Operação Lacraia

PF prende 32 pessoas acusadas de grilagem de terras

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20 de abril de 2007, 22h07

A Polícia Federal prendeu, nesta sexta-feira (20/4), 32 pessoas (leia nomes abaixo) durante a Operação Lacraia. O objetivo é desarticular uma quadrilha que praticava, há 10 anos, grilagem de terras, crimes contra o sistema financeiro, fraudes cartorárias e corrupção de servidores públicos. Cerca de 200 policiais federais foram escalados para cumprir os mandados de prisão e de busca e apreensão.

Foram presos 19 pessoas em Barra do Garças, 6 em Água Boa (MT), uma em Cuiabá, três em Aragarças (GO), duas em Jataí e uma em Mirante do Paranapanema (SP). Os mandados foram expedidos pela juiz federal Julier Sebastião da Silva, da 1ª Vara de Mato Grosso (leia abaixo).

Segundo a PF, os documentos apreendidos serão analisados para comprovar a prática dos crimes da quadrilha e calcular o total do prejuízo aos bancos.

Ainda de acordo com a Polícia Federal, o grupo falsificava e forjava registros e títulos de propriedades rurais, que posteriormente eram usados na obtenção de empréstimos e financiamentos bancários. Os empréstimos obtidos com o uso de documentos falsos giravam em torno de R$ 100 mil.

Além dos documentos, os policiais apreenderam carros, jóias e outros objetos de valor. A Justiça determinou o bloqueio de contas usadas pelo grupo.

A investigação apontou a existência de um esquema de fraudes que funcionava dentro do Cartório do 1º Ofício de Registro de Imóveis, Notas e Protestos da Comarca de Barra do Garças, além dos cartórios de Água Boa e Baliza (GO), entre outros.

Segundo agentes da PF, com a colaboração de tabeliães e funcionários dos cartórios, a quadrilha alterava documentos originais, montava registros falsos e duplicava lavraturas. Os fraudadores também utilizavam scanners para copiar assinaturas de terceiros nos documentos que estavam sendo manipulados.

Depois de prontos, os papéis eram envelhecidos em fornos microondas, que acabaram substituindo a velha técnica que utilizava caixas com grilos (razão do termo grilagem de terras), segundo a PF. Em média, cada documento era negociado por R$ 5 mil, podendo em alguns casos chegar ao valor de R$ 40 mil. Estes pagamentos eram feitos por meio de depósitos em contas de laranjas, com a finalidade de dificultar o rastreio, informam os agentes.

Ainda de acordo com as investigações, as escrituras das terras, que na maioria eram de propriedade da União ou não existiam fisicamente, serviam de garantia na obtenção dos empréstimos bancários. Em uma das fraudes, a quadrilha, além de obter o registro falso de uma fazenda, obteve certidões que comprovariam a sua produtividade e também deslocou um rebanho de 100 cabeças de gado até a área. Tudo para que o auditor do banco autorizasse o financiamento.

A PF informa que entre os presos está Ailda de Deus Silva, servidora do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Ela era responsável pela emissão de Certificados de Cadastro de Imóvel Rural.

Veja os presos pela PF

Adaídes Pereira Gervásio,

Adaílton Galdino de Oliveria

Ailda de Deus Silva

Aislan Vieira Gonçalves

Celso Turo

Divina Célia Moreno Nascimento

Divino Marra da Silva

Eliane Silva Moreira

Francisco Gervásio Pereira

Helena da Costa Jacarandá

Henrique Medeiros da Cruz

Irismar de Paula Paraguassu

Jairo Hohlenverger Rodrigues

José Roque da Costa

Lucélia Barros Lopes Parreira

Marcelo Elias de Oliveira

Maria de Lourdes Dias Guimarães

Renato Alves de Oliveira Júnior

Rondom Rodrigues da Silva

Rubens Omar Maurmann Borges

Serineu Osmar Tura

Thattiane Gervásio do Nascimento

Wilson Antônio Prestes Stein

Clóvis Peres Filho

José Roberto

“Toninho Barbudo”

