Doença boa

Se fazer ou amar concurso é problema, sofro de concursite

Autor

  • William Douglas

    é juiz federal professor universitário mestre em Direito pós-graduado em Políticas Públicas e Governo e autor de diversos livros e artigos.

6 de agosto de 2007, 0h00

Inicialmente, remeto os leitores ao artigo ora sob estudo, comento e crítica acadêmica, publicado na revista Consultor Jurídico, 30 de julho de 2007 (leia o artigo aqui ).

Tendo discordado praticamente de tudo o que li no referido artigo, me dispus a estudar e comentar seus argumentos, o que passo a fazer, parágrafo por parágrafo. Os textos em negrito são transcrições do artigo original, vindo a seguir meus comentários.

Tais comentários são feitos, a título de debate e crítica, dentro da polêmica suscitada pelo artigo original. Já me antecipo, pois sei que serei perguntado sobre o assunto, até porque alguns ataques aos concursos estão ocorrendo e, invariavelmente, os concursandos me indagam sobre o assunto em minha página pessoal ou através de minha comunidade no Orkut.

Para quem não sabe, embora juiz federal e mestre em Direito, acabei me tornando, como me chamam carinhosamente, o “guru dos concursos”. Efeito de dez anos falando e escrevendo sobre o tema, que acabou dividindo espaço com o professor e escritor de temas jurídicos propriamente ditos. Se fazer ou “amar” os concursos é um problema, então, provavelmente, tenho “concursite”.

Não acho o concurso algo ruim. É pelo concurso que vi uma ex-favelada, ex-empregada doméstica, negra, mulher e baixinha fazer carreira: empregada doméstica, telefonista, serventuária da Justiça Federal e juíza federal. Levou alguns lustros, mas foi um feito formidável. Acho que um país que permite esse tipo de progresso, e o sistema que o permite, algo elogiável. E vejo casos como esses todos os dias.

Mas pelo artigo, em tese, o problema não é o concurso em si, mas a “concursite”. Contudo, não é lógico entender o concurso como algo bom se quem o faz é vítima de algo criticável (a “concursite”). Usando termos médicos, podemos dizer que estamos vivendo uma “febre” de concursos. Efeito do enorme número de vagas, das justas prerrogativas dos cargos, do desemprego, da situação do país, etc.. Apesar disso, quem faz concursos está exercendo um direito previsto na Constituição e me parece preconceituoso entender essa opção como conduta de menor valor pessoal ou profissional.

“Ao lado da doença infectocontagiosa chamada “juizite”, cujo causador é um vírus chamado “megalomanus arrogantis”, infelizmente existe outra doença, mais recorrente, chamada “concursite”, causada pelo vírus “ilusioni securitates”.

A “juizite” existe, é fato. Assim como a “promotorite”, a “defensorite”, a “procuratite”, a “advocatite”. É o mesmo mal, natural do ser humano, se manifestando em todos os lugares onde humanos se acham. Temos “presidentite”, “agencite”, “senadorite”, etc.. Assim como encontramos arrogantes e megalomaníacos também entre empresários, intelectuais, etc.. Até a academia mostra essa infecção: “doutorite”, “professorite”. Achamos este “mal” até em alguns restaurantes e lojas de grife, onde o funcionário é mais arrogante, por vezes, que o dono da loja.

Acho justo falar contra a “juizite”, mas ressalvemos que nós, os juízes, não somos os únicos. Temos contas a ajustar, mas, repito, não somos os únicos.

Quanto a “ilusioni securitates”, discordo. Não se pode negar que os concursos oferecem mais segurança que a iniciativa privada. É um fato. Se isso é bom ou ruim, se o serviço público deveria ter formas menos complicadas para eliminar seus maus agentes (uma mudança que defendo), se a iniciativa privada deveria ser menos agressiva com os trabalhadores, tudo isso são teses, e boas teses. Mas que o concurso proporciona mais segurança, proporciona. E se alguém quer essa segurança, e ela pode ser licitamente alcançada, não vejo nada demais nisso.

É equivocado, em meu entender, criticar as decisões alheias quando elas são tomadas dentro do que é legal e eticamente permitido.

“Como sabemos, a “juizite” ataca bacharéis em Direito que se tornam magistrados, quando eles não possuem verdadeira vocação para fazer justiça.”

Errado. A “juizite” ataca indiscriminadamente aos vocacionados e aos não-vocacionados. Já falei sobre ela no meu livro sobre Como passar em concursos, alertando aos futuros servidores sobre esse câncer. O mal ataca os menos maduros (e isso não se relaciona necessariamente com a idade). Encontrei não-vocacionados sem “juizite” e vocacionados que passaram pelo problema. O ideal é que a pessoa não seja atacada pela infecção ou que, em o sendo, que se cure com a maior celeridade possível.

