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Restrições da lei afetam plano de recuperação de empresa

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23 de abril de 2007, 0h00

A Lei 11.101/05, nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas, determina, em seu artigo 53, o plano de recuperação judicial ou de reorganização da empresa, o qual representa uma peça indispensável à superação da crise. É nele que serão estabelecidos e apresentados argumentos que convençam tanto o juiz quanto os credores da viabilidade do procedimento.

Estabelece (artigo 54) restrições na elaboração do plano de recuperação quando diz que não poderá prever prazo superior a um ano para pagamento dos créditos vencidos decorrentes da legislação do trabalho e acidente do trabalho, nem superior a 30 dias para créditos vencidos de natureza estritamente salarial, limitados a cinco salários mínimos por trabalhador.

Deve-se dizer que o firmado no artigo 54 não tem relação com as medidas arroladas no inciso VIII do artigo 50 da mesma lei. Ali, os créditos vincendos têm ampla liberdade de serem negociados no plano de recuperação, respeitada e observada a legislação trabalhista.

Neste sentido, muito embora o artigo 7º, VI, da Constituição de 1988 determine como regra geral a irredutibilidade dos salários, a previsão do artigo 50 da Nova Lei de Falências de forma alguma pode ser considerada inconstitucional. Isso porque a própria Constituição prevê (artigo 7º) uma exceção a esta regra geral: a disposição em convenção ou acordo coletivo, exceção esta encontrada enquanto requisito do inciso VIII do artigo 50 da NLF.

Ainda, a redução salarial ao longo da recuperação judicial encontra fundamento também no artigo 503 da CLT, segundo o qual a redução geral dos salários dos empregados será lícita em casos de força maior ou prejuízos devidamente comprovados. Este mesmo artigo dispõe ainda que a redução deverá ser proporcional aos salários de cada empregado, não ultrapassando 25% e respeitando o salário mínimo.

Por fim, é importante ressaltar que tão logo cessados os efeitos decorrentes da força maior, ou seja, assim que a empresa em recuperação estiver apta a dar continuidade às suas atividades sem qualquer espécie de intervenção, os salários reduzidos deverão ser restabelecidos de imediato.

Outra reflexão de relevante importância é sobre o início da contagem do prazo de um ano para o pagamento dos créditos vencidos. Ora, certamente a nova lei, mesmo sendo omissa, quis, ao estabelecer este prazo, que os créditos fossem vencidos e líquidos.

Sobre os créditos não vencidos, resta esclarecer que não se enquadram nas hipóteses deste artigo, podendo ser atingidos pelas previsões do inciso VIII do artigo 50.

Desta forma, pensa-se que sobre os créditos vencidos e líquidos o início da contagem do prazo não deve ser depois daquela data da aprovação do plano pela Assembléia de Credores. Nada obsta, porém (já que a lei se omite a respeito do início da contagem do prazo), que se inicie da apresentação do plano de recuperação, uma vez que esta medida somente beneficiaria os credores não existindo hipóteses em prejudicá-los.

O problema aparece quando se tratam de créditos ilíquidos. Ora, o artigo 6°, em seu parágrafo 1°, estabelece que a ação que tratar de quantia ilíquida não será suspensa. Assim, enquanto processa-se a recuperação judicial, esta ação correrá normalmente, podendo o seu juiz condutor da recuperação determinar reserva de quantia estimada no plano de recuperação.

Nestes termos, pode-se admitir uma solução: encaixa-se esta quantia estimada no plano de recuperação, fazendo-se uma reserva judicial dos valores estabelecidos, como se líquida fosse.

Esta medida não se vê como a mais correta, pois muito vulnerável estará a empresa em recuperação para arcar com o ônus da incerteza da quantia ilíquida, simplesmente estimada por um senso subjetivo do juiz. Nesse sentido, fundamenta Marcos Andrey de Souza, em Comentários à Nova Lei de Recuperação Judicial e Falência (Quartier Latin, 2006, p. 296): “Outrossim, também não nos parece que o devedor deva adiantar os pagamentos, enquanto os créditos não estiverem liquidados, tomando por base o valor da reserva determinado pelo juiz. Ora, como se está tratando do empresário em dificuldades, não seria coerente que ele adiantasse valores a título de pagamento, correndo o risco da liquidação ser inferior ao da reserva fixada pelo juiz, ocasião em que o empresário haveria que recuperar os valores pagos a maior, o que nem sempre lograria êxito. Enfim, não é de se imaginar que uma lei de recuperação impusesse tamanha onerosidade ao empresário em dificuldades, o que seria um verdadeiro contra senso”.

