PAC das licitações

Licitações: normas têm de ser atualizadas com a realidade

Autor

  • Jonas Lima

    sócio de Palomares Advogados pós-graduado em Direito Público pelo IDP. Especialista em licitações e contratos administrativos é autor do livro A defesa da empresa na licitação – Processos administrativos e judiciais.

6 de agosto de 2007, 18h49

Dentro do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), foi apresentado pelo Poder Executivo Federal um Projeto de Lei com o objetivo de alterar dispositivos da Lei 8.666, de 21 de junho de 1993, que regulamenta o inciso XXI do artigo 37 da Constituição Federal e institui normas gerais para licitações e contratos da Administração Pública.

Na Câmara de Deputados, o texto foi aprovado, com alterações, no dia 2 de maio deste ano, tendo a sua redação final naquela Casa sido consolidada no Projeto de Lei 7.709-A.

No Senado Federal, a proposição recebeu o número de Projeto de Lei 32/2007. Ele foi aprovado pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), em 30 de maio, e pela Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática (CCT), no dia 12 de junho e encaminhado à Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), em 28 de junho com relatoria do senador Eduardo Suplicy.

Antes, a urgência prevista no artigo 64 da Constituição Federal, para a tramitação da matéria, foi retirada por aprovação do Plenário do Senado, em 27 de junho, em atendimento à mensagem 102/2007 do próprio Presidente da República.

Considerando as emendas feitas até o momento, o Projeto que altera a Lei 8.666/93 pode ser sintetizado em 27 pontos principais.

Definição de sítio oficial na Internet e valorização de documentos eletrônicos

A Lei 8.666/93 precisava ser atualizada em face da “realidade virtual” na qual se realizam as licitações. Daí a definição formal de sítio oficial da Administração Pública como sendo o local na internet, com certificação digital, para divulgação de informações e serviços do Governo. Trata-se do preenchimento uma lacuna na redação da Lei, com nítida valorização dos meios de comprovação da autoria e integridade de documentos em forma eletrônica.

Reenquadramento da recuperação, da reforma e da reconstrução

Segundo o Projeto, o termo “recuperação” é excluído dos exemplos de obra, sendo incluído entre os exemplos de serviço, por se tratar de algo que visa apenas o retorno à condição original, podendo a contratação ser feita pela modalidade licitatória do pregão. Já a “reforma” e a “reconstrução” ficam no conceito de obra, a primeira porque se refere ao ato de dar nova forma a alguma coisa e a segunda porque se aplica a algo que foi arruinado total ou parcialmente. Esse é um dos assuntos mais tormentosos para os administradores públicos, não sendo certo que as mudanças na lei consigam evitar as atuais confusões entre tais conceitos.

Maior preocupação ambiental em compras, obras e serviços

Não obstante a Lei 8.666/93 já possua dispositivos sobre impacto ambiental nos projetos básicos das licitações, notadamente quanto às obras o Projeto prevê a existência de licença prévia ambiental, quando cabível, o que tende a reforçar a preocupação em evitar obras inacabadas ou embargadas por problemas detectados tardiamente, inclusive em ações do Ministério Público e órgãos de controle.

Ademais, o Projeto prevê a inclusão, entre os requisitos para as compras, da adoção de especificação do bem a ser adquirido que considere critérios ambientais. Essa inovação também é interessante, mas quando começar a ser aplicada muitas serão as reclamações de fabricantes que ainda não tiverem seus produtos adaptados, ainda que tenham o melhor preço.

Fechamento do cerco nas licitações de obras e serviços

Nas licitações para obras ou serviços de engenharia será obrigatória a especificação, no ato convocatório da licitação, do valor orçado pela Administração, para efeito de identificação de propostas manifestamente inexeqüíveis, isso na busca de maior transparência do processo. Ademais, o projeto básico de obras e prestação de serviços deve conter anotações de responsabilidade técnica exigíveis, ou seja, em muitos casos, mas não em todos. Em linhas gerais, essa última alteração pretende evidenciar melhor quem são os responsáveis pela elaboração do projeto, para fins de eventual responsabilização.

Valorização do cadastro de registro de preços

De acordo com o Projeto, o sistema de controle originado do cadastro do registro de preços, quando viável, deverá ser informatizado, disponibilizando aos cidadãos a oportunidade de impugnação do preço constante do quadro geral e do cadastro do registro de preços em razão de sua incompatibilidade com o preço vigente no mercado.

No particular, foi feita uma mera correção do texto da lei, para evidenciar mais cadastro do registro de preços como um meio de fiscalização contra a prática de preços predatórios ou de superfaturamento, que pode, ainda, facilitar consultas e diligências dos pregoeiros e presidentes de comissão de licitação quando houver provocação sobre inexeqüibilidade de proposta.


