Vontade da minoria

Leia o voto de Celso de Mello sobre a CPI do Apagão Aéreo

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26 de abril de 2007, 12h29

O princípio da separação dos poderes não pode ser usado para estabelecer um círculo de imunidade insuscetível de revisão judicial. A consideração é do ministro Celso de Mello, relator do pedido de Mandado de Segurança que autorizou a instalação da CPI do Apagão Aéreo.

“Para que o direito das minorias seja preservado, como convém a qualquer regime político fundado em bases democráticas, e também para evitar que os grupos minoritários, abusando dessa valiosa prerrogativa institucional, façam instaurar, de modo ilegítimo, inquéritos parlamentares cuja criação descumpra as exigências constitucionais, impõe-se submeter o conflito decorrente do estado de tensão dialética entre os direitos da minoria e os dos grupos majoritários ao exame do Poder Judiciário, pois tal litígio — embora impregnado de elevado componente político — reveste-se de qualificação constitucional, considerados os princípios e os direitos em situação de antagonismo”, afirmou o ministro no voto.

A decisão foi tomada, na quarta-feira (25/4), pelo Plenário do STF. “Não há nada que impeça, em situações como esta, que o STF venha exercer o poder que a lei lhe impõe, quando devidamente provocado”, afirmou Celso de Mello. Segundo ele, “a prerrogativa institucional de investigar — deferida às Casas do Congresso Nacional (especialmente aos grupos minoritários que nelas atuam) — não pode ser comprometida pelo bloco majoritário existente no Parlamento”.

Conforme indicou a revista Consultor Jurídico, o ministro reafirmou que a Constituição Federal assegura à minoria parlamentar o direito de fiscalizar, se opor e promover inquérito quando for essencial ao Estado Democrático. “O Poder Judiciário tem jurisdição para resolver questões políticas, sempre que houver abuso legislativo”, disse.

Para Celso de Mello, a relevância do caso impõe reconhecer que existe um estatuto constitucional para garantir o direito da minoria parlamentar. "O STF tem consciência de que precisa garantir a efetiva prestação jurisdicional do direito de oposição. A Corte deve sempre fiscalizar e corrigir omissões legislativas. Ao assim proceder, não se vulnera ao princípio da separação dos poderes."

“Os grupos majoritários, muitas vezes apoiando-se em interpretações de mera conveniência político-partidária, não podem desrespeitar o direito que, em tema de investigação parlamentar, assiste, constitucionalmente, aos membros do Legislativo, notadamente aos que compõem os grupos minoritários que nele atuam, observadas, para esse efeito, as exigências do artigo 58, parágrafo 3º, da Constituição”, considerou o relator.

Leia o voto

25/04/2007

TRIBUNAL PLENO

MANDADO DE SEGURANÇA 26.441-1 DISTRITO FEDERAL

RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO

IMPETRANTE(S): ANTÔNIO CARLOS PANNUNZIO E OUTRO(A/S)

ADVOGADO(A/S): AFONSO ASSIS RIBEIRO E OUTRO(A/S)

IMPETRANTE(S): FERNANDO CORUJA

ADVOGADO(A/S): JOSÉ VIGILATO DA CUNHA NETO

IMPETRANTE(S): ONYX LORENZONI

ADVOGADO(A/S): THIAGO FERNANDES BOVERIO E OUTRO(A/S)

IMPETRADO(A/S): MESA DA CÂMARA DOS DEPUTADOS

IMPETRADO(A/S): PRESIDENTE DA CÂMARA DOS DEPUTADOS

LITISCONSORTE(S) PASSIVO(A/S): LUIZ SÉRGIO NÓBREGA DE OLIVEIRA

ADVOGADO(A/S): ALBERTO MOREIRA RODRIGUES E OUTRO

R E L A T Ó R I O

O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO – (Relator): Trata-se de mandado de segurança impetrado, em 12/03/2007, contra a Presidência da Câmara dos Deputados (fls. 02), pelo fato de esta haver admitido o processamento de recurso interposto pelo Senhor Líder do Partido dos Trabalhadores contra decisão denegatória de questão de ordem que referido líder partidário havia suscitado em face “do deferimento, pela Mesa, de requerimento de instalação de Comissão Parlamentar de Inquérito destinada a investigar as causas, conseqüências e responsáveis pela crise do sistema de tráfego aéreo brasileiro, desencadeada após o acidente aéreo ocorrido no dia 29 de setembro de 2006, envolvendo um Boeing 737-800, da Gol (vôo 1907), e um jato Legacy, da American ExcelAire, com mais de uma centena de vítimas (…)” (fls. 13v.grifei).


Os ora impetrantes, todos Deputados Federais, sustentam que o processamento – que reputam incabível – de mencionado recurso (Recurso nº 14/2007 – fls. 17), interposto contra o indeferimento, pelo Senhor Presidente da Câmara dos Deputados, da questão de ordem (Questão de Ordem nº 31/2007 – fls. 13v.) suscitada pelo Senhor Líder do Partido dos Trabalhadores (PT), terá, como conseqüência imediata e previsível, a própria extinção da investigação parlamentar objeto do Requerimento de instituição de CPI (RCP) nº 01/2007 (fls. 17v./19), considerada a preponderância do grupo majoritário no Plenário dessa Casa legislativa, fato esse que efetivamente veio a ocorrer na Sessão de 21/03/2007, quandosegundo esclarece o Senhor Presidente da Câmara dos Deputados em suas informações (fls. 162/163) – “o Plenário da Câmara dos Deputados (…) aprovou o Recurso, por 308 votos favoráveis, contra 141 desfavoráveis, (…) dando razão ao autor da Questão de Ordem” (grifei).

Os autores do mencionado Requerimento nº 01/2007, entre os quais figuram os ora impetrantes, invocando o art. 58, § 3º, da Constituição da República, solicitarama instituição de Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar as causas, conseqüências e responsáveis pela crise do sistema de tráfego aéreo brasileiro, chamada de ‘apagão aéreo’, desencadeada após o acidente aéreo ocorrido no dia 29 de setembro de 2006 envolvendo um Boeing 737-800, da Gol (Vôo 1907), e um jato Legacy, da American ExcelAire, com mais de uma centena de vítimas” (fls. 17v.).

A E. Presidência da Câmara dos Deputados, declarando preenchidos os requisitos necessários à instauração do pretendido inquérito parlamentar, reconheceu formalmente criada a mencionada CPI, mediante Ato que possui o seguinte conteúdo (fls. 25v.):

Ato da Presidência.

Satisfeitos os requisitos do art. 35, ‘caput’, e § 1º do Regimento Interno, para o requerimento de instituição de CPI nº 1, de 2007, do Sr. Vanderlei Macris e outros, esta Presidência dá conhecimento ao Plenário da criação da Comissão Parlamentar de Inquérito destinada a investigar as causas, conseqüências e responsáveis pela crise do Sistema de Tráfego Aéreo Brasileiro, desencadeada após o acidente aéreo ocorrido no dia 29 de setembro de 2006, envolvendo um Boeing 737-800, da Gol, vôo 1907, e um jato Legacy, da American ExcelAire, com mais de uma centena de vítimas.

A Comissão será composta de 23 membros titulares e de igual número de suplentes, mais um titular e um suplente, atendendo ao rodízio entre as bancadas não contempladas, designados de acordo com os §§ 1º e 2º do art. 33 do Regimento Interno. (…).” (grifei)

O Senhor Líder do Partido dos Trabalhadores, no entanto, por entender não satisfeitas as exigências concernentes ao fato determinado, à indicação do número de membros da referida Comissão (composição numérica) e à estipulação de prazo certo (temporariedade), discordou do Requerimento subscrito pela minoria (RCP nº 01/2007) – e do Ato da Presidência que o acolheu -, suscitando, em conseqüência, a já mencionada questão de ordem, que foi indeferida pelo Senhor Presidente da Câmara dos Deputados, em decisão na qual Sua Excelência reconheceu presentes, uma vez mais, os requisitos constitucionais necessários à criação da CPI em causa (fls. 27/28).


A decisão da Presidência da Câmara dos Deputados que indeferiu essa questão de ordem sofreu a interposição de recurso por parte do Senhor Líder do Partido dos Trabalhadores, ora litisconsorte passivo necessário, que conseguiu, do Plenário, nos termos do art. 95, § 9º, do Regimento Interno da Câmara Federal, fosse atribuída eficácia suspensiva à referida impugnação recursal, do que resultou a paralisação dos efeitos que ordinariamente emanariam do ato declaratório de criação da CPI em causa.

O Plenário da Câmara dos Deputados, na Sessão de 21/03/2007, veio a acolher, por 308 votos contra 141, o Recurso nº 14/2007, interposto pelo Senhor Líder do Partido dos Trabalhadores, invalidando, em conseqüência, por efeito dessa deliberação majoritária (fls. 352), o Ato da Presidência que havia declarado a criação da CPI objeto do Requerimento nº 01/2007, subscrito pela minoria parlamentar.

O Senhor Presidente da Câmara dos Deputados, em suas informações, e sob a alegação de que(…) o caso em tela, do requerimento para instalação da Comissão de Inquérito para investigar a situação do tráfego aéreo, guarda estreita correlação com o precedente havido em 1996, no Senado Federal, com a chamada CPI dos Bancos” (fls. 165), sustenta a impossibilidade de se conhecer do presente mandado de segurança, por vislumbrar a ocorrência, neste processo, de controvérsia meramente regimental, à semelhança do que se registrou no precedente por ele expressamente invocado.

A eminente autoridade apontada como coatora, nessas mesmas informações (fls. 158/169), também justificou a legitimidade do cabimento e processamento do recurso interposto pelo Senhor Líder do Partido dos Trabalhadores (Recurso nº 14/2007), enfatizando, a esse propósito, que procedeu corretamente ao admitir o recurso em causa, pois, segundo afirmou, “Não poderia (…), a Presidência, em hipótese alguma, deixar de receber o recurso e de colocar o pedido de efeito suspensivo em votação, sob pena de, aí sim, cometer ato ilegal, desrespeitando direito garantido ao parlamentar” (fls. 168).

O Senhor Presidente da Câmara dos Deputados, ao justificar a validade jurídica do ato que ordenou o processamento do recurso em questão – e de cujo acolhimento resultou, por deliberação majoritária da Câmara Federal, a invalidação do ato declaratório de criação da CPI em questão -, assim se manifestou (fls. 166/169):

Ao examinar o Requerimento nº 1, de 2007, (…) esta Presidência resolveu por acatá-lo, embora contivesse a mesma omissão de requisito regimental, no caso a definição do número de membros da Comissão.

……………………………………………

Apesar da omissão supracitada, esta Presidência achou por bem, em uma decisão interpretativa do Regimento Interno, acatar o requerimento, suprindo tal omissão, conforme acima explicitado na decisão da questão de ordem do Deputado Luiz Sérgio, e trazendo conhecimento de tal decisão ao Plenário.


……………………………………………

Finalmente, embora tendo admitido a CPI, tanto que anunciei o Ato de criação, permito-me discorrer sobre a tese, invocada na inicial, do direito de minoria.

Ninguém nega que a criação desse tipo de comissão é um direito de minoria, mas também é inegável, conforme já mencionado anteriormente, que tal direito não é absoluto e imune a regras e formalidades. Qualquer minoria para exercer seus direitos – que serão, diga-se de passagem, sempre reconhecidos pela Presidência desta Casa – deve, sim, submeter-se a regras procedimentais, desde que, obviamente, tais normas não colidam com mandamentos constitucionais.

Vemos, nesse sentido, que mesmo remédios constitucionais, como o mandado de segurança e a ação popular por exemplo, possuem em sua regulamentação infraconstitucional requisitos, formalidades e até limitações temporais não previstas na Lei Maior, mas que já foram consideradas pelo Supremo Tribunal Federal como compatíveis com o exercício de tais garantias constitucionais.

Daí porque ter acolhido a Questão de Ordem, para, no mérito, indeferi-la, e em seguida receber o Recurso, que, conforme já mencionado anteriormente, foi provido em Plenário pelo voto de 308 Deputados.

Assim, repito, o juízo de admissibilidade acerca da existência dos requisitos constitucionais e regimentais inerentes à espécie foi exercido pelo Plenário da Câmara dos Deputados, instância máxima desta Casa Legislativa.

Em face do exposto, entendo ter esta Presidência agido dentro dos mais estritos trâmites constitucionais e regimentais atinentes à matéria, seja quanto ao recebimento do requerimento de criação de CPI, seja quanto ao conhecimento da questão de ordem, do recurso a ele apresentado e de sua submissão ao Plenário.

Entendo, pois, Senhor Ministro, que os procedimentos adotados pela Câmara dos Deputados foram absolutamente corretos.” (grifei)

Deferi o pedido de medida cautelar formulado pelos ora impetrantes (fls. 287/309) e, em conseqüência, determinei, cautelarmente, até o julgamento final do presente mandado de segurança, o desarquivamento do Requerimento nº 01/2007, de criação da CPI do tráfego aéreo, subscrito pela minoria parlamentar.

Em virtude dessa decisão (fls. 287/309), paralisaram-se, provisoriamente, os efeitos da deliberação plenária da Câmara dos Deputados proferida na Sessão Extraordinária de 21/03/2007, impedindo-se, desse modo, até final decisão do Supremo Tribunal Federal, que se tornassem irreversíveis as conseqüências resultantes da desconstituição do Ato da Presidência dessa Casa do Congresso Nacional que havia reconhecido a criação de mencionada CPI.

Determinei fosse citado, na condição de litisconsorte passivo necessário, o Senhor Líder do Partido dos Trabalhadores, o Deputado Luiz Sérgio Nóbrega de Oliveira, considerada a relevantíssima circunstância de que foi ele quem se insurgiu, formalmente, contra o ato de criação, na Câmara dos Deputados, da CPI objeto do Requerimento nº 01/2007, seja suscitando questão de ordem, seja recorrendo, para o Plenário, da decisão que a indeferiu.

O litisconsorte passivo necessário – que interveio, espontaneamente, nestes autos (fls. 321/346) – sustentou, preliminarmente, a impossibilidade de se conhecer destewrit” mandamental, alegando, para tanto, em síntese, (a) perda do objeto desta ação, tendo em vista que, no julgamento do recurso pelo Plenário da Câmara dos Deputados, a minoria parlamentar não conseguiu ratificaro número mínimo de subscritores exigido pelo texto constitucional” (fls. 341), eis que, “(…) das 211 (duzentos e onze) assinaturas iniciais apostas ao Requerimento n° 01/2007, apenas 141 Deputados mantiveram sua convicção e ratificaram, no momento processual e regimental oportuno, ou seja, na votação em Plenário do Recurso n° 14/2007 em 21.03.07, o entendimento acerca do cumprimento dos requisitos constitucionais do citado Requerimento” (fls. 342); (b) inexistência de liquidez dos pressupostos fáticos em que se apóia a pretensão mandamental deduzida pelos impetrantes (fls. 342/345); (c) impossibilidade constitucional de o Supremo Tribunal Federal apreciar a controvérsia veiculada nesta causa, eis que, nela, segundo enfatizado pelo Senhor Líder do PT, discutem-se questões de caráter preponderantemente regimental, impregnadas de natureza “interna corporis” (fls. 342/345).


Quanto ao mérito do presente mandado de segurança, o Senhor Líder do Partido dos Trabalhadores manifestou-se por sua denegação, afirmando, de um lado, o plenocabimento do recurso”, ao Plenário da Câmara dos Deputados, contra o indeferimento de questão de ordem por ele suscitada, na qual impugnava o ato de criação da CPI, por alegada ausência dos requisitos que lhe são inerentes (fls. 324/328), e sustentando, de outro, a “inadmissibilidade do Requerimento nº 01/2007”, subscrito pela minoria parlamentar, em virtude da suposta falta de indicação, nele, de fato determinado, cuja menção é necessária para legitimar qualquer investigação legislativa.

O litisconsorte passivo necessário também alega que a criação da CPI em questão, por iniciativa da minoria parlamentar, não observou, em sua instituição, as exigências pertinentes à temporariedade e à indicação do número de membros integrantes de mencionada Comissão Parlamentar de Inquérito (fls. 328/341).

O eminente Senhor Procurador-Geral da República, Dr. ANTONIO FERNANDO BARROS E SILVA DE SOUZA, por sua vez, ao se manifestar nestes autos, opinou pela concessão do presente mandado de segurança (fls. 432/440), fazendo-o em parecer que está assim ementado (fls. 432):

MANDADO DE SEGURANÇA. REQUERIMENTO DE CRIAÇÃO DE CPI DEFERIDO PELO PRESIDENTE DA CÂMARA DOS DEPUTADOS. DECISÃO QUE NÃO COMPORTA IMPUGNAÇÃO PERANTE A PRÓPRIA CASA LEGISLATIVA. DIREITO LÍQUIDO E CERTO, DE NATUREZA CONSTITUCIONAL, DA MINORIA PARLAMENTAR DE VER CRIADA E INSTALADA COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO REGULARMENTE REQUERIDA. ILEGALIDADE DA DELIBERAÇÃO ADOTADA PELA MAIORIA NA APRECIAÇÃO DE RECURSO EM QUESTÃO DE ORDEM QUE AFASTOU A EFICÁCIA DO ATO DO PRESIDENTE DA CÂMARA DOS DEPUTADOS. O RESTABELECIMENTO DA EFICÁCIA DA DECISÃO DO PRESIDENTE TORNA IMPERTINENTE O EXAME DA PRESENÇA DOS REQUISITOS CONSTITUCIONAIS, VISTO QUE A VALIDADE DA REFERIDA DECISÃO NÃO ESTÁ INSERIDA NA ‘RES IN IUDICIO DEDUCTA’. PARECER PELA CONCESSÃO DA SEGURANÇA.” (grifei)

É o relatório.

V O T O

(s/ questões prévias)

O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO – (Relator): Como anteriormente mencionado no Relatório, o presente mandado de segurança foi impetrado, em 12/03/2007, contra a Presidência da Câmara dos Deputados (fls. 02), pelo fato de esta haver admitido o processamento de recurso que o Senhor Líder do Partido dos Trabalhadores interpôs contra decisão denegatória de questão de ordem por ele próprio suscitada em face “do deferimento, pela Mesa, de requerimento de instalação de Comissão Parlamentar de Inquérito destinada a investigar as causas, conseqüências e responsáveis pela crise do sistema de tráfego aéreo brasileiro, desencadeada após o acidente aéreo ocorrido no dia 29 de setembro de 2006, envolvendo um Boeing 737-800, da Gol (vôo 1907,) e um jato Legacy, da American ExcelAire, com mais de uma centena de vítimas (…)” (fls. 13v. – grifei).

