Doença de hospital

Maternidade indeniza paciente por infecção hospitalar

Autor

28 de abril de 2007, 0h01

Considerando a relação de consumo entre o hospital e a paciente, a 18ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais condenou, por unanimidade, uma maternidade a pagar indenização para uma dona de casa. Ela sofreu uma infecção após se submeter a um parto normal no estabelecimento. Os danos morais foram fixados em R$ 18 mil e os materiais em R$ 281,63.

Segundo o desembargador Guilherme Luciano Baeta Nunes (relator), o hospital prestou um serviço à paciente e, conforme o Código de Defesa do Consumidor, deve responder por ele. “Para se eximir da responsabilidade judicial em virtude de dano decorrente de sua atividade, a ré-apelante deve comprovar que a ocorrência do evento danoso se deu em razão de caso fortuito, força maior ou culpa exclusiva do paciente ou terceiros”, afirmou.

Entretanto, para a Justiça, o laudo apresentado pela maternidade não afasta a hipótese da paciente ter contraído a infecção no próprio hospital. Segundo a perícia, existia a “possibilidade” de que a infecção pudesse ter sido causada por “agentes integrantes da microflora da paciente”.

A maternidade alegou, ainda, ser uma entidade de renome; que segue todas as normas e exigências feitas pelo Ministério da Saúde. Afirmou que a ocorrência de infecções no hospital é mínima e que outras pacientes operadas no mesmo dia não apresentaram nenhum tipo de infecção.

A dona-de-casa foi operada e liberada no dia seguinte. Cinco dias depois, ela retornou ao hospital, com fortes dores na região dos pontos. Foi constatada a infecção e ela foi submetida a uma cirurgia para remover o acúmulo de pus no local. O estado de saúde dela se agravou e ela foi transferida para o CTI de outro hospital, onde permaneceu por 45 dias. Após esse período, permaneceu, ainda, por mais de um mês, neste hospital.

No pedido de indenização, ela alegou que ficou oitenta dias hospitalizada, sendo privada do convívio e da amamentação de sua filha. Argumentou também que, devido à saúde física debilitada, não pode trabalhar. O TJ-MG negou o pedido de indenização por lucros cessantes, já que a dona-de-casa não comprovou exercer qualquer atividade na época.

Leia a decisão

APELAÇÃO CÍVEL 1.0024.00.025451-6/001 – COMARCA DE BELO HORIZONTE – APELANTE(S): MATERNIDADE OCTAVIANO NEVES S/A – APELADO(A)(S): MÉRCIA CIMENE FERREIRA REZENDE – RELATOR: EXMO. SR. DES. GUILHERME LUCIANO BAETA NUNES

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a 18ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, EM DAR PROVIMENTO AO RECURSO.

DES. GUILHERME LUCIANO BAETA NUNES – Relator

NOTAS TAQUIGRÁFICAS

O SR. DES. GUILHERME LUCIANO BAETA NUNES:

VOTO

Trata-se de ação de indenização por danos materiais, morais e estéticos ajuizada por Mércia Cimene Ferreira Rezende em desfavor da Maternidade Octaviano Neves S.A., em decorrência de uma infecção hospitalar ocorrida após se submeter a parto realizado nas dependências da ré.

Alega a autora, em resumo, que a ré não se preveniu quanto à assepsia do ambiente hospitalar a fim de evitar a infecção; que em decorrência da moléstia ficou cerca de 84 dias hospitalizada, ficando privada do convívio e amamentação de sua filha; que houve debilitação de sua aparência física, além de prejuízos financeiros em virtude do período em que ficou impossibilitada de trabalhar.

Citada, a ré apresentou a contestação de f. 45-78, sustentando, em suma, ser uma entidade hospitalar de renome; que segue todas as normas e exigências feitas pelo Ministério da Saúde; que a ocorrência de infecções no hospital é mínima; que outras pacientes, operadas no mesmo dia da autora, não apresentaram qualquer infecção; que a responsabilidade pela infecção é exclusivamente da autora; que a bactéria causadora da infecção já se encontrava no corpo da paciente.

