinha.

Em despacho similar ao de final de julho – quando determinou a soltura de quatro pessoas presas na Operação Hurricane 1 – Marco Aurélio afirma que não existe elementos suficientes para a manutenção da prisão preventiva dos 36 suspeitos. “Graves ou não os crimes, o enquadramento realizado antes da prova, antes da culpa formada, não é conducente à prisão preventiva”, argumenta. “Reiterados são os pronunciamentos desta Corte no sentido de se exigirem, para a configuração da periculosidade, dados robustos”, afirmou, ainda.

Na segunda etapa da Operação Hurricane, o Ministério Público Federal no Rio de Janeiro ofereceu denúncia contra 36 suspeitos de envolvimento com o esquema. Os mandados de prisão e busca e apreensão foram expedidos pela 6ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro. Na ocasião, em meados de junho deste ano, a Justiça decretou a prisão dos 36, sendo que oito já haviam sido presos na primeira etapa.

“Atuem os segmentos da Administração Pública. Acionem os dispositivos legais visando a impedir que crimes sejam cometidos. Mas observem que, ainda em curso ação penal, descabe potencializar as imputações verificadas e, em meio a envolvimento de vulto, de diversos setores, cercear-se a liberdade de ir e vir”, conclui Marco Aurélio.

Primeira etapa

A Operação Hurricane da Polícia Federal foi deflagrada no dia 13 de abril nos estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Bahia e no Distrito Federal para deter supostos envolvidos em esquemas de exploração de jogo ilegal (caça-níqueis) e venda de sentenças, após cerca de um ano de investigações.

Na ocasião, 25 pessoas foram presas, entre juízes, bicheiros, policiais, empresários, advogados e organizadores do Carnaval do Rio. Entre eles, o ministro Paulo Medina, do Superior Tribunal de Justiça e seu irmão, o advogado Virgílio Medina, foi preso. Ainda foram presos os desembargadores do Tribunal Regional Federal da 2ª Região José Eduardo Carreira Alvim e José Ricardo Regueira, o juiz do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, Ernesto da Luz Pinto Dória, e o procurador regional da República João Sérgio Leal Pereira. Os juízes e o procurador foram soltos em seguida.

Entre os detidos estavam, ainda, Anísio Abraão David, ex-presidente da Escola de Samba Beija-Flor de Nilópolis; Capitão Guimarães, presidente da Liga Independente das Escolas de Samba do Rio de Janeiro; Antônio Petrus Kalil, conhecido como Turcão, apontado pela Polícia como um dos mais influentes bicheiros do Rio; a corregedora da Agência Nacional do Petróleo (ANP), Suzi Pinheiro Dias de Matos, entre outros.

Os beneficiados

Com a decisão ficam em liberdade: Ailton Guimarães Jorge, Aniz Abrahão David, Antonio Petrus Kalil, José Renato Granado Ferreira, Paulo Roberto Ferreira Lino, Ana Cláudia Rodrigues do Espírito Santo, Jaqueline da Conceição Silva, Cláudio Augusto Reis Almeida, Luiz Carlos Rodrigues de Lima, Miguel Laino, Alcides Campos Sodré Ferreira, Ronaldo Rodrigues, Antonio Oton Paulo Amaral, Jorge da Silva Caldas, José Alexandre dos Santos, José Januário de Freitas, Luiz Henrique Rossetti Loureiro, Marcio de Andrade Vasconcelos, Maurício Alves de Araújo, Ronaldo Gonçalves Montalvão, Armando Jorge Varella de Almeida, Valdenir Lopes Alcântara, José Renato Barbosa de Medeiros, Juarez Giffoni Hygino, Alexandre Cândido Pereira de Almeida, Júlio Rodrigues Bilharinho, Luiz Carlos Rubem dos Santos, Fernando Rodriguez Santos, Marcos Antônio dos Santos Bretas, Luciano Andrade do Nascimento, Marcos Antônio Machado Romeiro, Roberto Cunha de Araújo, Rogério Delgado Carneiro, Renato Gabriel Alves da Silva e Paulo Roberto de Carvalho Moreira da Silva.