Os ora impetrantes – depois de questionarem a admissibilidade e o processamento do recurso em causa – sustentam, na presente sede mandamental, que o provimento, pelo Plenário da Câmara dos Deputados, de mencionado recurso terá, como conseqüência inevitável, a extinção da própria investigação parlamentar objeto do Requerimento de instituição de CPI (RCP) nº 01/2007 (fls. 17v./19), fato esse que efetivamente veio a ocorrer, como é notório, na Sessão de 21/03/2007, quandosegundo esclareceu o Senhor Presidente da Câmara dos Deputados em suas informações (fls. 162/163) – “o Plenário da Câmara dos Deputados (…) aprovou o Recurso, por 308 votos favoráveis, contra 141 desfavoráveis, (…) dando razão ao autor da Questão de Ordem” (grifei).


O Senhor Líder do Partido dos Trabalhadores, ao se manifestar na condição de litisconsorte passivo necessário (fls. 321/346), formulou questões prévias, cujo exame se impõe, desde logo, eis que o eventual acolhimento de qualquer delas poderá impedir o pleno exercício, por este Supremo Tribunal, de sua jurisdição constitucional, inibindo-o, em conseqüência, de apreciar o próprio fundo da controvérsia ora suscitada nesta sede processual.

Com efeito, ao produzir a sua contestação ao presente mandado de segurança, o litisconsorte passivo necessário sustentou a impossibilidade de se conhecer destewrit” mandamental, alegando, em síntese, (a) perda do objeto desta ação, tendo em vista que, no julgamento do recurso pelo Plenário da Câmara dos Deputados, a minoria parlamentar não conseguiu ratificaro número mínimo de subscritores exigido pelo texto constitucional” (fls. 341), eis que, “(…) das 211 (duzentos e onze) assinaturas iniciais apostas ao Requerimento n° 01/2007, apenas 141 Deputados mantiveram sua convicção e ratificaram, no momento processual e regimental oportuno, ou seja, na votação em Plenário do Recurso n° 14/2007 em 21.03.07, o entendimento acerca do cumprimento dos requisitos constitucionais do citado Requerimento” (fls. 342); (b) inexistência de liquidez dos pressupostos fáticos em que se apóia a pretensão mandamental deduzida pelos impetrantes (fls. 342/345); e (c) impossibilidade constitucional de o Supremo Tribunal Federal apreciar a controvérsia veiculada nesta causa, eis que, nela, segundo enfatizado pelo Senhor Líder do PT, discutem-se questões de caráter meramente regimental, impregnadas de natureza “interna corporis” (fls. 342/345).

Passo a apreciar, desse modo, a primeira questão preliminar suscitada pelo litisconsorte passivo necessário, referente à alegada ocorrência, na espécie, de situação configuradora de prejudicialidade deste mandado de segurança, tendo em vista o resultado do julgamento, que, emanado do Plenário da Câmara dos Deputados, culminou por acolher o recurso interposto pelo Senhor Líder do Partido dos Trabalhadores (Recurso nº 14/2007).

Ao justificar o pretendido reconhecimento da situação de prejudicialidade, o Senhor Líder do Partido dos Trabalhadores apoiou-se nas seguintes razões (fls. 341/342):

Cobra relevo destacar que o Requerimento n° 01/2007 e o próprio Mandado de Segurança ora em trâmite nesse Colendo Supremo Tribunal Federal, perderam seu objeto, diante da ausência de ratificação de seu conteúdo pelo número mínimo de 1/3 de parlamentares da Câmara dos Deputados.

Com efeito, após intensos e exaustivos debates junto à Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania e também no Plenário da Câmara dos Deputados, o Recurso n° 14/2007 foi acolhido pela CCJC e ratificado, em 21.03.07, por 308 Deputados em Sessão Plenária, ao passo que, na mesma assentada, apenas 141 Deputados ratificaram o Requerimento n° 01/2007, que se contrapunha ao Recurso regimental, conforme demonstram os documentos em anexo.

Significa afirmar que, não obstante tenha o citado Requerimento atingido, inicialmente, o número mínimo de subscritores exigido pelo texto constitucional, tal circunstância não restou ratificada na votação ocorrida no Plenário da Câmara dos Deputados no dia 21.03.07, o que demonstra, de forma cristalina, a compreensão da maioria absoluta dos Parlamentares de que o ato formal de solicitação de criação da CPI, ou seja, o Requerimento n° 01/2007, não observava, como de fato não atende, aos requisitos constitucionais objetivos.


Nessa perspectiva, é de se concluir que o próprio Mandado de Segurança n° 26.441-1, cuja fundamentação decorre integralmente da então vigência e atendimento parcial dos requisitos constitucionais do Requerimento n° 01/2007, perdeu seu objeto, na medida em que subtraído, dessa realidade, além dos requisitos objetivos do fato determinado e da temporariedade, o cumprimento do requisito constitucional de subscrição do pedido por no mínimo 1/3 dos Deputados Federais.

Em outras palavras, das 211 (duzentos e onze) assinaturas iniciais apostas ao Requerimento n° 01/2007, apenas 141 Deputados mantiveram sua convicção e ratificaram, no momento processual e regimental oportuno, ou seja, na votação em Plenário do Recurso n° 14/2007 em 21.03.07, o entendimento acerca do cumprimento dos requisitos constitucionais do citado Requerimento.

Tem-se bastante claro, dessa forma, que ocorreu o completo esvaziamento dos paradigmas legais que davam sustentação ao Requerimento n° 01/2007 e, nessa perspectiva, não há mais qualquer sustentabilidade constitucional ou regimental de sua regular tramitação, emergindo, por essa razão, a sua total prejudicialidade e, nessa quadra, a perda de seu objeto, o que desde já se requer.” (grifei)

Entendo, tal como tive o ensejo de ressaltar na decisão concessiva da medida cautelar, que não se registra, na espécie, a alegada situação de prejudicialidade do presente “writ” mandamental, não obstante o respeitável pronunciamento emanado do E. Plenário da Câmara dos Deputados, que, ao dar provimento ao recurso (Recurso nº 14/2007) interposto pelo Senhor Líder do Partido dos Trabalhadores, invalidou o ato da Presidência da Câmara dos Deputados que havia formalmente reconhecido a criação da CPI objeto do Requerimento nº 01/2007.

Cumpre assinalar, desde logo, que os impetrantes, ao ajuizarem esta ação mandamental, não se limitaram a questionar o processamento do Recurso nº 14/2007, nem a impugnar o encaminhamento desse pleito recursal à Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados.

Ao contrário, a impugnação mandamental em causa veiculou pretensão objetivamente mais abrangente, impregnada de amplo conteúdo material, pois nela se busca – considerada a extensão do pedido – a concessão do mandado de segurança, para que sejam determinados o “funcionamento e a instalação da Comissão Parlamentar de Inquérito requerida, anulando-se todos os atos praticados com a finalidade de postergar ou obstar a investigação parlamentar sobre ‘as causas, conseqüências e responsáveis pela crise do sistema de tráfego aéreo brasileiro, chamada de ‘apagão aéreo’, desencadeada após o acidente aéreo ocorrido no dia 29 de setembro de 2006, envolvendo um Boeing 737-800, da Gol (Vôo 1907), e um jato Legacy, da American ExcelAire, com mais de uma centena de vítimas’” (fls. 11 – grifei).

Vê-se, portanto, em face dos termos da própria petição inicial consubstanciadora do presente mandado de segurança (fls. 11), que a postulação deduzida pela parte impetrante visa a remover, desconstituindo-os, “todos os atos praticados com a finalidade de postergar ou obstar a investigação parlamentar” em referência, não importando que se trate de atos decisórios da Presidência da Câmara dos Deputados, ou de manifestações opinativas de sua Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, ou, ainda, de deliberações colegiadas proferidas pelo Plenário dessa Casa Legislativa.


Torna-se evidente, pois, examinada a questão na perspectiva do pleito expressamente formulado pelos ora impetrantes (fls. 11), que a decisão do Plenário da Câmara dos Deputados – que importou em extinção anômala e liminar do inquérito legislativo pretendido pela minoria – constitui, ela mesma, na efetiva concreção de seu alcance, um daqueles atos promovidos pelos grupos majoritárioscom a finalidade de postergar ou obstar a investigação parlamentar” em causa e cuja prática se busca impedir com o presente mandado de segurança.

Tenho para mim, desse modo, que o julgamento plenário, pela Câmara dos Deputados, do Recurso nº 14/2007, interposto pelo Senhor Líder do PT, longe de caracterizar situação configuradora de prejudicialidade da presente impetração, confere, ao contrário, mais ênfase (e vigor) à tese, sustentada pelos impetrantes, de que a utilização desse recurso regimental poderia frustrar a investigação parlamentar, fazendo preponderar, na matéria, não a vontade da minoria (como quer a Constituição da República), mas, sim, o princípio majoritário.

Não foi por outra razão, Senhora Presidente, que o eminente Procurador-Geral da República, ao manifestar-se contrariamente ao pleito de prejudicialidade formulado pelo litisconsorte passivo necessário, deduziu, no ponto, as seguintes razões (fls. 436):

O julgamento pelo plenário da Câmara dos Deputados do recurso cuja interposição e atribuição de efeito suspensivo acabou por impedir a instalação da comissão de inquérito em questão não tem o condão de prejudicar o conhecimento do presente ‘writ’.

A situação descrita nos autos é a seguinte: há requerimento de criação de CPI que foi deferido pelo Presidente da Câmara dos Deputados, por entender presentes os requisitos constitucionais, mas que não resultou na efetiva constituição da Comissão em razão da apresentação de questão de ordem e da existência de recurso ao plenário, circunstância que motivou o pedido dos impetrantes no sentido da determinação de funcionamento e instalação da CPI requerida, ‘anulando-se todos os atos praticados com a finalidade de postergar ou obstar a investigação parlamentar’ em questão.

Os impetrantes deduziram pretensão adequada à obtenção de tutela ao direito de ver instaurada a comissão parlamentar de inquérito requerida, sendo certo dizer, por essa razão, que, além de subsistir o seu interesse no julgamento do feito (porque não prejudicado), a apreciação em plenário do recurso em questão, com a desconstituição da decisão favorável à criação da CPI, confere, em verdade e como também já ressaltado pelo Ministro Relator, maior legitimidade à tese dos impetrantes de que a admissibilidade de impugnação, no âmbito da própria Casa Legislativa, contra ato de criação de CPI importa em desrespeitar o propósito do constituinte de privilegiar, para a provocação inicial da atuação fiscalizatória legislativa, a minoria parlamentar.” (grifei)

De outro lado, entendo que se revela inacolhível o fundamento deduzido pelo litisconsorte passivo necessário, no sentido de que estaria prejudicada esta ação mandamental, pelo fato de a minoria parlamentar, vencida no Plenário da Câmara dos Deputados, por 308 a 141 votos, quando do julgamento do Recurso nº 14/2007, interposto pelo Senhor Líder do PT, não ter conseguido atingir, ratificando-o, o mínimo constitucional de 1/3 (um terço), pois, segundo sustentado em referida questão prejudicial, “(…) das 211 (duzentos e onze) assinaturas iniciais apostas ao Requerimento n° 01/2007, apenas 141 Deputados mantiveram sua convicção e ratificaram, no momento processual e regimental oportuno (…), o entendimento acerca do cumprimento dos requisitos constitucionais do citado Requerimento” (fls. 342 – grifei).


É que o requisito constitucional concernente à observância de 1/3 (um terço), no mínimo, para criação de determinada CPI (CF, art. 58, § 3º), refere-se à subscrição do requerimento de instauração da investigação parlamentar, que traduz exigência a ser aferida no momento em que protocolado o pedido junto à Mesa da Casa legislativa, tanto que, “depois de sua apresentação à Mesa” (art. 102, § 4º), consoante prescreve o próprio Regimento Interno da Câmara dos Deputados, não mais se revelará possível a retirada de qualquer assinatura.

Vê-se, portanto, que esse pressuposto constitucional situa-se na gênese do ato de criação da CPI, de qualquer CPI, devendo ser aferido, por tal razão, no instante mesmo em que o requerimento é apresentado à Mesa da Casa legislativa competente, não sendo exigível, em conseqüência, à minoria parlamentar, o dever de ratificar ou de confirmar, em Plenário, em momento ulterior, a vontade – já legitimamente manifestada – dos subscritores do pedido de investigação parlamentar.

Na realidade, o acolhimento dessa tese sustentada pelo Senhor Líder do PT, além de transgredir, diretamente, o que dispõe o art. 58, § 3º, da própria Constituição da República, representaria um encargo – não legitimado pelo texto constitucional – que culminaria por frustrar, até mesmo, a instauração de qualquer inquérito parlamentar.

Convém assinalar que o requerimento de criação da mencionada CPI – subscrito por 211 parlamentares (número que corresponde a muito mais do que um terço dos membros da Câmara dos Deputados) – foi regularmente apresentado à Mesa daquela Casa legislativa, que reconheceu, então, atendidas as exigências constitucionais, notadamente aquela concernente ao mínimo de subscritores, não se justificando, assim, a alegação equivocada do litisconsorte passivo necessário de que não teria havido, com o julgamento do Recurso nº 14/2007 pelo Plenário da Câmara dos Deputados, a “ratificaçãoe a confirmação da vontade dos parlamentares subscritores.

Por todas essas razões, Senhora Presidente, rejeito a primeira questão prévia suscitada pelo litisconsorte passivo necessário.

Examino, agora, a segunda questão preliminar, consistente na alegação – deduzida pelo litisconsorte passivo necessário – de que os fatos subjacentes à presente controvérsia mandamental não se revelariam líquidos, pois supostamente ausente, na espécie, quanto a eles, a respectiva comprovação documental.

O litisconsorte passivo necessário, ao suscitar essa questão prévia, apoiou-se, em seus aspectos essenciais, nos seguintes fundamentos (fls. 343/345):

(…) o presente mandado de segurança não merece conhecimento, eis que os fatos narrados na peça de ingresso ofertada pelos Impetrantes, ou sejao atendimento dos requisitos constitucionais para criação da CPI, de um lado, e a suposta tentativa ilegal, indevida e inconstitucional de frustrar o direito das minorias, de outro – não foram devidamente comprovados, haja vista a manifesta controvérsia jurídico- -constitucional da matéria e a parcialidade da documentação probatória que acompanha a peça preambular, que não se reveste de robustez necessária para demonstrar a violação de direito passível de amparo por meio do ‘writ of mandamus’.


Asprovasamealhadas para os autos trazem uma ‘realidade’ distorcida dos fatos, não dando a firmeza adequada para a movimentação do remédio heróico constitucional em que vem de buscar socorro os Impetrantes.

Na verdade, se os Impetrantes, ao manejarem a ação de mandado de segurança, não se desincumbiram de trazer com a exordial as provas da violação do direito que entendem espancado pelo ato da autoridade impetrada, não só a liminar deve ser indeferida, mas a própria segurança deve ser prontamente denegada.

Ou seja, é com a peça de arranque que os Impetrantes devem demonstrar a ofensa a direito líquido e certo. Não podem eles postergar essa demonstração para momento ulterior, eis que o rito da ação mandamental, como é de conhecimento comezinho, não dá abrigo à dilação probatória.

Numa análise perfunctória, líquido é aquilo que já vem delimitado em seu ‘quantum’ ou na sua extensão, dispensando, de conseguinte, qualquer investigação a respeito dos seus limites e contornos. Trata-se, pois, da exata definição de quantidade ou de extensão do objeto que se tem sob mira.

Sob o mesmo prisma, a certeza do direito é o pressuposto que tem liame com o afastamento de questionamentos a respeito do direito invocado, ficando a salvo de qualquer dúvida razoável acerca da sua existência.

Porém, numa análise mais detida, a ‘liquidez’ e ‘certeza’ nos domínios do Mandado de Segurança são elementos concernentes aos fatos alegados pelos Impetrantes. Fatos que, por estarem demonstrados por meio de documentos, se revelam inequívocos.

……………………………………………

Não podem os Impetrantes pretender e tampouco o Judiciário conceder a oportunidade para que os fatos gravados na inicial da ação de segurança sejam provados em momento diverso da própria impetração. É o que acontece na realidade dos autos. Por mais esforços que tenham feito, não conseguiram os Impetrantes demonstrar, objetivamente, o atendimento dos requisitos constitucionais aptos a validar a criação, instalação e funcionamento da CPI do Setor Aéreo de um lado, e a ilegalidade ou inconstitucionalidade do acatamento e agora provimento do Recurso n° 14/2007 de outro.

Nesse passo (…) a própria segurança é de ser prontamente denegada, eis que a ação movimentada padece de carência inexpurgável, levando em consideração que após a impetração da ação mandamental de segurança não há mais terreno para apreciação de provas outras acerca das alegações dos Impetrantes.

……………………………………………

(…) resta claro que no momento da propositura deste mandado de segurança os Impetrantes não possuíam – como ainda não possuem – qualquer condição de exercer o direito por eles ventilados na petição inicial ofertada.

Assim, o direito que os Impetrantes acreditam possuir não se encontra abrigado pela norma constitucional correspondente (art. 5º, inciso LXIX, CF/88), haja vista ser de sabença geral que, para o manuseio do remédio heróico em comento, é imperativa a existência de direito líquido e certo a ser resguardado. (…).” (grifei)

Não se ignora, Senhora Presidente, que refoge, aos estreitos limites da ação mandamental, o exame de fatos despojados da necessária liquidez, pois o “iter” procedimental do mandado de segurança não comporta a possibilidade de instauração incidental de um momento de dilação probatória, consoante adverte a doutrina (ALFREDO BUZAID, “Do Mandado de Segurança”, vol. I/208, item n. 127, 1989, Saraiva) e proclama o magistério jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal:


Refoge, aos estreitos limites da ação mandamental, o exame de fatos despojados da necessária liquidez, pois o iter procedimental do mandado de segurança não comporta a possibilidade de instauração incidental de uma fase de dilação probatória.

A noção de direito líquido e certo ajusta-se, em seu específico sentido jurídico, ao conceito de situação que deriva de fato certo, vale dizer, de fato passível de comprovação documental imediata e inequívoca.

(MS 20.882/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno)

A jurisprudência desta Suprema Corte, por isso mesmo, tem advertido, em inúmeras decisões (RTJ 124/948, v.g.), que “O mandado de segurança não é meio idôneo para o exame de questões cujos fatos não sejam certos” (RTJ 142/782, Rel. Min. MOREIRA ALVES).