Carlos Augusto de Abreu

Dionísio Barbosa

João Carlos Correia de Cerqueira

Mauro Cesar Dias Mello

Wilson Antônio Martins

Anderson Antônio Kloster

Veja a ordem de prisão

PROCESSO: 2007.36.00.003573-6

CLASSE: 15204- PRISÃO TEMPORÁRIA e BUSCA E APREENSÃO

REQUERENTE: DELEGADO DE POLÍCIA FEDERAL

DECISÃO

Trata-se de pedidos de PRISÃO TEMPORÁRIA e de BUSCA E APREENSÃO, formulados pela Autoridade Policial em face de ADAÍDES PEREIRA GERVÁSIO, ADAÍLTON GALDINO DE OLIVEIRA, AILDA DE DEUS SILVA, AISLAN VIEIRA GONÇALVES, CELSO TURA, DIVINA CÉLIA MORENO NASCIMENTO, DIVINO MARRA DA SILVA, ELIANE SILVA MOREIRA, FRANCISCO GERVÁSIO PEREIRA, HELENA DA COSTA JACARANDÁ, HENRIQUE MEDEIROS DA CRUZ, IRISMAR DE PAULA PARAGUASSU, JAIRO HOHLENVERGER RODRIGUES, JOSÉ ROQUE DA COSTA, LUCÉLIA BARROS LOPES PARREIRA, MARCELO ELIAS DE OLIVEIRA, MARIA DE LOURDES DIAS GUIMARÃES, RENATO ALVES DE OLIVEIRA JUNIOR, RONDOM RODRIGUES DA SILVA, RUBENS OMAR MAURMANN BORGES, SERINEU OSMAR TURA, THATTIANE GERVÁSIO DO NASCIMENTO, THIAGO HENRYK BARROS PARREIRA e WILSON ANTÔNIO PRESTES STEIN, nominados na inicial e aditamento, que fariam parte de possível ação de organização criminosa voltada às atividades ilícitas com vistas, em síntese, à prática de negociações com propriedades rurais em sua maioria, fraudulentamente registradas e/ou averbadas, além de sua utilização para a obtenção de financiamentos em Instituições Financeiras oficiais.


Procediam à alteração ou falsificação de documentos cartorários, tanto no que pertine ao seu conteúdo (falsidade ideológica), quanto na própria forma (falsidade material), além de suprimirem documentos públicos autênticos.

O pleito embasou-se no inquérito policial em apenso, onde consta cópia de ação penal já em trâmite perante a Justiça Estadual movida contra vários dos Representados e procedimento de interceptação telefônica judicialmente autorizada, no qual pode-se constatar o nível de participação dos envolvidos.

Por fim, ressalta a autoridade a necessidade das medidas elencadas, haja vista o grau de influência a possibilitar a continuidade da prática delitiva, uma vez que se tratam de funcionários e/ou pessoas com alto nível de ingerência nos cartórios de registro público, bem como ante a facilidade com que poderão interferir nas investigações, patrocinando a destruição de provas materiais, as quais encontram-se em seu poder e/ou em local de relativo acesso, considerando-se o envolvimento de vários funcionários cartorais e órgãos públicos.

A não restrição de suas liberdades neste momento em que se evidenciaria os procedimentos investigatórios, com certeza, dificultaria ou inviabilizaria a atividade persecutória, segundo a ótica do Representante.

Sustenta, de igual forma, a imprescindibilidade da medida de busca e apreensão, tendo em vista constituir-se em um dos meios probatórios mais eficientes para se apurar atividades ilícitas, notadamente quanto ao tipo de delitos que são imputados aos Requeridos.

Após, requereu a Autoridade Policial a retificação do endereço de um dos Investigados, bem como a exclusão de THIAGO HENRYK BARROS PARREIRA dentre os abrangidos pelas medidas requeridas, pedidos esses que restaram devidamente atendidos (fls. 245/248).

O Ministério Público Federal manifestou-se às fls. 207/244, oportunidade em que protesta pela decretação da prisão temporária dos indicados na representação da Autoridade Policial, inclusive THIAGO HENRYK BARROS PARREIRA, face o atendimento dos requisitos legais, bem como em face de CLOVIS PERES FILHO, MAURO CESAR DIAS MELO, WILSON ANTÔNIO MARTINS, ANDERSON ANTÔNIO KLOSTER, JOSÉ ROBERTO, TONINHO BARBUDO, CARLOS AUGUSTO ABREU, BETH, DIONÍSIO BARBOSA, CLODOMAR e JOÃO CARLOS CORREA DE CERQUEIRA.