Laudo pericial às f. 451-466 e esclarecimentos às f. 504-505.

Após regular trâmite e instrução, culminou o feito na sentença de f. 563-578, pela qual o ilustre Juiz singular julgou parcialmente procedente o pedido, condenando a ré ao pagamento dos danos morais postulados pela autora, estipulados em R$18.000,00 (dezoito mil reais), e os materiais em R$281,63 (duzentos e oitenta e um reais e sessenta e três centavos), mais lucros cessantes a serem apurados em liquidação judicial, sem prejuízo da condenação da ré ao pagamento de 70% das custas processuais e honorários de advogado da autora, fixados em 20% (vinte por cento) sobre o valor total da indenização.

Recurso de apelação, pela ré, às f. 599-633, alegando, em suma, que a prova pericial produzida corrobora a contestação apresentada; que a doença apresentada pela autora foi decorrente de caso fortuito; que a autora foi vítima de bactérias que habitavam sua própria flora intestinal; que as fotos anexadas aos autos mostram o estado da autora quando a situação já estava agravada; que as fotos apenas mostram “escaras”, ferimentos causados pela longa permanência da ré no leito hospitalar; que o sentenciante menosprezou o laudo pericial, o qual não se mostra tendencioso e não pode ser desprezado; que o ilustre Juiz a quo, ao responsabilizar a apelante objetivamente pelo ocorrido, deixou de considerar a hipótese de afastamento da responsabilidade existente na espécie; que no presente caso a ocorrência de “caso fortuito” isenta a apelante de responsabilidade; que, conforme atesta a perita, a assistência ao parto foi adequada; que a indenização deve ser afastada diante da conclusão quanto à correta prestação do serviço; que a autora foi relapsa ao procurar sua médica no sétimo dia após o parto; que não existe na inicial pedido para condenação em indenização por lucros cessantes, tornando a sentença ultra petita; que, conforme o laudo pericial, à f. 454, a própria autora informou que interrompeu suas atividades de costureira, ao se casar em 1993.


Não houve oferecimento de contra-razões.

Preparo recursal à f. 634.

Recurso próprio, tempestivo e regularmente preparado.

Dele conheço.

Cuida-se de inconformismo da Maternidade Otaviano Neves S/A contra a sentença que julgou parcialmente procedente o pedido formulado na ação de indenização por danos morais e materiais, contra ela intentada por Mércia Cimene Ferreira Rezende.

A apelante procura se eximir da responsabilidade pelo evento danoso, alegando ter sido comprovado, inclusive por prova pericial, que a doença que acometeu a apelada, não foi resultante de ação ou omissão do Hospital, mas de caso fortuito. Ressaltou que a apelada foi vítima de bactérias que habitavam sua própria flora, e não de bactérias provenientes do ambiente hospitalar.

A autora foi submetida a parto em 31.08.1999, nas dependências da apelante, tendo recebido alta médica em 01.09.1999. Em 06.09.1999, a autora retornou à maternidade, queixando-se de fortes dores na região destinada aos pontos do períneo, ocasião em que constataram a ocorrência de uma infecção, sendo a autora submetida a uma cirurgia de remoção de abscesso. Já em 07.06.1999, em virtude do agravamento da infecção, a autora foi transferida para o CTI da Santa Casa de Belo Horizonte, onde permaneceu por 45 dias. Após este período, permaneceu, ainda, por mais 39 dias em tratamento em um apartamento naquele hospital.

Sustenta a apelante que ficou comprovado nos autos que a ocorrência da infecção na autora se deu em virtude de “caso fortuito”, porque a bactéria causadora da doença encontrava-se no próprio organismo dela.

Alega, ainda, que o douto Juiz a quo deixou de considerar o laudo pericial que confirma a tese de ocorrência de “caso fortuito”, deixando claro que a ré agiu de forma adequada ao assistir ao parto da autora.