O Supremo Tribunal Federal, ao pronunciar-se sobre esse específico aspecto do tema, deixou consignado que a discussão em torno do próprio significado de direito líquido e certo – que traduz requisito viabilizador da utilização do “writ” mandamental – veicula matéria de caráter eminentemente processual, mesmo porque a noção de liquidez, “que autoriza o ajuizamento do mandado de segurança, diz respeito aos fatos” (RTJ 134/681, Rel. p/ o acórdão Min. CARLOS VELLOSO – RTJ 171/326-327, Rel. Min. ILMAR GALVÃO – RE 195.192/RS, Rel. Min. MARCO AURÉLIO – RMS 23.443/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO – RMS 23.720/GO, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.):

O direito líquido e certo’, pressuposto constitucional de admissibilidade do mandado de segurança, é requisito de ordem processual, atinente à existência de prova inequívoca dos fatos em que se basear a pretensão do impetrante e não à procedência desta, matéria de mérito (…).

(RTJ 133/1314, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE – grifei)

A formulação conceitual de direito líquido e certo, que constitui requisito de cognoscibilidade da ação de mandado de segurança, encerra (…) noção de conteúdo eminentemente processual.

(RTJ 134/169, Rel. p/ o acórdão Min. CELSO DE MELLO)

Daí o incensurável magistério do saudoso CELSO RIBEIRO BASTOS (“Do Mandado de Segurança”, p. 15, 1978, Saraiva), para quem(…) o direito líquido e certo é conceito de ordem processual, que exige a comprovação dos pressupostos fáticos da situação jurídica a preservar. Conseqüentemente, direito líquido e certo é ‘conditio sine qua non’ do conhecimento do mandado de segurança, mas não éconditio per quam para a concessão da providência judicial” (grifei).

Registre-se, neste ponto, por necessário, que esta Corte, em sucessivas decisões, tem assinalado que o direito líquido e certo, apto a autorizar o ajuizamento da ação de mandado de segurança, é, tão-somente, aquele que concerne a fatos incontroversos, constatáveis, de plano, mediante prova literal inequívoca (RE 269.464/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO):


(…) direito líquido e certo é o que resulta de fato certo, e fato certo é aquele capaz de ser comprovado, de plano, por documento inequívoco.

(RTJ 83/130, Rel. Min. SOARES MUÑOZ – grifei)

O mandado de segurança labora em torno de fatos certos e como tais se entendem aqueles cuja existência resulta de prova documental inequívoca (…).

(RTJ 83/855, Rel. Min. SOARES MUÑOZ – grifei)

É por essa razão que a doutrina acentua a incomportabilidade de qualquer dilação probatória no âmbito desse “writ” constitucional, que supõe – insista-se – a produção liminar, pelo impetrante, das provas literais pré-constituídas, destinadas a evidenciar a incontestabilidade do direito público subjetivo invocado pelo autor da ação mandamental.

Por isso mesmo, adverte HELY LOPES MEIRELLES (“Mandado de Segurança, Ação Popular, Ação Civil Pública, Mandado de Injunção e Habeas Data”, p. 37/38, 29ª ed., atualizada por Arnoldo Wald e Gilmar Ferreira Mendes, 2006, Malheiros), “As provas tendentes a demonstrar a liquidez e certeza do direito podem ser de todas as modalidades admitidas em lei, desde que acompanhem a inicial (…). O que se exige é prova pré-constituída das situações e fatos que embasam o direito invocado pelo impetrante” (grifei).

Ocorre, no entanto, que esse entendimento – a cujo respeito não há qualquer controvérsia na doutrina e na jurisprudência – não se aplica ao caso ora em exame, pois, ao contrário do que sustenta o litisconsorte passivo necessário, os fatos subjacentes a este litígio mandamental acham-se plenamente comprovados, eis que os documentos (juridicamente idôneos) que os atestam, além de produzidos, pelos impetrantes, nos autos, ensejam amplo conhecimento da matéria em debate, não havendo que se falar, portanto, em iliquidez.

Com efeito, o exame destes autos revela que se produziram, com a impetração mandamental, elementos essenciais à exata compreensão da matéria em debate, bastando referir, dentre outras peças documentais, aquelas reproduzidas, por cópia ou não, concernentes ao Requerimento de criação da Comissão Parlamentar de Inquérito, acompanhado da respectiva Justificação (fls. 17v./18v.); à conferência e ao reconhecimento da satisfação da exigência do número mínimo de assinaturas (fls. 19); ao Ato da Presidência da Câmara dos Deputados que reconheceu, formalmente, a criação da CPI em causa (fls. 25v.); à suscitação e ao indeferimento da questão de ordem formulada pelo Senhor Líder do PT (fls. 25v./28); à interposição e ao processamento do Recurso deduzido contra o indeferimento da referida questão de ordem (fls. 28 e 28v.); à outorga de efeito suspensivo, pelo Plenário da Câmara dos Deputados, ao Recurso nº 14/2007 (fls. 109).

Demais disso, e prestadas as informações pela autoridade apontada como coatora, documentaram-se, ainda, fatos supervenientes à própria impetração mandamental, como o parecer da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (fls. 347/348 e 353/392) e a deliberação do Plenário da Câmara dos Deputados, acolhendo o recurso interposto pelo Senhor Líder do PT e invalidando, por votação majoritária, o ato de criação da mencionada CPI (fls. 352).

Cumpre assinalar, por isso mesmo, que a possibilidade de compreensão dos pontos concernentes ao debate suscitado na presente causa, além de ampla, decorre, de maneira imediata, dos próprios documentos que a parte impetrante, ela mesma, produziu, “ex ante”, quando da impetração deste mandado de segurança.


A situação versada nestes autos, desse modo, reveste-se de evidente liquidez, eis que a pretensão ora deduzida na presente sede mandamental tem suporte documental em provas juridicamente idôneas, que permitem compreender, delimitar e examinar a controvérsia constitucional veiculada nesta causa.

Afasto, por isso mesmo, essa segunda questão prévia suscitada pelo litisconsorte passivo necessário.

, ainda, uma terceira questão preliminar, a ser examinada e que, igualmente suscitada pelo litisconsorte passivo necessário, prende-se ao fato de que não se revelaria lícito, ao Supremo Tribunal Federal, conhecer do presente mandado de segurança, porque – segundo sustentado pelo Senhor Líder do PT – discutem-se, nesta causa, questões de caráter meramente regimental, impregnadas de natureza “interna corporis”, insuscetíveis de apreciação em sede jurisdicional por esta Suprema Corte, considerado o princípio constitucional da separação de poderes.

Ao sustentar a impossibilidade de o Supremo Tribunal Federal conhecer da presente ação mandamental, o litisconsorte passivo necessário apoiou-se nas seguintes razões (fls. 342 e 345):

Preclusa e superada encontra-se também a possibilidade do Supremo Tribunal Federal deliberar acerca das questões internas perpetradas no âmbito da Câmara dos Deputados e que tem e teve seu fundamento de validade em norma regimental específica.

Com efeito, todo o cerne do Mandado de Segurança impetrado está substanciado na suposta frustração dos direitos da minoria através do acatamento do Recurso com efeito suspensivo pela Presidência da Câmara dos Deputados.

Entretanto, como restou aclarado ao norte, o Recurso manejado pelo Deputado Luiz Sérgio encontra seu fundamento de validade no Regimento Interno da Câmara dos Deputados e na própria Constituição Federal, não tendo havido, à toda evidência, qualquer exorbitância ou ilegalidade na sua admissão e provimento.

……………………………………………

Afirma-se, por derradeiro, que, tendo a Câmara dos Deputados definido em toda a sua essência a inviabilidade constitucional do Requerimento n° 01/2007, prejudicados encontram-se os pedidos liminares formulados na peça vestibular, na medida em que seu eventual deferimento, que se admite apenas para argumentar, implicaria na declaração de invalidade e até mesmo inconstitucionalidade das normas regimentais recursais e, nessa quadra, da possibilidade do Poder Judiciário intervir na searainterna corporis’ do Parlamento.” (grifei)

Entendo não assistir razão ao litisconsorte passivo necessário, porque, ao contrário do que por ele sustentado, a discussão na presente causa não se cinge a um debate de caráter meramente regimental, eis que o fundamento em que se apóia a presente impetração mandamental concerne à alegação de ofensa a direitos impregnados de estatura constitucional, o que legitima, por si só, afastado o caráter “interna corporis” do comportamento ora impugnado, o exercício, pelo Supremo Tribunal Federal, da jurisdição que lhe é inerente.

Na realidade, e como bem observou o eminente Procurador-Geral da República, em seu douto parecer (fls. 436, item n. 25), “O exame da legitimidade da interferência dessa Corte na atuação (ou omissão) legislativa questionada e de possível caracterização de ofensa à separação de poderes confunde-se com o próprio mérito do ‘writ’ – uma vez envolvida na análise a questão da extensão da prerrogativa conferida à minoria parlamentar pela Constituição da República (…)” (grifei).


Cabe observar, por isso mesmo, neste ponto, que o exame da postulação deduzida na presente sede mandamental justificana estrita perspectiva do princípio da separação de poderes – algumas reflexões prévias em torno das relevantíssimas questões pertinentes ao controle jurisdicional do poder político e às implicações jurídico-institucionais que necessariamente decorrem do exercício do “judicial review”.

Como sabemos, o regime democrático, analisado na perspectiva das delicadas relações entre o Poder e o Direito, não tem condições de subsistir, quando as instituições políticas do Estado falharem em seu dever de respeitar a Constituição e as leis, pois, sob esse sistema de governo, não poderá jamais prevalecer a vontade de uma só pessoa, de um só estamento, de um só grupo ou, ainda, de uma só instituição.

Impõe-se, por isso mesmo, a todos os Poderes da República (e aos membros que os integram), o respeito incondicional aos valores que informam a declaração de direitos e aos princípios sobre os quais se estrutura, constitucionalmente, a própria organização do Estado.

Delineia-se, nesse contexto, a irrecusável importância jurídico-institucional do Poder Judiciário, investido do gravíssimo encargo de fazer prevalecer a autoridade da Constituição e de preservar a força e o império das leis, impedindo, desse modo, que se subvertam as concepções que dão significado democrático ao Estado de Direito, em ordem a tornar essencialmente controláveis, por parte de juízes e Tribunais, os atos estatais que importem em transgressão a direitos, garantias e liberdades fundamentais assegurados pela Carta da República.

A controvérsia suscitada na presente causa subsume-se, com plena adequação, à esfera de cognoscibilidade do Poder Judiciário, eis que, no processo sob apreciação desta Suprema Corte, a parte impetrante sustenta a impossibilidade de a maioria, nas Casas legislativas, frustrar o exercício, pelas minorias parlamentares, de prerrogativas político-jurídicas a estas asseguradas pela própria Constituição da República, como sucede com o exercício do poder de instauração de inquéritos parlamentares (CF, art. 58, § 3º).

Vê-se, daí, na perspectiva do caso ora em exame, que a intervenção do Poder Judiciário, nas hipóteses de suposta lesão a direitos subjetivos amparados pelo ordenamento jurídico do Estado, reveste-se de plena legitimidade constitucional, ainda que essa atuação institucional se projete na esfera orgânica do Poder Legislativo, como se registra naquelas situações em que se atribuem, à instância parlamentar, condutas alegadamente tipificadoras de abuso de poder, seja por ação, seja por omissão.

Isso significa, portanto – considerada a fórmula política do regime democrático – que nenhum dos Poderes da República está acima da Constituição e das leis. Nenhum órgão do Estado – situe-se ele no Poder Judiciário, ou no Poder Executivo, ou no Poder Legislativoé imune à força da Constituição e ao império das leis.

Uma decisão judicial – que restaure a integridade da ordem jurídica e que torne efetivos os direitos assegurados pelas leis e pela própria Constituição da República – não pode ser considerada um ato de interferência na esfera do Poder Legislativo, consoante já proclamou, em unânime decisão, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (RTJ 175/253, Rel. Min. OCTAVIO GALLOTTI – RTJ 176/718, Rel. Min. NÉRI DA SILVEIRA, v.g.):


O CONTROLE JURISDICIONAL DE ABUSOS PRATICADOS POR COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO NÃO OFENDE O PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES.

A essência do postulado da divisão funcional do poder, além de derivar da necessidade de conter os excessos dos órgãos que compõem o aparelho de Estado, representa o princípio conservador das liberdades do cidadão e constitui o meio mais adequado para tornar efetivos e reais os direitos e garantias proclamados pela Constituição.

Esse princípio, que tem assento no art. 2º da Carta Política, não pode constituir e nem qualificar-se como um inaceitável manto protetor de comportamentos abusivos e arbitrários, por parte de qualquer agente do Poder Público ou de qualquer instituição estatal.

O Poder Judiciário, quando intervém para assegurar as franquias constitucionais e para garantir a integridade e a supremacia da Constituição, desempenha, de maneira plenamente legítima, as atribuições que lhe conferiu a própria Carta da República.

O regular exercício da função jurisdicional, por isso mesmo, desde que pautado pelo respeito à Constituição, não transgride o princípio da separação de poderes.

Desse modo, não se revela lícito afirmar, na hipótese de desvios jurídico-constitucionais nas quais incida uma Comissão Parlamentar de Inquérito, que o exercício da atividade de controle jurisdicional possa traduzir situação de ilegítima interferência na esfera de outro Poder da República. (…).

(RTJ 173/806, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

Ninguém ignora, Senhora Presidente, que o controle do poder constitui uma exigência de ordem político-jurídica essencial ao regime democrático.

Como sabemos, o sistema constitucional brasileiro, ao consagrar o princípio da limitação de poderes, teve por objetivo instituir modelo destinado a impedir a formação de instâncias hegemônicas de poder no âmbito do Estado, em ordem a neutralizar, no plano político-jurídico, a possibilidade de dominação institucional de qualquer dos Poderes da República (ou daqueles que os integram) sobre os demais órgãos e agentes da soberania nacional.

Com a finalidade de obstar que o exercício abusivo das prerrogativas estatais possa conduzir a práticas que transgridam o regime das liberdades públicas e que sufoquem, pela opressão do poder, os direitos e garantias individuais, inclusive aqueles assegurados às minorias nas Câmaras legislativas (como o direito de oposição e a prerrogativa de fazer instaurar comissões parlamentares de inquérito), atribuiu-se, ao Judiciário, a função eminente de controlar os excessos cometidos por qualquer das esferas governamentais, quando seus órgãos, agentes ou, até mesmo, grupos majoritários que atuam no Parlamento, p. ex., incidirem em abuso de poder ou em desvios inconstitucionais no desempenho de sua competência institucional.

Em suma: a estrita observância dos direitos e garantias, notadamente quando se alegar, como se sustenta na espécie, transgressão ao estatuto constitucional das minorias parlamentares, traduz fator de legitimação da atividade estatal. Esse dever de obediência ao regime da lei e da Constituição se impõe a todos – magistrados, administradores e legisladores.


É que o poder não se exerce de forma ilimitada. No Estado democrático de Direito, não há lugar para o poder absoluto.

A separação de poderes – consideradas as circunstâncias históricas que justificaram a sua concepção no plano da teoria constitucional – não pode ser jamais invocada como princípio destinado a frustrar a resistência jurídica a qualquer ensaio de opressão estatal ou a inviabilizar a oposição a qualquer tentativa de comprometer, sem justa causa, o exercício do direito de investigar, em sede de inquérito parlamentar, abusos que possam ter sido cometidos pelos agentes do Estado.

A qualificação constitucional do direito público subjetivo invocado pelos ora impetrantes, que alegamenquanto integrantes da minoria parlamentar na Câmara dos Deputados – desrespeito à prerrogativa que lhes é assegurada pelo art. 58, § 3º, da Constituição, apresenta-se claramente evidenciada no caso ora em exame, em ordem a viabilizar, por isso mesmo, o conhecimento, por esta Suprema Corte, da presente ação de mandado de segurança, eis que a controvérsia instaurada nesta sede processual não se resume, não se reduz nem se degrada à condição de um tema revestido de caráter meramente regimental.

Ao contrário, as alegações deduzidas pela parte impetrante põem em evidência, na espécie em exame, a inquestionável magnitude constitucional do fundamento jurídico em que se apóia esta impetração, notadamente se se considerarem os precedentes já estabelecidos, na matéria, por esta Suprema Corte:

(…) 1. A Constituição do Brasil assegura a um terço dos membros da Câmara dos Deputados e a um terço dos membros do Senado Federal a criação da comissão parlamentar de inquérito, deixando, porém, ao próprio parlamento o seu destino.

2. A garantia assegurada a um terço dos membros da Câmara ou do Senado estende-se aos membros das assembléias legislativas estaduais – garantia das minorias. O modelo federal de criação e instauração das comissões parlamentares de inquérito constitui matéria a ser compulsoriamente observada pelas casas legislativas estaduais.

3. A garantia da instalação da CPI independe de deliberação plenária, seja da Câmara, do Senado ou da Assembléia Legislativa. Precedentes.

4. Não há razão para a submissão do requerimento de constituição de CPI a qualquer órgão da Assembléia Legislativa. Os requisitos indispensáveis à criação das comissões parlamentares de inquérito estão dispostos, estritamente, no artigo 58 da CB/88. (…).

(ADI 3.619/SP, Rel. Min. EROS GRAU – grifei)

(…) Existe, no sistema político-jurídico brasileiro, um verdadeiro estatuto constitucional das minorias parlamentares, cujas prerrogativas – notadamente aquelas pertinentes ao direito de investigar – devem ser preservadas pelo Poder Judiciário, a quem incumbe proclamar o alto significado que assume, para o regime democrático, a essencialidade da proteção jurisdicional a ser dispensada ao direito de oposição, analisado na perspectiva da prática republicana das instituições parlamentares.

A norma inscrita no art. 58, § 3º, da Constituição da República destina-se a ensejar a participação ativa das minorias parlamentares no processo de investigação legislativa, sem que, para tanto, mostre-se necessária a concordância das agremiações que compõem a maioria parlamentar. (…).


