Julgamento desastroso

Decisão do STF sobre crédito do IPI viola a Constituição

Autores

  • Ernesto Saccomani Júnior

    é advogado especialista em Direito Tributário membro-fundador do Centro de Especialização e Estudos Jurídicos de São Caetano do Sul consultor jurídico Tributário de diversas empresas de São Paulo e especialista em planejamentos estratégicos de Passivos Tributários.

  • Agenor Duarte da Silva

    é advogado especialista em análise de créditos fiscais e consultor jurídico do escritório D&D Consultores Associados.

26 de abril de 2007, 13h15

Democracia, palavra fácil de pronunciar, mas pouquíssimos brasileiros, por deficiência do ensino evidenciado no país, sabem realmente o seu significado. A democracia é respeitada e observada nas maiores potências do mundo, traz benefícios imensuráveis, porém, quando desobedecida certamente trará prejuízos irreparáveis a qualquer nação.

A democracia destina-se a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça, como valores supremos de uma sociedade.

Diante disto, podemos afirmar que em uma democracia quem determina o que pode e o que não pode ser feito é a Constituição Federal, através de suas normas e seus princípios.

Daí concluirmos que violar um princípio constitucional é uma atitude que reputa-se grave, pois não é como violar uma norma qualquer. A violação de princípio constitucional, com certeza, prejudicará todo ordenamento jurídico do país, principalmente, a segurança jurídica, senão vejamos:

Nós operadores do Direito, por hábito ou pela profissão, somos ávidos por conhecimento. Assim, estamos sempre em busca de atualização e de novas e melhores soluções para os problemas jurídicos. O grande jurista e filósofo Miguel Reale escreveu que:

“De todas as espécies de experiência social, o direito é a que mais exige forma predeterminada e certa em suas regras. Não se compreende o direito, hoje em dia, sem um mínimo de legislação escrita, de certeza, de tipificação da conduta e de previsibilidade genérica. Isto porque o direito, ao facultar-lhe a possibilidade de escolha entre o adimplemento ou não de seus preceitos, situa o obrigado no âmbito de uma escolha já objetivamente feita pela sociedade, escolha esta revelada através de um complexo sistema de fontes.

Mesmo nos países onde vigora o common law, as normas jurisdicionais e consuetudinárias revestem-se de categorias formais; a diferença que existe com referência à tradição romanística não está na certeza da juridicidade, que a todos os sistemas acomuna, mas sim no que tange ao processo ou à gênese dos preceitos. O direito, portanto, exige predeterminação formal, sendo a lei a expressão máxima dessa exigência, o que explica seu êxito em confronto com os usos e costumes”. (O direito como experiência, São Paulo: Saraiva, 1992, p. 273 e 274).

Nesta busca incessante, sempre encontramos julgamentos feitos ao arrepio da lei, os quais nos causam indignação, haja vista que o papel primordial do Poder Judiciário é o de restabelecer a ordem, fazer justiça e não agravar os prejuízos sofridos pelo cidadão, como uma espécie de “penalidade” por tentar socorrer-se junto aquele órgão.

É comum vermos noticiários de decisões de nossos tribunais, que nos causa estranheza, como a de dias atrás, deparamo-nos com a seguinte notícia: “contribuinte não tem direito ao crédito de IPI nas aquisições de produtos com alíquotas reduzidas à zero”.

É óbvio, mas a notícia nos causou indignação, assim como a todos causaria. Por que?

Pois bem, tentaremos explicar a gravidade deste “julgado” aos leitores e, temos certeza que ao final da explanação, todos também compartilharão de nossa indignação.

No dia 15 de fevereiro, sexta-feira que antecedia ao Carnaval, o Supremo Tribunal Federal, instância derradeira do Poder Judiciário e guardião da Constituição Federal, decidiu uma questão que há 15 anos era aguardada pelos empresários e tributaristas de todo o país.

O Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI é devido pelas empresas que realiza a industrialização de matérias-primas, produtos intermediários e materiais de embalagens.

Esse imposto é não-cumulativo, de forma que o imposto devido em cada operação do processo de industrialização é compensado com o imposto cobrado (crédito) na etapa seguinte.

O governo federal para desonerar a produção e, conseqüentemente, beneficiar o consumidor final, tributou à alíquota-zero, diversas matérias-primas que compõem o processo industrial.