Em resumo, aprofundando um pouco o tema “juizite”, posso dizer que conheci alguns excelentes juízes que no início tiveram o problema e o superaram. Outros nunca superam isso, e são insuportáveis.

“Algumas das vítimas do vírus “megalomanus arrogantis” acabam adquirindo os piores sintomas da doença: alergia a contatos com advogados, falta de vontade de trabalhar e delírios alucinantes, que os fazem se imaginar superiores ao resto da espécie humana.”


É, acontece. Para ver que não discordei de tudo no artigo ora em comento. Só registro que conheço algumas vítimas do vírus que trabalham bastante. Incrivelmente, vivem para si, e, às vezes, perdem tempo até demais querendo fazer não uma sentença que resolva o litígio, mas que prove sua própria “divindidade”. Outros se apegam à sua produção não como resultado para os jurisdicionados, mas sim como elemento justificador (entre outros, é certo) de sua promoção, para que seja ainda mais divino.

“A “concursite” é uma doença mais recentemente descoberta, mas muito pior. Ataca não apenas bacharéis em Direito, mas qualquer pessoa que ingressa numa faculdade sem saber bem o que quer ser quando crescer.”

Errado. Algumas pessoas vão para a faculdade sabendo exatamente o que querem ser quando crescer. Conheço quem quer ser advogado, outro juiz, outro delegado de polícia (nota: as vocações mais firmes que encontro são a dos que dizem que querem ser delegados de polícia, em geral da Polícia Federal). Existem pessoas que já escolheram e escolheram cargos que, mercê de nossa democracia, são acessíveis mediante concurso. Ainda bem, pois eu sou filho de lavrador e de operária de chão de fábrica. Se não fossem os concursos é possível que eu não fosse juiz federal.

E se a pessoa ainda não sabe o que quer ser e vai fazer concursos, isso é uma decisão pessoal, válida, legítima. Não vejo razão para criticar essa conduta e considerá-la patológica. Talvez mais patológico seria não fazer nada. Parte do aprendizado de vida ocorre durante o processo, aliás, em regra, é assim que acontece. Eu comecei a vida querendo ser promotor de Justiça e me encontrei na Defensoria Pública.

“Com o avanço da tecnologia e das ciências em geral, atualmente temos uma enorme quantidade de profissões, especializações e cursos supostamente “superiores”, de tal forma que o pai que pensa em dar uma “profissão” ao seu filho fica perdido, pois não há mais como orientar a carreira de ninguém.”

Errado. Sempre há como orientar a carreira de uma pessoa. Sou professor, vejo isso acontecendo todos os dias. Um pai só ficará perdido se não se informar, pois existe bastante oferta de conhecimento nesse campo para quem a procura. E, mais que isso, as qualidades e virtudes que criam e sustentam uma carreira são praticamente invariáveis, tanto no tempo quanto de uma carreira para outra.

“O jovem também fica perdido. Mais cômodo, mais simples, mais óbvio, pode ser seguir a profissão dos pais. Talvez isso explique porque a minha filha mais velha é advogada. Claro que na genética existe explicação para isso. Tanto que a mais nova é jornalista (coitadinha!) e a do meio, talvez por conhecer alguns dos meus clientes, abandonou a contabilidade e está se dedicando à psicologia.

“Mas a tal “concursite” acaba de certa forma atacando muitos dos jovens que hoje entram na faculdade.”

Os jovens ficam “perdidos” desde há muito e não se pode culpar os concursos por isso. Um grande escritor chegou a recomendar aos jovens: “envelheçam, antes que seja tarde”.

Contudo, os concursos surgem como uma dentre as várias opções. Se os jovens estão “perdidos”, qual o problema em seguir uma opção que oferece bons salários, estabilidade, status? Se no futuro ocorrer uma mudança de rumo, um amadurecimento em outro sentido, caberá ao jovem ter a coragem de ir buscar seus novos desejos e sonhos, mas de forma alguma o concurso entra nesse sistema — já adoecido — como um problema.

Amyr Klink diz que “o mar não é um obstáculo, o mar é um caminho”. Vendo a situação atual do mercado de trabalho e dos jovens, posso dizer que o concurso não é um obstáculo, o concurso é um caminho. Um dentre tantos, e tão respeitável quanto.