Leia a decisão do ministro Marco Aurélio

HABEAS CORPUS 92.098-5 RIO DE JANEIRO

RELATOR: MIN. MARCO AURÉLIO

PACIENTE(S): JÚLIO CÉSAR GUIMARÃES SOBREIRA

IMPETRANTE(S): NELIO ROBERTO SEIDL MACHADO

COATOR(A/S)(ES): PRESIDENTE DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

DECISÃO

HABEAS CORPUS – LIMINAR INDEFERIDA – VERBETE Nº 691 DA SÚMULA – PRISÃO PREVENTIVA – INADEQUAÇÃO DE FUNDAMENTOS – EXCEPCIONALIDADE VERIFICADA – EXTENSÃO A CO-RÉUS.


1.Eis as informações prestadas pelo Gabinete:

O paciente teve a prisão preventiva decretada na Ação Penal nº 2007.51.01.804865-5, em tramitação na Sexta Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro, relativa à denominada “Operação Furacão II”.

Impetrado habeas corpus perante o Tribunal Regional Federal da 2ª Região, a liminar foi indeferida (folha 105 a 109) porque: a) não verificada a ocorrência do perigo da demora e sinal do bom direito, porquanto o decreto de prisão preventiva estaria fundamentado e se reportaria ao conteúdo das investigações complementares àquelas versadas na Ação Penal nº 2007.51.01.802985-5 (Operação Hurricane I); b) existente a presunção de legalidade do ato praticado pelo Juiz, que teve contato direto com as investigações, estando o procedimento inquisitório submetido ao controle do Ministério Público, o que corroboraria, em princípio, a legitimidade e a razoabilidade das medidas investigativas e, por extensão, da ordem de prisão cautelar; c) necessária a melhor instrução da ação de habeas para o julgamento do mérito; d) ausente a ocorrência de bis in idem, considerados os fatos apurados nas Operações Furacão I e Furacão II, sendo que, embora alguns investigados tenham sido denunciados em ambas ações penais, na segunda denúncia narraram-se fatos relacionados a outros supostos envolvidos no esquema investigado de pagamento/recebimento de vantagem patrimonial indevida a agentes públicos.

Contra o ato mediante o qual indeferida a liminar, foi formalizado habeas corpus perante o Superior Tribunal de Justiça – de nº 87.236. O ministro Barros Monteiro não acolheu o pedido de concessão de provimento cautelar, tendo como fundamento o Verbete nº 691 da Súmula do Supremo (folhas 73 e 74). Protocolou-se pedido de reconsideração, dessa vez pugnando pela extensão da medida acauteladora concedida, em favor da co-ré Ana Cláudia Rodrigues do Espírito Santo, no Habeas Corpus nº 87.322/RJ. O Vice-Presidente teria deferido a extensão da mencionada decisão a Ailton Guimarães Jorge. Em relação a Júlio César Guimarães Sobreira, consignou serem necessárias novas informações, mormente quanto às provas da autoria dos delitos de que é acusado (folha 384). Este o ato atacado neste processo.

O impetrante sustenta que todas as premissas lançadas em favor do beneficiado pela extensão do provimento cautelar são aplicáveis ao ora paciente e que não há razoabilidade para o tratamento desigual entre os co-réus. Alega que se impunha a observância do princípio isonômico que norteia a boa exegese quanto ao direito de se defender em liberdade, apontando a manifesta ilegalidade da prisão do paciente. Diz da excepcionalidade capaz de autorizar o afastamento do Verbete nº 691 da Súmula do Supremo. Acentua que o decreto prisional não descreve elementos concretos a justificar a supressão da liberdade, sendo carente de indicação individualizada de fatos reais. Assevera que a identidade da situação processual dos co-réus viabiliza a adoção das premissas assentadas por Vossa Excelência no Habeas Corpus nº 91.723-2/RJ, reclamando a incidência do artigo 580 do Código de Processo Penal.

Requer a concessão da liminar, determinando-se a imediata expedição de alvará de soltura em favor do paciente. No mérito, pleiteia a ratificação da medida acauteladora deferida.

