Punição financeira

Clínica é condenada a indenizar em R$ 200 mil por erro em parto

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24 de abril de 2007, 10h57

Um grave erro médico em uma clínica de Minas Gerais, durante procedimentos de parto, gerou indenização de R$ 200 mil e pagamento de pensão mensal de um salário mínimo à vítima. O valor foi estabelecido pelo ministro Humberto Gomes de Barros e acatado, por unanimidade, pela 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça. A Mater Clínica, condenada a pagar a indenização, ficou liberada de pagar plano de saúde à autora da ação.

De acordo com os autos, a paciente se queixou desde o início dos procedimentos ambulatoriais de fortes dores. Segundo ela, a enfermeira não levou consideração as suas reclamações e disse que os procedimentos executados eram normais. Depois do parto, sustenta, não houve tentativa imediata de reverter os efeitos de queimaduras causadas pelo uso indevido de formol.

A clínica nega essa versão. Assegura que quando o erro foi detectado, tomaram-se todas as medidas necessárias. A perícia constatou que o erro médico deixou inúmeras seqüelas. Segundo os autos, a vítima ficou sem a capacidade de controlar a defecação, perdeu parte do reto e do intestino, o controle do esfíncter e sofreu prejuízos à vida profissional e sexual.

Em primeira instância, a clínica foi condenada ao pagamento de R$ 200 mil por danos morais mais R$ 200 mil por danos materiais, englobando danos estéticos. A paciente pediu também o pagamento de despesas médicas, que foi negado. As partes recorreram ao Tribunal de Justiça de Minas Gerais, que determinou a redução da indenização por danos morais para R$ 40 mil e afirmou que os danos estéticos já estariam inclusos nestes. Além disso, a clínica não precisaria pagar o plano de saúde, pois isso não estava no pedido original.

A clínica recorreu ao Superior Tribunal de Justiça. Alegou que o valor das indenizações era excessivo e que não havia prova de que a paciente exercia alguma atividade remunerada antes, o que afastaria a pensão mensal. O estado de saúde da vítima seria bom, apenas com algumas limitações de esforço. Além disso, as seqüelas não seriam visíveis, o que descaracterizaria o dano estético.

Em seu voto, o ministro Humberto Gomes de Barros considerou os fatos “impressionantes”, ainda que controversos. Destacou que a jurisprudência do STJ admite a análise separada de danos morais e estéticos, ainda que oriundos do mesmo fato. Ele considerou também que era “óbvia” a redução da capacidade laboral da vítima, o que justificaria a pensão de um salário mínimo.

O ministro considerou adequado o pagamento de R$ 50 mil pelos danos morais para punir a clínica. Além disso, considerou que os danos estéticos deveriam também ser levados em conta, apesar das complexidades na jurisprudência do próprio Tribunal. O ministro destacou que o dano estético causa danos materiais e morais, não tendo previsão própria no ordenamento jurídico brasileiro. Entretanto, o ministro admitiu que a orientação da 3ª Turma tem sido de conceder a indenização, que fixou em R$ 150 mil.

Por fim, Humberto Barros considerou que não seria possível obrigar a clínica ao pagamento de plano de saúde, pois isso não foi pedido no início do processo. Portanto, sua concessão seria extra petita [além do pedido].

Leia a decisão:

RECURSO ESPECIAL Nº 899.869 – MG (2006⁄0046442-3)

RELATOR : MINISTRO HUMBERTO GOMES DE BARROS

RECORRENTE : MATER CLÍNICA LTDA

ADVOGADO : CARLOS AUGUSTO DE ARAÚJO CATEB E OUTROS

RECORRENTE : ELIZABETE NASCIMENTO DE BRITO

ADVOGADO : KARLA SILVA LIMA E OUTROS

RECORRIDO : OS MESMOS

INDENIZAÇÃO. “DANOS ESTÉTICOS” OU “DANOS FÍSICOS”. INDENIZABILIDADE EM SEPARADO.