“Um dia, em certa faculdade, perguntei a uma caloura porque ela havia se matriculado e a resposta veio fácil: para fazer um concurso. Só que ninguém sabia para qual carreira pública. Vocação, mesmo, a moçoila tinha apenas para um emprego público, onde segundo ela existe uma tal de ’segurança’.”

Nessa hora, um bom professor falaria das outras opções além do concurso e, sem querer escolher pela moça, caberia falar sobre o enorme e fantástico leque de carreiras que poderá, com os concursos, seguir. Uma caloura tem todo o direito de não saber o que pretende. Se já ouviu falar que o concurso traz “segurança”, ótimo, já é um começo. Digo para os calouros para escolherem e dou-lhes informações sobre as opções. Queria entender por que é errado uma caloura querer segurança.

A “moçoila” é o que eu já fui um dia: alguém que desembarcou na faculdade com todas as perguntas do mundo. E, em um mundo cheio de incertezas, quem não quer segurança?

Só para ir um pouco além, costumo falar para os “moçoilos” para pensarem bem no que desejam. Também recomendo que não se fiem apenas no valor “segurança”. Alguns, por exemplo, querem ficar ricos financeiramente e lhes aviso que o caminho não é o serviço público, ao mesmo tempo em que falo que “riqueza financeira” não é um dos valores mais importantes. A partir do que querem, vou falando de outras opções e das escolhas que terão de fazer. Mas sempre respeitando o direito de escolherem e de terem informações para tanto.


“Recentemente uma revista publicou reportagem sobre os concursos públicos. E o que me chamou a atenção foi uma pessoa que havia sido aprovada para policial rodoviário e que foi fotografada com seu uniforme. Segundo a reportagem, esse policial estava se preparando para os próximos concursos de delegado, procurador, juiz, defensor público, assessor legislativo, etc. etc.”

Pois é, fui citado na revista como “o maior especialista em concursos”, e fiz isso porque fui passando por uma série de concursos e cargos. O juiz e o professor que me tornei hoje é o resultado da acumulação dessas vivências. Aliás, fui professor da UFF, por concurso, e saí para ser professor na iniciativa privada por causa da falta de investimentos do governo nas universidades federais. Mas falemos da policial. Fiquei feliz por essa pessoa. Que bom que ela realizou seu sonho, seu projeto, que bom que teve garra e dedicação para chegar ao cargo. Ela enfrentou 15 concursos antes de passar. Quanto mérito! E, de tanto estudar e se organizar, certamente é uma pessoa preparada. Certamente estudou muito a Constituição e as leis aplicáveis ao seu cotidiano de policial — coisa melhor que escolher os policiais entre cabos eleitorais, como era antigamente.

Mais que isso, que bom que ela continua se preparando para novos concursos. Direito dela. Respeite-mo-lo. E quando passar, e vai passar porque já aprendeu o “caminho das pedras”, será uma delegada, ou juíza, experiente, vivida. Isso irá ajudar a moça a se livrar da “juizite”, isso fará dela uma juíza melhor, se for o caso de querer ser juíza. Meus tempos como advogado, depois delegado, depois defensor, ajudaram muito a que eu não tivesse “juizite”. Antes, tive “defensorite” e aprendi a lidar com a doença. Apanhei um pouco, mas faz parte do processo da vida e de amadurecimento.

“Essa terrível doença, que é infectocontagiosa, a “concursite”, faz um mal tremendo não só às suas vítimas, como ao Brasil.”

Errado. O que faz mal ao país é o nepotismo, a seleção por critérios políticos, o fisiologismo, o compadrio político. O que faz mal ao país é colocar na Anac e na Infraero não-técnicos, mas, sim, pessoas escolhidas por acordos políticos. Isso é o que mata as pessoas. Se a Anac e a Infraero fossem comandadas por quem fez concursos, por quem estudou o assunto, a situação estaria bem melhor.

“O doente é prejudicado, pois só tem duas hipóteses: ou ele é uma pessoa sem sonhos, sem ideais, sem esperanças; ou está abrindo mão, renunciando ou trocando esperanças, ideais e sonhos por meras ilusões, suposições ou frustrações futuras.”

Errado. Há pessoas fazendo concursos por conta de sonhos e ideais e, por outro lado, se alguém abre mão de outros sonhos em busca de segurança, isso é uma opção válida. O que sempre digo é que, se a pessoa está no serviço público pela segurança, pelos vencimentos, que seja um bom servidor durante seu expediente, que cumpra seus deveres, e, no mais, que vá aproveitar sua vida e fazer o que gosta. Conheço mulheres que optaram pelo concurso para ter segurança, vencimentos e, em especial, tempo para estar com os filhos. Recuso-me a ver nisso uma doença. Quanto às frustrações, também são parte da existência humana. Desconheço quem não tenha que lidar com elas.