Esta reserva de valores é válida no caso da falência, quando haverá liquidação do ativo e, se não forem reservados valores, poderão os créditos do artigo 54 deixar de ser garantidos pelo juízo falimentar. Por outro lado, na recuperação de empresas, como o objetivo principal é a manutenção da atividade, mesmo se o crédito for liquidado após a concretização da recuperação judicial, a cobrança poderá ser feita por meio dos procedimentos normais da Justiça do Trabalho. Caso seja a recuperação frustrada e haja a convolação em falência, aí sim se torna necessária a reserva de valores.

Entende-se, no mesmo sentido da doutrina dominante, que a contagem do prazo deveria se dar do exato momento em que forem liquidados os créditos.

Ainda, refere-se o art. 54 aos créditos de natureza estritamente salarial vencidos nos três meses anteriores ao pedido de recuperação judicial, como devendo ser obrigatório o pagamento no prazo não superior a 30 dias, limitados a cinco salários mínimos por trabalhador.

Necessário faz-se algumas considerações.

a) Deverão estar previstos no plano de recuperação os pagamentos das verbas remuneratórias em 30 dias, até o limite de cinco salários mínimos por trabalhador. Os créditos que se figurarem maior, o restante deverá ser pago obrigatoriamente nos onze meses seguintes, pois os créditos de natureza salarial tutelados no parágrafo único do artigo 54 enquadram-se também nas hipóteses do caput do mencionado artigo enquanto “derivados da legislação do trabalho”.

b) Quanto ao fato de limitar a cinco salários mínimos por trabalhador o pagamento obrigatório em 30 dias, é bom esclarecer que o legislador de 2005 fez esta exceção ao plano de recuperação como forma de ver garantida alguma assistência de natureza alimentar ao trabalhador de forma rápida, tendo em vistas valiosos princípios constitucionais.

c) Ainda, importante frisar que o parágrafo único do artigo 54 refere-se aos créditos de natureza estritamente salarial, ou seja, é possível o pagamento em 30 dias de verbas estritamente remuneratórias, jamais de verbas indenizatórias. Nesta seara, percebe-se que o artigo 54 não limita em 30 dias o prazo para pagamento de verbas indenizatórias devidas ao empregado, tais como indenização por dano moral, acidente de trabalho, indenização devida pela não entrega das guias de seguro-desemprego, intervalos intrajornadas não usufruídos, férias em dobro nos termos da Súmula 81 do TST, etc. Para estas verbas, o prazo para o pagamento é de um ano.

d) Por fim, crítica central deste ensaio, não se entende o motivo pelo qual o legislador limitou a urgência destes créditos aos vencidos nos três meses anteriores ao pedido de recuperação judicial. Já que vencidos há mais tempo, deveriam da mesma forma ter uma proteção especial pela lei falimentar. Assim, deveria ter o legislador não se preocupado com a limitação daqueles créditos vencidos somente naquele determinado período de três meses, obrigando que o pagamento de qualquer crédito de natureza estritamente salarial fosse previsto pelo plano de recuperação em 30 dias, no limite de cinco salários mínimos para cada trabalhador.

Melhor teria caminhado a inteligência do parágrafo único do artigo 54 da LRF, se assim dispusesse. Veja-se a proposta: Parágrafo único: O plano não poderá, ainda, prever prazo superior a 30 (trinta) dias para o pagamento, até o limite de cinco salários mínimos por trabalhador, dos créditos de natureza estritamente salarial já vencidos anteriormente ao pedido de recuperação judicial.

Dessa forma, vê-se que o parágrafo único do artigo 54 somente deveria trazer um tratamento jurídico diferenciado aos créditos de natureza estritamente salarial, já que dos outros derivados da Justiça do Trabalho e de Acidente de Trabalho o caput já tomou conta.

Não se pode aceitar, portanto, a redação do parágrafo único do artigo 54. As razões pelas quais pretendeu o legislador garantir o pagamento em 30 dias dos créditos salariais aos empregados são óbvias, posto tratarem-se de verbas com natureza alimentar. Todavia, razão alguma há para que a garantia seja limitada aos créditos vencidos nos três últimos meses ao pedido de recuperação judicial.

Concluindo-se, há que se ressaltar, tratando de restrições à elaboração do plano de recuperação, que nada impede que nele sejam previstos os créditos decorrentes da legislação do trabalho ainda vincendos. Juntamente com o inciso VIII do artigo 50, pode o devedor cumprir suas obrigações trabalhistas ainda por vencer, de forma a trazer o plano de recuperação judicial mais próximo dos conceitos de confiabilidade, credibilidade e consistência, extremamente necessários a eficácia do processo judicial de reestruturação da empresa.

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