Ocorre que, quando a matéria-prima é adquirida pelas empresas, sob o regime da alíquota-zero de IPI, o governo impede que seja efetuado o crédito com o IPI devido na etapa seguinte, alegando que não existe crédito, uma vez que nada foi devido na entrada da matéria-prima na empresa.

Não podendo, a empresa efetuar o crédito do IPI, o imposto torna-se cumulativo, onerando o produto final e prejudicando o consumidor, que era o beneficiário da medida adotada pelo governo, quando reduziu à zero, a alíquota do IPI, tornando-o dessa forma em mero diferimento.

O governo com esta atitude, não está apenas prejudicando o consumidor final, ele foi muito além, desrespeitou a nossa Carta Magna, uma vez que ela estabelece, através do princípio tributário da não cumulatividade do IPI, preceituado em seu artigo 153, inciso IV, parágrafo 3º, inciso II que diz: “será não cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação, com o montante cobrado nas anteriores”.


Analisando sobredito princípio tributário, verifica-se que ele é pleno, ou seja, é auto-aplicável, uma vez que encerra o discurso. Este princípio não depende de norma infraconstitucional para ser aplicado, muito menos restringe o direito pleno do contribuinte de efetuar o crédito (compensação) do IPI no processo industrial, independentemente da alíquota aplicada.

Aliás, numa análise mais apurada, ousamos dizer que este princípio traz em si um imperativo (um dever) ao contribuinte, quando determina que seja efetuada a compensação do crédito de IPI.

Não bastando, o Código Tributário Nacional, recepcionado pela Constituição Federal de 1988, com força de lei complementar, no artigo 49 disciplina o IPI, dispondo que:

“ o imposto é não-cumulativo, dispondo a lei de forma que o montante devido resulte da diferença a maior, em determinado período, entre o imposto referente aos produtos saídos do estabelecimento e o pago relativamente aos produtos nele entrados”. (sic).

Posteriormente, o próprio governo federal, reconhecendo que os contribuintes estavam sendo prejudicados, logrou em editar a Lei Ordinária 9.779 de 19 de janeiro de 1999, que prevê, em seu artigo 11:

“O saldo credor do Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI, acumulado em cada trimestre calendário, decorrente de aquisição de matéria-prima, produto intermediário e material de embalagem aplicados na industrialização inclusive de produto isento ou tributado à alíquota zero que o contribuinte não puder compensar com o IPI devido na saída de outros produtos, poderá ser utilizado de conformidade com o disposto nos artigos 73 e 74 da Lei 9.430 de 1996, observadas as normas expedidas pela Secretaria da Receita Federal – SRF do Ministério da Fazenda”.

Contudo, caros leitores, numa completa contradição, sabe-se que a legislação de regência (artigo 171, parágrafo 1º, do RIPI), impede os contribuintes de se creditarem do IPI, relativo à aquisição da matéria-prima tributada à alíquota-zero ou isenta.

Os empresários, com receio de efetuar o crédito de IPI das matérias-primas adquiridas com alíquota-zero, ingressaram com ações judiciais em todo o país, evitando-se assim as aplicações de penalidades em eventual fiscalização em suas empresas.

A tese defendida pelos tributaristas do país é de que, além dos permissivos Constitucional, do Código Tributário Nacional e da Lei Ordinária, o STF já havia firmado entendimento de que os contribuintes tinham direito ao crédito de IPI, nos casos de aquisição de matérias-primas sob o regime de isenção.

Ora, se nos casos de isenção onde não ocorre o nascimento da obrigação tributária, o STF reconheceu o direito ao crédito de IPI, porque não haveria direito ao crédito nos casos de aplicação de alíquota-zero, onde há o nascimento da obrigação tributária e respectiva tributação? Assim diz o dito popular: “Quem pode o mais, pode o menos”!