“O discurso desses desafortunados pacientes é sempre o mesmo: quer ser funcionário público por causa da segurança, de bons salários, da aposentaria, das férias, ou mesmo da ridícula idéia de serem “autoridade” ou mesmo tratados de ’excelência‘. Isso tudo é muito triste.”

Recebo e-mails diariamente de concursandos aprovados. Não são desafortunados. Hoje em dia ninguém passa em concurso por acidente. Custa muito caro, em termos de tempo, esforço e sacrifício pessoal, passar em um concurso. As vantagens do cargo atraem as pessoas? Ótimo, a idéia das vantagens é exatamente atrair bons funcionários. Que bom que isso está acontecendo. Pior quando o serviço público não tem atrativos e faz uma seleção às avessas. Aí, depois o pessoal vem reclamar que não funciona! Não tem concurso, reclamam; tem, reclamam; servidor ganha mal, reclamam; ganha bem, reclamam.

“Segurança é a mais ilusória de todas as ilusões humanas. No mundo atual segurança não existe. Que o digam os moradores dessas fortalezas medonhas chamadas ’condomínios fechados‘ quando sofrem arrastões praticados pelos moradores da favela vizinha. Ou aquele sujeito que andava armado e foi baleado com a própria arma. Segurança de receber salário todo mês? Pode ser. Mas isso será que vale mais que os sonhos? Paga as esperanças? Compensa o abandono dos ideais?”

Errado. Está se criticando a “segurança” da estabilidade e dos vencimentos utilizando-se do termo “segurança” relacionado a questões de criminalidade e ordem pública. Quando se fala em salário, o próprio articulista reconhece (“pode ser”). É um bom valor a segurança do salário, de não ser mandado embora da noite para o dia, de não ser mandado embora porque adoeceu, ou porque engravidou, a aposentadoria, etc.. Mas não é só isso que atrai para o concurso.


Seja como for, o problema dos arrastões e dos condomínios fechados existe para todos, não tem relação alguma com a opção pelos concursos. Quanto à favela vizinha, é bem possível que não tenha criminosos tão perigosos para a sociedade quanto alguns dos moradores do “condomínio fechado”. Volto a dizer: em termos de mercado de trabalho, o concurso oferece mais segurança sim, e tal modalidade de “segurança” é um critério válido para, entre vários ou por seu conjunto, escolher os concursos como opção de carreira final ou intermediária.

“A aposentadoria, mais cedo ou mais tarde, vai mudar para pior. Nenhum país pode suportar aposentadorias precoces, de pessoas que no dia seguinte já estão trabalhando e, muitas vezes, no próprio serviço público. Em qualquer país que pretenda se desenvolver, em breve só poderá haver aposentadoria por idade (no mínimo 75 anos) ou por absoluta invalidez.”

Sim, o sistema precisa mudar. Quando mudar, veremos como ficará. Esse é um problema político, do parlamento, dos especialistas, etc.. Não é assunto para o jovem que está fazendo concursos. De qualquer forma, se mudar, é provável que respeite os direitos de quem já ingressou no sistema ou que ao menos crie regras de transição ou intermediárias.

A sugerida aposentadoria, apenas idade com no mínimo 75 anos, seria interessante para o erário. Segundo o IBGE, a expectativa de vida média do brasileiro é de 68,6 anos (só as mulheres, 72,6), de modo que, por esse critério, acabaremos com o déficit da Previdência pela simples razão que praticamente ninguém vai se aposentar.

“Férias, tudo bem. Mas no limite razoável de 30 dias por ano. Muito embora existam pessoas que não deveriam ter férias, pois não trabalham, apenas enganam. Chegam sempre tarde, saem mais cedo. Ainda bem que são raríssimos esses casos.”

Assunto para os chefes, que devem fazer os funcionários trabalharem o que devem. Não é assunto para os jovens concurseiros do país. E os não tão jovens, pois o concurso tem sido a alternativa para pessoas com mais de 35 anos, indevidamente repudiadas em boa parte da iniciativa privada e que encontra nos concursos uma opção.

O problema não está nas férias, mas sim na não-realização do trabalho. Também não tem qualquer relação com a opção pelo concurso. E os que enrolam, infelizmente, não são tão raros.

“O pior mesmo no serviço público é o concursado ter um chefe idiota, o que, aliás, é muito comum.”