(MS 24.831/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno)

É importante assinalar (e relembrar), Senhora Presidente, que o Supremo Tribunal Federal – não desconhecendo as delicadas questões que podem surgir das controvérsias instauradas em torno de matérias que transitam entre a esfera do Direito e o domínio da Política – consolidou orientação jurisprudencial, firmada desde a primeira década republicana (HC 1.073/DF, Rel. Min. LÚCIO DE MENDONÇA, 1898) e desenvolvida ao longo do período histórico subseqüente, notadamente durante a Primeira República (HC 3.536/DF, Rel. Min. OLIVEIRA RIBEIRO, 1914 – HC 3.554/DF, ENÉAS GALVÃO, 1914 – HC 3.697/DF, Rel. p/ o acórdão ENÉAS GALVÃO, 1914 – HC 4.014/PI, Rel. p/ o acórdão Min. GUIMARÃES NATAL, 1916 – HC 8.800/RJ, Rel. Min. GUIMARÃES NATAL, 1922), no sentido de reconhecer plenamente legítima a intervenção do Poder Judiciário, sempre que provocado a amparar direitos e garantias de natureza constitucional, quando alegadamente desrespeitados por atos dos Poderes políticos (Legislativo e Executivo), sem que os magistrados e Tribunais, ao assim procederem, incidam em transgressão ao princípio fundamental da separação de poderes, tal como esta Suprema Corte, fiel à sua elevada missão institucional, tem proclamado com especial ênfase:

A essência do postulado da divisão funcional do poder, além de derivar da necessidade de conter os excessos dos órgãos que compõem o aparelho de Estado, representa o princípio conservador das liberdades do cidadão e constitui o meio mais adequado para tornar efetivos e reais os direitos e garantias proclamados pela Constituição.

Esse princípio, que tem assento no art. 2º da Carta Política, não pode constituir e nem qualificar-se como um inaceitável manto protetor de comportamentos abusivos e arbitrários, por parte de qualquer agente do Poder Público ou de qualquer instituição estatal.

O Poder Judiciário, quando intervém para assegurar as franquias constitucionais e para garantir a integridade e a supremacia da Constituição, desempenha, de maneira plenamente legítima, as atribuições que lhe conferiu a própria Carta da República.

O regular exercício da função jurisdicional, por isso mesmo, desde que pautado pelo respeito à Constituição, não transgride o princípio da separação de poderes.

(RTJ 173/805-810, 806, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno)

Essa compreensão do tema, que se tem refletido, historicamente, na prática jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal, ao longo do período republicano, em torno da cognoscibilidade das denominadas “questões políticas”, encontra perfeita tradução em douto voto proferido, em 1922, pelo saudoso e eminente Ministro GUIMARÃES NATAL, quando do julgamento do HC 8.584/DF, Rel. Min. Muniz Barreto (“Revista do Supremo Tribunal Federal”, volume 42/135-221, 192-194):

Nunca professei a doutrina que considera as questões políticas como absolutamente impenetráveis aos olhos investigadores da Justiça, que deverá ter sempre por impecáveis, na sua constitucionalidade e na sua conformidade à Lei, as soluções que lhe houverem dado os poderes políticos a cuja competência constitucional pertencerem. Nos regimes, como o nosso, de constituição escrita, os poderes são limitados, e as limitações excluem a discrição e o arbítrio. Se, no exercício de suas funções, qualquer dos poderes políticos exorbita, lesando um direito, o direito lesado pela exorbitância poderá reclamar a sua reintegração ao judiciário, o poder especialmente preposto pela Constituição a tais reintegrações. E a ação do judiciário não se poderá deter diante de uma questão política, sob o pretexto de que é ela atribuída privativamente a um poder político, porque privativa do Congresso Nacional é a decretação das leis e o judiciário declara-as inaplicáveis, quando contrárias à Constituição; privativos do executivo são atos que o judiciário anula, quando, contrariando a Constituição e as leis, lesam um direito.


……………………………………………

Nos regimes de Constituição escrita, de poderes limitados, a Lei Fundamental é, na frase de ‘Cooley’, a regra absoluta de ação e decisão para todos os poderes públicos e para o povo, e tudo quanto em oposição a ela se faz é substancialmente nulo.

Mas para que a Constituição mantivesse esta preeminência de regra absoluta de ação e decisão, que lhe dera o povo, decretando-a, era necessário criar um órgão que fosse dela a encarnação viva, que a interpretasse soberanamente, irrecorrivelmente, que com ela confrontasse as Leis e os atos dos Poderes Públicos e até do próprio povo e que tivesse o poder de declarar tais Leis e tais atos insubsistentes quando desconformes aos princípios nela consagrados. Esse órgão no nosso regime, como nos semelhantes ao nosso, é o Poder Judiciário Federal (…).

……………………………………………

Dada uma violação da Constituição, parta de quem partir, verse sobre que matéria versar, desde que contra ela se insurja um direito individual lesado e invoque, em processo regular, o amparo e proteção do Judiciário, é este, sob pena de incorrer em denegação de Justiça, obrigado a conhecer do caso e julgá-lo. (…).” (grifei)

Esses precedentes históricos do Supremo Tribunal Federal situam-se na linha dos grandes julgamentos desta Suprema Corte, cujas decisões assinalam e acentuam que os direitos e garantias constitucionais só se afirmam, quando passíveis de eficácia prática e suscetíveis de efetiva concretização, pois tais prerrogativas, asseguradas pela Constituição (inclusive aquelas titularizadas pelas minorias parlamentares), de nada valerão e nenhum significado terão, se não forem observadas e plenamente respeitadas, impondo-se, até mesmo, se necessário for, a intervenção moderadora desta Suprema Corte, tal como observou, em douto voto, o eminente Ministro GUIMARÃES NATAL, Relator do HC 8.800/RJ (“Revista do Supremo Tribunal Federal”, vol. 47/172-193, 179, 1922):

Quanto à competência do Tribunal para conhecer das questões suscitadas no processo e decidi-las nada posso acrescentar ao já tantas vezes dito e redito pelos eminentes colegas em grande cópia de Acórdãos que ilustram a nossa jurisprudência. De três dos julgados que os pacientes invocam fui o Relator em espécies idênticas.

Tenho sempre sustentado que, nos regimes como o nosso, de poderes limitados, era necessária a existência de um poder que fizesse respeitadas, pelos outros poderes, as limitações constitucionais, contendo-os dentro da órbita de suas atribuições um em relação ao outro e ambos em relação aos Estados e esse poder é o Judiciário, por ser o que, para impor obediência às suas decisões, só tem o prestígio moral e jurídico que os revestir.

No exercício desta alta função, tem, o Tribunal, mais de uma vez, amparado o regime contra os ataques das ambições partidárias incontidas.” (grifei)

EPITÁCIO PESSOA – que foi Ministro do Supremo Tribunal Federal por 10 anos (1902/1912) e Presidente da República (1919/1922) -, pronunciando-se, certa vez, como Senador da República, da tribuna daquela Alta Casa do Congresso Nacional, sobre decisão proferida por esta Corte Suprema a propósito do conhecimento de determinada causa alegadamente revestida de índole exclusivamente política, expendeu considerações que conservam impressionante atualidade em face do quadro atual.


Disse, então, EPITÁCIO PESSOA, em tal oportunidade, em pronunciamento parlamentar com que justificou a plena legitimidade da intervenção desta Suprema Corte na resolução de litígio, que, embora impregnado de componente político, apresentava-se revestido de qualificação constitucional (“Revista do Supremo Tribunal Federal”, vol. I – Segunda Parte, agosto a dezembro/1914, p. 387/390):

Diz-se, Sr. presidente, que se trata de casos políticos e que o Supremo Tribunal não pode conhecer de questões políticas.

……………………………………………

(…) Para mim, e nisto nada mais faço do que seguir a opinião dos competentes, o Poder Judiciário tem jurisdição para conhecer de todas as questões políticas, desde que a solução delas seja indispensável à garantia de um direito consagrado em lei ou na Constituição (…).” (grifei)

É importante observar que o Supremo Tribunal Federal, nesse processo histórico de construção de sua jurisprudência em torno da denominada “doutrina das questões políticas”, sempre teve presente que o sistema democrático, para subsistir – e assim preservar a integridade de suas instituições –, deve dispor de mecanismos que lhe permitam conviver com tensões resultantes de litígios subjacentes a antagonismos que se registram na arena política.

Um desses mecanismos, cuja atuação permite superar situações de tensão dialética que opõem grupos políticos no âmbito e na estrutura da instituição parlamentar, reside na possibilidade de intervenção do Poder Judiciário, a quem incumbe – uma vez configurada a controvérsia constitucional – desempenhar função arbitral, que reconstrua e restaure direitos injustamente lesados. Essa é a missão institucional do Poder Judiciário. Essa é a função moderadora, em tema de conflitos institucionais, de que se acha investido, por expresso mandato constitucional, o Supremo Tribunal Federal.

Não foi por outra razão que o E. Plenário desta Suprema Corte, ao analisar hipótese semelhante à que se registra na presente espécie – e ao reconhecer que a atividade parlamentar poderia configurar inaceitável obstáculo a direitos impregnados de natureza constitucional -, considerou legítima a atuação do Poder Judiciário, sempre que invocada a sua intervenção com a finalidade de impedir a perpetração de abusos legislativos ou, quando consumados, de restaurar direitos e garantias injustamente atingidos:

O CONTROLE JURISDICIONAL DOS ATOS PARLAMENTARES: POSSIBILIDADE, DESDE QUE HAJA ALEGAÇÃO DE DESRESPEITO A DIREITOS E/OU GARANTIAS DE ÍNDOLE CONSTITUCIONAL.

O Poder Judiciário, quando intervém para assegurar as franquias constitucionais e para garantir a integridade e a supremacia da Constituição, desempenha, de maneira plenamente legítima, as atribuições que lhe conferiu a própria Carta da República, ainda que essa atuação institucional se projete na esfera orgânica do Poder Legislativo.

Não obstante o caráter político dos atos parlamentares, revela-se legítima a intervenção jurisdicional, sempre que os corpos legislativos ultrapassem os limites delineados pela Constituição ou exerçam as suas atribuições institucionais com ofensa a direitos públicos subjetivos impregnados de qualificação constitucional e titularizados, ou não, por membros do Congresso Nacional. Questões políticas. Doutrina. Precedentes.


A ocorrência de desvios jurídico-constitucionais nos quais incida uma Comissão Parlamentar de Inquérito justifica, plenamente, o exercício, pelo Judiciário, da atividade de controle jurisdicional sobre eventuais abusos legislativos (RTJ 173/805-810, 806), sem que isso caracterize situação de ilegítima interferência na esfera orgânica de outro Poder da República.

(MS 24.847/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno)

Não se pode desconhecer, portanto, a extrema relevância da matéria ora submetida à apreciação do Supremo Tribunal Federal, notadamente porque a natureza do tema em exame – tal como acentuado, com particular ênfase, pelo magistério doutrinário (J. M. SILVA LEITÃO, “Constituição e Direito de Oposição”, 1987, Almedina, Coimbra; J. J. GOMES CANOTILHO, “Direito Constitucional e Teoria da Constituição”, p. 309/312, 1998, Almedina, Coimbra; DERLY BARRETO E SILVA FILHO, “Controle dos Atos Parlamentares pelo Poder Judiciário”, p. 131/134, item n. 3.1, 2003, Malheiros; JOSÉ WANDERLEY BEZERRA ALVES, “Comissões Parlamentares de Inquérito: Poderes e Limites de Atuação”, p. 169/170, item n. 2.1.2, 2004, Fabris; UADI LAMMÊGO BULOS, “Comissão Parlamentar de Inquérito”, p. 216, item n. 5, 2001, Saraiva; MANOEL MESSIAS PEIXINHO/RICARDO GUANABARA, “Comissões Parlamentares de Inquérito: Princípios, Poderes e Limites”, p. 76/77, item n. 4.2.3, 2001, Lumen Juris; MARCOS EVANDRO CARDOSO SANTI, “Criação de Comissões Parlamentares de Inquérito: Tensão entre o direito constitucional de minorias e os interesses políticos da maioria”, 2007, Fabris Editor, v.g.) – impõe o reconhecimento de que existe, em nosso sistema político-jurídico, um verdadeiro estatuto constitucional das minorias parlamentares, cuja transgressão, pelos órgãos do Poder (ou pelos próprios grupos majoritários que atuam no âmbito do Parlamento), legitima a intervenção desta Suprema Corte, que tem plena consciência do significado que deve assumir, para o regime democrático, a efetiva proteção jurisdicional ao direito de oposição, analisado na perspectiva da prática republicana das instituições parlamentares.

Vale referir, ante a sua extrema pertinência, a lição do saudoso e eminente Professor GERALDO ATALIBA (“Judiciário e Minorias”, “in” Revista de Informação Legislativa, vol. 96/189-194), cujo teor – aplicado ao caso ora em exame – põe em relevo o substrato constitucional legitimador do conhecimento, pelo Supremo Tribunal Federal, da presente controvérsia jurídico-institucional:

É que só há verdadeira república democrática onde se assegure que as minorias possam atuar, erigir-se em oposição institucionalizada e tenham garantidos seus direitos de dissensão, crítica e veiculação de sua pregação. Onde, enfim, as oposições possam usar de todos os meios democráticos para tentar chegar ao governo. Há república onde, de modo efetivo, a alternância no poder seja uma possibilidade juridicamente assegurada, condicionada só a mecanismos políticos dependentes da opinião pública.

……………………………………………

A Constituição verdadeiramente democrática há de garantir todos os direitos das minorias e impedir toda prepotência, todo arbítrio, toda opressão contra elas. Mais que isso – por mecanismos que assegurem representação proporcional -, deve atribuir um relevante papel institucional às correntes minoritárias mais expressivas.

……………………………………………

Pela proteção e resguardo das minorias e sua necessária participação no processo político, a república faz da oposição instrumento institucional de governo.


……………………………………………

É imperioso que a Constituição não só garanta a minoria (a oposição), como ainda lhe reconheça direitos e até funções. (…).” (grifei)

É por isso mesmo, Senhora Presidente, que o comportamento ensejador do presente “writ” – consistente na submissão do Ato de criação da mencionada CPI à vontade majoritária da Câmara dos Deputados, mediante recurso ao Plenário admitido pelo Senhor Presidente dessa Casa legislativa – não configura nem se qualifica como atointerna corporis”, eis que, como precedentemente já ressaltado, a jurisprudência desta Suprema Corte, desde a primeira década de nossa experiência republicana, vem consagrando a possibilidade jurídico-constitucional de fiscalização de determinados atos ou omissões do Poder Legislativo, quando alegadamente eivados do vício da inconstitucionalidade, sem que o Supremo Tribunal Federal, ao assim proceder, vulnere o postulado fundamental da separação de poderes.

A imperiosa necessidade de fazer prevalecer a supremacia da Constituição, a que se acha necessariamente subordinada a vontade de todos os órgãos e agentes do Estado que se revelam depositários das funções político-jurídicas definidas pela teoria da separação de poderes, de um lado, e a inafastável obrigação de tornar efetivas as cláusulas constitucionais que dispõem, em caráter mandatório e vinculante, sobre os direitos das minorias parlamentares, de outro, legitimam, plenamente, na espécie em julgamento, o conhecimento do presente litígio e a conseqüente atuação do Supremo Tribunal Federal, especialmente se se considerar a invocação dos ora impetrantes de que teria havido a frustração arbitrária do direito dos grupos minoritários à instauração de investigação parlamentar, não obstante requerida, no caso, em ato que alegadamente observou os demais requisitos constitucionais, por 211 Deputados (mais do que o mínimo, portanto, exigido pelo art. 58, § 3º, da Constituição).

Não constitui demasia relembrar, Senhora Presidente, que o princípio da separação de poderes não pode ser invocado para estabelecer, em torno de um dos órgãos da soberania nacional, um indevassável círculo de imunidade que torne insuscetível de revisão judicial, atos ou omissões emanados das Casas legislativas, ainda mais naquelas situações em que, das condutas impugnadas, derive alegada vulneração a direitos titularizados por membros da Câmara dos Deputados, mesmo que – tal como sucede na espécie – sejam integrantes dos grupos parlamentares minoritários.

O Senhor Líder do Partido dos Trabalhadores, litisconsorte passivo necessário, ao sustentar, sem razão, o caráter “interna corporis” dos atos ora impugnados, pretende impedir, com tal alegação, que o Supremo Tribunal Federal possa conhecer deste litígio revestido de caráter iniludivelmente constitucional. Não lhe assiste razão, porém, eis que essa pretensão, manifestada pelo Senhor Líder do PT, de frustrar o debate judicial em torno de tão relevante questão jurídica, revela-se conflitante com a própria essência e com os valores que informam o ordenamento constitucional brasileiro.

Nada impede, pois, em situações como a de que ora se cuida, que o Supremo Tribunal Federal, regularmente provocado por quem dispõe de legitimidade ativa “ad causam” – como os membros da Câmara dos Deputados (RDA 193/268, Rel. Min. CELSO DE MELLO – MS 22.494/DF, Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA – MS 24.848/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.) -, venha a exercer o poder que a própria Lei Fundamental outorgou a esta Corte, autorizando-a a proclamar, quando for o caso, a ilegitimidade constitucional de atos que possam transgredir a cláusula da Constituição que ampara, no âmbito das Casas Legislativas, as minorias parlamentares que nelas atuam.


Se é certo, portanto, que os atos “interna corporise os de índole política são abrangidos pelos círculos de imunidade que excluem a possibilidade de sua revisão judicial, não é menos exato que essa particular qualificação das condutas legislativas não pode justificar ofensas a direitos públicos subjetivos que os congressistas titularizam e que lhes conferem a prerrogativa institucional de estrita observância, por parte do órgão a que pertencem, das normas constitucionais pertinentes à organização e ao funcionamento das comissões parlamentares de inquérito.

É por essa razão que a jurisprudência constitucional do Supremo Tribunal Federal jamais tolerou que a invocação da natureza “interna corporis” do ato emanado das Casas legislativas pudesse constituir um ilegítimo manto protetor de comportamentos abusivos e arbitrários do Poder Legislativo. É que, consoante observa PONTES DE MIRANDA (“Comentários à Constituição de 1967 com a Emenda n. 1, de 1969, tomo III/644, 3ª ed., 1987, Forense) – ainda que acentuando a incognoscibilidade judicial das questões políticas atinentes à oportunidade, conveniência, utilidade ou acerto do ato emanado do órgão estatal -, “sempre que se discute se é constitucional ou não, o ato do poder executivo, ou do poder judiciário, ou do poder legislativo, a questão judicial está formulada, o elemento político foi excedido, e caiu-se no terreno da questão jurídica” (grifei).

Impõe-se rememorar, bem por isso, lapidar decisão proferida pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, que, ao julgar o MS 1.959/DF, Rel. Min. LUIZ GALLOTTI, reconheceu, em votação unânime, a existência de jurisdição desta Suprema Corte sobre controvérsia motivada por deliberação político-administrativa da Câmara dos Deputados, de que resultara – consoante então sustentado pelo impetrante – injusto gravame a direito individual por ele titularizado, afastando-se, em conseqüência, a questão prejudicial de incognoscibilidade do “writ” mandamental.

