Dívida inexistente

Funcionários induzem cidadão a pagar o que não é devido

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27 de abril de 2007, 0h01

O sócio de uma empresa que está inativa há mais de cinco anos recebeu pelo correio um envelope expedido pela Justiça Federal, contendo cobrança de tributo que não foi pago pela empresa. A dívida existia mesmo, mas venceu em 1999 e a ação de execução só foi iniciada em 2005. O sócio em nenhum momento anterior havia sido citado na ação

Preocupado com a cobrança e a possibilidade de ter bens penhorados, o sócio dirigiu-se a uma repartição da Super-Receita, onde lhe forneceram guias para o pagamento e instruções sobre a possibilidade de parcelamento.

Ao consultar um advogado, o sócio foi informado de que a dívida estava prescrita, porque já se passaram mais de cinco anos desde a sua constituição quando teve início a execução. Ou seja, a dívida não existia mais, estava extinta pela prescrição.

A prescrição é norma de direito público e está definida no artigo 174 do Código Tributário Nacional. O artigo 156 desse código diz que a prescrição é uma das modalidades de extinção do crédito tributário. Isso significa que, ocorrida a prescrição, a dívida extingue-se, não pode mais ser cobrada.

Ocorre que a Lei Complementar 118, de 9 de fevereiro de 2005, alterou a redação do inciso I do artigo 174 do código, que anteriormente dizia que a prescrição se interrompia “pela citação pessoal feita ao devedor” e que, com a alteração, passou a dizer que a interrupção agora ocorre “pelo despacho do juiz que ordenar a citação em execução fiscal”.

Claro está que essa mudança não pode atingir as execuções distribuídas antes da vigência da Lei Complementar 118, cujo artigo 4º determina que ela deve vigorar somente a partir de 9 de junho de 2005, ou seja, 120 dias após sua publicação.

Pretendem alguns intérpretes que na questão da interrupção da prescrição a lei poderia ser retroativa, por ser “interpretativa”. Cabe aqui a lição do ministro Carlos Mário da Silva Veloso: “A questão deve ser posta assim: se a lei se diz interpretativa e nada acrescenta, nada inova, ela não vale nada. Se inova, ela vale como lei nova, sujeita ao princípio da irretroatividade. Se diz ela que retroage, incorre em inconstitucionalidade e, por isso, nada vale. Desta forma, não há falar, na ordem jurídica brasileira, em lei interpretativa com efeito retroativo”. (RTDP 15:13/23).

Esse entendimento é esposado pelo desembargador federal Sérgio Feltrion Corrêa, do TRF da 2ª Região, na obra coletiva Código Tributário Nacional Comentado, (Ed.Revista dos Tribunais, S.Paulo, 2006, 3ª. edição, pág 530).

O princípio da irretroatividade da lei é cláusula pétrea da nossa Constituição. E mais: permitir que alguém possa ser executado após estar a dívida prescrita por inércia do credor, além de ilegal é imoral.

A prescrição é matéria que pode e deve ser reconhecida de ofício pelo juiz. Desde 16 de fevereiro do ano passado, está em vigor a Lei 11.280 que, dando nova redação ao parágrafo 5º do artigo 219 do CPC determina que: “O juiz pronunciará, de ofício, a prescrição”.

Quando um juiz despacha uma execução deveria, como é óbvio, prestar atenção no que está assinado. Deve, de ofício, como manda a lei, verificar que ocorreu a prescrição. Mas, ao que parece, alguns juizes não examinam os autos. Apenas assinam aquilo que os seus subordinados colocam sobre a sua mesa. Isso, evidentemente, não é cumprir a lei. Cria injustiças, premiando a omissão do Executivo que permaneceu inerte por longos anos sem cobrar a dívida ativa.

Há casos de execuções que permanecem paradas durante mais de 20 anos!

A Constituição é muito clara no sentido de que todos são iguais perante a lei. No entanto, o cidadão comum não pode pleitear créditos prescritos contra o Estado, nem pode o trabalhador cobrar seus direitos do patrão uma vez esgotado o prazo prescricional.

A Lei Complementar 118, ao inovar a questão, é visivelmente inconstitucional, por ferir os princípios já mencionados. E a Lei das Execuções Fiscais, feita ao tempo da ditadura militar, já pretendeu que a interrupção da prescrição pudesse ocorrer com o despacho do juiz, no que foi considerada sem eficácia pelo Judiciário em várias decisões. Uma delas é a do Superior Tribunal de Justiça, nos seguintes termos:

“Execução Fiscal – Prescrição – Interrupção por despacho ordenatório – Inocorrência – Ausência de citação – Interrupção não configurada – Lei 6.830/80, art. 8º § 2º – CTN, art. 174, parágrafo único – Precedentes STJ – O despacho de juiz, ordenando a citação do executado, não tem o condão de interromper a prescrição, em processo de execução fiscal. Somente a citação do devedor produz o efeito de interromper prazo prescricional, em obediência às normas contidas na Lei 6.830/80, em harmonia com o art. 174, parágrafo único, do CTN. Recurso não conhecido.” (STJ, 2ª T., REsp 152.390/SP, rel. Min Francisco Peçanha Martins, v.u., j. 04.05.2000, DJU 12.06.2000,p. 90)

Isso revela que a administração pública tem sido omissa, negligente e irresponsável, pois não nomeou os procuradores em quantidade necessária para a cobrança da dívida ou não os fez trabalhar como deveriam. O Executivo preferiu, em lugar de nomear concursados, nomear apaniguados, inclusive criando ministérios ou lotando repartições e empresas estatais de protegidos. Enfim, qualquer que seja o partido, o Executivo sempre foi negligente e irresponsável com a cobrança da dívida ativa.

O funcionário público que orienta um cidadão a pagar dívida prescrita também está descumprindo a lei, pois o artigo 37 da Constituição exige que os seus atos observem a legalidade.

Devemos resistir a tal ação. Se nós, contribuintes, não podemos pedir restituição daquele imposto que pagamos em duplicidade há mais de cinco anos, se nós não conseguimos sequer receber os precatórios que nos são devidos e que esse bando de caloteiros que se dizem governantes não pagam, porque protegidos por uma legislação desonesta, aprovada a toque de caixa por legisladores que são verdadeiros capachos do Executivo, não é justo, não é moral, não é razoável, que sejamos idiotas e pagar dívidas que a lei já extinguiu.

Devemos impugnar todas essas cobranças, defendendo-nos até a última instância contra mais esse desrespeito à lei. Ninguém pode mais aceitar essa espoliação estatal. O Judiciário, quando ler nossas defesas ou exceções, certamente, não vai compactuar com tal iniqüidade.

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