Isso também acontece na iniciativa privada. Com o tempo e com a evolução da sociedade, com a diminuição dos cargos em comissão e do preenchimento deles por critérios espúrios, a tendência é melhorar. Sou servidor e vejo, cada vez mais, bons chefes. Aliás, tenho uma excelente chefe no único cargo em comissão que escolho. É uma servidora concursada, com três pós-graduações, eficiente e que ama seu trabalho. Lamento pelos chefes ruins que estão por aí, mas as exceções são multitudinárias.

“Quando o idiota é eleito pelo povo, tudo bem. Afinal, o povo quase sempre merece quem elege.”

Errado. Um idiota no lugar errado sempre é um idiota no lugar errado. O povo escolhe mal por falta de educação e conhecimento. Não acho que isso seja merecido.

“Mas há funcionários concursados de bom nível, sérios, dedicados, cujos chefes são meros apadrinhados políticos, sem competência ou sem apetência para o trabalho.”

Sim, e onde está o problema? Certamente não é no concurso, que ao menos faz com que existam algumas pessoas de bom nível, sérias e dedicadas no local. O problema é que os “idiotas” (sic) que foram eleitos continuam nomeando cargos em comissão, cada vez mais numerosos. O caminho de se criticar o concurso é paradoxal, pois sem o concurso só teríamos os apadrinhados.

“Conheço uma brilhante advogada que prestou concurso e tem como chefe uma pessoa que não serve nem para carregar a pasta de sua subordinada. O único talento do chefe e razão de sua nomeação é estar filiado ao partido que está no poder e ser um puxa-saco de carteirinha.”

Ainda bem para o povo que a brilhante advogada está lá. A chance de a chefe bem relacionada fazer besteiras é menor.

“A ‘concursite’ também causa muito prejuízo ao governo. Quando aquele policial rodoviário passar no concurso de delegado, haverá uma vaga de policial a ser preenchida. Novo concurso, novos treinamentos e talvez quando o substituto estiver treinado, terá que, novamente, ser substituído. E assim indefinidamente, até que um policial vocacionado, que tinha o sonho de ser policial e não apenas ocupar o cargo, venha a ser admitido. O Brasil perde muito com isso.”


A solução seria qual? Proibir a pessoa de melhorar de vida, de seguir novos sonhos? Conheço gente que faz concursos intermediários para poder pagar a faculdade e depois fazer os concursos para nível superior. Qual o problema nisso?

O treinamento que o policial recebeu não será perdido, pois tal experiência e conhecimentos serão úteis nos próximos cargos. Quanto a isso de “policial vocacionado”, não sei não. Não foi desenvolvido ainda o “vocacionômetro”. Essas coisas só se descobrem e são descobertas, com o tempo, pelo próprio servidor e pela administração pública.

“Parece razoável supor que uma pessoa que ingresse na faculdade de engenharia pretenda ser engenheiro. Mas por causa da ‘concursite’ isso é só uma suposição. Nos últimos anos muitos engenheiros se tornaram auditores fiscais. Até aí, nada demais. O engenheiro tem bom raciocínio lógico e isso facilita a aprovação nos testes de múltipla escolha.”

Sorte dos engenheiros, que são bons em raciocínio lógico, e sorte da Receita que vai ter gente que sabe raciocinar em seus quadros. O que destrói o “serviço” público ou particular, são os que não raciocinam.

“Mas de repente um engenheiro eletricista que virou auditor fiscal é promovido a inspetor fiscal, chefe de repartição aduaneira. E, nessa qualidade, pratica ato ilegal, contra o qual é concedida liminar em mandado de segurança. Vai daí que a agora autoridade, engenheiro eletricista ignorante em questões jurídicas tanto quanto um advogado face às funções básicas de uma bobina elétrica, arvora-se em ’interpretar‘ a decisão judicial e atreve-se até a considerá-la ’inadequada‘! Mais uma vez é o sapateiro indo além das sandálias. Com isso, queixa-se o fisco de uma suposta ’indústria de liminares‘, olvidando-se da indústria de normas ilegais, muito mais próspera.”

Errado. Não existe engenheiro eletricista ignorante em questões jurídicas entre os aprovados nos dificílimos concursos da Receita. Apenas quem desconhece o conteúdo dos programas/editais de tais concursos pode afirmar que um aprovado para tais cargos seja “ignorante em questões jurídicas”. Se o engenheiro passou no concurso onde o Direito é uma das molas propulsoras, ficarei tranqüilo com sua capacidade para “questões jurídicas”, pois nos concursos são aprovados aqueles que, quando de sua realização, estavam mais preparados.

