Sem privilégios

Curso de língua de sinais terá cota para alunos não surdos

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30 de abril de 2007, 18h19

A Universidade Federal de Santa Catarina deve reservar vinte por cento das vagas do Curso de Licenciatura em Letras — Língua Brasileira de Sinais (Libras) a candidatos não-surdos. A decisão é da 1ª Vara Federal de Florianópolis, que confirmou o acordo feito entre o Ministério Público e a universidade.

O MP entrou com uma Ação Civil Pública, pedindo a suspensão do curso. Alegou que o edital não cumpriu o princípio da igualdade entre os candidatos, fluentes em Libras, ao dispor que os surdos teriam prioridade sobre os não-surdos.

A UFSC argumentou que o objetivo do curso é formar professores capazes de ensinar Libras como primeira língua a alunos surdos e, como segunda língua, aos alunos não-surdos. Segundo a universidade, a prioridade foi estabelecida para atender as perspectivas profissionais dos surdos, além de uma medida de inclusão social.

Os termos do acordo foram definidos em duas audiências de conciliação entre as partes. Durante as audiências, a UFSC explicou que o Curso de Bacharelado em Libras está em processo de aprovação. Esse curso será destinado à formação de intérpretes e tradutores e deve ser procurado, principalmente, por pessoas sem problemas auditivos, por causa das dificuldades que as pessoas surdas teriam ao atuar nessa área. Para a universidade, a procura de não-surdos pela licenciatura aconteceu devido à ausência de um curso voltado aos intérpretes.

O acordo determina, ainda, o compromisso da UFSC em notificar os candidatos aprovados, mas não classificados na licenciatura, da abertura do Curso de Bacharelado em Libras, prevista para o próximo ano.

Leia a decisão

AÇÃO CIVIL PÚBLICA 2007.72.00.002592-7/SC

AUTOR : MINISTERIO PUBLICO FEDERAL

RÉU : UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA – UFSC

SENTENÇA

Cuida-se de ação civil pública pela qual o Ministério Público Federal busca a suspensão do curso de Licenciatura em Letras – LIBRAS, na modalidade de ensino a distância, até a regularização do processo de classificação dos candidatos aprovados, com a declaração de nulidade do ato de homologação do resultado final do certame, bem como do item 6 e subitens do Edital nº 7/COPERVE/UFSC, que trata da prioridade de classificação entre candidatos, fluentes em LIBRAS, instrutores surdos e surdos sobre os ouvintes, consoante itens 1.1 e 6.3 e subitens, alterados pelo Edital nº 11.

Às fls. 161/174 a UFSC manifestou-se sobre o requerimento de antecipação dos efeitos da tutela.

Foram realizadas duas audiências de conciliação (fls. 351 e 372), com a participação de representante da Comissão Permanente de Vestibular da UFSC – COPERVE e de professores do Curso de LIBRAS.

Na última audiência o réu elaborou proposta de acordo, anuindo o autor com ressalva (fl. 375).

Às fls. 379/380 a ré concordou com a ressalva proposta pelo autor.

É o relatório. DECIDO.

Durante as audiências de conciliação, o réu expôs de forma pormenorizada e embasada na documentação juntada a estes autos, as razões que o levaram a elaborar o Curso de Licenciatura em Letras – LIBRAS e o edital impugnado nesta ação.

Nestas oportunidades, ficou esclarecido que o Curso de Licenciatura em Letras – LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais) tem como objetivo formar professores capazes de ensinar LIBRAS como primeira língua aos alunos surdos e como segunda língua para os alunos ouvintes.

Destacou-se que todo o curso é estruturado na língua brasileira de sinais, e não na língua portuguesa, motivo pelo qual não é seu objetivo formar tradutores LIBRAS-Português, mas sim profissionais capazes de ensinar na própria língua brasileira de sinais. Para este fim, o curso busca recriar o mundo dos surdos em todos os seus aspectos lingüísticos e semióticos com instrumentos tecnológicos visuais e de hipermídia. Desta forma, tais profissionais estariam habilitados a ensinar alunos surdos na sua própria língua, nos diversos sistemas educacionais especiais existentes, sem intermediação do Português, oferecendo-lhes grandes vantagens qualitativas no aprendizado das demais ciências.

