Corpo ausente

Não cumprir tarefa delegada dá justa causa, diz TRT paulista

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7 de agosto de 2007, 0h00

Jaime Rafael Leon era diretor de instalações da empresa Crow Processamento de Dados, que tem sede em São Paulo. Ele foi enviado ao Paraná especialmente para acompanhar a instalação de um equipamento em uma Mercedes-Mclaren. No entanto, não estava presente na hora da instalação. Leon foi demitido por justa causa e recorreu à Justiça, pedindo a reintegração ou o pagamento dos valores equivalentes.

Pelo alto valor do carro, a instalação do equipamento deveria ser feita com o acompanhamento de uma pessoa especializada. Esse fato justifica a decisão da empresa que resolveu demiti-lo por justa causa. Essa foi a conclusão da 71ª Vara do Trabalho de São Paulo, ratificada pela 9ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho paulista.

Leon, em seu depoimento, admitiu que não acompanhou a instalação. Mas afirmou que não foi informado sobre a obrigatoriedade de acompanhá-la e disse que a “marcação homem a homem” não estava prevista no contrato de trabalho.

Para a relatora da 9ª Turma, juíza Jane Granzoto Torres da Silva, esse argumento não faz sentido. Só o fato de exercer a função de diretor de instalações evidencia que deveria estar incumbido de acompanhar o serviço, “sobretudo em um veículo tão diferenciado”, completou a juíza. Ela ressaltou que o parágrafo único da primeira cláusula de seu contrato de trabalho estabelece a sua “responsabilidade na execução” das instalações, inclusive com vedação de transferência da tarefa a terceiros.

“Não é crível tenha a empresa deslocado um empregado desta cidade de São Paulo, local da contratação e da prestação de serviços, para a cidade de Curitiba, apenas para que o mesmo fizesse acompanhamento à distância da instalação do equipamento.”

Em primeira instância, o juiz observou que a demissão por justa causa nem sempre exige a prática reiterada de atos. A 9ª Turma, por unanimidade, acompanhou o argumento.

Leia a decisão

PROCESSO Nº 00700200607102004 (20060732444)

RECURSO ORDINÁRIO

RECORRENTE: JAIME RAFAEL LARENAS LEON

RECORRIDO: CROW PROCESSAMENTO DE DADOS LTDA

ORIGEM: 71ª VARA DO TRABALHO/SÃO PAULO

Ementa: Desídia. Caracterização

Comprovado não ter o autor acompanhado a instalação do produto comercializado pela empresa em um veículo. E não se tratava de um veículo qualquer, mas sim, de uma “mercedes macLaren”. O demandante exercia as funções de diretor de instalações, a toda evidência estando incumbido do acompanhamento, sobretudo em um veículo tão diferenciado. A configuração da desídia como justa causa para a dispensa do empregado, nem sempre exige a prática reiterada de atos, quando uma única atitude do laborista, diante da gravidade da qual se reveste, é capaz de impossibilitar a continuidade do pacto.

Inconformada com a r. decisão de fls. 138/142, complementada a fl. 147, cujo relatório adoto e que julgou improcedente a ação, recorre ordinariamente o reclamante às fls. 149/157, insurgindo-se contra o indeferimento das pretensões relativas à reintegração ao trabalho ou indenização equivalente, resultantes da dispensa injusta, bem como dos pleitos concernentes ao dano moral que afirma ter sofrido e à integração das parcelas in natura em seus demais ganhos contratuais.

Contra-razões apresentadas às fls. 159/167.

Reclamante isento do recolhimento das custas processuais.

É o relatório.

VOTO

Conheço do recurso ordinário interposto, por presentes os pressupostos de admissibilidade.

DA RESCISÃO CONTRATUAL

Consoante mencionado pelo recorrente em suas razões, a reclamada aduziu em defesa justa causa para rescisão do contrato de trabalho, com fulcro em vários motivos, tendo sido acolhido pela MM. Vara de origem apenas um deles, qual seja, a desídia consistente no fato de não ter o autor acompanhado a instalação de equipamento em um veículo na cidade de Curitiba.

Inicialmente, cumpre afastar a argüição recursal no sentido de que o preposto da ré, em depoimento pessoal, teria reconhecido o “verdadeiro motivo para a dispensa”, na medida em que a transcrição constante das próprias razões recursais demonstram a indicação pelo representante da empresa de diversos “fatores” desencadeadores da dispensa justa.

No mais, efetivamente cumpria à reclamada a prova da justa causa para a dispensa do autor (artigo 818, da CLT, c.c. artigo 333, II, do CPC), encargo do qual se desvencilhou a contento, conforme escorreitamente decidido pela MM. Vara de Origem.