O voto que então proferiu, nesse julgamento, o saudoso Ministro NELSON HUNGRIA assim analisou o tema referente à possibilidade de conhecimento, pelo Poder Judiciário, de litígio constitucional, ainda que impregnado este de forte coloração política:

(…) alega-se que se trata na espécie de matéria que escapa à censura do Poder Judiciário, por isso que consiste numa ‘resolução’ votada pela Câmara dos Deputados sobre assunto político-administrativo, compreendido no âmbito da sua atuação discricionária. É o que se depreende das informações prestadas pela ilustre Mesa da Câmara dos Deputados.

Entendo que não é exata, assim formulada, a pretensa imunidade do Poder Legislativo. Como muito bem acentuou o eminente Sr. Ministro Relator, constitui, hoje, ponto morto, que é irrelevante indagar se se trata, ou não, de ato político, para que seja excluída ou admitida a intervenção do Poder Judiciário. O que há a indagar é se o ato, político ou não, lesa um direito individual, um interesse individual legalmente protegido.

Se se apresenta essa lesão direta, esse dano imediato a um direito individual, surge a possibilidade, a legitimidade constitucional da intervenção do Poder Judiciário. Evidentemente, não pode o Supremo Tribunal Federal arrogar-se a faculdade de praticar ou obstar a política legislativa, como não pode criticar ou inibir a política do Poder Executivo. Não pode o Poder Judiciário entender, por exemplo, que determinada medida tomada por qualquer dos dois outros Poderes não atende ao interesse nacional. Haveria, com isso, uma evidente usurpação de poder, uma indébita intromissão do Judiciário. Ainda que dessa medida possa decorrer, por via remota ou indireta, qualquer dano a interesse privado, será defeso ao Judiciário intervir. O indivíduo, atingido em ricochete, não poderia vir bater às portas do Supremo Tribunal Federal, porque as encontraria fechadas. Mas, desde que se identifique lesão direta e imediata a direito individual, aí pode interferir o Judiciário, e isto está escrito com todas as letras na Constituição, no cujo art. 141, § 4º, dispõe que nenhuma lesão a direito individual escapará à apreciação do Poder Judiciário. Não há que renovar discussão em torno do tema; não é mais possível estar-se a revolver debates de um passado longínquo, do tempo em que Ruy Barbosa ensinava o ABC do Direito Constitucional no Brasil. No caso, apresenta-se o seguinte: um mandado de segurança contra um ato político-administrativo da Câmara dos Deputados, que terá como conseqüência direta a violação de um interesse individual legalmente tutelado, qual seja o sigilo bancário. Em tese, não pode haver dúvida sobre a competência do Poder Judiciário para conhecer do caso e resolvê-lo.” (grifei)


Na realidade, a exegese abusiva da Constituição não pode ser tolerada, sob pena de converter-se em inaceitável instrumento opressivo de dominação política, além de gerar uma inadmissível subversão do ordenamento positivo fundado e legitimado pela própria noção de Estado Democrático de Direito, que repele qualquer desrespeito aos direitos públicos subjetivos titularizados pelos congressistas, mesmo os que compõem, como na espécie, os grupos parlamentares minoritários.

Os fundamentos em que se apóia a presente impetração põem em evidência, Senhora Presidente, consoante sustentado pelos ora impetrantes, prerrogativa político-jurídica resultante do próprio texto da Constituição (art. 58, § 3º), supostamente desrespeitada pelos grupos majoritários que atuam na Câmara dos Deputados, mediante utilização alegadamente inconstitucional de meio regimental que propiciou o deslocamento, em sede recursal, para o Plenário dessa Casa do Congresso Nacional, da decisão final sobre o ato de criação da CPI em causa.

Vê-se, desse modo, que o presente mandado de segurança concerne à discussão de um direito que transcende, por efeito de sua irrecusável qualificação constitucional, o caráter meramente doméstico ou interno da conduta imputada ao Senhor Presidente da Câmara dos Deputados, que admitiu o processamento de recurso interposto pelo Senhor Líder do PT, e cujo acolhimento, pelo Plenário dessa Casa legislativa, por efeito da deliberação majoritária de seus membros, desconstituiu o Ato de criação da CPI em questão, transgredindo, desse modo – segundo sustentam os ora impetrantes -, o estatuto constitucional que protege, com fundamento no princípio democrático, as minorias parlamentes em atuação nos corpos legislativos, assegurando-lhes, dentre outras prerrogativas de índole político-jurídica, aquelas concernentes ao direito de fiscalizar, ao direito de se opor ao próprio Governo e ao direito de promover inquéritos parlamentares, quando essenciais à apuração e à neutralização de abusos praticados pelos agentes estatais.

Deixo de acolher, portanto, pelas razões expostas, essa terceira questão prévia suscitada pelo Senhor Líder do Partido dos Trabalhadores.

Registro, finalmente, que o eminente Senhor Presidente da Câmara dos Deputados, ao prestar informações a esta Suprema Corte, sustentou a impossibilidade de se conhecer do presente mandado de segurança, invocando, para tanto, precedente deste Tribunal referente à denominada “CPI dos Bancos” (RTJ 163/176, Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA), de que resultou o não-conhecimento daquela ação mandamental, em julgamento em que fiquei vencido na honrosa companhia dos eminentes Ministros ILMAR GALVÃO, NÉRI DA SILVEIRA, MARCO AURÉLIO e SEPÚLVEDA PERTENCE, pois entendíamos que, para além de uma simples controvérsia regimental, estava em debate questão relevantíssima pertinente ao reconhecimento e preservação do direito das minorias legislativas ao inquérito parlamentar.

Essa preliminar de não-conhecimento suscitada pelo Senhor Presidente da Câmara dos Deputados não pode ser acolhida, porque – além de apoiada em precedente de todo superado (MS 22.494/DF – “CPI dos Bancos”) – não tem o beneplácito da jurisprudência desta Suprema Corte (MS 24.849/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.), que, em sua atual composição, reafirmou a clássica orientação do Supremo Tribunal Federal, que reconhece a plena legitimidade da atuação do Poder Judiciário, quando se registrar, em determinado processo, como na espécie, a alegação de ofensa a qualquer direito assegurado pela Constituição da República (MS 25.579-MC/DF, Rel. p/ o acórdão Min. JOAQUIM BARBOSA – MS 25.647-MC/DF, Rel. p/ o acórdão Min. CEZAR PELUSO, v.g.).


Tenho para mim que a preliminar suscitada pelo Senhor Presidente da Câmara dos Deputados, neste caso, acha-se bem respondidae rejeitada – pelos fundamentos constantes dos votos vencidos então proferidos pelos eminentes Ministros MARCO AURÉLIO e SEPÚLVEDA PERTENCE no julgamento do mandado de segurança referente à denominada “CPI dos Bancos”:

MINISTRO MARCO AURÉLIO:

Não posso endossar a óptica daqueles que chegam ao ponto de admitir até mesmo a possibilidade de, em face a conveniências momentâneas reinantes, a ilustrada maioria simplesmente rasgar o Regimento e ditar a regra de plantão para a disciplina da matéria. Esse modo de ver as coisas não se coaduna com o Estado Constitucional Democrático de direito em que vivemos, nem com a pluralidade política encerrada pela própria Carta da República; não homenageia a necessidade de, em prol do almejado equilíbrio, preservar-se, acima de tudo, a atuação das minorias; alfim, resulta em fator conducente ao totalitarismo.

(…) Em jogo não está apenas o Regimento do Senado Federal, mas preceito da própria Constituição Federal; em questão está a intangibilidade do § 3º do artigo 58 da Carta em vigor (…).

……………………………………………

Senhor Presidente, do texto extraio que uma Comissão Parlamentar de Inquérito é instrumental colocado ao alcance não da maioria, que tudo pode a partir do voto, mas, no tocante à instalação, da minoria, já que no preceito constitucional cuida-se de requerimento de um terço, e não dos restantes dois terços dos membros da Casa. Na espécie dos autos – e devemos ter presente o princípio da realidade – houve o requerimento formulado por um terço. E aí, por isso ou por aquilo, tendo em conta as repercussões do tema, o que noticiaram os veículos de comunicação, à época, surgiu a toda poderosa maioria, que, a pretexto de não se contar com verbas suficientes para prover despesas dessa Comissão, a chamadaCPI dos Bancos’ – e há verbas para muitas outras coisas -, simplesmente fulminou a Comissão Parlamentar de Inquérito já instaurada. Ora, o Regimento Interno condiciona o alcance do preceito constitucional? É possível a inversão de valores? É possível potencializar-se o Regimento Interno da Casa, colocando-se em plano secundário o objetivo maior do § 3º do artigo 58? A prerrogativa não é assegurada à minoria, uma vez que a maioria tudo pode? Não, Senhor Presidente. Não posso, reafirmo, potencializar o Regimento Interno, potencializar o que vejo, de forma desassombrada, como um simples pretexto, a inexistência de recursos, e simplesmente dizer da ineficácia do que se contém no § 3º do artigo 58 da Constituição Federal. (…).” (grifei)

MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE:

Hoje, tem-se um grupo de parlamentares, em número indiscutivelmente bastante, à luz do art. 58, § 3º da Constituição, para requerer a constituição de Comissão Parlamentar de Inquérito, a sustentar que violou a Constituição, em primeiro lugar, mas violou também o próprio Regimento Interno do Senado Federal a deliberação da maioria que, depois de instalada a CPI, veio a extingui-la, provendo recurso contra ato do Presidente da Casa, a pretexto da ausência de fato determinado a investigar e da indicação do limite de despesas para o seu funcionamento, como seria exigido por norma regimental (na verdade, habitualmente não cumprida).


Indaga-se: há direito subjetivo em jogo? A meu ver, sim, e direito fundamental: a CPI é instrumento básico da minoria; a maioria não precisa de CPI. A constituição de comissões parlamentares de inquérito para fiscalizar o Governo, sem se converter antes em maioria, é direito fundamental da minoria e, portanto, dos deputados que, em determinado episódio, a personalizam, na medida em que firmam requerimento para investigação de fato que consideram relevante.

Por isso, sem adentrar no mérito, para não violar as fronteiras que a maioria se impôs, conheço do mandado de segurança.” (grifei)

Sendo assim, e por todas as razões que venho de expor, rejeito a preliminar suscitada pelo eminente Senhor Presidente da Câmara dos Deputados.

É o meu voto.

V O T O

(s/ mérito)

O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO – (Relator): Superadas, desse modo, as questões prévias que venho de referir, cabe examinar, agora, o fundo da controvérsia delineado nesta ação de mandado de segurança.

Vale relembrar que, na presente impetração mandamental, deduzida perante esta Suprema Corte, os impetrantes opuseram-se ao ato da Presidência que ordenou o processamento do recurso interposto pelo Senhor Líder do PT, já antevendo, então, o desfecho que viria a consumar-se, em 21/03/2007, quando o Plenário da Câmara dos Deputados, ao apreciar tal recurso, acolheu-o, determinando, em conseqüência, em função da invalidação do Ato da Presidência da Câmara dos Deputados – que reconhecera preenchidos os requisitos constitucionais e regimentais necessários à instauração da investigação parlamentar referida – a extinção anômala da CPI em questão.

O Deputado Fernando Coruja, que é um dos litisconsortes ativos nesta sede mandamental, sustentou, na Câmara dos Deputados, que, em tema de CPI, a interposição de recurso para o Plenário dessa Casa só é cabívelsecundum eventum litis”, vale dizer, se e quando o Presidente dessa Casa legislativa devolver, a seus autores, o requerimento de criação de CPI (RICD, art. 35, § 2º), por entender não satisfeitas as exigências constitucionais e regimentais pertinentes à válida instauração do inquérito parlamentar.

Eis, no ponto, o fundamento no qual esse ilustre impetrante, no Plenário da Câmara dos Deputados, apoiou a sua alegação (fls. 35v./36):

Ora, só cabe recurso ao Plenário para CPI quando há negativa da Mesa para sua criação. É o dispositivo específico para CPI. Não cabe recurso ao Plenário para CPI, porque é questão específica. O dispositivo do art. 35, § 2º, do Regimento Interno se contrapõe ao que trata de questão de ordem. Como ela é genérica, deve prevalecer a disposição específica, porque há uma antinomia jurídica.

O Regimento Interno, inteligentemente, prevê que só há recurso ao Plenário quando o Presidente negar. Como o Presidente confirmou o requerimento, evidentemente, então, não cabe recurso ao Plenário.” (grifei)


Em outra passagem, esta constante da própria impetração mandamental, os autores do presente “writ” – enfatizando a inadmissibilidade do recurso que o Senhor Líder do PT interpôs para o Plenário da Câmara dos Deputados, objetivando a extinção da CPI em causa – expuseram as seguintes razões (fls. 07 e 09):

(…) o Presidente da Câmara dos Deputados não pode desviar, suprimir, violar ou retardar competência de CPI já criada nos termos da Constituição, dando abrigo a indevido recurso contra decisão em questão de ordem.

……………………………………………

Se o parlamentar que a formulou encontra dúvidas acerca da constitucionalidade do requerimento de criação da CPI, a sede de discussão sobre tais fundamentos jurídicos deve ser o Supremo Tribunal Federal, guardião da Constituição, e não o plenário da própria Câmara dos Deputados, sob pena do o direito da minoria ficar ao talante da maioria.” (grifei)

O litisconsorte passivo necessário, no entanto – ao defender a possibilidade de submeter, ao Plenário da Câmara dos Deputados, mediante recurso, o exame final sobre o Ato da Presidência da Casa que formalmente declarou criada a CPI -, sustenta que tal entendimento visa a impedir que se instaurem, abusivamente, inquéritos parlamentares, por iniciativa das minorias legislativas, que podem, muitas vezes, agir, nesse domínio, de modo abertamente contrário ao que dispõe a própria Constituição da República.

Na realidade, o Senhor Líder do PT sustenta que o recurso ao Plenário da Câmara dos Deputados, em tal situação, qualifica-se como verdadeiro instrumento de defesa da própria Constituição Federal, na medida em que busca preservar – conforme expressamente afirmou em sua contestação a este mandado de segurança – “os deveres e garantias insculpidos no texto da Carta da República, especificamente no que diz respeito aos requisitos delineados em seu art. 58, § 3º” (fls. 324).

Tendo presente esse específico contexto, e ao determinar a remessa deste processo ao eminente Procurador-Geral da República, para parecer, expressamente acentuei que a resolução desta controvérsia mandamental dependeria, essencialmente, da resposta à seguinte indagação (fls. 430): “pode, ou não, a maioria, sustentando a inobservância do art. 58, § 3º, da Constituição e valendo-se de meios regimentais (como a questão de ordem e o recurso), deslocar, para o Plenário da Câmara dos Deputados (onde os grupos majoritários são hegemônicos), a decisão final sobre a efetiva criação da CPI, vindo, desse modo, a frustrar o direito da minoria à investigação parlamentar?

Entendo que não, Senhora Presidente. É que os grupos majoritários, muitas vezes apoiando-se em interpretações de mera conveniência político-partidária, não podem desrespeitar o direito que, em tema de investigação parlamentar, assiste, constitucionalmente, aos membros do Legislativo, notadamente aos que compõem os grupos minoritários que nele atuam, observadas, para esse efeito, as exigências do art. 58, § 3º, da Constituição.

É que a prerrogativa institucional de investigar – deferida às Casas do Congresso Nacional (especialmente aos grupos minoritários que nelas atuam) – não pode ser comprometida pelo bloco majoritário existente no Parlamento.


Isso significa que a maioria, a pretexto de inobservância da Constituição, não pode deslocar, como sucedeu na espécie, para o Plenário das Casas legislativas (a Câmara dos Deputados, no caso), a decisão final sobre a efetiva criação de determinada CPI, sob pena de frustrar e nulificar, de modo inaceitável e arbitrário, o exercício, pelo Legislativo (e pelas minorias que o integram), do poder constitucional de fiscalizar e investigar o comportamento dos órgãos, agentes e instituições do Estado, notadamente daqueles que se estruturam na esfera orgânica do Poder Executivo.

Não foi por outra razão que o eminente Senhor Procurador-Geral da República, em fundamentado parecer, pronunciou-se, com inteiro acerto, no sentido de não se revelar possível o deslocamento, em sede recursal, para o Plenário da Câmara dos Deputados, da decisão final sobre a criação de qualquer Comissão Parlamentar de Inquérito, particularmente da CPI a que se refere esta impetração mandamental (fls. 436/440):

27. O julgamento da pretensão mandamental pressupõe resposta à seguinte indagação: é legítima a apresentação de questão de ordem e de recurso contra ato do Presidente da Câmara dos Deputados que aprova a instalação de CPI, em face do que dispõe o preceito constitucional de criação de comissões parlamentares de inquérito?

……………………………………………

29. Vê-se que são apenas três os requisitos constitucionais exigidos para a criação de comissões parlamentares de inquérito: requerimento de um terço dos membros de uma ou das duas Casas Legislativas, apuração de fato determinado e fixação de prazo certo.

30. A fixação de número reduzido de parlamentares que devem aderir à formulação de requerimento para a criação de CPI atende à vontade e propósito construídos ao longo do tempo no âmbito do direito constitucional interno e comparado, no sentido de estabelecer instrumento de controle cujo manejo ficasse à disposição e a cargo dos blocos parlamentares minoritários. (…).

……………………………………………

32. Segue-se daí que a criação de CPI, nos termos precisos do regramento constitucional, não está condicionada à prévia discussão e consenso pela maioria parlamentar da Casa respectiva. O constituinte foi expresso ao prescrever que a CPI será criada, obedecidos os demais requisitos constitucionais já referidos, mediante requerimento de um terço dos membros de qualquer das Casas.

33. Neste sentido já me pronunciei (Parecer 1576– -PGR-AF, em anexo) na ADI 3619 julgada por essa Corte em 1º/08/2006, em que se reconheceu a inconstitucionalidade de norma do Regimento Interno da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo que submetia, à prévia manifestação do Plenário o pedido de constituição de CPI.

34. Dessa concepção e sob ângulo diverso, mas por igual ou maior razão, decorre a conclusão de que, aprovada a sua instalação pela autoridade competente para tanto – o Presidente da Câmara dos Deputados, na espécie, consoante atribuição prevista no art. 35, § 2º, do Regimento Interno daquela Casa -, com o conseqüente reconhecimento pela referida autoridade da presença dos requisitos que a autorizam, concluído está o procedimento de criação em questão, não sendo cabível o questionamentointerno de sua legitimidade, que implicaria retirar da minoria parlamentar o poder de decisão acerca do requerimento para a instauração de CPI e transferi-lo à maioria dos congressistas – se permitida a votação do recurso em plenário -, em evidente descompasso com o comando constitucional.