Após, estes vieram-me conclusos.

Decido.

FUNDAMENTAÇÃO

A prisão temporária tem seus requisitos delineados nos artigos 1º e 2º da Lei nº 7.960/89, sendo cabível quando for imprescindível para as investigações do inquérito policial ou quando o indiciado não tiver residência fixa ou não fornecer elementos necessários ao esclarecimento de sua identidade, ambos os casos, nas hipóteses de indícios de autoria e materialidade dos crimes delineados no inciso III do artigo 1º do referido diploma normativo.

No vertente caso, o pedido de prisão temporária tem sustentáculo na existência de inquérito policial visando apurar uma sorte de delitos, dentre os quais, o de formação de quadrilha e contra o sistema financeiro nacional, já que muitas das falsificações de registros de imóveis rurais se prestavam unicamente para garantir contratos de financiamento efetuados perante instituições financeiras.

A documentação existente nos autos, notadamente, quanto à existência de uma gama de procedimentos visando à apuração de uma série de ilícitos ocorridos em especial no Cartório de Registro de Imóveis de Barra do Garças/MT, bem como a ação penal já em trâmite, em razão da qual foi afastada, inclusive, a tabeliã do referido órgão, apontada como uma das líderes do milionário esquema de “fabricação” de imóveis, dá conta da vasta proporção e gravidade com que os fatos infracionais vêm sendo consumados.


Constata-se, ainda, o envolvimento de funcionários e ex-funcionários cartorais, com reconhecida experiência no trato dos documentos e fácil trâmite nos órgãos correlatos, notadamente o INTERMAT e o INCRA, onde, inclusive, contam com a participação ativa de uma servidora na produção de Certificados de Cadastro de Imóvel Rural – CCIR.

Das transcrições telefônicas, infere-se o destemor a qualquer medida restritiva a cercear as atividades ilícitas praticadas, eis que, mesmo com o afastamento da tabeliã, demissão de funcionários e a ação penal em curso, prosseguem os Representados na prática das atividades delitivas, utilizando-se da participação de alguns funcionários que ainda restaram na ativa e lançando mão dos dados e documentos já acautelados em seu poder irregularmente.

A autoridade policial, em seu petitório, individualizou adequadamente a atuação efetiva de cada um dos Requeridos, todos assim destacados por representarem o núcleo de liderança da suposta quadrilha.

Ressai dos autos, especialmente da interceptação telefônica, que a atuação era, de certa forma, organizada, uma vez que parte dos Representados se dedicava à cooptação dos interessados, futuros “clientes”, normalmente, fazendeiros e proprietários rurais que buscavam a realização de financiamentos em instituições bancárias, necessitando do oferecimento de garantia (hipoteca). Aqueles, como pode-se verificar em suas qualificações, são em sua maioria corretores.

Outra frente é constituída pelos falsificadores, responsáveis pela produção material dos documentos.

E, por fim, infere-se a atuação dos servidores dos cartórios de registro e ex-servidores, que são encarregados do levantamento de dados a serem utilizados nos documentos elaborados em duplicidade, ou seja, sobrepostos às matrículas originais e em outras tantas formas de adulteração possíveis que melhor serão apuradas no decorrer do inquérito. Constata-se que esse núcleo também representa o cerne da organização, pois interliga-se em toda a rede (os falsificadores, os clientes e os demais servidores de outros órgãos).

A forma com que atuam os Requeridos e a tranqüilidade apurada pelas interceptações telefônicas dão conta do descaso absoluto quanto à possível repressão pelo Poder Judiciário.

Nesse sentido, faz-se mister destacar inúmeros trechos em que as Representadas Adaídes e Lucélia, que demonstram ter um relacionamento mais estreito com Helena da Costa Jacarandá, ex-tabeliã da 1ª Serventia Notarial e Registral da Cidade de Barra do Garças-MT, freqüentando, inclusive, sua residência e a tendo como sua consultora na realização das negociatas, reportam-se à sua volta à gerência do cartório para dar continuidade às negociatas com maior tranquilidade.

Há trechos em que reclamam expressamente da atuação de alguns servidores que estão a conferir documentos, procedimento este que, aliás, deveria ser comezinho, “dificultando” as infrações realizadas.