A primeira testemunha indicada ao Juízo pela ré (fls. 58/59), comprovou à saciedade não ter o autor acompanhado a instalação do produto comercializado pela empresa em um veículo. E não se tratava de um veículo qualquer, mas sim, de uma mercedes macLaren, como aduzido em defesa e sem qualquer impugnação por parte do autor.

O reclamante, quer em seu depoimento pessoal, quer nas razões recursais, admite que de fato não fez o acompanhamento da instalação, justificando que não foi informado sobre tal obrigatoriedade e, ainda, o que chamou de “marcação homem a homem” não estava previsto no contrato de trabalho. Tais argumentos não merecem prosperar, na medida em que o demandante exercia as funções de “diretor de instalações”, a toda evidência estando incumbido do acompanhamento, sobretudo em um veículo tão diferenciado, bem como por força do disposto no parágrafo único da cláusula primeira de seu contrato de trabalho (fl. 112), estabelecendo a sua “responsabilidade na execução” das instalações, inclusive com expressa vedação de transferência de tal tarefa a terceiros.

Não bastassem os fundamentos acima, não é crível tenha a empresa deslocado um empregado desta cidade de São Paulo, local da contratação e da prestação de serviços, para a cidade de Curitiba, apenas para que o mesmo fizesse acompanhamento à distância da instalação do equipamento.

Por outro lado, diversamente do que pretende fazer crer o recorrente, a configuração da desídia como justa causa para a dispensa do empregado, nem sempre exige a prática reiterada de atos, quando uma única atitude do laborista, diante da gravidade da qual se reveste, é capaz de impossibilitar a continuidade do pacto. No presente caso, milita ainda desfavoravelmente ao autor, o descumprimento funcional no curto período de vigência do contrato de trabalho, ou seja, 25 dias após a admissão. Frise-se, ainda, a ausência de imposição legal, dentro do Direito do Trabalho, para a gradação na aplicação de penalidades.

Derradeiramente, a falta de demonstração de prejuízos ao empregador, isoladamente não tem o condão de afastar a conduta desidiosa do empregado.

Mantenho, pois, a r. decisão de primeiro grau, não havendo o que se falar em estabilidade contratual e pagamento de títulos rescisórios além daqueles já quitados pela ré por ocasião da realização da primeira audiência.

DO DANO MORAL

Em razão do acima decidido, no tocante à modalidade de rescisão contratual, indevida a indenização por dano moral perseguida pelo autor, já que a pretensão em epígrafe está relacionada unicamente à ruptura injusta do pacto.

Nada a ser reformado.

DO SALÁRIO IN NATURA

Pleiteia o reclamante a integração dos valores correspondentes ao veículo e ao telefone celular que lhe eram fornecidos pela empresa, em seus demais ganhos contratuais, sustentado a conotação remuneratória dos mesmos, o que não pode ser acolhido.

Com referência ao telefone celular, reconheceu o autor em seu depoimento pessoal (fl. 57), a necessidade do mesmo para comunicação com a matriz da empresa, ou seja, para o exercício de suas atividades, afastando o caráter salarial.

No tocante ao veículo, dada a condição funcional do autor — diretor — evidente que o fornecimento se dava para uso funcional, restando indiscutível nos autos que o autor o utilizava também para fins particulares. Contudo, isoladamente tal situação não induz à conclusão de que tal parcela se traduza em prestação in natura.

A questão já se encontra solidificada jurisprudencialmente, por meio da anterior Orientação Jurisprudencial n. 246, da SDI, do C. TST, hoje convertida na Súmula 367, também da Corte Superior Trabalhista, que em seu item I, tem o seguinte teor

Utilidades “in natura”. Habitação. Energia elétrica. Veículo. Cigarro. Não integração ao salário. (conversão das Orientações Jurisprudenciais nºs 24, 131 e 246 da SDI-1) – Res. 129/2005 – DJ 20.04.05

I — A habitação, a energia elétrica e veículo fornecidos pelo empregador ao empregado, quando indispensáveis para a realização do trabalho, não têm natureza salarial, ainda que, no caso de veículo, seja ele utilizado pelo empregado também em atividades particulares. (ex-OJs nº 131 – Inserida em 20.04.1998 e ratificada pelo Tribunal Pleno em 07.12.2000 e nº 246 – Inserida em 20.06.2001.)

Igualmente mantenho.

Isto posto, conheço do recurso ordinário interposto e, no mérito NEGO PROVIMENTO ao apelo, mantendo a r. decisão de primeiro grau em todos os seus termos.

JANE GRANZOTO TORRES DA SILVA

Juíza Relatora

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