Vingança premiada

Ação de separação vira denúncia de crime financeiro

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3 de agosto de 2007, 16h24

Os oniscientes olhos da Receita, no ano fiscal de 2004, leram uma declaração de renda atestando que um empresário de roupas populares tinha uma renda mensal de R$ 14 mil. Mas um litígio matrimonial trouxe à tona outros valores: ele manteria no exterior, remetida de maneira não legal, uma fortuna de US$ 150 milhões. E mais: a hoje mais famosa família de doleiros das elites brasileiras, os Matalon, seriam os remetentes das somas para fora.

Nos próximos dias a ex-mulher do empresário, munida de quilos de documentos, presta declaração ao MPF em São Paulo. Aceita depor em sistema de delação premiada. Como recebeu US$ 200 mil do ex-marido no exterior, suas denúncias poderão atingí-la também. Suas declarações revelarão como funcionam esquemas de remessas ilegais de dólares, ao exterior, jamais prescrutadas pela PF, pelo MPF e pelo Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras).

A documentação brotou de uma ação de separação, tocada em uma Vara de Família e Sucessões, em que o segredo de Justiça é natural, razão pela qual a revista Consultor Jurídico omite os nomes dos protagonistas. “Quero depor ao MPF para que me levem ao Coaf. No processo de separação um juiz e uma juíza de duas Varas de Família, ao verem os documentos, prometeram levá-los às autoridades federais e não o fizeram”, diz a ex-mulher do empresário.

O empresário fez fortuna com uma rede de lojas, no bairro do Brás, especializadas em roupas populares, uma parte expressiva delas importada da China. Há dois anos deu início a uma partilha de bens decorrente do final do casamento. Em junho de 2005, no arrolamento de bens, o empresário teve seu sigilo bancário quebrado nos EUA e os extratos bancários remetidos ao Brasil, por ordem judicial. Também houve o congelamento de 50% de suas contas bancárias, mantidas em nome das offshores Starkman, Finvestors, Proterra e Doll, e registradas nos bancos HSBC e Lehman Brothers, em Miami, EUA.

Diz a ex-mulher que, quando a Justiça começou a receber a papelada, teria ocorrido uma movimentação de mascaramento de contas, com a imediata criação de outra offshore, na Suíça, batizada de Nixus International Company Limited e uma conta no banco HBS, de Hamburgo.

Documentos atestam que, de uma penada só, a soma de US$ 8 milhões foi transferida dos bancos HSBC e Lehman Brothers, de Miami, para o HSBC de Guernsey, na costa da Normandia. Algo que não encaixa na história de quem paga por ano menos de R$ 100 ao Fisco, diz a ex-mulher. “Quero que o MPF me abra as portas no Coaf, só isso que eu quero, coisa que a justiça de famílias não fez”, declara ela. A papelada revela que o empresário pagou ao Fisco, em 2002, a soma de R$ 60,52 e, em 2004, o valor de R$ 86,03.

No dossiê que entrega ao MPF na próxima semana, a ex-mulher nomeia como responsáveis pelas remessas três famílias de doleiros: os Matalon, os Dayan, e os Kulikwsky.

Em dezembro de 2005 os Matalon ganharam as manchetes dos jornais: a Força Tarefa CC-5 do Ministério Público Federal (MPF) denunciou seis pessoas na Operação Zero Absoluto. Os denunciados foram acusados de lavagem de dinheiro, evasão de divisas, gestão fraudulenta, falsidade ideológica e formação de quadrilha. Entre eles estavam Roberto Matalon, Patrícia Matalon Peres, Marco Matalon e Ezra Matalon . Segundo o MPF, eles estavam ligados à empresa de turismo Stream-Tour, do Rio de Janeiro, mas operavam também em São Paulo.

A Operação Zero Absoluto teve como objetivo o “congelamento” do dinheiro enviado ilegalmente para contas no exterior, e é fruto de uma investigação conjunta do MPF e da Polícia Federal, com o apoio do Departamento de Segurança Interno (DHS) de Newark e a Procuradoria dos Estados Unidos.

“Não quero o mal de ninguém: só quero mostrar como funciona o esquema das coisas, nesse país em que todo mundo só olha para Renan Calheiros e acha que ele é a encarnação de todo o mal”, diz a denunciante.

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