Data venia, razão não lhe assiste.

Inicialmente, saliento que no presente caso, a teor dos art. 2º e 3º, § 2º, do Código de Defesa do Consumidor, tem-se uma verdadeira relação de consumo, uma vez que a Maternidade, ora apelante, caracteriza-se como autêntica prestadora de serviços, estando sua responsabilidade prevista no art. 14 do mesmo diploma legal, pelo que os fatos devem ser analisados à luz do Código Consumerista.

Dessa forma, para se eximir da responsabilidade judicial em virtude de dano decorrente de sua atividade, a ré-apelante deve comprovar que a ocorrência do evento danoso se deu em razão de caso fortuito, força maior ou culpa exclusiva do paciente ou terceiros, conforme estabelece o inciso II, do §3º, do art. 14 do CDC c/c art. 393 do Código Civil em vigor.

Neste sentido, o seguinte julgado:

“HOSPITAL – RESPONSABILIDADE OBJETIVA – REGRA RELATIVA – OBSERVÂNCIA DAS NORMAS DE PREVENÇÂO À INFECÇÃO HOSPITALAR – RESULTADO INSERIDO NOS RISCOS DO PROCEDIMENTO MÉDICO – RESPONSABILIDADE AFASTADA – INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 14, 1º, II DO CDC – A responsabilidade objetiva do prestador de serviços estabelecida no Código de Defesa do Consumidor, aplicável também nas relações entre paciente e hospital, não é regra absoluta, podendo ser afastada por prova que exclua a evitabilidade do dano, do dever de cuidado ao qual está obrigada a entidade hospitalar – inteligência do artigo 14, § 1º, II da Lei nº 8.078/90. – A atividade médica terapêutica é uma atividade de meios e não de fins. O mau resultado em tratamento médico de tal natureza, quando oriundo do risco provável e inevitável do procedimento, não pode ser atribuído ao médico ou ao hospital, sem que reste inequívoca a culpa comissiva ou omissiva dos mesmos”. (TAMG – Apelação Cível 2.0000.00.419473-0/000 – 8ª Câmara Cível – Rel. Des. Sebastião Pereira de Souza – DJ 11/02/2004).

Importante ressaltar que, diante da aplicação do Código Consumerista ao presente caso, conforme consignado, impõe-se a inversão do ônus da prova quanto à prestação de serviço hospitalar, cabendo à ré, ora apelante, comprovar de forma cabal a ocorrência de alguma hipótese de exclusão da responsabilidade pelo dano causado à autora.

Na espécie dos autos, a questão a ser dirimida refere-se, precisamente, à configuração, ou não, da excludente da responsabilidade da ré pelo dano sofrido pela autora, competindo-lhe o ônus de tal prova, à luz do art. 6º, VIII, do CDC.

Ernane Fidélis dos Santos, em artigo intitulado “Prova Civil – Princípios Gerais”, produzido para o Curso de Atualização à Distância em Processo Civil, patrocinado pela EJEF – Escola Judicial Desembargador Edésio Fernandes, em parceria com o IEC-PUC Minas, escreveu:

“Questão é a razão que se tornou duvidosa no processo.” (in Caderno de textos nº 1, p. 35)

Nesse mesmo trabalho, o ilustre processualista mineiro faz o seguinte comentário:

“Os critérios de julgamento não se revelam em forma de ficção da verdade, mas de simples conseqüência da própria dúvida, de forma tal que, no juízo cível, ela se interpreta contra quem tem o ônus de provar, enquanto que no criminal sempre a favor do acusado, qualquer que seja a natureza do fato duvidoso” (pág. 37).


Após analisar todo o extenso contexto probatório destes autos, enfatizando, principalmente, o laudo pericial de f. 451-466, vejo que a ré não atingiu seu objetivo de comprovar a ocorrência de “força maior” a eximir sua responsabilidade pelo dano causado à autora.