35. Não obstante o esforço interpretativo desenvolvido pela maioria parlamentar, observa-se que a pretensão externada na questão de ordem apresentada no âmbito da Câmara não tem amparo, sequer regimental. O Regimento da Câmara, seguindo o delineamento do constituinte, estabeleceu que a decisão do requerimento de criação de CPI caberá a seu Presidente, admitindo-se a interposição de recurso dessa decisão exclusivamente quando desfavorável à pretensão de instalação da CPI.

36. A previsão genérica da possibilidade de formulação de questão de ordem para o saneamento de dúvida acerca da interpretação do Regimento Interno da Casa Legislativa ou de interposição de recurso contra atos da Presidência não tem aplicação no caso presente, seja porque há regra específica incidente sobre o procedimento de instalação de CPI (art. 35), seja porque, abstratamente admitida na hipótese, não poderia se sobrepor, em concreto, à regra da Constituição da República que garante o direito da minoria parlamentar de promover a criação da CPI.

37. Na hipótese dos autos, vê-se nítido propósito da maioria parlamentar de, valendo-se de supostas dúvidas regimentais, criar embaraços ao exercício daquele direito.

38. Segue-se, assim, que é o Judiciário, e não a própria Casa Legislativa, a sede própria para o questionamento do ato do Presidente da Câmara dos Deputados que defere requerimento de criação da CPI e seja reputado pelos integrantes da maioria como abusivo ou ilegítimo porque ausentes um ou mais requisitos constitucionais.

39. Portanto, pode-se assentar que não é constitucionalmente legítima a apresentação de questão de ordem e recurso contra ato do Presidente da Câmara que aprova a instalação de CPI. E tal conclusão revela a procedência da pretensão mandamental dos impetrantes no sentido da invalidação dos atos (questão de ordem e recurso ao plenário) praticados com a finalidade de postergar ou obstar a investigação parlamentar em questão. (…).” (grifei)

Também o eminente constitucionalista MICHEL TEMER, quando Presidente da Câmara dos Deputados, respondendo questão de ordem, então suscitada pelo Deputado Sérgio Miranda, igualmente entendeu não ser possível, à maioria, valendo-se de meios regimentais, transferir, ao Plenário da Casa legislativa, mediante interposição de recurso, a discussão do tema, vindo a frustrar, desse modo, com tal expediente, a criação de Comissão Parlamentar de Inquérito (fls. 115):

Quanto à questão nova trazida pelo Deputado Sérgio Miranda, no sentido de não haver possibilidade regimental de recurso contra o recebimento de requerimento de criação da CPI, já que apenas as decisões denegatórias da Presidência eram recorríveis, parece-nos, de igual modo, procedente.

De observar-se, em primeiro lugar, que as Comissões Parlamentares de Inquérito foram concebidas constitucionalmente como instrumentos postos à disposição das minorias e até das maiorias para bem exercerem a função fiscalizadora que cabe, constitucionalmente, ao Poder Legislativo, não podendo, pois, submeter-se apenas à vontade da maioria, sob pena de se tornarem absolutamente ineficazes. Lembre-se que, nos termos do art. 58, § 3°, do texto constitucional, basta que um terço do total de membros de quaisquer das Casas solicite a criação de uma CPI para investigar determinado fato para que esta venha a ser instalada, não havendo necessidade de deliberação da maioria sobre o assunto. O direito de instalação é inequivocamente da minoria – um terço do total -, e o juiz da existência desse direito é, nos termos regimentais, o Presidente da Casa, não a maioria. Essa é a vontade expressa pela Constituição Federal, a teor do que dispõe o seu art. 58, § 3°.


No que tange, ao aspecto processual interno, parece-me que a lei interna não admite a possibilidade de a maioria insurgir-se contra despacho da Presidência, que recebe requerimentos de criação de uma CPI. É o que se pode deduzir do especificamente disciplinado no citado art. 35, § 2°, e igualmente no disposto na norma genérica do art. 114, parágrafo único, do mesmo Regimento, que determina só existir possibilidade de recurso, no caso de requerimentos sujeitos apenas a decisão do Presidente, quando a decisão seja denegatória.

Em verdade, o instituto da questão de ordem não se reveste de instrumentalidade bastante para trancar a instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito, conforme aduz o art. 95, ‘caput’, do Regimento Interno da Câmara dos Deputados.” (grifei)

Essa mesma preocupação com a preservação da integridade do direito das minorias parlamentares à investigação legislativa foi também revelada em precioso magistério doutrinário expendido em monografia sobre o tema em questão, levando, o seu autor, MARCOS EVANDRO CARDOSO SANTI (“Criação de Comissões Parlamentares de Inquérito: Tensão entre o direito constitucional de minorias e os interesses políticos da maioria”, p. 46/47 e 50, item n. 1.3, 2007, Fabris Editor), a expor, em tom de grave advertência, as conseqüências lesivas, a tal prerrogativa constitucional, que derivariam do entendimento que admitisse possível o deslocamento, para o Plenário (onde impera a maioria), da decisão final sobre a criação de qualquer CPI:

No ato de criação de CPI, com a leitura e a publicação do requerimento, ou mesmo após a consumação dessas fases, as correntes parlamentares que a ela se opõem muitas vezes tentam inviabilizar o inquérito parlamentar.

(…) Por isso, quando da consumação da criação de uma CPI, ou mesmo quando essa já tiver sido criada, a base parlamentar de apoio ao Presidente da República com freqüência tem lançado mão de um último instrumento parlamentar: anular o requerimento, por meio do questionamento constitucional – e também regimentaldo preenchimento dos requisitos de criação da comissão.

Nessa medida, a análise da constitucionalidade do requerimento passa a ocupar o centro do debate político-parlamentar e caracterizar-se como um obstáculo adicional a ser superado para se viabilizar o inquérito parlamentar. Esse confronto expõe o que denominamos ‘tensão entre o direito das minorias’ – que em tese deveria estar assegurado com o preenchimento dos requisitos de criação da CPI – ‘e os interesses da maioria’, uma vez que esta, sentindo-se ameaçada, atua no sentido de tentar impedir o inquérito.

Mais especificamente, a análise de constitucionalidade dos requisitos de criação de CPI constitui-se na última etapa anterior à instalação e ao funcionamento da comissão, e caracteriza-se por ‘colocar em xeque’ o requerimento. A estratégia da maioria, em propor uma análise de constitucionalidade mais rigorosa – do que a previamente realizada pela Mesa antes da leitura -, visa a anular o requerimento, por meio da transferência para o Plenário do poder decisório, que, em princípio, estaria restrito à minoria de um terço – aquela necessária à criação da CPI.

…………………………………………..

Nessa reflexão há importantes aspectos a serem levados em consideração. (…) a questão de ordem não pode se transformar em instrumento para que a maioria, de forma abusiva, desrespeitando a Constituição, inverta decisões da minoria (…).” (grifei)


É por essa razão que a rejeição do ato de criação da CPI, em sede recursal, pelo Plenário da Câmara dos Deputados, ainda que por expressiva maioria, não tem o condão de justificar a frustração do direito de investigar que a própria Constituição da República outorga às minorias parlamentares, notadamente se se considerar – tal como sucedeu na espécie – que o Presidente da Câmara dos Deputados já havia reconhecido, em Ato próprio, o atendimento dos requisitos necessários à instituição desse órgão de investigação legislativa.

É que, como se sabe, deliberações parlamentares majoritárias (ou, até mesmo, unânimes) não se qualificam como fatores de legitimação de atos eventualmente inconstitucionais que delas resultem, eis que nada pode justificar, considerado o próprio significado do regime democrático, a perversão das Instituições, notadamente quando os atos do Parlamento transgridem direitos, prerrogativas e garantias assegurados pela Constituição da República.

Em uma palavra: deliberações parlamentares, ainda que resultantes de votações unânimes ou majoritárias, não se revestem de autoridade suficiente para convalidar os vícios gravíssimos da inconstitucionalidade, pois, se tal fosse possível, a vontade de um dos Poderes constituídos culminaria por subverter a supremacia da Constituição, vulnerando, de modo inaceitável, o próprio significado do regime democrático.

Nem se diga que semelhante entendimento representaria ofensa ao direito dos grupos majoritários à correta observância dos requisitos estabelecidos, pela Constituição, em seu art. 58, § 3º, para efeito de válida criação de qualquer CPI.

É certo que pode ocorrer situação configuradora de instauração abusiva, eventualmente inconstitucional, de determinado inquérito parlamentar, como sucederia, p. ex., no caso de o Congresso Nacional pretender fiscalizar matéria sobre a qual não dispõe de competência para legislar (sabemos que, onde não há poder para legislar, não há poder para investigar), ou na hipótese de o requerimento de criação de certa CPI deixar de satisfazer, evidentemente, os requisitos delineados no § 3º do art. 58 da Constituição.

Se tal situação se registrar, os grupos majoritários no Congresso Nacional, querendo, poderão submeter, a esta Corte, mediante impetração de mandado de segurança, o exame dessa controvérsia jurídica (não-atendimento dos pressupostos e requisitos constitucionais necessários à instituição de CPI), pedindo, então, ao Supremo Tribunal Federal, que aprecie, no estrito desempenho da competência que lhe dá a Constituição da República, a validade jurídico-constitucional do ato concreto da Presidência da Casa legislativa que houver formalmente declarado a criação de determinada CPI, não obstante em desacordo com o que prescreve o § 3º do art. 58 da Lei Fundamental.

Não fosse assim, e caso se admitisse a possibilidade de a maioria, mediante utilização de meios regimentais (como o recurso), deslocar, para o Plenário da Casa legislativa (como sucedeu na espécie), a deliberação final sobre a efetiva criação de determinada CPI, frustrar-se-ia, de maneira inevitável, o exercício, pelas minorias parlamentares, de seu direito à investigação legislativa.

Para que o direito das minorias seja preservado, como convém a qualquer regime político fundado em bases democráticas, e também para evitar que os grupos minoritários, abusando dessa valiosa prerrogativa institucional, façam instaurar, de modo ilegítimo, inquéritos parlamentares cuja criação descumpra as exigências constitucionais, impõe-se submeter o conflito decorrente do estado de tensão dialética entre os direitos da minoria e os dos grupos majoritários ao exame do Poder Judiciário, pois tal litígioembora impregnado de elevado componente político – reveste-se de qualificação constitucional, considerados os princípios e os direitos em situação de antagonismo.


O Supremo Tribunal Federal, presente esse contexto, e desempenhando legítima atribuição que a própria Constituição da República lhe outorgou, atuará como instância arbitral e moderadora dos conflitos constitucionais decorrentes, quer da arbitrária recusa, pela maioria legislativa, de criação de determinada CPI (o que ofenderia os direitos dos grupos minoritários de oposição), quer da inválida instituição, pela minoria parlamentar, de CPI destituída de fundamento constitucional (o que transgrediria os direitos dos grupos majoritários).

Daí a correta observação feita pelo eminente Procurador-Geral da República, quando adverte, com absoluta propriedade, que a instância constitucionalmente adequada à resolução desse conflito reside nesta Suprema Corte (fls. 439):

Segue-se, assim, que é o Judiciário, e não a própria Casa Legislativa, a sede própria para o questionamento do ato do Presidente da Câmara dos Deputados que defere requerimento de criação da CPI e seja reputado pelos integrantes da maioria como abusivo ou ilegítimo porque ausentes um ou mais requisitos constitucionais.” (grifei)

Preservam-se, desse modo, quando presente situação de litigiosidade constitucional, tanto os direitos da minoria parlamentar quanto os direitos da maioria legislativa, evitando-se, assim, que uns e outros culminem por frustrar, reciprocamente, as prerrogativas de que são titulares.

Tenho para mim que os direitos da minoria à investigação parlamentar foram transgredidos e desrespeitados, na espécie em exame, pela decisão da Presidência da Câmara dos Deputados que admitiu o processamento de recurso interposto por Líder partidário que representa corrente majoritária nessa Casa do Congresso Nacional.

Com o acolhimento desse recurso, o Plenário da Câmara dos Deputados culminou por invalidar, de modo inconstitucional, o Ato da Presidência dessa Casa legislativa que havia formalmente declarado a criação da CPI em referência, por corretamente entender satisfeitos os requisitos constitucionais a que se refere o art. 58, § 3º, da Lei Fundamental da República.

Daí a precisa observação do eminente Procurador-Geral da República, quando assinala que – reconhecido, formalmente, pelo Presidente da Câmara dos Deputados, o atendimento dos requisitos a que alude o § 3º do art. 58 da Constituição – “concluído está o procedimento de criação em questão, não sendo cabível o questionamentointerno de sua legitimidade, que implicaria retirar da minoria parlamentar o poder de decisão acerca do requerimento para a instauração de CPI e transferi-lo à maioria dos congressistas – se permitida a votação do recurso em plenário -, em evidente descompasso com o comando constitucional” (fls. 438/439, item n. 34).

O próprio Regimento Interno da Câmara dos Deputados, em norma compatível com a cláusula constitucional que confere, à minoria legislativa, o direito à investigação parlamentar, confirma esse entendimento, pois estabelece, em seu art. 35, § 2ºque traduz regra específica (“lex specialis”) aplicável, com exclusão das disposições genéricas, ao procedimento de criação de CPI -, que, “Recebido o requerimento, o Presidente o mandará à publicação, desde que satisfeitos os requisitos regimentais; caso contrário, devolvê-lo-á ao Autor, cabendo, desta decisão, recurso para o Plenário, no prazo de cinco sessões, ouvida a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania” (grifei).


Vê-se, daí, que o modelo concebido e estruturado na presente Constituição brasileira, historicamente vinculado, em sua formulação, à Constituição Federal de 1934 (art. 36) – e, mais distante, ainda, no tempo, à Constituição de Weimar, de 1919 (art. 34) -, visa a proteger os grupos minoritários contra eventuais abusos cometidos, em tema de instituição de Comissão Parlamentar de Inquérito, pela maioria que atua nas Casas do Congresso Nacional.

Na realidade, o ato de criação de qualquer CPI, considerado o que dispõe o art. 58, § 3º, da Constituição, representa exceção derrogatória da regra majoritária proclamada pelo art. 47 do estatuto constitucional, pois, para efeito de instituição da comissão parlamentar de inquérito, os grupos minoritários prescindem da vontade aquiescente da maioria que atua no âmbito do Poder Legislativo.

Com efeito, a criação de CPI traduz exceção que a própria Constituição da República estabeleceu em face do princípio majoritário, razão pela qual as minorias parlamentares que componham, ao menos, 1/3 (um terço) dos membros integrantes das Casas legislativas têm o direito à instauração do inquérito parlamentar, uma vez satisfeitos os requisitos constitucionais da temporariedade da investigação legislativa e da indicação de fato determinado.

Vale referir, no ponto, antiga decisão desta Suprema Corte proferida sob a égide da Carta Política de 1969 (Rp 1.183/PB), consubstanciada em acórdão assim ementado:

Número de assinaturas necessárias à criação de comissão parlamentar de inquérito nas Assembléias estaduais.

O artigo 37 é exceção ao princípio estabelecido no artigo 31, ambos da Constituição Federal, e, como este, é aquele de observância obrigatória pelos Estados-membros, tendo em vista a natureza deles e o disposto no ‘caput’ do artigo 13 e no artigo 200, da mesma Constituição.

Representação de inconstitucionalidade que se julga procedente, para declarar inconstitucional o inciso XVIII do artigo 24 da Emenda Constitucional nº 1, de 16 de junho de 1970, do Estado da Paraíba.

(RTJ 113/36, Rel. Min. MOREIRA ALVES – grifei)

É relevante observar, no ponto, o registro que o saudoso Ministro OSCAR CORRÊA fez, em seu douto voto, quando do julgamento da mencionada Rp 1.183/PB, ocasião em que Sua Excelência – que foi um eminente e respeitado membro do Congresso Nacional – rememorou práticas lesivas cometidas, pelos grupos majoritários, no âmbito parlamentar e no contexto do permanente conflito que se processa na esfera da luta política, não obstante a existência de norma constitucional garantidora do direito de investigar reconhecido às minorias legislativas:

(…) quero apenas fazer uma declaração: passados vinte e nove anos, no Supremo Tribunal Federal, verifico, com grande satisfação, que a norma do artigo 37, na atual Constituição, é absolutamente válida e deve ser obedecida pelo Parlamento. E isto porque, em 1955, Deputados, mais de um terço, tiveram a oportunidade de apresentar requerimento de constituição de Comissão Parlamentar de Inquérito sobre fato determinado, e recusado, por motivos partidários, pela maioria.” (grifei)


Não foi por outra razão que esta Suprema Corte, ao julgar a ADI 3.619/SP, Rel. Min. EROS GRAU, tendo presente o modelo constitucional que rege, em nosso sistema jurídico, a criação de CPIs e que ampara, na instituição desses órgãos de investigação legislativa, as minorias parlamentares, proferiu decisão consubstanciada em acórdão assim ementado:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTIGOS 34, § 1º, E 170, INCISO I, DO REGIMENTO INTERNO DA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE SÃO PAULO. COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO. CRIAÇÃO. DELIBERAÇÃO DO PLÉNARIO DA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA. REQUISITO QUE NÃO ENCONTRA RESPALDO NO TEXTO DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. SIMETRIA. OBSERVÂNCIA COMPULSÓRIA PELOS ESTADOS-MEMBROS. VIOLAÇÃO DO ARTIGO 58, § 3º, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL.

1. A Constituição do Brasil assegura a um terço dos membros da Câmara dos Deputados e a um terço dos membros do Senado Federal a criação da comissão parlamentar de inquérito, deixando porém ao próprio parlamento o seu destino.

2. A garantia assegurada a um terço dos membros da Câmara ou do Senado estende-se aos membros das assembléias legislativas estaduais – garantia das minorias. O modelo federal de criação e instauração das comissões parlamentares de inquérito constitui matéria a ser compulsoriamente observada pelas casas legislativas estaduais.

3. A garantia da instalação da CPI independe de deliberação plenária, seja da Câmara, do Senado ou da Assembléia Legislativa. Precedentes.

4. Não há razão para a submissão do requerimento de constituição de CPI a qualquer órgão da Assembléia Legislativa. Os requisitos indispensáveis à criação das comissões parlamentares de inquérito estão dispostos, estritamente, no artigo 58 da CB/88.

