Operação Hurricane

Hurricane: Supremo foi contraditório e agiu com desigualdade

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24 de abril de 2007, 0h01

A respeitável decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal, Cezar Peluso, de 24 de abril de 2007, concedendo liberdade provisória para magistrados federais e um procurador regional eleitoral, todos presos pela Operação Hurricane (furação, em inglês), além de ter indeferido o pedido de prisão preventiva do ministro Paulo Medina do Superior Tribunal de Justiça, (1) reacende ou alimenta uma velha e polêmica questão: O Judiciário age corporativamente?

Vale ressaltar, ainda, que na mesma decisão o referido ministro do STF deslocou para a Justiça Federal de primeira grau (6ª Vara Criminal) do Rio de Janeiro a competência para apreciar os pedidos decorrentes do Inquérito Policial, processar e julgar os demais indiciados supostamente envolvidos, cujos quais não possuem foro privilegiado.

Diante desse resultado decisório, muito criticado pela comunidade jurídica nacional – quase a unanimidade – e onde todos os indiciados, segundo a Polícia Federal, possuíam uma função definida e relevante na estrutura organizacional da suposta quadrilha desarticulada, inúmeros profissionais do direito formarão algum juízo de valor sobre tal decisum monocrático da suprema corte.

Pelo menos, sob a nossa simplória ótica, a aludida decisão do Supremo Tribunal aparenta está carregada de corporativismo ou, no mínimo, possui conotação corporativista. Isso porque, na nossa história pós-Constituição Federal de 1988, em especial, alguém jamais ousou imaginar ou suspeitar que membros do Poder Judiciário Federal (desembargadores e juiz do trabalho) estariam, supostamente, envolvidos, de forma direita, com o submundo do crime organizado.

As inacreditáveis acusações, já confirmadas por um dos juízes preso e suspeito, conforme já noticiou a mídia, (2) abalaram as estruturas do Poder Judiciário brasileiro e, certamente, preocuparam tanto a nossa Corte Suprema na última semana (de 12 a 19) que este Tribunal teve de encontrar uma saída – talvez política – para desviar da magistratura as atenções e as críticas da opinião pública.

Destarte, nos parece que a ação político-processual do STF não foi bem sucedida, além de ter colocado mais pimenta no acarajé. Ademais, data vênia, não são apenas os seus ministros que sabem interpretar a Carta da República consoante determinada situação e o seu delicado momento.

Oportuno, portanto, enfatizar que é do conhecimento meridiano ser o Supremo Tribunal Federal um órgão do Judiciário (artigo 92, inciso I, da CF) que também decide politicamente. O professor Dalmo de Abreu Dallari deixa assente isso ao lecionar, em mais uma de suas obras de fôlego, que: “Os juízes exercem atividades políticas em dois sentidos: por ser integrante do aparato do Poder do Estado, que é uma sociedade política, e por aplicarem normas de direito que são necessariamente políticas. Mas, antes de tudo, o juiz é cidadão e nessa condição exerce o seu direito de votar, o que não é desprezível quando se analisa o problema da politicidade de suas decisões judiciais”. (3)

A sobredita decisão política do STF não só certifica o corporativismo, que há muito dizem imperar no Poder Judiciário, salvo melhor juízo, como também coloca em dúvida a parcialidade do decisum em tela, ao dele se depreender que somente aqueles possuidores de foro privilegiado possam ser processados perante àquela Corte constitucional.

Lembremos, todavia, que a competência da nossa Suprema Corte, para o caso em testilha, é determinada pelo artigo 102, inciso I, alínea “c”, da Constituição da República, isto é, compete ao STF julgar os ministros dos Tribunais Superiores (STJ, STM, TST e TSE) nas infrações penais comuns e nos crimes de responsabilidade. Por ser um dos indiciados pela mencionada “Operação Hurricane” integrante do Superior Tribunal de Justiça, daí nasce aludida competência.

Ofende os princípios da razoabilidade e igualdade, além de afrontar o direito processual, a determinação para que somente os membros do Judiciário, em razão do foro privilegiado do ministro do STJ, sejam julgados naquela Corte Suprema por supostos delitos que lhes são imputados, bem assim atribuir à Justiça Federal de primeira instância competência para processar e julgar os demais supostamente envolvidos.