Entre os tributaristas renomados do país que defendem o direito ao crédito de IPI nas aquisições de matéria-prima à alíquota-zero, encontramos o saudoso e insuperável Geraldo Ataliba, que na melhor companhia de Cleber Giardino, escreveram notável parecer, do qual transcrevemos o seguinte trecho:

“… há, nos casos de alíquota zero, integral direito a que as consulentes mantenham (não estornem) os créditos de IPI e/ou ICM registrados, para utilização oportuna com abatimento de montantes devidos, pertinentes a esses tributos (ICM e IPI – Direito de Crédito – Produção de Mercadorias Isentas ou Sujeitas à Alíquota Zero, Revista de Direito Tributário 46, p.88)”

Outro parecer extremamente bem elaborado pelo jurista, escritor e professor Ives Gandra da Silva Martins, uma das maiores autoridades no país em Direito Constitucional, também é claro ao afirmar que:

“A alíquota-zero não é senão uma das formas de isenção, pois expressa, claramente, em lei e com as mesmas conseqüências jurídicas. Dizer o legislador que um produto é isento do IPI ou que tem alíquota-zero é dizer, de forma clara e inequívoca, que, por força de favor legal, o produto referido não sofre qualquer incidência tributária. Os termos se equivalem e, por conseqüência, o que aplicado for para as leis de exclusão da incidência tributária quanto à isenção aplicada deveria ser para alíquota-zero”. (in Notícias AIC, informativo semanal, 16, de 19.04.85, p. 3)

Além de outros ilustres professores e autores como José Eduardo Soares de Melo e Luiz Francisco Lippo, que inclusive lançaram livro defendendo a tese sobre o direito de crédito de IPI na alíquota-zero:

“Isto, porém, não inibe o crédito do imposto referente a todas as etapas anteriores àquela em que se verificou a ocorrência da alíquota zero, posto que se assim não fosse, tal efeito seria marcadamente cumulativo para os preços dos bens ou serviços.


A Constituição Federal não estabelece nenhuma restrição ao direito de crédito de IPI, não havendo embasamento na legislação ordinária que determina a anulação dos créditos de IPI em diversas situações (RIPI/02, art. 193), como no caso de industrialização de produtos não tributados.” (A Não-Cumulatividade Tributária – ICMS, IPI, ISS, PIS e COFINS, p. 190)

Os juízes de primeira instância, seguindo orientação do STF nos casos de isenção de IPI, conferiu direito de crédito aos contribuintes, nos casos de aquisição de matérias-primas adquiridas sob o regime de alíquota-zero de IPI.

Este entendimento foi sedimentado entre os Tribunais Regionais Federais das cinco regiões, como abaixo transcrevemos algumas ementas:

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL – 1ª REGIÃO

Processo: AMS 2000.38.00.030282-9/MG;

APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA

Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL CATÃO ALVES

Convocado: JUÍZA FEDERAL DANIELE MARANHÃO COSTA (CONV.)

Órgão Julgador: SÉTIMA TURMA

Publicação: 07/07/2006 DJ p.62

Data da Decisão: 18/04/2006

Decisão: A Turma, à unanimidade, deu parcial provimento à Apelação da Impetrante.

Ementa:

MANDADO DE SEGURANÇA. IPI. PRESCRIÇÃO. MATÉRIA-PRIMA ISENTA. COMPENSAÇÃO. TRIBUTOS ADMINISTRADOS PELA SECRETARIA DE RECEITA FEDERAL. LEI 10.637/02.

1 – A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça consolidou entendimento de que o prazo prescricional é de 5 anos, nas ações que visam ao reconhecimento do direito ao creditamento de IPI.

2 – “Não ocorre ofensa à CF (art. 153, § 3º, II) quando o contribuinte do IPI se credita do valor do tributo incidente sobre insumos adquiridos sob o regime de isenção”. (STF, RE 212.484/RS, Rel. p/ acórdão Min. Nelson Jobim, Pleno, maioria, DJ 27/11/1998).

3 – A Impetrante têm direito ao creditamento do IPI, haja vista a aquisição de matéria-prima beneficiada pelo regime de isenção ou de alíquota zero.

4 – Em se tratando de tributos de espécies distintas, podem ser compensados desde que arrecadados e administrados pela Secretaria da Receita Federal, conforme o disposto no art. 49 da Lei nº 10.637/02.

5 – Apelação da Impetrante provida em parte. 6 – Segurança parcialmente concedida.

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 2ª REGIÃO:

1 –omissis.

2 – O Decreto 97.410/88, que estabelece o privilégio da isenção ou mesmo incidência de alíquota reduzida a zero em crédito de IPI, tem como propósito impedir o acúmulo de carga tributária, abatendo o tributo presumidamente devido em cada fase de industrialização, com o seu valor final.