Também foi esclarecido que a prioridade para ingresso nessa licenciatura deveu-se, exatamente, pela identidade do curso com as perspectivas profissionais mais próximas dos surdos, qual seja, ensinar a sua língua para outros surdos, e também como política afirmativa, de inclusão social das pessoas com essas necessidades especiais, com amparo no Decreto nº 5.626/2005 e em dispositivos constitucionais de proteção e integração dos portadores de deficiências. Com efeito, sendo a língua brasileira dos sinais uma criação destinada à comunicação dos surdos, entendeu a ré que um curso voltado para a formação de professores em LIBRAS como primeira língua deveria priorizar o ingresso de surdos.

Por fim, foi alertado pelos professores da ré que está em processo de aprovação um Curso de Bacharelado em Letras – LIBRAS, este sim destinado à formação de intérpretes de língua de sinais e, portanto, praticamente restrito a pessoas sem problemas auditivos em virtude das dificuldades práticas de uma pessoa surda atuar nesta área. Ressaltou, ainda, que a procura de pessoas ouvintes pelo Curso de Licenciatura em Letras – LIBRAS deu-se em razão da ausência de um curso voltado às necessidades desse público, relativas à atividade de intérprete, o que será atendido pelo curso de bacharelado.

Diante de todos esses argumentos, a ré propôs em audiência o seguinte acordo, conforme termo de fls. 372:

1. Aberta a audiência, após exposições dos professores acima nominados ficou esclarecido que: a) o primeiro semestre do curso finda na próxima semana; b) o início do segundo semestre está previsto para a segunda quinzena de maio; c.1) o Colegiado do Curso de Letras aprovou a expansão do Curso de Letras LIBRAS Licenciatura, a ser oferecido em mais seis Estados, e a criação do Curso de Letras LIBRAS Bacharelado, sendo 450 vagas para cada curso; c.2) os cursos não são regulares, ou seja, a criação de novas turmas depende de financiamento do MEC; d) com a criação do curso de bacharelado, os ouvintes não terão, possivelmente, interesse em cursar a licenciatura, eis que esta é voltada precipuamente aos surdos e o bacharelado destina-se aos ouvintes; e) haverá prejuízos financeiros com a suspensão e/ou readequação dos aprovados do curso já em tramitação.

2. A UFSC propõe ao Ministério Público o seguinte ajustamento de conduta: para o próximo Curso de Letras LIBRAS Licenciatura, reservar 20% das vagas aos candidatos ouvintes, caso ainda não tenha sido criado o curso de bacharelado. (Grifei)

Também houve acordo em relação à ressalva proposta pelo Ministério Público Federal, pela qual a ré se compromete em notificar os candidatos aprovados na licenciatura e não classificados, acerca da aprovação do Curso de Bacharelado em Letras – LIBRAS para o próximo ano.

Diante de todo o exposto, tenho que o acordo proposto pelas partes observa adequadamente os princípios norteadores da Administração Pública (art. 37 da Constituição) e as normas de proteção e integração das pessoas portadoras de deficiência física (art. 23, II; 24, XIV; 37, VIII; 208, III, da Constituição e Decreto nº 5.626/05), impondo-se a sua homologação.

DISPOSITIVO

Ante o exposto, resolvendo o mérito da presente ação nos termos do art. 269, III, do CPC, HOMOLOGO o acordo celebrado entre as partes, impondo-se à ré as seguintes obrigações:

a) para o próximo Curso de Letras LIBRAS Licenciatura, reservar 20% das vagas aos candidatos ouvintes, caso ainda não tenha sido criado o curso de bacharelado;

b) notificar pessoalmente, por correio ou outro meio idôneo, bem como notificar subsidiariamente por edital, os candidatos aprovados na licenciatura e não classificados, conforme o edital objeto desta lide, acerca da aprovação do Curso de Bacharelado em Letras – LIBRAS para o próximo ano, mencionando que essa comunicação decorreu de acordo homologado nos autos da Ação Civil Pública nº 2007.72.00.002592-7, que tramitou na 1ª Vara Federal de Florianópolis, SC, na qual foram discutidos os critérios de classificação definidos no Edital nº 07/COPERVE/UFSC para ingresso no Curso de Licenciatura em Letras – LIBRAS.

Sem custas e honorários advocatícios.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Florianópolis, 30 de abril de 2007.

RAFAEL SELAU CARMONA

Juiz Federal Substituto

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