Informo a Vossa Excelência que o ato de constrição, de cerceio à liberdade de ir e vir, alcançou os co-réus Ailton Guimarães Jorge, Aniz Abrahão David, Antonio Petrus Kalil, José Renato Granado Ferreira, Paulo Roberto Ferreira Lino, Ana Cláudia Rodrigues do Espírito Santo, Jaqueline da Conceição Silva, Cláudio Augusto Reis Almeida, Luiz Carlos Rodrigues de Lima, Miguel Laino, Alcides Campos Sodré Ferreira, Ronaldo Rodrigues, Antonio Oton Paulo Amaral, Jorge da Silva Caldas, José Alexandre dos Santos, José Januário de Freitas, Luiz Henrique Rossetti Loureiro, Marcio de Andrade Vasconcelos, Maurício Alves de Araújo, Ronaldo Gonçalves Montalvão, Armando Jorge Varella de Almeida, Valdenir Lopes Alcântara, José Renato Barbosa de Medeiros, Juarez Giffoni Hygino, Alexandre Cândido Pereira de Almeida, Júlio Rodrigues Bilharinho, Luiz Carlos Rubem dos Santos, Fernando Rodriguez Santos, Marcos Antônio dos Santos Bretas, Luciano Andrade do Nascimento, Marcos Antônio Machado Romeiro, Roberto Cunha de Araújo, Rogério Delgado Carneiro, Renato Gabriel Alves da Silva e Paulo Roberto de Carvalho Moreira da Silva.

2. A situação deste processo não é diversa da retratada no Habeas Corpus nº 91.723-2/RJ, no qual, afastando o óbice do Verbete nº 691 da Súmula do Supremo, implementei medida acauteladora. Eis o que lancei na oportunidade, ficando registrado que, no ato em exame, reportou-se o Juízo ao anterior, que deu margem àquela impetração:

[…]

2. Observem a necessária compatibilização do Verbete nº 691 da Súmula do Supremo com a Constituição Federal, evitando-se a tomada a ponto de, configurado ato ilícito e existindo órgão capaz de apreciá-lo, vir-se simplesmente a dizer da incompetência deste último. Aliás, ante pronunciamentos do Tribunal flexibilizando o citado Verbete, urge a revisão. Reitero o que tenho consignado sobre a referida compatibilização:


O habeas corpus, de envergadura constitucional, não sofre qualquer peia. Desafia-o quadro a revelar constrangimento ilegal à liberdade de ir e vir do cidadão. Na pirâmide das normas jurídicas, situa-se a Carta Federal e assim há de ser observada. Conforme tenho proclamado, o Verbete nº 691 da Súmula desta Corte não pode ser levado às últimas conseqüências. Nele está contemplada implicitamente a possibilidade, em situação excepcional, de se admitir a impetração contra ato que haja resultado no indeferimento de medida acauteladora em idêntica medida – Agravo Regimental no Habeas Corpus nº 84.014-1/MG, por mim relatado na Primeira Turma e cujo acórdão foi publicado no Diário da Justiça de 25 de junho de 2004. É esse o enfoque que torna o citado verbete compatível com o Diploma Maior, não cabendo extremar o que nele se contém, a ponto de se obstaculizar o próprio acesso ao Judiciário, a órgão que se mostre, dados os patamares do Judiciário, em situação superior e passível de ser alcançado na seqüência da prática de atos judiciais para a preservação de certo direito.

Neste caso, há excepcionalidade a reclamar, enquanto vivo o paciente, medida acauteladora. Responde ele, é certo, juntamente com outros réus, a processo em curso na Sexta Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro considerados os crimes dos artigos 288 e 333 do Código Penal – quadrilha e corrupção. Em síntese, a denúncia formalizada – que se encontra no apenso – remete a organização criminosa “voltada à exploração ilegal das atividades de bingos e máquinas caça-níqueis no Estado do Rio de Janeiro, praticando, para tanto, diversos crimes autônomos contra a Administração Pública de forma estável, permanente e reiterada” (folha 7).

A ação penal em tramitação na Sexta Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro resultou do desmembramento, neste Tribunal, de procedimento ainda embrionário, do Inquérito nº 2.424-4/RJ, da relatoria do ministro Cezar Peluso, no qual Sua Excelência decretou a prisão temporária dos envolvidos.