3 – Direito líquido e certo da empresa em compensar o crédito presumido de IPI, com o débito a recolher ao final do processo industrial.

AMS 024.199/RJ, Juiz Relator Paulo Freitas Barata, 3ª Turma, Nitriflex S/a, contra União Federal, Acórdão publicado em 23/02/1999.

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL – 3ª REGIÃO:

“PROCESSUAL – CONSTITUCIONAL – TRIBUTÁRIO – IPI – PRINCÍPIO DA NÃO-CUMULATIVIDADE – CREDITAMENTO -INSUMOS ISENTOS, SUJEITOS À ALÍQUOTA ZERO.

(…) O art. 153, inciso IV, parágrafo 3o da Constituição Federal, quando estabelece que o tributo constante do inciso IV do mesmo artigo será não cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores, está restringindo a aplicação do princípio supracitado tão-somente com relação ao ICMS, não atingindo, assim tal restrição ao IPI.

Reconhecida, em favor da empresa contribuinte, a existência do direito ao creditamento do IPI, na hipótese em que a aquisição de matérias-primas, insumos e produtos intermediários tenha sido beneficiada por regime jurídico de exoneração tributária (regime de isenção ou regime de alíquota zero), inocorrendo, em qualquer desses casos, situação de ofensa ao postulado constitucional da não-cumulatividade. Precedentes do STF.

Apelação improvida e agravo retido interposto pela impetrante prejudicado. Improvido, também, o apelo da União Federal e à remessa oficial.

(Origem: TRIBUNAL – TERCEIRA REGIÃO

Classe: AMS – APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA – 268452

Processo: 2004.61.02.005749-6 UF: SP Orgão Julgador: TERCEIRA TURMA

Data da Decisão: 02/08/2006 Documento: TRF300105539)”

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL – 4ª REGIÃO:

“IMPOSTO SOBRE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS – IPI. PRINCÍPIO DA NÃO-CUMULATIVIDADE. LEI N° 9.779/99. PRESCRIÇÃO. CORREÇÃO MONETÁRIA.

(…)O princípio da não-cumulatividade visa evitar tributação excessiva, consistente na superposição de idêntico imposto nas sucessivas etapas do processo produtivo.

A Lei n° 9.779/99 estabelece faculdade ao contribuinte de utilizar-se dos créditos originados na aquisição de insumos nos termos da Lei n° 9.430/96, inclusive nas hipóteses de saídas isentas ou tributadas à alíquota zero.


Este Tribunal, ao apreciar a Argüição de Inconstitucionalidade na AC n° 1999.72.05.008186-1/SC, declarou a inconstitucionalidade do art. 174, inc. I, al. a, do Decreto n° 2.637/1998 (RIPI/98), dispositivo que determina a anulação do crédito gerado na aquisição de insumos, por afrontar o princípio da não-cumulatividade, bem como se manifestou no sentido da não-recepção do art. 100, inc. I, al. a, do Decreto n° 87.918/1982 (RIPI/82).

A possibilidade de creditamento de valores referentes à aquisição de insumos tributados pelo IPI não deve ficar restrita aos casos de isenção e de alíquota zero, mas ser estendida aos casos de não tributação e de imunidade, sob pena de lesão ao Princípio da Isonomia. (TRF 4ª Região. AMS – Processo: 2005.70.00.028144-0 – 1ª T. DJU DATA:01/11/2006 PÁGINA: 509. Rel. VILSON DARÓS – v.u)”

TRIBUNAL REGIONAL DA 5ª REGIÃO:

1 – OMISSIS

2 – A aplicação do princípio da não-cumulatividade, nos termos do art. 153, § 3º, inciso II da CF, deverá ser feita quando efetivamente ocorrer o pagamento do tributo.

3 – Interpretação divergente do Colendo Tribunal Federal, manifestada no sentido de que o creditamento do IPI, por decorrência da aquisição de matéria prima incorporada ao produto final, favorecida com isenção, não incidência ou com alíquota reduzida a zero, está albergado pelo princípio constitucional da não cumulatividade e, se não fosse efetuado, tornaria ineficaz a vantagem concedida e a transformaria em diferimento de incidência.