Ainda nesse núcleo, destacam-se as atuações de Tatthiane, filha de Adaídes, funcionária do Cartório do 1º Ofício de Barra do Garças/MT, que auxilia ativamente sua mãe nos esquemas ilícitos da quadrilha, levando matrículas de imóveis para casa e possibilitando o depósito do numerário auferido ilicitamente em sua conta corrente e de seu namorado.

Na mesma esteira, seguem Divina Célia (fls.39 e sgtes da representação), Eliane Silva (fls. 52 e sgtes), também funcionárias do Cartório de Barra do Garças/MT, encarregadas da elaboração de certidões falsas, além de procederem as fotocópias dos documentos necessários para a elaboração dos títulos falsos pelos demais membros da organização.

A atuação de Jairo, também funcionário do Cartório, que, em princípio, demonstrava atrapalhar o grupo, ficou melhor evidenciada no decorrer dos fatos, sendo ele referido em várias conversas e também flagrado como um dos interlocutores das interceptações, cobrando propina pela prática de atos ilícitos, aceitando as solicitações dos outros envolvidos no sentido de providenciar documentos para serem utilizados. (fls. 89 e segtes).


Nesse núcleo ainda, merece destaque o papel de Helena Jacarandá, a ex-tabeliã do referido Cartório, afastada em virtude de ação penal contra si interposta na Justiça Estadual. Durante sua gestão à frente do Cartório de Registro, várias matrículas foram feitas ‘dublê’, outras falsificadas e outras suprimidas do tabelionato.

Embora não converse com desfaçatez inerente aos vários diálogos dos demais, a todo tempo é mencionada pela maioria dos representados, especialmente Lucélia, Adaídes e os outros funcionários do Cartório, que descrevem as orientações recebidas da Tabeliã referentes às falsificações levadas a efeito pela organização.

Registre-se que, pelos diálogos havidos, as orientações da ex-tabeliã são sempre atuais, o que demonstra sua participação ativa na produção dos documentos adulterados, inclusive, assinando-os com data retroativa, expediente muito utilizado pelos Representados, já que sabem que o novo tabelião não o faria.

Nesse sentido, são esclarecedoras as interceptações produzidas às fls. 72 e 74 do requerimento da autoridade policial. Mais, a interceptação constante das fls. 75/76, embora a Representada Helena Jacarandá tenha praticamente respondido monossilabicamente, demonstra que a mesma estava inteirada dos fatos ilícitos e atuando ativamente para a consecução destes.

No cartório de Baliza/GO, verifica-se a participação do tabelião Irismar de Paula, destacada especialmente após o afastamento de Helena Jacarandá em Barra do Garças, quando passa a fornecer à quadrilha números e datas de livros, assina, registra e confirma documentações (procurações, escrituras, etc.) montadas e frias, sempre mediante recebimento de vantagem indevida.

As interceptações revelam que Irismar era muito ligado a Adaídes, uma das pessoas que solicitavam ativamente os seus préstimos.

Já Adaílton, funcionário do cartório de Água Boa/MT, é evidenciado em uma negociata com Lucélia Barros Lopes Parreira para lavrar uma escritura com data retroativa. Segundo o relatório da autoridade policial, Adaílton tinha conhecimento que se tratava de documentação fraudada e solicitou para isso, vantagem indevida. Segundo conversa entre o nominado e Lucélia, o depósito seria de R$ 2.000,00 (dois mil reais). O dinheiro foi depositado diretamente em sua conta corrente no Banco Bradesco (fls. 25/26).

Desse apanhado, constata-se a participação ativa dos Representados para a consumação de crimes em pelo menos três Cartórios de Registro de Imóveis da região, situação que permite dimensionar a vasta e constante atuação dos membros do bando delitivo.

Prosseguindo, restou evidenciado o grupo encarregado em dar o suporte “técnico” aos primeiros retromencionados. Além de servidores de órgãos públicos, vislumbra-se a participação especialmente de parentes dos primeiros envolvidos.

Destaca-se Divino “Careca” (fls. 45 e segtes), ligado à falsificação de documentos públicos, mantendo contato especial com Lucélia.