5. Pedido julgado procedente para declarar inconstitucionais o trecho ‘só será submetido à discussão e votação decorridas 24 horas de sua apresentação, e’, constante do § 1º do artigo 34, e o inciso I do artigo 170, ambos da Consolidação do Regimento Interno da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo.”

(ADI 3.619/SP, Rel. Min. EROS GRAU, Plenogrifei)

É importante assinalar, neste ponto, que o Supremo Tribunal Federal, nesse recentíssimo julgamento da ADI 3.619/SP, deixou claramente positivado, em lição inteiramente aplicável ao caso ora em exame, que não se legitima, constitucionalmente, submeter, ao Plenário da Casa legislativa, o ato de criação de qualquer CPI.

No julgamento da ADI 3.619/SP, declarou-se a inconstitucionalidade de normas regimentais que faziam depender, da vontade majoritária, manifestada em sessão plenária do Legislativo, a criação de comissão parlamentar estadual de inquérito.

Na espécie ora em exame, a submissão do ato de criação da CPI em referência à deliberação do Plenário da Câmara dos Deputados fez-se, indiretamente, mas com igual carga de lesividade, em razão de recurso interposto por Líder partidário que representa, nessa Casa do Congresso Nacional, uma de suas correntes majoritárias, o que vulnerou – tal como reconhecido no precedente firmado na ADI 3.619/SP – o direito da minoria à investigação parlamentar, cujo exercício resultou frustrado pela prevalência da vontade da maioria.


Impõe-se, desse modo, a restauração da eficácia do Ato da Presidência da Câmara dos Deputados que reconheceu validamente configurados, no caso em exame, os requisitos necessários à criação da CPI em questão.

Vê-se, portanto, que tinha plena razão o eminente Senhor Presidente da Câmara dos Deputados, quando, na Sessão de 07/03/2007, comunicou a formal criação, mediante Ato da Presidência, da CPI destinada a “investigar as causas, conseqüências e responsáveis pela crise do Sistema de Tráfego Aéreo Brasileiro, desencadeada após o acidente aéreo ocorrido no dia 29 de setembro de 2006, envolvendo um Boeing 737-800, da Gol, vôo 1907, e um jato Legacy, da American ExcelAire, com mais de uma centena de vítimas” (fls. 25v.).

Na realidade, o exame dos documentos produzidos com a impetração mandamental evidencia que esse Ato da Presidência da Câmara dos Deputados – que veio a ser invalidado, em sede recursal, pelo Plenário dessa Casa do Congresso Nacional – deve ser preservado, em caráter definitivo, por esta Suprema Corte, em ordem a permitir a imediata instalação da CPI em questão.

E a razão é uma só: o Senhor Presidente da Câmara dos Deputados, depois de declarar formalmente criada referida CPI, veio a reafirmar, até mesmo quando contestado o seu Ato, em Plenário, pelo Senhor Líder do PT, na questão de ordem que este formulou, que estavam preenchidos, na espécie, todos os requisitos necessários à instauração do inquérito parlamentar em causa.

É importante rememorar, neste ponto, as razões em que se apoiou a decisão com que o Senhor Presidente da Câmara dos Deputados indeferiu a questão de ordem suscitada pelo Senhor Líder do Partido dos Trabalhadores (fls. 27/28):

Primeiro, com referência ao fato determinado. A Presidência da Câmara entendeu que ali há fato determinado, porque está escrito que se vai buscar identificar as causas, as conseqüências e os responsáveis. A Presidência respeita, evidentemente, aqueles que entendem de forma diferente.

Segundo, com referência ao prazo, o Regimento Interno, no seu art. 35, § 3º, dispõe:

Art. 35………………………………….

§ 3º A Comissão, que poderá atuar também durante o recesso parlamentar, terá o prazo de cento e vinte dias, prorrogável por até metade, mediante deliberação do Plenário, para conclusão de seus trabalhos.

Portanto, ainda que em outra parte do Regimento esteja dito que é necessário constar o prazo, esse outro artigo, no seu referido parágrafo, em minha interpretação, dispensa estar no próprio requerimento, até porque essa tem sido uma tradição nas decisões das Mesas anteriores.

Finalmente, com referência à composição numérica não estar no requerimento, de fato, o requerimento não indica essa composição. (…).

……………………………………………


Está dito aqui que precisa haver o prazo certo. Contudo, a Constituição não exige o número de membros. Ela exige que haja prazo certo.

Procuramos resoluções do Supremo Tribunal Federal. Assim se manifestou o STF sobre as exigências para criação das CPIs:

A instalação do inquérito, para viabilizar-se no âmbito das Casas Legislativas, está vinculada, unicamente, à satisfação de três exigências definidas, de modo taxativo, no texto da Carta política:

1. Subscrição do requerimento de constituição da CPI por, no mínimo, um terço dos membros da Casa legislativa;

2. Indicação de fato determinado a ser objeto de apuração;

3. Temporariedade da Comissão Parlamentar de Inquérito.’

(Mandado de Segurança nº 24.831)

Na interpretação da Presidência, as três condicionantes estão dadas no requerimento. Por isso, indefiro a questão de ordem do Líder Luiz Sérgio.” (grifei)

O Senhor Presidente da Câmara dos Deputados, desse modo, ao reconhecer configurados os requisitos necessários à CPI em causa, entendeu presente, desde logo, no requerimento subscrito pela minoria parlamentar, a referência (sempre necessária) ao fato determinado.

Ninguém desconhece que a Constituição exige a indicação de fato determinado para efeito de legítima instauração de inquérito parlamentar.

Quando fui membro do Ministério Público do Estado de São Paulo, nele exercendo o honroso cargo de Promotor de Justiça, tive o ensejo de discutir a questão constitucional pertinente à exigência do fato determinado (“Investigação Parlamentar Estadual: As Comissões Especiais de Inquérito”, Revista “Justitia”, v. 45/155-160, nº 121, abr.-jun. 1983), expendendo, então, as seguintes considerações:

Mencione-se, desde logo que ‘somente fatos determinados’, concretos e individuados, ainda que múltiplos, que sejam de relevante interesse para a vida política, econômica, jurídica e social do Estado, são passíveis de investigação parlamentar. Constitui verdadeiro abuso instaurar-se inquérito legislativo com o fito de investigar fatos genericamente enunciados, vagos ou indefinidos. O objeto da comissão de inquérito há de ser preciso.” (grifei)

Devo assinalar, por necessário, que mantenho esse mesmo entendimento, eis que reputo indispensáveltratando-se de CPI – que a investigação por ela realizada atenha-se a um âmbito de atuação materialmente delimitado, com referência a dados concretos, como se registra, no caso em exame, com a Comissão Parlamentar de Inquérito em questão, cujo Requerimento de criação alude, com extrema clareza, a um lamentável e trágico evento da aviação civil brasileira, em que 154 pessoas perderam a vida, em decorrência de suposta falha do sistema de controle de tráfego aéreo.


Esse terrível evento – que constitui objeto da pretendida apuração parlamentar – foi expressamente indicado no Requerimento subscrito pela minoria legislativa e acentuado, de modo particularmente enfático, na Justificação que também compõe o Requerimento em causa (fls. 17v./18v.).

Nada mais determinado, portanto, em sua concreta (e dramática) configuração, do que esse terrível episódio, expressamente incluído no campo da investigação legislativa pretendida pela minoria parlamentar na Câmara dos Deputados.

Como assinalado, o Requerimento nº 1/2007, subscrito pela minoria parlamentar, na Câmara dos Deputados, indica, de forma bastante clara e precisa, um evento concreto que se ajusta ao conceito de fato determinado, a atender, assim, a exigência que a Constituição impõe ao ato de criação da Comissão Parlamentar de Inquérito.

Na realidade, o Requerimento da minoria parlamentar contém referência a fato determinado (a morte trágica de 154 pessoas), cuja menção, por si só, já bastaria para viabilizar a instauração da Comissão Parlamentar de Inquérito, permitindo, desse modo, em face de notório contexto, a apuração legislativade interesse geral dos cidadãos deste País – das “causas, conseqüências e responsáveis pela crise do sistema de tráfego aéreo brasileiro, chamada de ‘apagão aéreo’, desencadeada após o acidente aéreo ocorrido no dia 29 de setembro de 2006 (…)” (fls. 17v. – grifei).

Ao deferir o pedido de medida cautelar, já havia assinalado, em minha decisão, que nada pode ser mais ultrajante, para o sentimento de decência nacional, do que os eventos que compõem a sucessão de graves incidentes que culminaram no terrível acidente aéreo de 29/09/2006, envolvendo 154 vítimas, e que representou o mais dramático episódio de toda essa cadeia de lamentáveis ocorrências que afetaram – e continuam afetando – o sistema de tráfego aéreo em nosso País, gerando transtornos, provocando intranqüilidade, reduzindo a confiabilidade na segurança do transporte aéreo, comprometendo a integridade do próprio sistema de controle de tráfego aéreo administrado pela União Federal e lesando, profundamente, os direitos básicos, decorrentes de relações de consumo, titularizados pelo usuário desses mesmos serviços.

O que me parece irrecusável, nesse contexto, é que a menção ao trágico episódio do acidente aéreo basta para que nela se reconheça a presença, no caso, do fato determinado a que se refere a Constituição da República no § 3º de seu art. 58.

Vale referir, neste ponto, por oportuno, que, não obstante a parte narrativa do Requerimento em questão já contenha, ela própria, por si só, a referência ao fato determinado, torna-se importante assinalar que a Justificação (que compõe a estrutura formal do Requerimento em causa) também põe em destaque, para efeito da investigação legislativa, a individualização do fato determinado objeto da mencionada CPI (fls. 17v./18v.):

É do conhecimento público que:

1. Há atualmente uma forte crise no setor de transporte aéreo regular de passageiros no Brasil.

2. O grave acidente aéreo ocorrido no dia 29 de setembro de 2006, envolvendo um Boeing 737-800, da Gol (vôo 1907) e um jato Legacy, da América ExcelAire com mais de uma centena de vítimas, desencadeou a crise chamada de ‘apagão aéreo’.


3. A crise inclui, além dos aspectos ligados à segurança do tráfego aéreo, outros ligados à infra-estrutura aeroportuária, àqueles ligados aos consumidores e companhias aéreas (atrasos de vôos, overbooking, cancelamentos de vôos, entre outros), além de casos estranhos como panes que paralisaram vários aeroportos importantes por horas.

4. Os problemas no controle do tráfego aéreo no País, vêm causando transtornos à população, tanto em conseqüência de atrasos e cancelamentos de vôos, quanto sobre a atividade econômica em geral, como também outros ainda mais graves, conforme mostrou o noticiário com impedimentos de cirurgias e transplantes.

5. Relatório de Levantamento de Auditoria do Tribunal de Contas da União, de 12 de dezembro de 2006, relatado pelo Ministro Augusto Nardes, teve como objetivos avaliar a situação do controle do tráfego aéreo no país e subsidiar eventual trabalho de fiscalização a ser efetuado pelo Tribunal. O Relatório aponta que teria havido retenção de R$ 523,5 milhões para Cindactas, contrariando a convicção do Governo de que não faltaram recursos para impedir a crise aérea. Esse valor equivale a 35% dos recursos efetivamente aprovados no Orçamento, R$ 1,494 bilhão entre 2004 e 2006. O relatório apontou também que teria havido falta de articulação dentro do Governo, com responsabilidade de todos os envolvidos. Para vencer as graves falhas, o TCU fez diversas determinações aos órgãos que cuidam do planejamento e da fiscalização da aviação e do espaço aéreo. Diz o Relatório:

‘(…) quanto ao Sistema de Controle do Espaço Aéreo Brasileiro – SISCEAB, a auditoria delimitou com propriedade suas competências e características específicas de cada órgão integrante, dentre as quais se destaca o já mencionado Departamento de Controle do Espaço Aéreo – DECEA, ao qual se encontram subordinados os quatro Centros Integrados de Controle do Tráfego Aéreo – CINDACTAs, que têm como incumbência manter seguro o fluxo do tráfego nas áreas sob sua jurisdição, por meio do Centro de Controle de Área (ACC), órgão responsável pela autorização de decolagens, pelo provimento do controle do tráfego das aeronaves que estejam em rota, ou seja, nas aerovias, e onde ocorreu a quase totalidade dos problemas relacionados ao ‘apagão aéreo’. Como bem destacado no Relatório, eventuais falhas ocorridas no ACC, tais como diminuição nos canais disponíveis para comunicação por rádio, insuficiência no número de controladores, ou mesmo excesso de aeronaves controladas, provoca o denominado controle de fluxo, que consiste no aumento do intervalo entre as decolagens nos aeroportos controlados pelo respectivo ACC, provocando o efeito cascata de atrasos nos vôos, de modo a possibilitar que o fluxo de aviões seja readequado à capacidade operativa do órgão, que depende de uma série de fatores como o número de equipamentos disponíveis, incluídos os radares, freqüência de controle, postos de operação (consoles de visualização ativados), operadores, controladores e mantenedores. (…)’

6. Na Câmara dos Deputados, a Comissão Externa de Controle do Tráfego Aéreo, criada em 6 de dezembro de 2006, para acompanhar a crise nos aeroportos brasileiros, foi encerrada em 22 de dezembro sem aprovação de Relatório.

A situação é de tal ordem que exige solução imediata, sob pena de rápido e expressivo agravamento dos prejuízos à Nação, em conseqüência da possível desorganização e paralisia deste setor estratégico.

Desta forma, a solução desta grave crise exige a cooperação entre os diversos Poderes da República. Dado que a questão é de relevante e urgente interesse nacional, os parlamentares signatários desta proposta, embora cientes da complexidade do processo, esperam contribuir para a análise das causas e conseqüências da crise, inclusive para a imagem do País.


Por esses motivos, solicitamos a instituição desta Comissão Parlamentar de Inquérito.

As despesas decorrentes do funcionamento da Comissão correrão à conta de recursos do Orçamento da Câmara dos Deputados.” (grifei)

E, no caso ora em análise – insista-sehouve a delimitação do fato determinado tanto na Exposição quanto na Justificação, que compõem, ambas, a estrutura formal unitária do Requerimento apresentado pela minoria parlamentar, em estrita observância ao que prescreve o § 3º do art. 58 da Constituição.

Diversa não é a orientação perfilhada, nesse mesmo sentido, dentre outros autores, por PAULO RICARDO SCHIER (“Comissões Parlamentares de Inquérito e o Conceito de Fato Determinado”, p. 161, 2005, Lumen Juris), cuja lição, na matéria, assinala que “É (…) através da exposição, da justificação, da evidenciação do fato no requerimento de abertura da comissão parlamentar de inquérito que se poderá constatar se ele é, em si, determinado ou não” (grifei).

Correto, portanto, o Ato do eminente Senhor Presidente da Câmara dos Deputados que reconheceu atendida, na espécie, a exigência constitucional pertinente ao fato determinado.

Imputou-se, por outro lado, ao mencionado Requerimento subscrito pela minoria parlamentar, uma falha consistente na ausência de indicação do prazo de funcionamento da Comissão Parlamentar de Inquérito.

Sabemos que um dos requisitos constitucionais subjacentes à criação de uma CPI refere-se à temporariedade de sua duração, pois esse órgão de investigação legislativa não pode funcionar por prazo indeterminado. Ao contrário, exige-se a indicação deprazo certopara duração de qualquer CPI (CF, art. 58, § 3º).

Cabe observar, no entanto, que o Regimento Interno da Câmara dos Deputados fixa, ele próprio, desde logo, o prazo de vigência das Comissões Parlamentares de Inquérito que deverão atuar no âmbito dessa Casa do Congresso Nacional.

O estatuto regimental em questão dispõe, em seu art. 35, § 3º, que “A Comissão (…) terá o prazo de cento e vinte dias, prorrogável por até metade, mediante deliberação do Plenário, para conclusão de seus trabalhos” (grifei).

Isso significa, portanto, que eventual omissão do requerimento de criação de CPI será suprida, de pleno direito, pelo que prescreve a norma regimental em causa, pois esta – dando concreção à finalidade da regra inscrita no § 3º do art. 58 da Constituição – estabelece, desde logo, o prazo de duração dos trabalhos da Comissão encarregada da investigação parlamentar.

No caso ora em exame, a CPI em questão não foi instituída por prazo indeterminado (o que é vedado pela Constituição da República), mas, ao contrário, reconheceu-sepor efeito da incidência automática da norma regimental mencionada – que a investigação parlamentar terá a duração de 120 dias, como expressamente afirmou o eminente Presidente da Câmara dos Deputados, ao indeferir a questão de ordem suscitada pelo Senhor Líder do PT (fls. 27/27v.):


(…) com referência ao prazo, o Regimento Interno, no seu art. 35, § 3º, dispõe:

Art. 35

………………………………………..

§ 3º A Comissão, que poderá atuar também durante o recesso parlamentar, terá o prazo de cento e vinte dias, prorrogável por até metade, mediante deliberação do Plenário, para conclusão de seus trabalhos.

Portanto, ainda que em outra parte do Regimento esteja dito que é necessário constar o prazo, esse outro artigo, no seu referido parágrafo, em minha interpretação, dispensa estar no próprio requerimento, até porque essa tem sido uma tradição nas decisões das Mesas anteriores.” (grifei)

Vê-se, desse modo, em face do próprio caráter supletivo que qualifica a norma regimental mencionada (art. 35, § 3º), que não se está, na espécie, diante de uma CPI sem prazo certo, pois – insista-se -, tal como expressamente o reconheceu o Senhor Presidente da Câmara dos Deputados (fls. 27/27v.), foi ela criada pelo “prazo de cento e vinte dias (…)”, ajustando-se, desse modo, à exigência constitucional de temporariedade, que se impõe a qualquer Comissão Parlamentar de Inquérito.

Cumpre relembrar, por oportuno e relevante, julgamento emanado do Plenário do Supremo Tribunal Federal (cujas diretrizes foram inteiramente observadas na espécie), no qual esta Corte, ao tratar da questão pertinente à temporariedade da investigação parlamentar – e após advertir sobre a impossibilidade de a CPI ultrapassar o limite temporal da legislatura em que criada -, assim se pronunciou:

(…) 3. A duração do inquérito parlamentar – com o poder coercitivo sobre particulares, inerentes à sua atividade instrutória e a exposição da honra e da imagem das pessoas a desconfianças e conjecturas injuriosas – é um dos pontos de tensão dialética entre a CPI e os direitos individuais, cuja solução, pela limitação temporal do funcionamento do órgão, antes se deve entender matéria apropriada à lei do que aos regimentos: donde, a recepção do art. 5º, § 2º, da L. 1579/52, que situa, no termo final de legislatura em que constituída, o limite intransponível de duração, ao qual, com ou sem prorrogação do prazo inicialmente fixado, se há de restringir a atividade de qualquer comissão parlamentar de inquérito.