Pois bem, o que ocorreu ante o citado desmembramento? A prisão temporária dos que permaneceram no inquérito em andamento no Supremo foi relaxada, enquanto a daqueles que passaram a ter procedimento em curso no Juízo referido veio a ser transformada em preventiva. Presente o princípio isonômico, o quadro é gerador de perplexidade, pouco importando haver, em relação a estes, ação penal já formalizada. O fato, por si só, não respalda o ato de constrangimento extremo que é a prisão preventiva. Os acusados, com denúncia recebida, é certo, de integrar quadrilha e de cometer o crime de corrupção ativa estão submetidos, de forma precária e efêmera, sem culpa formada, à custódia do Estado. Aqueles envolvidos nos mesmos crimes, sendo o de corrupção na forma passiva, encontram-se em liberdade presente ato do Supremo. Indaga-se, então: não tivesse havido o desmembramento, qual seria a situação jurídica de todos os envolvidos nos lamentáveis acontecimentos? A presunção do ordinário e não do excepcional, do extravagante, bem sinaliza a ocorrência do afastamento linear, puro e simples, da prisão temporária.

Há mais. As premissas constantes do ato do Juízo não guardam sintonia com o disposto no artigo 312 do Código de Processo Penal, no que o preceito nele inserido deve ser tomado como a consubstanciar exceção, isso considerado o princípio constitucional da não-culpabilidade.

Analisem o que nele consignado. Em primeiro lugar, fez-se histórico a revelar práticas criminosas. A seguir, asseverou-se a gravidade dos crimes narrados (folha 89 do apenso):

Os veementes indícios de participação nos graves crimes narrados, bem assim a mecânica dos acontecimentos permitem afirmar que, ao que tudo indica, os acusados, além de terem a personalidade voltada para a prática de crimes, pautam sua atuação na crença de impunidade em relação aos seus atos.

Adiante se discorreu novamente sobre “os graves crimes noticiados”. Essa fundamentação parte de óptica que diz respeito às imputações em si. Graves ou não os crimes, o enquadramento realizado antes da prova, antes da culpa formada, não é conducente à prisão preventiva.

Quanto a entender-se os envolvidos como detentores de personalidade voltada para a prática de crimes, a ordem natural das coisas mostra-se como obstáculo à preventiva. A própria prisão decretada afasta a possibilidade de eles terem contra si condenações passíveis de serem acionadas visando ao cumprimento da pena, sendo que a existência de inquéritos e processos em curso não respalda a conclusão a que se chegou, sob pena de presumir-se a culpa.

Apontou-se como mais razoável presumir que, soltos, os acusados poderão voltar a delinqüir. Eis o trecho da decisão (folhas 89 e 90 do apenso):

Deveras, os graves crimes noticiados, por tudo o que foi apurado até o momento, eram praticados de forma repetida pelos acusados durante razoável espaço de tempo – a investigação em torno do grupo durou pelo menos um ano e meio e há fortes indícios de que o esquema vem de muito antes. Logo, é mais do que razoável afirmar que os mesmos, caso soltos, virão a reiterar a prática criminosa.


Esta suposição é ainda mais robustecida quando se vê que os denunciados, mesmo após o fechamento das casas de bingo, procuravam burlar decisões judiciais através da utilização de federações desportivas e empresas fictícias, que conseguiriam, novamente mediante liminares, fazer voltar a funcionar maquinário pertencente a casas de bingo fechadas pelo próprio judiciário.

Reiterados são os pronunciamentos desta Corte no sentido de se exigirem, para a configuração da periculosidade, dados robustos. A tanto não equivale, no campo de que trata a espécie – de jogos ilícitos –, a afirmação de vir-se atuando há muito tempo. O problema deságua em conclusão sobre a deficiência do poder de polícia, valendo notar que, ante a operação realizada, ante a persecução criminal, estarão os acusados sob o crivo do Judiciário e, aí sim, caso cheguem a intentar práticas condenáveis, existirá base para a custódia excepcional. O que se distancia da ordem jurídica é considerar-se o que teria acontecido até aqui, o que, se de fato procedente, apenas evidencia a falha do aparelho estatal.