Referido laudo, embora aponte para a possibilidade de o dano ter decorrido de caso fortuito, ou seja, de que a infecção causada na autora ocorreu em virtude de uma bactéria existente em sua flora intestinal e que tal contaminação não se deu por descuido da ré, não é conclusivo neste sentido.

Saliento, contudo, que, ao contrário do que consignou o douto julgador a quo às f. 593-597, não vejo como tendencioso o laudo pericial apresentado. Ocorre, porém, que tenho como insuficientes as conclusões ali apontadas para eximir a apelante de sua responsabilidade pelo dano ocorrido.

Com efeito, conforme já observado, embora o laudo pericial aponte em vários momentos a possibilidade da lesão ter sido causada por bactéria integrante da “microflora” da paciente, ora apelada, em momento algum afirma de forma segura tal fato, apenas admitindo tal possibilidade.

Verifica-se, assim, daquele laudo pericial:

“16) Queiram os Srs. Peritos verificar e informar se a bactéria causadora da infecção cirúrgica que afetou a Autora foi “Staphylococus Aureus” e se esta bactéria tem como “habitat” o organismo da própria paciente;” (quesito formulado pela ré à f. 441)

“16) A bactéria “Staphylococus Aureus” – assim como outras bactérias indigentes (pertencentes à flora) – pode estar presente em infecções comuns, particularmente as de pele. Não foi encontrada nenhuma evidência de isolamento desta bactéria em anotações constantes da documentação examinada.”

E ainda:

“(3) A autora foi infectada por algum tipo de bactéria junto a Ré?” (quesito formulado pela autora à f. 435)”.

“3) A Avaliada, por relato e documentação, sustentou procedimento cirúrgico do tipo potencialmente contaminado, por ocasião do parto; não há documentação que permita afirmar cabalmente que foi ‘infectada por algum tipo de bactéria junto a Ré’. Há a possibilidade de tratar-se de infecção gerada por agentes integrantes da microflora da paciente”.

Ora, se a ilustre perita admite apenas “a possibilidade de tratar-se de infecção gerada por agentes integrantes da microflora da paciente”, não descarta a hipótese de que tal infecção tenha advindo de bactéria existente nas dependências da ré.

Assim, tendo em vista a ausência de provas suficientes à comprovação segura das alegações narradas pela ré, outro caminho não podia trilhar a sentença, senão o de procedência do pedido de indenização por dano moral, formulado pela autora.

Quanto à alegação de descabimento da indenização por lucros cessantes, assiste razão à recorrente.

Alega a recorrente que não existe na inicial pedido para condenação em indenização por lucros cessantes, tornando a sentença ultra petita, e que, conforme laudo pericial à f. 454, a própria autora informa que interrompeu suas atividades de costureira ao se casar no ano de 1993.

Embora exista na exordial o pedido para condenação ao ressarcimento dos “lucros cessantes”, para a concessão da indenização, exige-se que eles sejam efetivamente comprovados, o que não ocorreu no caso.

Com efeito, cumpria à autora, pelo menos como início de prova, trazer para os autos cópia de algum contrato de trabalho ou de prestação de serviço, recibo de entrega de alguma encomenda etc., ônus este do qual não se desincumbiu.

Com essas considerações, DOU PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO, apenas para excluir da condenação a indenização a título de lucros cessantes.

Tendo em vista a pequena modificação no julgado, ficam mantidos os ônus de sucumbência fixados pela sentença.

Custas recursais na proporção de 80% pela apelante e 20% pela apelada, observada, quanto a esta, a prerrogativa da Justiça Gratuita, nos ternos da Lei 1.060/50.

Votaram de acordo com o(a) Relator(a) os Desembargador(es): UNIAS SILVA e D. VIÇOSO RODRIGUES.

SÚMULA : DERAM PROVIMENTO AO RECURSO.

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS

APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0024.00.025451-6/00

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!