Melhor divulgação mensal das compras, inclusive, na Internet

O Projeto prevê uma melhoria da redação dos dispositivos atinentes à publicidade mensal de compras governamentais, agora com menção à regra na qual consta a publicidade em sítio eletrônico oficial, sem prejuízo de publicações na imprensa oficial. Essa medida melhora a fiscalização e, por outro, de forma estratégica, pode ser utilizada pelos empresários para acompanhar o desempenho dos seus concorrentes, o “share” ou a participação dos outros no “bolo” do mercado governamental.

Qualquer modalidade de licitação por meio eletrônico, dispensada a guarda de documentos em papel

Segundo o Projeto, não apenas o pregão, mas qualquer modalidade licitatória poderá ser realizada por meio eletrônico, desde que mediante certificação do ambiente virtual, sendo que, quando o certame for realizado e processado por meio eletrônico, os arquivos e registros digitais a ele relativos deverão permanecer à disposição das auditorias internas e externas, dispensada a guarda de documentos em papel. A intenção é boa e tende a agilizar os procedimentos licitatórios, mas deve ser observada a gravidade da parte final do texto. Como se fará uma apuração de eventual fraude, inclusive em processo criminal relacionado a uma licitação, se papéis forem destruídos, indiscriminadamente, sem qualquer prazo mínimo de guarda, por exemplo, de 5 (cinco) anos?

É preciso lembrar que, em determinados tipos de falsificações, um laudo pericial somente pode atestar uma falsidade no exame de documento em papel, sendo certo que, atualmente, até mesmo no pregão eletrônico, os autos físicos ainda existem, e deles constam os documentos originais para consulta de todos. Dessa forma, não se pode ser contra o processo virtual, mas é preciso reconhecer que a norma está verdadeiramente omissa, implicando no grande risco de que fraudadores acabem ficando impunes.

Publicação via Internet x publicação impressa

Está prevista a inclusão de regra específica determinando a publicidade oficial das licitações também em sítio oficial da Administração Pública, quando existente, com possibilidade de dispensa da publicação impressa de acordo com Decreto do Poder Executivo da respectiva esfera de Governo. A novidade considerável da regra está no final, ou seja, o aval para que decretos possam determinar o uso da Internet ao invés de publicidade impressa.

Trata-se de uma regra com intenção positiva, em razão da eficácia e da rapidez das comunicações via Internet. Entretanto, será preciso um grande esforço para a sua aplicação, uma vez que, hoje em dia, muitos órgãos públicos menosprezam a necessidade de maior espaço ou destaque em seus sítios para canais de divulgação das licitações, que ficam praticamente ocultos, e com informações bastante incompletas. Então, a nova regra é capciosa, uma vez que, sob o pretexto de facilitar, pode acabar sendo utilizada indevidamente para restringir a publicidade das licitações. Os decretos devem ser detalhados na forma de como a divulgação deve ocorrer na Internet, sendo necessária uma mudança de mentalidade sobre a efetiva e permantente disponibilidade de documentos de processos encerrados. A Internet deve servir como meio de divulgar informações, e não oculta-las.

Inclusão do pregão no rol de modalidades licitatórias

O Projeto inclui o pregão entre as modalidades de licitação previstas na Lei 8.666/93. Trata-se de mera medida de técnica legislativa, uma vez que o pregão há muito tempo existe em legislação própria.

Atualização dos valores de referência das modalidades licitatórias

Os valores de referência para a escolha das diversas modalidades de licitação foram atualizados de modo a torná-los mais condizentes com a realidade atual, ou seja, com as demandas correntes dos órgãos públicos. A medida já era necessária há algum tempo. Espera-se que isso contribua um pouco para coibir os fracionamentos irregulares dos objetos licitados e as escolhas indevidas de modalidades licitatórias apenas para burlar os limites atuais.

Modalidade de concorrência para a parceria público-privada

O Projeto especifica a concorrência como sendo a modalidade licitatória cabível para a contratação de parceria público-privada, o que apenas reflete uma situação que já está consolidada na prática.

Mais participação na modalidade convite

O Projeto melhora a redação do dispositivo que trata de número mínimo de propostas válidas na modalidade de convite, o que contribui para que convites sejam repetidos, ampliando a competitividade.

Reforço na obrigatoriedade da modalidade pregão

Está prevista a adoção da modalidade pregão como obrigatória para todas as licitações do tipo menor preço, sendo exigível, no caso de obras, quantitativos, em limite de R$ 3,4 milhões e, no caso de bens e serviços, teto de R$ 85 milhões. Esse tem sido um dos pontos de maior polêmica do Projeto, lembrando que os valores já foram alterados em face daqueles que estavam inicialmente previstos.