Se um bacharel em Direito não consegue fazer uma questão de múltipla escolha melhor que um engenheiro, deixemos o melhor dos dois na prova ficar com o cargo. Não se pode lançar sobre o engenheiro a pecha de “ignorante em questões jurídicas” se ele passou na prova, na frente de um batalhão de candidatos de todas as origens. E se foi promovido, uma das razões para tanto é a competência, já que felizmente não é apenas o compadrio político que proporciona promoções no serviço público.

Para “arvorar-se a interpretar decisões judiciais” não é preciso ser engenheiro, nem bacharel em Direito, qualquer um pode fazer isso. E deve, inclusive, lançando mão dos recursos legais para enfrentar decisões judiciais equivocadas. Por sinal, os engenheiros chefes de repartição não só têm seus conhecimentos, mas também acesso aos serviços dos procuradores que defendem a administração. Estes, bacharéis em Direito e também concursados.

“Por causa da ‘concursite’, muitos bacharéis em Direito que passaram os cinco anos de faculdade no boteco, ingressam nessas milionárias indústrias de ensino preparatório e ali ficam anos a fio, até serem aprovados no próximo concurso.”

As chamadas indústrias de ensino preparatório devem merecer serem “milionárias” mesmo, já que são mais eficientes para seus fins do que muitas outras instituições de ensino. Se um bacharel passou cinco anos no boteco, problema dele, vai precisar de alguns anos estudando sério para “tirar o prejuízo”. Que bom que existem cursos preparatórios com excelentes métodos e professores para ajudar nesse esforço.

Diga-se de passagem que os cursos preparatórios cumprem sua finalidade, que é levar a pessoa a passar nos concursos. Ensinam a matéria que cai, como cai e como deve ser respondida. Que eficiência! Quanta pragmaticidade! Os cursos são submetidos a um controle social muito mais rígido que as faculdades, talvez, por isso, sejam tão eficientes. Ou o curso aprova seus alunos, ou fecha. Isso é bom.

E não creio que ficar milionário seja um problema. Como disse Lincoln, para acabar com a pobreza não é saudável destruir a riqueza. Esse país tem um problema com a riqueza, com o crescimento. É comum ver críticas ácidas a pessoas e empresas que enriquecem, como se a riqueza e o crescimento fossem uma doença.

Mas voltemos aos concursos. A “moçoila”, que acabou de entrar na faculdade e ouviu falar que é “uma boa” passar em um concurso, não vai ficar batendo papo com o coleguinha de sala no boteco. Ela já vai é estudar mais sério na faculdade. Provavelmente fará um cursinho lá para o final do curso, para compensar os maus professores que, infelizmente, sempre aparecem na nossa frente na faculdade.


Quem conhece os concurseiros sabe que eles não ficam bebendo no boteco durante a faculdade. Quem faz isso normalmente são os acadêmicos mal orientados pela instituição e que depois penam até para passar no exame da Ordem.

“Alguns ingressam no MP e se dedicam ao preenchimento de dados estatísticos, vangloriando-se de terem colocado na cadeia um bom número de pessoas, mesmo que estas, depois, sejam absolvidas. Não são eles, os que erram, que pagam pelos seus erros, mas a sociedade.”

Assunto para os líderes do MP, não para os jovens que estão ingressando na carreira, também eles a serem orientados.

“Outros bacharéis se tornam juízes e, acometidos da ‘juizite’, chegam a lamentar (será o pecado da inveja?) quando algum advogado ganha honorários expressivos.”

O pecado da inveja é comum a todos os operadores jurídicos, não se podendo criticar uma carreira por ter invejosos em seu meio. A ser assim, também seriam criticados advogados invejosos e seria de todo lamentável começar uma discussão desse (baixo) quilate. O que é preciso é, desde o início da faculdade, ir mostrando aos acadêmicos que o concurso “fecha a porta da pobreza” mas também a “porta da riqueza”. Ou seja, é uma opção de vida onde se ganha bem e com rapidez, mas onde não existe possibilidade de grande progresso com o passar do tempo. A advocacia, de outro modo, exige, em regra, mais tempo para o profissional se firmar mas, em isso acontecendo, oportuniza ganhar-se muito mais que no serviço público. Isso deve ser noticiado aos jovens, sempre, é claro, lembrando que as decisões profissionais baseadas apenas em ganhos financeiros são perigosíssimas. Sempre lembrando que o único lugar onde “dinheiro” e “sucesso” vêm antes de “trabalho” é no dicionário.