1. A jurisprudência da 3ª Turma admite sejam indenizados, separadamente, os danos morais e os danos estéticos oriundos do mesmo fato. Ressalva do entendimento do relator.

2. As seqüelas físicas decorrentes do ato ilícito, mesmo que não sejam visíveis de ordinário e, por isso, não causem repercussão negativa na aparência da vítima, certamente provocam intenso sofrimento. Desta forma, as lesões não precisam estar expostas a terceiros para que sejam indenizáveis, pois o que se considera para os danos estéticos é a degradação da integridade física da vítima, decorrente do ato ilícito.

3. Os danos morais fixados pelo Tribunal recorrido devem ser majorados pelo STJ quando se mostrarem irrisórios e, por isso mesmo, incapazes de punir adequadamente o autor do ato ilícito e de indenizar completamente os prejuízos extrapatrimoniais sofridos pela vítima.

4. Provido o recurso especial da parte que pretendia majoração dos danos morais, fica prejudicado o recurso especial da parte que pretendia a redução da indenização.

ATO ILÍCITO. VÍTIMA. PERDA DA CAPACIDADE LABORATIVA. PRESUNÇÃO. POSSIBILIDADE. PENSÃO. FIXAÇÃO. CONSTITUIÇÃO DE CAPITAL. NECESSIDADE. SÚMULA 313.

1. Presume-se a redução da capacidade laborativa da vítima de ato ilícito que sofre graves seqüelas físicas permanentes, evidentemente limitadoras de uma vida plena.

2. O só fato de se presumir que a vítima de ato ilícito portadora de limitações está capacitada para exercer algum trabalho não exclui o pensionamento, pois a experiência mostra que o deficiente mercado de trabalho brasileiro é restrito mesmo quando se trata de pessoa sem qualquer limitação física.

3. Sem provas do exercício de atividade remunerada, tampouco de eventual remuneração recebida antes do ato ilícito, a vítima tem direito a pensão mensal de 1 (um) salário mínimo, desde o evento danoso até o fim de sua vida.

4. A indicação de termo final do pensionamento só é cabível quando se pretende pensão por morte, pois deve-se presumir que a vítima, não fosse o ato ilícito, viveria tempo equivalente à expectativa média de vida do brasileiro.

5. “Em ação de indenização, procedente o pedido, é necessária a constituição de capital ou caução fidejussória para a garantia de pagamento da pensão, independentemente da situação financeira do demandado.”

6. É lícito ao juiz determinar que o réu constitua capital para garantir o adimplemento da pensão a que foi condenado, mesmo sem pedido do autor.

LIMITES DA LIDE. JUIZ E TRIBUNAL QUE SE AFASTAM DO PEDIDO INICIAL. AUTORA QUE PRETENDE, EM RECURSO ESPECIAL, RESTABELECIMENTO DA SENTENÇA EXTRA PETITA. IMPOSSIBILIDADE.

1. Pedindo a autora a condenação da ré no pagamento de pensão mensal para custear futuros tratamentos médicos, remédios, exames e outros, não é lícito ao juiz julgar procedente o pedido para determinar que a ré pague plano de saúde para a autora.

2. Reformada a sentença extra petita pelo Tribunal, para afastar condenação concedida pelo juiz , não é lícito à autora, ignorando o próprio pedido inicial, postular em recurso especial o restabelecimento da sentença.

3. Nessa situação, acolhido o pedido recursal, outorga-se tutela extra petita (porque a autora obterá o que não postulou na inicial). De outro lado, acolhido o pedido da inicial, a autora obterá o que não postulou no recurso especial.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da TERCEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça na conformidade dos votos e notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, julgar prejudicado o recurso especial de Mater Clínica Ltda, e, conhecer e dar parcial provimento ao recurso especial de Elizabete Nascimento de Brito, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Ari Pargendler, Carlos Alberto Menezes Direito, Nancy Andrighi e Castro Filho votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 13 de fevereiro de 2007(Data do Julgamento).

MINISTRO HUMBERTO GOMES DE BARROS

Relator

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