Muitos alegam que, principalmente nas obras, isso causará grande risco, pois haverá depreciação do preço, sem maiores cautelas com a segurança das obras, materiais utilizados, etc. Dessa forma, ainda que o pregão seja bastante elogiado por trazer economia, não se deve deixar de pensar em determinadas particularidades a serem enfrentadas na prática, que podem ilustrar uma aberração, ou seja, uma proposta vencedora que, efetivamente, não seja a mais vantajosa para a Administração, em razão de um trabalho ou serviço que precise de reparos posteriormente, com riscos para pessoas e, ainda, interrupções nas atividades do órgão público.

Vedação da modalidade pregão em determinados casos

De acordo com o Projeto, ficará vedada a adoção da modalidade pregão para licitação destinada à contratação de obra de valor superior ao previsto ou de serviços e compras de grande vulto, bem como para serviços técnicos profissionais especializados, dos quais são exemplos os serviços dos escritórios de advocacia e das empresas de assessoria de imprensa.

Utilização do pregão para licitações internacionais

Essa inovação acaba com a antiga polêmica sobre a admissibilidade ou não do pregão para licitações internacionais. Agora, com a oficialização dessa medida, ficará aberto o caminho para estrangeiros participarem, inclusive à distância, das disputas em portais como o Comprasnet e outros, além dos pregões presenciais.

Inexigibilidade e dispensa publicadas na Internet

O Projeto torna obrigatória uma prática atualmente não muito difundida, que é a publicação de declarações de inexigibilidade e dispensas de licitação em sítios oficiais da Administração Pública. Tem-se essa como uma medida que deverá diminuir uma série de negócios escusos nos órgãos públicos, o que é bom. Toda transparência é muito bem-vinda e os cidadãos e licitantes agradecem.

Vedações aos “laranjas” nas licitações

O Projeto institui a proibição de licitar ou contratar com a Administração Pública para pessoa jurídica cujos proprietários e diretores, inclusive quando provenientes de outra pessoa jurídica, tenham sido punidos com suspensão do direito de licitar, ainda que sejam pessoas físicas ou jurídicas integrantes de outra pessoa jurídica, bem como, mesma proibição aos proprietários e diretores das pessoas jurídicas, ou os que atuarem em substituição a outros, para burlar as sanções (casos típicos dos chamados “laranjas”).

SICAF para todos

Está prevista a disponibilização do Sistema de Cadastramento Unificado de Fornecedores (SICAF), instituído e sob responsabilidade da União, aos demais órgãos da Administração Pública, dos estados, Distrito Federal e municípios.

Inversão de fases nas licitações

O Projeto prevê a inclusão da possibilidade da inversão das fases de habilitação e propostas, atualmente prevista para o pregão, também para todas as demais modalidades licitatórias, desde que o valor estimado da licitação não ultrapasse 3 milhões e 400 mil reais para obras e 85 milhões de reais para bens e serviços, exigindo-se do representante legal do licitante, na abertura da sessão pública, declaração, sob as penas da lei, de que reúne as condições de habilitação exigidas no edital.

A regra é benéfica no sentido de buscar agilidade para todas as modalidades licitatórias, mas a condição imposta ao final pode causar problemas práticos, pois muitas vezes o próprio licitante acaba descobrindo que não atendeu determinada condição apenas em momento posterior. Além disso, o Judiciário já firmou posição de que esse tipo de declaração não possui a força pretendida pelo legislador em normas semelhantes.

Técnica não deve prevalecer sobre preço

Nas licitações do tipo técnica e preço fica mantida a classificação dos proponentes de acordo com a média ponderada das valorizações das propostas técnicas e de preço, de acordo com os pesos preestabelecidos no instrumento convocatório, mas não se admitindo critérios de valorização que tornem as propostas de preços menos relevantes que as propostas técnicas. É preciso reconhecer que hoje existem excessos nos pesos da técnica, em detrimento do preço, mas a nova regra pode causar problemas práticos, em situações de contratações de objetos de alta complexidade, pois os limites serão, enfim, de 50% para a técnica e 50% para o preço. Haverá muito o que discutir, caso a caso.

Mais controle nas alterações de contratos

Os acréscimos em obras e serviços, não previstos originalmente no contrato, ou seja, não licitados, devem ser tratados analogicamente como os casos inexigibilidade de licitação, no que aplicável, isso em busca do controle maior de desvios nos contratos públicos. Por outro lado, os acréscimos ou supressões continuam permitidos, mas fica vedada a compensação entre os mesmos, o que tende a evitar o “jogo de planilhas” muito comum por parte das empresas que pretendem apenas ganhar as licitações com um preço supostamente mais baixo e, depois, alterar os itens integrantes da execução do projeto.