Permanece vivo na mente da sociedade o vergonhoso caso do “mensalão”, onde 40 pessoas foram denunciadas pelo Procurador-Geral da República, dentre elas parlamentares (reeleitos) do Congresso Nacional, cujos quais usufruem também do maldito foro privilegiado, além de inúmeros outros acusados sem o privilégio do foro. Recentemente, há poucos dias, o STF aceitou a citada denúncia em relação a onze dos denunciados, (4) sendo que somente um destes (deputado federal) possui a prerrogativa do foro.


Vale dizer, nessa situação, que a Suprema Corte também deveria desmembrar o feito concernente aos que não possuem foro privilegiado, remetendo-o à Justiça Federal de primeiro grau para processar e julgar os demais mortais. Não o fez. Assim, o STF foi incongruente, bem como agiu, sobretudo, com desigualdade no que diz respeito aos outros 21 indiciados na Operação em referência, sem privilégio do foro.

Portanto, dois pesos e duas medidas para a mesma situação procedimental envolvendo autoridades privilegiadas com o absurdo foro por prerrogativa da função. Em outras palavras, inexiste um critério específico ou próprio naquele Tribunal Supremo para determinar que somente os que possuem foro privilegiado sejam ali processados e julgados.

Em se tratando de foro por prerrogativa da função, prevalece este em detrimento dos foros comuns. Isso significa que todos aqueles que não possuem tal privilégio também serão julgados pelos Tribunais dos Estados, Regionais Federais, Superiores ou pelo STF, dependendo, obviamente, saber-se a qual Tribunal pertence autoridade estatal supostamente envolvida. (5)

A vis atractiva – assim denominada pela doutrina processual –, ou seja, a força atrativa, aqui conhecida como foro por prerrogativa da função, atrai para o Tribunal a competência de toda ação penal decorrente da prática de delitos comuns ou de responsabilidade imputados a determinadas autoridade dos três Poderes.

Dessa forma, havendo um único envolvido em atos ilícitos com foro privilegiado e tantos outros sem o mesmo privilegio, prevalecerá o foro daquela autoridade privilegiada.

Essa preocupação para que todos sejam julgados pelo mesmo juízo tem sentido, pois existindo dois juízos distintos (um especial e outro comum), como agora ocorrerá com a dita “Operação Hurricane”, poderemos ter surpresas afinal. Alguns podem ser absolvidos e outros condenados, todos podem ser absolvidos ou condenados, ou, ainda, uns sofreram uma pena maior e outros não.

Ademais, os juízes possuem livre convicção para apreciar a prova produzida (artigo 157, do Código de Processo Penal) e independência na aplicação do melhor direito aos casos que julgam; de modo que o magistrado singular da Justiça Federal e o ministro relator no Supremo Tribunal poderão chegar a conclusões confrontantes, sobremaneira pela complexidade do caso, a ponto de a imagem do Judiciário sair mais arranhada desse escândalo, que a Polícia Federal e o Ministério Público Federal afirmam ter ocorrido.

Assim, está correto o ministro relator do STF no caso do “mensalão”, posto ser a unicidade do juízo ou apenas um magistrado decidindo processo tão complexo, ainda que assessorado por colegas, a melhor forma de se evitar injustiças para os acusados, além de não permitir que as influências políticas prosperem na nossa Corte Suprema.

Importante enfatizar, que os indiciados na “Operação Furacão” estão muito bem representados por advogados de renome, cujos quais possuem larga experiência na defesa de autoridades perante os Tribunais e de acusados de lavar dinheiro. A combatividade dos eminentes defensores, reconhecidamente indispensáveis à administração da justiça (artigo 133, da CF), também será digno de nota, haja vista os eventuais cerceamentos de defesa motivados pelo eventual autoritarismo policial e/ou processual com o fim de apresentar logo uma reposta à sociedade.

Entretanto, como as investigações não são exatas e muito menos as provas colhidas contra todos os indiciados, abre-se um imenso leque para que, posteriormente, alegue-se ilegalidade ou nulidade de atos investigatórios ou de provas, até por que parece ser impossível à polícia investigar sem deixar vestígios de ilegalidades ou cometer abusos em casos tão complexos. Porém, se reconhece os trabalhos realizados pela Polícia Federal, que abusa da autoridade ao violar a Lei 8.906/94 e a Constituição Federal, de forma propositada, quando impede os advogados dos indiciados de ter acesso aos autos e retirar às cópias necessárias. Não queremos uma polícia fascista, ressalte-se.

