Defesa da Justiça trabalhista

Cada profissional que cuide de sua área de competência

Autor

  • Marcos Neves Fava

    é juiz do Trabalho Substituto na 2ª Região mestre em direito do trabalho pela USP diretor de Direitos e Prerrogativas da Anamatra — Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho — para o biênio 2005-07.

27 de abril de 2007, 0h01

Especialista em gírias futebolísticas e em análise esportiva, o jornalista Roberto Porto, no site Direto da Redação (www.diretodaredacao.com), abandonando os campos em que normalmente joga, arvorou-se em analisar o funcionamento da Justiça do Trabalho. Deixando de lado o jogo que ele conhece, deu, como se verá, muitas “caneladas”, atuando como um verdadeiro perna-de-pau. Três são os argumentos usados pelo atacante.

Critica, inicialmente, a legislação trabalhista, identificando-a como caduca, inútil e, na prática, inexistente. Contrariam-no os índices e as pesquisas. Segundo as notícias oficiais[1], as vagas ocupadas com “carteira assinada” sobem, mensalmente, à razão variável de 0,5% a 0,92%, nos meses iniciais de 2007. A vetusta CTPS, criada pelo pai dos pobres, o presidente Getúlio Vargas, e que coloca o cidadão dentro da malha de proteção social, já atinge metade da população ocupada.

Os direitos que daí advém garantem acesso à cidadania. Que há quem contrate sem “carteira assinada”, bem sabem os operadores do Direito do Trabalho, mas é esta a luta, de ampliação dos sistemas institucionais de proteção ao trabalho decente, luta, aliás, não brasileira, mas internacional[2].

Sabem-no os fiscais do trabalho. Sabem-no os juízes do trabalho. Sabem-nos os procuradores do trabalho. Os jornalistas esportivos, podem até saber, mas o “perneta” desconsiderou esta informação.

Veja-se, por exemplo, a guerra que se formou em torno do projeto de lei da Super Receita, com a tal “Emenda 3”, que acabou revogada – felizmente – pelo presidente Lula. Há uma batalha campal, a céu aberto, para que o trabalho disponível seja, sempre e cada vez mais, trabalho não precarizado. Trabalho decente. Até mesmo o trabalho dos jornalistas esportivos

Esta é a partida que os defensores do direito social jogam contra a “pejotização”, fenômeno moderno de informalidade fingida das relações de trabalho. Chutando, depois e de novo, bem longe do gol, o articulista ataca a inutilidade dos direitos trabalhistas. “Prá fora”! — gritaria o locutor. O acesso à Previdência Social, a garantia de proteção à saúde e medicina do trabalho, o controle de jornada diária de trabalho, as férias, o descanso semanal remunerados estão milhas distantes de serem “direitos inúteis”. Revelam, pelo contrário, sistema básico de tutela do trabalho do homem, um valor constitucional.

Finalmente, num “carrinho” desleal e violento, o jornalista ataca a Justiça do Trabalho. Aí, então, falou, como um comentarista esportivo descreveria um simpósio de física quântica. Chamou a Justiça do Trabalho de ineficaz, preguiçosa e morosa.

Pênalti!

Dos ramos do Poder Judiciário, a Justiça resolve mais processos em menor tempo do que quaisquer outros. Apresenta altíssimo grau de efetividade na execução de suas sentenças. Faz gols diários, repondo patrimônio e corrigindo ilegalidades e injustiças praticadas contra os trabalhadores. Alguns números[3]: em 2006, o Tribunal Superior do Trabalho (24 ministros), julgou 135.000 processos; os Tribunais Regionais do Trabalho receberam 534.809 processos e solucionaram 531.758 (média de 22.000 por Tribunal Regional); e, finalmente, as varas do trabalho do Brasil, receberam 1.757.966 e julgaram 1.692.825 – e são 2.259 juízes no país, ou seja, cerca de 700 processos por juiz, um número que não se repete, em outras partes do mundo.

Em São Paulo, um dos mais movimentados Tribunais do Trabalho do país, diariamente, só na capital, ocorrem cerca de 1200 audiências trabalhistas por dia útil. Chega de números. Não se enxerga, neste volume de trabalho, nem preguiça, nem morosidade.

A ignorância técnica do comentarista esportivo impede que ele possa avaliar o que significa sua grave acusação de que a Justiça é “parcial”. Na linguagem que ele conhece, seriam os juízes “gaveteiros”. Neste espaço, basta dizer que ele é, no mínimo, desinformado. É técnico de xadrez, montando esquema tático da equipe de nado sincronizado.

Por enquanto, “fecha-se esta cortina e termina o espetáculo”, como diria o saudoso locutor Fiori Giglioti, porque o escrivinhador destas linhas é juiz do Trabalho e precisa dar conta de uma pilha de processos, como faz diariamente, sem folgas nem mesmo para apreciar os jogos de seu time do coração, nos finais de semana.

Cada profissional que cuide de sua área de competência profissional, evitando-se bolas fora, furos e bicadas para o alto. Assim, o “pé-torto” que escreveu o artigo “injustiça do trabalho” pouparia a “galera” de acompanhar a sofrida “pelada” que ele narrou.

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Marcos Neves Fava é Juiz do Trabalho da 2ª região, professor universitário e diretor de direitos e prerrogativas da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra).

Imprensa <[email protected]>


[1] Disponível em http://www.agenciabrasil.gov.br/noticias/2007/03/27/materia.2007-03-27.8934781170/view.

[2] A Organização Internacional do Trabalho, nas últimas décadas, vem lutando firmemente pela valorização das condições de trabalho, não apenas pela empregabilidade, independentemente do caráter da contratação.

[3] Todos disponíveis em www.tst.gov.br, no link estatísticas”.

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    é juiz do Trabalho Substituto na 2ª Região, mestre em direito do trabalho pela USP, diretor de Direitos e Prerrogativas da Anamatra — Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho — para o biênio 2005-07.

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