Precedente do STF no Recurso Extraordinário nº 214.484-2/RS.

Exeges acolhida…

MAS 73.505, Desemb. Luiz Alberto Gurgel de Faria, 4ª Turma, Acórdão publicado em 14/03/2001.

A questão chegou ao SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, o qual confirmou não só o direito ao crédito, nos casos de aquisição de matérias-primas adquiridas sob o regime de alíquota-zero de IPI, como também o direito à correção monetária deste crédito:

Ementa

“TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL. IPI. AQUISIÇÃO DE INSUMOS ISENTOS OU TRIBUTADOS À ALÍQUOTA ZERO. DIREITO AO CREDITAMENTO. NÃO-CUMULATIVIDADE. CRÉDITOS ESCRITURAIS. CORREÇÃO MONETÁRIA. INCIDÊNCIA. 1. O princípio constitucional da não-cumulatividade, assegura ao contribuinte do IPI o direito ao creditamento do imposto na hipótese de aquisição de insumos e matérias-primas isentos ou tributados à alíquota zero. 2. Havendo oposição constante de ato estatal, administrativo ou normativo, impedindo a utilização dos créditos tributários oriundos da aplicação do princípio da não-cumulatividade, esses créditos não podem ser classificados como escriturais, considerados aqueles oportunamente lançados pelo contribuinte em sua escrita contábil. 3. A vedação legal ou mesmo administrativa ao aproveitamento desses créditos impele o contribuinte a socorrer-se do Judiciário, circunstância que acarreta demora no reconhecimento do direito pleiteado, dada a tramitação normal dos feitos judiciais.

Dessarte, exsurge clara a necessidade de atualizar-se monetariamente esses créditos, sob pena de enriquecimento sem causa do Fisco. 4. In casu, revela-se inequívoca a ocorrência de óbice normativo ao aproveitamento dos créditos, consoante bem delineado no acórdão objurgado, atentando contra o princípio constitucional da não-cumulatividade e gerando, por conseguinte, o direito do contribuinte à correção monetária dos créditos extemporâneos. 5. Precedentes: REsp n.º 554.347/RS, Primeira Turma, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 24/05/2004. 6. Agravo regimental desprovido.

AgRg no REsp 758867 / PR ; 2005/0097462-0. Relator(a) Ministro LUIZ FUX. 1ª T. DJ 27.11.2006 p. 248”

Por fim, o Supremo Tribunal Federal, m 18 de dezembro de 2002, ao apreciar o assunto, decidiu por votação unânime, favoravelmente, os contribuintes, conferindo a estes direito ao crédito, nos casos de aquisição de matérias-primas adquiridas sob o regime de alíquota-zero de IPI, corrigidos monetariamente:

“Constitucional – Tributário – Creditamento.

Insumos Isentos – Sujeitos à Alíquota Zero.

Se o contribuinte do IPI pode creditar o valor dos insumos adquiridos sob regime de isenção, inexiste razão para deixar de reconhecer-lhe o mesmo direito na aquisição de insumos favorecidos pela alíquota zero, pois nada extrema, na prática, das referidas figuras desonerativas, notadamente quando se trata de aplicar o princípio da não-cumulatividade.

A isenção e a alíquota zero em um dos elos da cadeia produtiva desapareceriam quando da operação subseqüente, se não admitido o crédito.

(…)os ministros garantiram às empresas, por maioria de votos, o direito de abater (creditar) o imposto sobre produtos industrializados (IPI) incidente sobre insumos adquiridos no regime de alíquota-zero, com os créditos devidos na saída do produto.


A decisão permite aos contribuintes gozar de duplo benefício fiscal, além de não pagar nada de IPI na compra de matéria-prima, ainda podem abater dos valores devidos na venda aos consumidores aquilo que desembolsariam caso a alíquota não fosse zero na etapa anterior.” (g.n.) (RE nº 350-446-1/PR. Rel. Min. Nelson Jobim, j. 18.12.2002)

Diante de toda esta explanação, caros leitores, não há como não estarmos perplexos e indignados com este novo “julgamento” do Supremo Tribunal Federal, composto por 11 ministros, onde cinco deles, brilhantemente, fundamentaram seus votos, respeitando o disposto em nosso Diploma Constitucional, observando o princípio da não-cumulatividade, reconhecendo o direito dos contribuintes.