Quanto ao indeferimento dos pedidos de prisão preventiva do ministro do STJ e dos demais magistrados, formulados pelo Procurador-Geral da República, entendemos o STF interpretou muito bem o sagrado princípio da presunção de inocência (artigo 5.º, inciso LVII, da CF) e a ausência dos requisitos do artigo 312 do Código de Processo Penal para o decreto prisional.

Por outro lado, a Corte Suprema, infelizmente, não demonstrou o mesmo destemor, ousadia e sapiência quando passou para a Justiça Federal de primeiro grau do Rio a decidir sobre os pedidos de prisão preventiva dos demais indiciados, uma vez que o acolhimento de tais pedidos do “parquet” dificilmente seria indeferido.


Como é cediço, a Justiça é uma só. Ou ela existe ou não existe. A população não entende muito de organização judiciária e tampouco de competência jurisdicional, inclusive alguns profissionais do direito; de sorte que a soltura dos magistrados e o indeferimento do pedido de prisão do Ministro do STJ, aliado a conseqüente prisão dos demais envolvidos por determinação da instância judicial inferior, não passou, a nosso ver, de uma decisão “pecaminosa” e infeliz.

O que o STF fez, na realidade, foi entregar aos “ferozes lesões” a sorte dos demais indiciados, haja vista que não pairava dúvida quanto ao decreto de prisão. Por sua vez, tratou logo de devolver e manter a liberdade dos indiciados com foro privilegiado, integrantes da nobre magistratura.

Destaca-se, ainda, disso tudo, a interpretação da norma processual penal completamente diversa, feita pela mesma Justiça, em situações tão semelhantes para não dizermos iguais.

Ora, se todos foram indiciados dentro do mesmo inquérito policial e formam uma suposta quadrilha para praticar delitos graves, tendo cada um a sua conduta definida no organograma de eventual organização, como é possível conceder a liberdade para uns e negar para outros?

Será que somente os juízes são dignos e reúnem condições para aguardar o eventual processo penal em liberdade? Quem acertou, finalmente, o ministro ou juiz federal? Todos deveriam ser soltos ou permanecer presos? Estas indagações possuem respostas, seja ela política ou jurídica.

As prisões decretadas pelo juiz federal – que aparenta ter mais poderes que o próprio ministro – levará algum ou um longo tempo até que seja revogada pela Justiça, dado que a mão pesada da magistratura cairá sobre os indiciados “mortais” sem piedade. Até chegar os seus pedidos de liberdade ao STF, em sede de “hábeas corpus”, irão padecer o bom bocado.

Poderia o Tribunal Supremo, se quisesse e na mesma decisão, ter analisado o pedido de prisão preventiva e o indeferido quanto aos demais indiciados “mortais”, aplicando para tanto o mesmo entendimento fundamentado com que indeferiu o pedido de prisão em relação aos juízes, já que como guardião da Constituição Federal não pode ferir o princípio da igualdade, como feriu, no que concerne ao direito de todos de aguardar eventual processo criminal em liberdade.

A curiosidade aflora, e daqui a algum tempo conheceremos, talvez, as razões de decidir do ministro (que indeferiu o pedido de prisão preventiva) e do juiz federal (que deferiu o mesmo pedido) em um mesmo caso, em condições processuais análogas.

Como visto, por mais que as Associações de Magistrados queiram sustentar a inexistência de corporativismo entre os seus membros, o Supremo Tribunal Federal, como é de costume, já deu a última palavra sobre este assunto na “Operação Hurricane”.


(1) Informações colhidas do “site” www.conjur.com.br, às 21h, do dia 21/04/2007.

(2) Ver matéria “Juiz preso confirma esquema de venda de decisões judiciais”, publicada em: http://oglobo.globo.com/rio/mat/2007/04/16/295390829.asp.

Acesso em 21/04/2007.

(3) Em “O poder dos juízes”. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 85.

(4) “Primeira ação do mensalão envolve Genoino e mais dez”. Ver: http://www.estadao.com.br/ultimas/nacional/noticias/2007/abr/18/228.htm.

Acesso, 22/04/2007.

(5) Para melhor compreender o foro privilegiado, recomendo ao nobre leitor que leia o artigo de nossa autoria, denominado “Justiça a Deseja: Júri é apenas para mortais, sem foro privilegiado”, o qual foi publicado no renomado “site” www.conjur.com.br, em 12 de abril de 2007, e republicado no nosso sítio www.edsonbelo.adv.br.

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