Reequilíbrio contratual em favor da Administração

Em havendo alteração unilateral do contrato que aumente ou diminua os encargos do contratado, a Administração deverá restabelecer, por aditamento, o equilíbrio econômico-financeiro inicial. Pela regra atual isso somente é possível para os casos de aumento e não de diminuição de encargos. Então, a regra é louvável pela intenção de evitar prejuízos à Administração.

Punição para empresa que executar contrato de forma deficiente

Pela execução deficiente do contrato a Administração poderá, garantida a prévia defesa, aplicar ao contratado as sanções já previstas na Lei 8.666/93, o que parece simples, mas pode gerar enormes distorções. O conceito de execução deficiente não está previsto na lei e esse termo parece redundante, uma vez que o texto atual já menciona as hipóteses de inexecução total ou parcial, podendo se incluir nessa última a inexecução deficiente. Em resumo, a regra atual não precisava ser alterada e confusões práticas tendem a acontecer.

Recurso em apenas 2 (dois) dias úteis, mas decisão em 5 (cinco) dias úteis

Segundo o projeto, os prazos de interposição de recurso administrativo, bem como de apresentação de contra-razões, ficam reduzidos para apenas 2 (dois) dias úteis, mas a decisão pode ser tomada pela autoridade pública em 5 (cinco) dias úteis, o que é uma grave incongruência, porque quem mais precisa de prazo é quem está do lado de fora da Administração (e não quem faz parte dela). Quem precisa de mais tempo é exatamente aquele que terá de se deslocar, requerer documentos, pagar pelas custas de cópias, que muitas vezes são negadas ou retardadas, sofre com processos ocultados e muita burocracia em determinados órgãos públicos.

Então, na prática, além de uma desigualdade injustificável, há mesmo uma severa violação à garantia constitucional da ampla defesa, pois todos sabem que é inviável obter documentos em apenas um dia, para se preparar um recurso adequado até o dia seguinte, inclusive por questão de distância geográfica, em muitos casos, além da dificuldade dos órgãos de viabilizar a liberação do material necessário de imediato, ainda mais nas licitações com autos de diversos volumes e diversos licitantes. Enfim, essa será uma regra claramente inconstitucional, pois não se pode, a pretexto de regular o direito de recurso, inviabilizar o seu exercício.

Vedações materiais ao direito de recurso administrativo

Segundo o projeto, fica vedado o recurso contra o julgamento da habilitação e das propostas nos casos de erros ou falhas que não alterem a substância das propostas, dos documentos e sua validade jurídica saneados pela Comissão ou pregoeiro. Ora, essa regra, além de ser de gritante inconstitucionalidade por negar completamente a garantia da ampla defesa, deixa margem a decisões subjetivas dos agentes públicos sobre o que seria capaz de alterar ou não a substância das propostas, dos documentos e sua validade jurídica, o que é inadmissível.

Extinção do efeito suspensivo nos recursos administrativos

Pelo Projeto, os recursos administrativos perdem o efeito suspensivo, o que pode significar um sério problema futuro. É muito melhor parar uma determinada licitação e decidir logo um recurso administrativo do que ter de anulá-la, posteriormente, caso provido o recurso ou caso a empresa prejudicada consiga amparo em tribunal de contas ou órgão do Poder Judiciário. Ora, até mesmo nos recursos judiciais a falta do efeito suspensivo fica para instâncias superiores ou etapas mais avançadas do processo, nunca para os agravos contras as liminares concedidas em licitações, por exemplo. Então, é melhor prezar pela utilidade processual. Fazer as coisas de forma mais rápida e deixar um procedimento viciado prosseguir, quando pendente um recurso, nem sempre significará cumprir com o princípio da eficiência na Administração Pública.

Crime de fraude passa a abranger serviços

Segundo o Projeto, o crime do artigo 96 a Lei 8.666/93, de fraude de licitação em prejuízo da Fazenda Pública, passa a abranger não apenas hipóteses de aquisição ou venda de bens ou mercadorias, ou contrato dela decorrente, mas ainda a contratação de obra ou serviço de engenharia, sendo que a alteração de substância, qualidade ou quantidade será considerada também nos serviços executados. Essa é uma regra benéfica, tendente a evitar desvios de conduta e corrupção na Administração.

O Projeto de alteração da Lei 8.666/93 possui diversos pontos positivos, mas também diversos pontos negativos, sendo o caso de ponderar sobre as conseqüências práticas de cada um deles. Nem sempre o que parece ser bom traz o efeito concreto esperado.

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    sócio de Palomares Advogados, pós-graduado em Direito Público pelo IDP. Especialista em licitações e contratos administrativos, é autor do livro A defesa da empresa na licitação – Processos administrativos e judiciais.

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