Por outro lado, os outros seis ministros nomeados pelo Presidente da República, foram de encontro com o disposto no artigo 153, inciso IV, parágrafo 3º da Constituição Federal de 1988, do Código Tributário Nacional, recepcionado pela CF/88, com força de Lei Complementar, artigo 49, e da Lei 9.779/99, em seu artigo 11, e pior foram de encontro com o seus próprios julgamentos, que teve votação unânime efetuado em 18/12/2002.

Se não bastasse foram de encontro também com toda jurisprudência firmada pelos Tribunais Regionais Federais, da 1ª à 5ª Região, do Superior Tribunal de Justiça, das vozes mais renomadas da doutrina do país em matéria constitucional e tributária, além dos pareceres de especialistas que foram encomendados por contribuintes em fundamentação de suas ações. Mas eles decidiram pelo não reconhecimento do direito ao crédito de IPI, fundamentando em seus votos que, se nada foi recolhido à título de IPI na aquisição de matéria-prima, não há nada a ser creditado. Absurdo!

Neste momento, nós tributaristas nos vemos confusos, pois nos casos de aquisição de matérias-primas adquiridas sob o regime de isenção de IPI, também nada é recolhido a título de IPI e aqui o STF reconheceu direito ao crédito, estendendo inclusive este direito aos casos de alíquota-zero e agora, sem uma explicação plausível, nega este direito?

E o princípio da isonomia? Sim, pois se uma empresa que adquire matéria-prima isenta tem o direito de crédito de IPI e outra que adquire matéria-prima com alíquota-zero não tem o mesmo direito, estamos tratando situações idênticas de forma desigual.

Consignando aqui a incoerência feita pelo STF, nesse julgamento que podemos afirmar de “capenga”, pois nele não houve conclusão, porque resta ainda definir o alcance dessa decisão.

Vejamos: se o julgamento for efetuado no controle difuso, essa decisão deverá ser tida com efeito ex nunc, neste caso, o princípio da isonomia estará sendo violado, pois os contribuintes que já fizeram o creditamento do IPI nos casos de alíquota-zero, não terão que devolver referidas quantias, em completa desvantagem aos contribuintes que deixaram de efetuar o creditamento do IPI.

Ainda, significa dizer que todos os contribuintes que não discutiram o assunto, poderão discutir o direito de crédito de IPI dentro do prazo prescricional.

Se o alcance da decisão for com efeito ex tunc, inúmeras empresas terão prejuízos irreparáveis, haja vista que estarão obrigadas a devolver os valores creditados à título de IPI, mesmo aquelas que possuem sentença transitada em julgado há menos de dois anos, por força do direito de ação rescisória.

Convém ressaltar, que o artigo 11 da Lei 9.779/99, não foi objeto de apreciação no Recurso Extraordinário ora julgado pelo Supremo Tribunal Federal.

No caso, o artigo 11 da Lei 9.779/99, continua vigente e pode ser aplicado pelos contribuintes que adquirem insumos para serem consumidos em seu processo de industrialização tributados pelo IPI, mesmo que suas saídas sejam tributadas sob o regime de alíquota reduzida a zero de IPI. Isto quer dizer que, podem manter o crédito integralmente do referido imposto em sua conta gráfica, não havendo necessidade de praticar qualquer tipo de estorno. Agora, pergunta-se é ou não é uma contradição o julgamento do STF?

Sobre o tema, Eduardo de Souza Coelho, escreveu com muita maestria um texto publicado na Revista Consultor Jurídico, datado de 29 de março de 2005, do qual destacamos o seguinte trecho:

“(…)A segurança jurídica tem íntima afinidade com a boa-fé. Se a Administração adotou determinada interpretação como a correta para determinado caso concreto vem, por respeito à boa-fé dos administrados, a lei estabilizar tal situação, vedando a anulação de atos anteriores sob pretexto de que os mesmos teriam sido praticados com base em errônea interpretação de norma legal administrativa.