“São raríssimos, todavia, os que se arriscam ao pedido de exoneração para advogar. Preferem ’arriscar-se‘ na advocacia, logicamente depois de acomodados em boa aposentadoria.“

Raríssimos e, em geral, bem-sucedidos. Seria uma maldade dizer que é apenas em função dos conhecimentos pessoais adquiridos no serviço público. Em boa parte das vezes, são bem-sucedidos por causa de sua inteligência e capacidade profissional. Conheço alguns casos de juízes e promotores que saíram por causa da avaliação do custo x benefício de permanecer no serviço público. Já perdemos grandes valores por causa disso, mais uma razão para não irmos tirando as prerrogativas dos cargos sob pena de eles não se tornarem mais atrativos para os mais competentes.

Quanto a “arriscar-se” apenas após a aposentadoria, concordo com meu colega: é “arriscar-se”, entre aspas. Por outro lado, uma pessoa que já trabalhou um bom tempo como juiz e que provavelmente tem família a sustentar, porque deveria sair do cargo antes da aposentadoria? Para dizer que é um “bravo”, um “valente”? Se o profissional está contribuindo para a previdência oficial durante o tempo devido, mais sensato será que primeiro complete seu tempo e se aposente, para depois iniciar uma nova fase profissional. Que mal há na prudência e na paciência?

Há juízes e promotores mais jovens que, contudo, não estão dispostos a esperar por vários anos e, sim, “arriscam-se”. Embora seja um risco calculado, creio que estão exercendo o sagrado direito de fazer as próprias opções.

“E o que é pior: clientes ignorantes chegam a imaginar que o servidor público aposentado (é isto que eles são!) é um profissional melhor que os outros.”

É lamentável quando um cliente acha que um ministro ou desembargador aposentado terá, por suas relações, maiores chances de êxito. Pior ainda quando o cliente não só acha, mas isso acontece mesmo. Mais uma razão para os períodos da chamada “quarentena”, saudáveis para impedir esse tipo de problema. Por outro lado, profissionais aposentados são, em geral, pessoas experientes, e experiência pode resultar em um profissional melhor. Já fui atendido por um Auditor da Receita aposentado. Que sujeito! Que profissional! Cumpriu seu tempo na Receita Federal e aposentou-se regular e licitamente e, agora, emprega sua imensa sabedoria como consultor. Que mal há nisso?

“Venho fazendo, desde 2004, uma série de palestras sobre o tema “A Fórmula do Sucesso na Advocacia”. Cerca de 5 mil jovens advogados e estudantes já as assistiram. E a mensagem mais importante que procuro transmitir é que a única finalidade da criatura humana é ser feliz. Quem tiver vocação para o serviço público certamente será feliz. Mas não basta fazer o que se gosta. Mais do que isso, é indispensável gostar do que se faz. Quem conseguir isso não contrairá nenhuma das doenças aqui mencionadas.”

Venho fazendo palestras sobre concursos e também sobre sucesso profissional na área jurídica, desde 1998, tendo já falado para mais de 600 mil pessoas. Assim, acabo sendo colega de ofício do articulista que ora critico não apenas nas lides jurídicas, mas também nas palestras. Interessante registrar que deixo quase a mesma mensagem que o colega sobre a finalidade da criatura humana: “ser feliz”. Não a classifico como a “única”, mas apenas uma delas. Entendo que o “serviço ao próximo” também é uma finalidade, seja como servidor público ou não. Estamos aqui não apenas para sermos felizes, mas também para tornar melhor a vida das demais pessoas. “A felicidade só é completa quando coletiva”, já foi dito. Outra finalidade que anoto é a do constante “aprendizado”, um caminho para a sabedoria, e com a sabedoria, aprender a buscar, ou reconhecer, a tal “felicidade”.


Por outro lado, não acredito que todos tenham “vocação para o serviço público”. Existem funções “vocacionais”, mas nem todos que a exercem precisarão ser “vocacionados”, por mais que seja positivo isso acontecer. Se a pessoa não tem a vocação, mas quer o cargo e cumpre seus deveres, creio que está de bom tamanho. Também existem atividades públicas onde não vejo uma “vocação”. Creio que alguém pode estar no serviço público por vocação ou não, e creio que poderá ser feliz, seja ao entender sua função social no exercício do cargo, seja ao utilizar as garantias e vantagens do cargo para buscar seus prazeres prediletos em outros cenários.

Embora ideal, não “é indispensável gostar do que se faz”. Algumas vezes não fazemos o que gostamos. Às vezes fazemos coisas porque precisamos ou para atingirmos outros objetivos. Só fazer o que se gosta é uma quimera.