Também não vinga o que consignado sob o ângulo da preservação da ordem pública. Parte-se de pressuposto discrepante do que normalmente ocorre – de que, mesmo diante da operação verificada, do processo criminal em curso, os acusados persistirão nas práticas tidas pelo Ministério Público e sob o ângulo do recebimento da denúncia, como configuradoras dos crimes. O que asseverado quanto à difusão no seio da sociedade, ao grau sofisticado de organização, à infiltração nos órgãos públicos e ao uso deturpado de funções atribuídas a servidores públicos, não é requisito para chegar-se ao acionamento do artigo 312 do Código de Processo Penal. Frente a quadra vivida, impõe-se, sim, a adoção do rigor referido no ato da cuidadosa magistrada que decretou a prisão preventiva – a Dra. Ana Paula Vieira de Carvalho -, mas tal procedimento há de fazer-se com observação irrestrita à necessidade de apurar-se para, só depois de formada a culpa, punir-se, e não caminhar-se como que para a imposição precoce de pena ainda não formalizada.

O sentimento de impunidade mencionado não é passível de afastamento com a inversão de valores, e isso ocorre quando, não sendo de excepcionalidade maior a situação, a enquadrá-la no regramento próprio – artigo 312 do Código de Processo Penal –, mitiga-se o princípio constitucional da não-culpabilidade. O mesmo deve ser dito considerada a referência à “total promiscuidade por que passam as instituições do nosso país, cuja credibilidade já se encontra fortemente abalada” (folha 91 do apenso). Avança-se no aprimoramento da vida em sociedade respeitando-se o arcabouço normativo regedor da espécie.

Compreendam a responsabilidade de todos que atuam em nome do Estado. Mais, tenham presente que o deterioramento da vida pública não serve, em verdadeira profissão de fé, à busca de imediato enquadramento jurídico penal, em antecipação à indispensável formação da culpa.

Não subsiste o que asseverado em termos de inserção dos acusados nos diversos segmentos da Administração Pública, no que teriam praticado atos em verdadeira corrupção de servidores. Eis o trecho da decisão proferida (folha 91 do apenso):

Veja-se que não se está a falar da gravidade dos crimes em tese. Está-se a analisar a gravidade em concreto dos crimes supostamente praticados, que envolvem corrupção nos mais altos escalões do Judiciário e, segundo o que venha a ser apurado em investigações ulteriores, talvez também do legislativo federal e estadual.

Atuem os segmentos da Administração Pública. Acionem os dispositivos legais visando a impedir que crimes sejam cometidos. Mas observem que, ainda em curso ação penal, descabe potencializar as imputações verificadas e, em meio a envolvimento de vulto, de diversos setores, cercear-se a liberdade de ir e vir. O afã de punir sofre os temperamentos próprios ao devido processo legal, sob pena de grassar para todos, e o chicote muda de mãos, a insegurança na vida gregária, abrindo-se margem, com o desprezo a balizas legais imperativas, ao surgimento de verdadeira época de terror. Em um Estado Democrático, em um Estado de Direito, hão de ser respeitados princípios, hão de ser observadas balizas. Eis o preço que se paga – e é módico, estando ao alcance de todos – por nele se viver.

Por último, cumpre a apreciação do quadro considerados certos réus. Em relação a Jaime e Licínio, porque nacionais portugueses, aventou-se a possibilidade de deixarem o Brasil. Ora, a persistir tal entendimento, como capaz de levar à prisão preventiva, ter-se-á que esta se tornará automática sempre que se tratar de estrangeiro, o que não se coaduna com os ditames constitucionais.

Relativamente a Paulo Lino e José Renato Granado, ressaltou-se possuírem, segundo relatório policial, contas bancárias e contatos no exterior. A irrelevância do que assentado, em termos de cerceio à liberdade de ir e vir, dispensa maiores comentários.


No tocante a Nagib Suaid e João Oliveira de Farias, considerou-se que tentaram sacar das respectivas contas importâncias vultosas, isso logo após a deflagração da “Operação Furacão”. Tudo teria ocorrido objetivando frustrar eventual medida assecuratória. Os dados são neutros no que se refere à preventiva, colocando-se no campo da autodefesa, não gerando a conseqüência extrema que é a perda da liberdade.