Como a lei deve respeitar o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada, por decorrência da aplicação cogente do princípio da segurança jurídica, não se afigura admissível que o administrado tenha seus direitos flutuando ao sabor de interpretações jurídicas variáveis no tempo, muitas vezes deflagradas por interesses pretensamente jurídicos, mas que são, em análise mais aprofundada, plenamente escusos. Esta instabilidade institucional não se coaduna com o Estado Democrático de Direito e a necessidade de se preservar a dignidade da pessoa humana, por decorrência direta da norma constitucional.


É que a dignidade humana restaria seriamente danificada se por ventura fosse cabível extemporânea revisão mesmo ex officio de atos administrativos que deitaram raízes no mundo jurídico, quando praticados de boa-fé e houve produção de efeitos favoráveis ao administrado. A nova ótica constitucional que adrede alcançou os fundamentos do Direito Administrativo torna forçoso o reconhecimento da aplicação inescapável da principiologia constitucional na seara administrativa, um campo fértil para violações de direitos praticadas sob a égide do autoritarismo, cuja lembrança recente deixada pelos “anos de chumbo” a todos alcançou.

Nesse diapasão é de se ressaltar o seguinte aresto, da lavra do desembargador Sérgio Pitombo (15) “De fato o ordenamento jurídico impõe limites à prerrogativa da Administração Pública rever e modificar ou invalidar seus atos. Um desses limites, fundado no princípio da boa-fé e da segurança jurídica, reside na mudança da orientação normativa interna ou jurisprudencial. Assim é que a alteração da orientação da Administração, no âmbito interno ou em decorrência de jurisprudência, não autoriza a revisão e invalidação dos atos que, de boa-fé, tenham sido praticados sob a égide de orientação então vigente, os quais, por assim dizer, geram direitos adquiridos.”(g.n.)”

Outra questão a ser levantada diz respeito ao princípio da legalidade, pois cobrar o IPI desta maneira sem permitir que os contribuintes efetuem o devido creditamento nos casos de alíquota-zero, constitui verdadeira cobrança de tributo sem previsão legal. Ousamos até a sustentar que o governo federal está efetuando um confisco ao bolso dos contribuintes.

No mais, significa dizer que o governo federal estará incorrendo em um verdadeiro enriquecimento sem causa, pois este crédito do IPI pertence ao contribuinte por determinação constitucional, como defendido neste texto.

Por fim, deixamos uma reflexão a ser considerada sobre as conseqüências da supressão da não-cumulatividade nos casos de aquisição de matérias-primas sob o regime de alíquota-zero de IPI, que são muito sérias, pois:

a) como o contribuinte não poderá utilizar seu crédito, o preço final de seus produtos industrializados serão onerados, prejudicando a relação com o consumidor final, o qual procurará outros produtos no mercado, mais acessíveis, ou;

b) não tendo outra opção, o consumidor final terá seu custo encarecido, por adquirir um produto “onerado artificialmente”;

c) a não utilização do crédito, impedirá que novos investimentos sejam feitos na empresa, o que também fará que seus produtos sejam incompatíveis com o mercado;

d) perdendo mercado, a empresa fatalmente terá sua produção reduzida; impedindo a geração de empregos. Isto, aumentará ainda mais, a massa de desempregados no País, como já vem ocorrendo com algumas empresas de calçados no Sul do Brasil, as quais não estão conseguindo competir com os produtos vindo do exterior;

e) se esse julgamento prosperar sem que haja uma revisão, sem dúvida alguma irá espantar os investimentos no país, afastar o capital, e incinerar os empregos.

Diante dessa situação de incerteza, cujo próprio Supremo Tribunal Federal deixou aos contribuintes, por conta desse julgamento que reputamos desastroso ao país, fica a esperança de que possam os doutos ministros do STF, usarem de bom senso, coerência e justiça, no sentido de reverem essa última decisão, aplicando-se o princípio da segurança jurídica, que nada mais é que a condição indispensável para que cada cidadão possa ter a certeza quanto às conseqüências de seus atos, saber o que efetivamente a ordem jurídica lhes garante, ou seja o que é realmente lícito ou ilícito.

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    é advogado, especialista em Direito Tributário, membro-fundador do Centro de Especialização e Estudos Jurídicos de São Caetano do Sul, consultor jurídico Tributário de diversas empresas de São Paulo e especialista em planejamentos estratégicos de Passivos Tributários.

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    é advogado, especialista em análise de créditos fiscais e consultor jurídico do escritório D&D Consultores Associados.

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