Já fui serventuário da Justiça. Por um tempo, meu trabalho era carimbar, só carimbar. Não era vocacionado para isso, nem gostava do que fazia. Mas aquelas carimbadas me ajudavam a continuar em busca dos meus sonhos, que incluíam desde outros concursos a ter dinheiro para poder casar e ter filhos. Foram carimbadas pensadas, toleradas e bem-sucedidas. O tribunal me pagou por elas e, assim, fui adiante. Pude fazer novos concursos: “abri” vaga para um novo carimbador e o serviço público também ganhou um novo Delegado de Polícia. Não sei se o carimbador que me substituiu continua lá. Quem sabe é hoje um juiz ou advogado. Ou, quem sabe, continua carimbando autos e indo para casa ao final do expediente?

Quem sabe, contra a história de minhas escolhas quando era carimbador, ele, após o expediente, fique vendo filmes com sua esposa, ou jogando futebol com os filhos, com seus vencimentos seguros ao final do mês? Talvez seja até mais feliz (essa finalidade humana) do que eu. Eu gasto tempo com concursos, ensinando as pessoas a conseguirem o que desejam (mesmo que alerte sobre isso ou aquilo). Essa vida me fez gastar essa manhã de minhas férias para dizer que discordei de praticamente tudo o que li. Embora tenha gostado de dizê-lo, não posso dizer que o carimbador — que nada disse — é melhor ou pior do que eu. Não posso dizer que ele ao optar pelo carimbo seja uma doença, talvez seja — mesmo sem uma vocação ou talvez sem gostar — sua eleição em busca de sua própria felicidade. Uma felicidade que é tão fugidia quanto caprichosa em eleger seus amados e seus caminhos.

Já, uma outra vez, começaram a “desancar” os concursos, dizendo que “o concurso é a morte de todos os sonhos e talentos”. Esta tem sido uma voz recorrente a partir do momento em que eles estão tão em voga. Sobre essa “acusação”, escrevi o artigo “Concurso é a morte”. Quem quiser ler um pouco mais sobre essa discussão, recomendo o artigo.

Aos que são ou serão servidores públicos, convido para acessarem www.revolucao.info e participarem da revolução que o serviço público está por demandar, e o povo brasileiro por merecer que aconteça na nossa seara. Acredito que com a grande renovação atual, e com o tipo de gente que os concursos estão selecionando, estamos diante de uma grande oportunidade de mudar a “cara”, a eficiência e os resultados que os servidores oferecem a quem paga seus vencimentos: o povo brasileiro.

Bem, quem escreveu foi um servidor público e um profissional que acredita nos concursos. Não entendo que querer fazer um concurso, ou novos concursos, seja um problema. Acho que, muitas vezes, é uma solução e se alguém vê nesse caminho uma solução, creio que está no seu direito de escolha, de liberdade. Todos têm o direito à busca, ou a perseguição, da felicidade. Eliminar algum caminho aprioristicamente não me parece adequado. Também não me parece adequado julgar como doentias as escolhas que outras pessoas fazem em busca de uma vida melhor, cada qual fazendo a partir de suas situações particulares e peculiares.

Quem já caminhou um pouco mais, tem a função de orientar e mostrar caminhos e alternativas. A escolha de um caminho ou outro é sempre um atributo pessoal e, enquanto dentro dos limites da ética e da legalidade, sempre uma escolha digna e respeitável.

Aliás, sou servidor e tenho orgulho disso.

Recomendo o concurso como uma das opções válidas para quem está buscando alternativas. Uma opção a ser considerada, com suas vantagens e desvantagens. Considero o concurso como um grande patrimônio do país. Apesar de todas as dificuldades, qualquer um pode chegar ao serviço público, independentemente de raça, cor, religião, sexo ou opção sexual, ou de origem social. O concurso mede a capacidade de estudo, de aprendizado, de esforço pessoal, de disciplina, de superação. Ao final, o serviço público e seus destinatários terão ao dispor pessoas que mostraram um considerável grau de competência, não só nas matérias constantes do programa, mas também na consecução de sucesso em um empreendimento com elevado grau de dificuldade e competição.

Não existe uma forma de o concurso ser uma coisa “boa” e o concursando alguém adoentado, doente ou com infecção.

É o que penso. Talvez seja “concursite”.

Autores

  • Brave

    é juiz federal, professor universitário, mestre em Direito, pós-graduado em Políticas Públicas e Governo e autor de diversos livros e artigos.

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