O pronunciamento de folha 347 a 373, embora de lavra ilustre – da juíza Ana Paula Vieira de Carvalho -, não apresenta dados suficientes a ter-se como enquadrado, nos artigos 312 e 313 do Código de Processo Penal, o ato de constrição que alcançou a liberdade de ir e vir do paciente, em face da circunstância de a prisão preventiva, mitigando o princípio constitucional da não-culpabilidade, mostrar-se exceção. Supôs-se que, mesmo ante as duas operações desencadeadas – Furacão I e Furacão II –, as ações penais surgidas, a cogitar-se inclusive, em outros habeas, de litispendência, o paciente poderia voltar a práticas condenáveis, considerado o crime de quadrilha, presente a corrupção nas formas ativa e passiva. O enfoque contraria a ordem natural das coisas. A prisão preventiva há de estar baseada, quanto à preservação da ordem pública, em delitos subseqüentes àqueles que deram margem à persecução criminal.

Mais uma vez, consigne-se a presunção de procedimento por servidores públicos em consonância com a ordem jurídica em vigor, e não justamente o contrário. A possível infiltração no aparelho estatal diz respeito, até aqui, a fatos ainda em apuração, não se podendo cogitar da continuidade delitiva. Apesar dos anseios da sociedade por uma mudança de quadra, deve-se apurar, com a percuciência própria, com o rigor devido, para, posteriormente, punir-se. Avança-se no Estado Democrático de Direito, no aprimoramento que lhe é próprio, no campo cultural, observando-se os meios previstos na ordem jurídica. Conforme assentado na decisão anterior, é esse o preço que se paga por viver-se em uma Democracia, e é módico, estando ao alcance de todos.

3. Defiro a medida acauteladora pretendida, determinando a expedição do alvará de soltura, a ser cumprido com as cautelas próprias, vale dizer, caso o paciente não se encontre sob a custódia do Estado por motivo diverso do retratado no ato do Juízo da Sexta Vara Criminal do Rio de Janeiro, formalizado, em 14 de junho de 2007, no Processo nº 2007.5101804865.5, de folha 347 a 373. Estendo, consoante o disposto no artigo 580 do Código de Processo Penal, esta liminar aos demais acusados alcançados pela citada decisão, a saber: Ailton Guimarães Jorge, Aniz Abrahão David, Antonio Petrus Kalil, José Renato Granado Ferreira, Paulo Roberto Ferreira Lino, Ana Cláudia Rodrigues do Espírito Santo, Jaqueline da Conceição Silva, Cláudio Augusto Reis Almeida, Luiz Carlos Rodrigues de Lima, Miguel Laino, Alcides Campos Sodré Ferreira, Ronaldo Rodrigues, Antonio Oton Paulo Amaral, Jorge da Silva Caldas, José Alexandre dos Santos, José Januário de Freitas, Luiz Henrique Rossetti Loureiro, Marcio de Andrade Vasconcelos, Maurício Alves de Araújo, Ronaldo Gonçalves Montalvão, Armando Jorge Varella de Almeida, Valdenir Lopes Alcântara, José Renato Barbosa de Medeiros, Juarez Giffoni Hygino, Alexandre Cândido Pereira de Almeida, Júlio Rodrigues Bilharinho, Luiz Carlos Rubem dos Santos, Fernando Rodriguez Santos, Marcos Antônio dos Santos Bretas, Luciano Andrade do Nascimento, Marcos Antônio Machado Romeiro, Roberto Cunha de Araújo, Rogério Delgado Carneiro, Renato Gabriel Alves da Silva e Paulo Roberto de Carvalho Moreira da Silva. Fica, é óbvio, prejudicada a extensão se, presente o referido pronunciamento, já tiverem obtido providência jurisdicional de soltura ou caso não tenha havido, ainda, o cumprimento dos mandados de prisão, cuja eficácia, então, fica suspensa. Os beneficiários desta decisão devem permanecer no distrito da culpa, atendendo prontamente aos chamamentos judiciais. Viagem ao exterior somente poderá ocorrer mediante autorização judicial, devendo aqueles que detenham passaporte entregá-los ao Juízo onde tramita o processo.

4. Publiquem.

Brasília, 4 de agosto de 2007.

Ministro MARCO AURÉLIO

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