4. A disciplina da mesma matéria pelo regimento interno diz apenas com as conveniências de administração parlamentar, das quais cada câmara é o juiz exclusivo, e da qual, por isso – desde que respeitado o limite máximo fixado em lei, o fim da legislatura em curso -, não decorrem direitos para terceiros, nem a legitimação para questionar em juízo sobre a interpretação que lhe dê a Casa do Congresso Nacional.

5. Conseqüente inoponibilidade pelo particular, intimado a depor pela CPI, da alegada contrariedade ao art. 35, § 3º, do Regimento da Câmara dos Deputados pela decisão plenária que, dentro da legislação, lhe concedeu segunda prorrogação de 60 dias ao prazo de funcionamento inicialmente fixado em 120 dias.

(HC 71.193/SP, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Plenogrifei)

O terceiro (e último) fundamento em que se apoiou a impugnação ao Ato de criação da CPI do tráfego aéreo – fundamento esse também acolhido pelo Plenário da Câmara dos Deputados – consiste na afirmação de que o Requerimento subscrito pela minoria parlamentar não indicou a composição numérica desse órgão de investigação legislativa.


Cumpre ressaltar, neste ponto, Senhora Presidente, que o direito à investigação parlamentar, para ser legitimamente exercido, depende da conjugação de três (3) requisitos de índole constitucional, previstos no art. 58, § 3º, da Lei Fundamental da República: (1) subscrição do requerimento de constituição da CPI por 1/3, no mínimo, dos membros da Casa legislativa, (2) indicação de fato determinado a ser objeto de apuração e (3) temporariedade da comissão parlamentar de inquérito.

Esse entendimento – que se reflete no magistério da doutrina – foi assim exposto na valiosa lição de JOSÉ AFONSO DA SILVA (“Curso de Direito Constitucional Positivo”, p. 515/516, item n. 4, 24ª ed., 2005, Malheiros):

Comissões parlamentares de inquérito são organismos que desempenharam e desempenham papel de grande relevância na fiscalização e controle da Administração (…). Foram bastante prestigiadas pela Constituição vigente (…). Essa liberdade de criação de comissões parlamentares de inquérito depende, contudo, do preenchimento de três requisitos: (a) requerimento de pelo menos um terço de membros de cada Casa, para as respectivas comissões, ou de ambas, para as comissões em conjunto (comissão mista); (b) ter por objeto a apuração de fato determinado; (c) ter prazo certo de funcionamento. (…).” (grifei)

Foi por essa razão que o Senhor Presidente da Câmara dos Deputados, tendo presente essa orientação – que encontra apoio tanto na jurisprudência desta Corte (MS 24.845/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO – MS 24.846/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.) quanto em autorizada doutrina –, reconheceu que a indicação da composição numérica da CPI não traduz exigência constitucional, mas, ainda assim, expressamente indicou, ele próprio, no Ato que veio a ser ulteriormente invalidado pelo Plenário dessa Casa legislativa, que a CPI em causa “será composta de 23 membros titulares e de igual número de suplentes” (fls. 26), o que significa, portanto, que foi atendida, no caso, até mesmo essa simples prescrição regimental.

Faço tais observações quanto ao pleno atendimento dos requisitos constitucionais pertinentes à válida criação da CPI em questão, porque entendo necessário reconhecer que o Senhor Presidente da Câmara dos Deputados, ao praticar o Ato posteriormente desconstituído, em sede recursal, pelo Plenário da Casa que dirige, agiu de modo irrepreensível, eis que efetivamente preenchidas, na espécie, as exigências a que se refere o § 3º do art. 58 da Constituição.

Cumpre registrar, ainda, Senhora Presidente, em face das gravíssimas conseqüências que vêm afetando a regularidade do sistema de tráfego aéreo neste País, com especial atenção para o trágico acidente ocorrido em 29/09/2006, que o inquérito parlamentar pretendido pelas minorias legislativas que atuam na Câmara dos Deputados, mais do que representar prerrogativa desses grupos minoritários, constitui direito insuprimível dos cidadãos da República, de quem não pode ser subtraído o conhecimento da verdade e o pleno esclarecimento dos fatos que tanto prejudicam os superiores interesses da coletividade.

Impende rememorar, bem por isso, neste ponto, a precisa observação emanada de nossa eminente colega, Ministra CÁRMEN LÚCIA, ilustre constitucionalista, constante do douto voto que proferiu no julgamento da ADI 3.619/SP, Rel. Min. EROS GRAU, quando enfatizou que a ofensa ao direito das minorias parlamentares representa, em essência, um desrespeito ao direito do próprio povo, que também é representado pelos grupos minoritários que atuam no Parlamento:


(…) O poder democrático – de que deve ser testemunha o órgão legislativo – dota a maioria parlamentar do mando e a minoria do controle e fiscalização dos desempenhos havidos pelo órgão. Impedir que uma minoria – representada pelo terço de membros do Congresso e, simetricamente, por igual número para todos os demais órgãos dos poderes legislativos dos entes federados – possa atuar no sentido de deflagrar o processo de fiscalização pela investigação de fatos certos seria retirar não apenas da minoria, mas do povo que é por ela representado, um dos direitos que lhe assiste: o de ver o poder ser exercido com ética democrática, sem a qual não há se falar em democracia por ausência de controle do poder.

……………………………………………

Assim, o disposto no art. 58, § 3°, da Constituição da República garante a eficácia dos princípios da democracia, da representação de todos os segmentos da sociedade, incluída aí a minoria que cumpre papel institucional inerente ao regime, e o do controle, sem o que não há possibilidade de se cogitar de desempenho republicano.” (grifei)

O princípio geral de vigilância, de fiscalização ou de controle – a que já aludia o eminente PIMENTA BUENO, Marquês de São Vicente, em sua clássica obra sobre a Carta Política do Império do Brasil (“Direito Público Brasileiro e Análise da Constituição do Império”, p. 105/106, itens ns. 125/127, 1858, obra reeditada, em 1958, pelo Ministério da Justiça) – rege, nas sociedades livres e abertas, a realização do inquérito parlamentar, cuja instauração que não necessita do beneplácito da maioria legislativa – é atribuída, por isso mesmo, também à minoria que atua nos corpos legislativos, como esta Suprema Corte, em mais de um julgado, já o proclamou (ADI 3.619/SP, Rel. Min. EROS GRAU – MS 24.831/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO – MS 24.847/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.), na linha do entendimento que tem prevalecido na doutrina (J. M. SILVA LEITÃO, “Constituição e Direito de Oposição”, 1987, Almedina, Coimbra; DERLY BARRETO E SILVA FILHO, “Controle dos Atos Parlamentares pelo Poder Judiciário”, p. 131/134, item n. 3.1, 2003, Malheiros; JOSÉ WANDERLEY BEZERRA ALVES, “Comissões Parlamentares de Inquérito: Poderes e Limites de Atuação”, p. 169/170, item n. 2.1.2, 2004, Fabris; UADI LAMMÊGO BULOS, “Comissão Parlamentar de Inquérito”, p. 216, item n. 5, 2001, Saraiva; MANOEL MESSIAS PEIXINHO/RICARDO GUANABARA, “Comissões Parlamentares de Inquérito: Princípios, Poderes e Limites”, p. 76/77, item n. 4.2.3, 2001, Lumen Juris; LUIZ CARLOS DOS SANTOS GONÇALVES, “Comissões Parlamentares de Inquérito – Poder de Investigação”, p. 41/42, item n. 5, 2001, Juarez de Oliveira, v.g.), valendo referir, no tema, a lição expendida pelo saudoso NELSON DE SOUZA SAMPAIO (“Do Inquérito Parlamentar”, p. 34, 1964, FGV):

A Constituição quis apenas dizer que a investigação parlamentar não ficaria dependente sempre da vontade da maioria, geralmente o grupo menos interessado em iniciativa dessa ordem. O pensamento do Constituinte foi, por conseguinte, o de ampliar os meios de contrôle do govêrno, conferindo, à oposição ou a determinada minoria, ainda contra a vontade da maioria, a faculdade de provocar a investigação parlamentar. Do contrário se limitariam muito o emprêgo e alcance dessa arma de fiscalização do Executivo, de informação do Legislativo e de esclarecimento da opinião pública.” (grifei)

Não se pode recusar procedência, portanto, à afirmação em tudo compatível com a essência democrática que qualifica o regime político brasileiro, tal como veio este a ser definido pelo próprio texto da Constituição da República – de que “O fato de a maioria não necessitar dos votos da minoria para lograr sucesso em todas as suas iniciativas não significa possa ela, só por isso, violentar normas constitucionais e regimentais para abreviar a consumação de atos de seu interesse. A minoria, face à lei, está colocada em pé de igualdade com ela e todos têm a obrigação indeclinável de se subordinar às normas que se impuseram através de Regimento e às que lhes impôs a Constituição”, tal como assinalou, em memorável julgamento, o E. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná (RT 442/193-210, 196).


Não se revela possível desconsiderar, por tal razão, a própria “ratiosubjacente ao preceito normativo inscrito no art. 58, § 3º, da Constituição, cujo fundamento político-jurídicoque deriva da necessidade de respeito incondicional às minorias parlamentaresatua como verdadeiro pressuposto de legitimação da ordem democrática, tal como adverte o magistério jurisprudencial dos Tribunais e, em particular, o desta Suprema Corte:

A atuação dum governo democrático e responsável ante o povo requer, pois, o concurso de uma oposição que desempenhe a dupla função do princípio motor e de órgão de proteção da Constituição.

Se um dos vários setores da coletividade está descontente, nada serve melhor, nem com mais eficácia, para expressão desse descontentamento, que a conduta da oposição parlamentar.

……………………………………………

Não há, na realidade, regime democrático sem oposição e que a esta se assegure o pleno direito de fiscalizar os atos do grupo majoritário e contribuir para o aperfeiçoamento das instituições.

(RT 442/193-210, 195grifei)

(…) O ESTATUTO CONSTITUCIONAL DAS MINORIAS PARLAMENTARES: A PARTICIPAÇÃO ATIVA, NO CONGRESSO NACIONAL, DOS GRUPOS MINORITÁRIOS, A QUEM ASSISTE O DIREITO DE FISCALIZAR O EXERCÍCIO DO PODER.

A prerrogativa institucional de investigar, deferida ao Parlamento (especialmente aos grupos minoritários que atuam no âmbito dos corpos legislativos), não pode ser comprometida pelo bloco majoritário existente no Congresso Nacional e que (…) culmine por frustrar e nulificar, de modo inaceitável e arbitrário, o exercício, pelo Legislativo (e pelas minorias que o integram), do poder constitucional de fiscalização e de investigação do comportamento dos órgãos, agentes e instituições do Estado, notadamente daqueles que se estruturam na esfera orgânica do Poder Executivo.

Existe, no sistema político-jurídico brasileiro, um verdadeiro estatuto constitucional das minorias parlamentares, cujas prerrogativas – notadamente aquelas pertinentes ao direito de investigar – devem ser preservadas pelo Poder Judiciário, a quem incumbe proclamar o alto significado que assume, para o regime democrático, a essencialidade da proteção jurisdicional a ser dispensada ao direito de oposição, analisado na perspectiva da prática republicana das instituições parlamentares.

– A norma inscrita no art. 58, § 3º, da Constituição da República destina-se a ensejar a participação ativa das minorias parlamentares no processo de investigação legislativa, sem que, para tanto, mostre-se necessária a concordância das agremiações que compõem a maioria parlamentar.

……………………………………………

O direito de oposição, especialmente aquele reconhecido às minorias legislativas, para que não se transforme numa promessa constitucional inconseqüente, há de ser aparelhado com instrumentos de atuação que viabilizem a sua prática efetiva e concreta.


A maioria legislativa (…) não pode frustrar o exercício, pelos grupos minoritários que atuam no Congresso Nacional, do direito público subjetivo que lhes é assegurado pelo art. 58, § 3º, da Constituição e que lhes confere a prerrogativa de ver efetivamente instaurada a investigação parlamentar em torno de fato determinado e por período certo. (…).

(MS 24.831/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno)

Também o eminente Professor PINTO FERREIRA (“Princípios Gerais do Direito Constitucional Moderno”, tomo I/195-196, item n. 8, 5ª ed., 1971, RT) demonstra igual percepção do tema ao enfatizarcom fundamento em irrepreensíveis considerações de ordem doutrinária – que a essência democrática de qualquer regime de governo apóia-se na existência de uma imprescindível harmonia entre a “Majority rulee os “Minority rights”:

A verdadeira idéia da democracia corresponde, em geral, a uma síntese dialética dos princípios da liberdade, igualdade e dominação da maioria, com a correlativa proteção às minorias políticas, sem o que não se compreende a verdadeira democracia constitucional.

A dominação majoritária em si, como o centro de gravidade da democracia, exige esse respeito às minorias políticas vencidas nas eleições. O princípio majoritário é o pólo positivo da democracia, e encontra a sua antítese no princípio minoritário, que constitui o seu pólo negativo, ambos estritamente indispensáveis na elucidação do conceito da autêntica democracia.

O princípio democrático não é, pois, a tirania do número, nem a ditadura da opinião pública, nem tampouco a opressão das minorias, o que seria o mais rude dos despotismos. A maioria do povo pode decidir o seu próprio destino, mas com o devido respeito aos direitos das minorias políticas, acatando nas suas decisões os princípios invioláveis da liberdade e da igualdade, sob pena de se aniquilar a própria democracia.

A livre deliberação da maioria não é suficiente para determinar a natureza da democracia. (…).” (grifei)

Vê-se, daí, que o reconhecimento do direito de oposição, de um lado, e a afirmação da necessidade de se assegurar, em nosso sistema jurídico, a proteção às minorias parlamentares, de outro, qualificam-se, na verdade, como fundamentos imprescindíveis à plena legitimação material do Estado Democrático de Direito, tal como assinalou, em passagem brilhante de seu sempre douto magistério – por mim relembrado no julgamento do MS 24.831/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO -, o saudoso e eminente Professor GERALDO ATALIBA (“Judiciário e Minorias”, “in” Revista de Informação Legislativa, vol. 96/189-194):

É que só há verdadeira república democrática onde se assegure que as minorias possam atuar, erigir-se em oposição institucionalizada e tenham garantidos seus direitos de dissensão, crítica e veiculação de sua pregação. Onde, enfim, as oposições possam usar de todos os meios democráticos para tentar chegar ao governo. Há república onde, de modo efetivo, a alternância no poder seja uma possibilidade juridicamente assegurada, condicionada só a mecanismos políticos dependentes da opinião pública.


……………………………………………

A Constituição verdadeiramente democrática há de garantir todos os direitos das minorias e impedir toda prepotência, todo arbítrio, toda opressão contra elas. Mais que isso – por mecanismos que assegurem representação proporcional -, deve atribuir um relevante papel institucional às correntes minoritárias mais expressivas.

……………………………………………

Na democracia, governa a maioria, mas – em virtude do postulado constitucional fundamental da igualdade de todos os cidadãos – ao fazê-lo, não pode oprimir a minoria. Esta exerce também função política importante, decisiva mesmo: a de oposição institucional, a que cabe relevante papel no funcionamento das instituições republicanas.

O principal papel da oposição é o de formular propostas alternativas às idéias e ações do governo da maioria que o sustenta. Correlatamente, critica, fiscaliza, aponta falhas e censura a maioria, propondo-se, à opinião pública, como alternativa. Se a maioria governa, entretanto, não é dona do poder, mas age sob os princípios da relação de administração.

……………………………………………

Daí a necessidade de garantias amplas, no próprio texto constitucional, de existência, sobrevivência, liberdade de ação e influência da minoria, para que se tenha verdadeira república.

……………………………………………

Pela proteção e resguardo das minorias e sua necessária participação no processo político, a república faz da oposição instrumento institucional de governo.

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É imperioso que a Constituição não só garanta a minoria (a oposição), como ainda lhe reconheça direitos e até funções.

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Se a maioria souber que – por obstáculo constitucional não pode prevalecer-se da força, nem ser arbitrária nem prepotente, mas deve respeitar a minoria, então os compromissos passam a ser meios de convivência política.” (grifei)

Isso significa, portanto, numa perspectiva pluralística, em tudo compatível com os fundamentos estruturantes da própria ordem democrática (CF, art. 1º, V), que, ao lado do mero reconhecimento formal do direito de oposição, há que haver a garantia real que possibilite, ao cidadão, o efetivo exercício do direito de se opor, para que essa prerrogativa essencial não se converta em fórmula destituída de significado, o que subtrairia – consoante adverte a doutrina (SÉRGIO SÉRVULO DA CUNHA, “Fundamentos de Direito Constitucional”, p. 161/162, item n. 602.73, 2004, Saraiva) – o necessário coeficiente de legitimidade jurídico- -democrática ao regime político vigente em nosso País.

Nesse contexto, o inquérito parlamentar desempenha um papel impregnado de essencial relevo, pois se qualifica – enquanto garantia instrumental do direito de oposição – como meio expressivo de investigação legislativa, ensejando, a quem a promove, mesmo contra a vontade dos grupos majoritários, a possibilidade de apreciar, de inspecionar e de averiguar, para coibi-los, abusos, excessos e ilicitudes eventualmente cometidos pelos órgãos e agentes do Governo e da Administração.

Concluo o meu voto, Senhora Presidente. E, ao fazê-lo, considerando as razões ora expostas e tendo em vista, ainda, o douto parecer do eminente Procurador-Geral da República, concedo o mandado de segurança, em ordem a invalidar a deliberação emanada do E. Plenário da Câmara dos Deputados, que, ao acolher o Recurso deduzido pelo Senhor Líder do PT, desconstituiu o Ato da Presidência dessa mesma Casa legislativa. Determino, em conseqüência, a restauração definitiva da eficácia do mencionado Ato da Presidência da Câmara dos Deputados, que validamente reconheceu criada a CPI do sistema de controle do tráfego aéreo (Requerimento nº 01/2007, do Senhor Deputado Vanderlei Macris e outros), devendo, o Senhor Presidente dessa Casa do Congresso Nacional, providenciar a publicação do Ato em questão (fls. 25v.), nos termos e para os fins a que se refere o art. 35, § 2º, do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, com a adoção das demais medidas complementares destinadas a viabilizar a efetiva instalação da CPI em causa.

É o meu voto.

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