Em uma das interceptações, apurou-se negociata feita com Beth (advogada que trabalha no cartório do 1º Ofício de Barra do Garças), cujo numerário teria sido pago através de conta em nome de seu marido Carlos Augusto de Abreu, no valor de R$ 15.000,00.

As diligências apuraram ainda a atuação de Henrique Medeiros (fls. 77/78) como um dos principais falsificadores de documentos, muito ligado à Lucélia e a Rondom.


Dentre os principais falsificadores e corretores, destaca-se ainda Renato, um dos ex-maridos de Lucélia. Além de aliciar interessados na aquisição de documentos falsificados, também participa da parte operacional, consistente na própria confecção daqueles.

Em uma das interceptações telefônicas (fls. 154 e segtes), Renato é flagrado com um dos “clientes”, esclarecendo pormenorizadamente o procedimento realizado para ludibriar as instituições financeiras com a utilização de documentos de propriedade inteiramente frios, acompanhados de todas as certidões e atestados dos órgãos públicos necessários ao deferimento do pleito de financiamento, inclusive, declarações pretéritas de imposto de renda.

Registre-se ainda que, em alguns trechos das interceptações, onde a quadrilha constata certa dificuldade em se produzir os documentos no Cartório de Barra do Garças/MT, desde o afastamento de Helena Jacarandá, falou-se também em se proceder a falsificação da assinatura da sub-tabeliã Joane, através desse processo, já que a mesma, para assinar as certidões, estava conferindo com o documento de matrícula do imóvel.

Rubens Omar, o “Quinho”, também corretor de imóveis, é atuante principalmente na região do município de Barra do Garças/MT. Aparece envolvido em falsificações, apurando-se nas interceptações ser sido um elo entre Anderson Antonio Kloster e José Roque da Costa, comprador e vendedor, respectivamente, de documentação fria (fl. 160). Infere-se que fora um dos personagens mais citados, sendo ainda flagrado inúmeras vezes negociando e mencionando falsificações praticadas com o fito especial de serem utilizadas em garantia a financiamentos bancários.

No quadro de auxiliares voltados à produção dos documentos falsificados não poderia faltar também funcionários dos órgãos públicos encarregados da elaboração das certidões e demais documentos afetos à situação cadastral dos imóveis, sua regularidade etc.

Embora a investigação até o presente momento não tenha logrado êxito em identificar todos os possíveis “colaboradores”, especialmente os atuantes no INTERMAT, encarregados da elaboração de mosaicos e produção/ criação de imóveis, apurou-se a atuação da servidora do INCRA, lotada em Barra do Garças, Ailda de Deus. Nas interceptações telefônicas, evidencia-se que umas das principais falsificadoras, Adaídes Pereira Gervásio, em conversa com seu irmão França de Tal, cita Ailda como sendo um instrumento para se retirar o CCIR (Certificado de Cadastro de Imóvel Rural) de maneira mais rápida. À fl. 29, a própria servidora aparece cobrando propina para a expedição do documento supra citado.

Integrando o rol dos agenciadores dos negócios escusos, tem-se a destacada a figura de Francisco Gervásio, o “França”, irmão de Adaídes, responsável pela corretagem principalmente no município de Água Boa/MT, auxiliando ainda a sua irmã na realização das inúmeras fraudes (fl.58).

Na mesma seara, encontram-se Rondom Rodrigues (fls. 159 e segtes), amásio de Lucélia, membro muito ativo da quadrilha investigada, atuando especialmente na cooptação dos clientes.

Foi flagrado em conversa telefônica solicitando à Lucélia documentação de uma área de 2.000 hectares para que um conhecido dele tivesse condições de pleitear financiamento bancário, valendo-se dos documentos falsificados, o que configura, em tese, o ilícito penal previsto no artigo 19 da Lei 7492/86.

José Roque, embora apontado como comerciante na área de automóveis, ao que parece, acresce seus rendimentos com a comercialização de escrituras frias forjadas pela quadrilha e confeccionadas por Helena Costa Jacarandá (ex-tabeliã), Lucélia Barros Lopes Parreira (ex-Funcionária do Cartório) e Maria de Lourdes Dias Guimarães (corretora de imóveis).


Maria de Lourdes, corretora de imóveis em Barra do Garças/MT, aparece também envolvida nos esquemas de falsificação de documentos públicos, juntamente com Lucélia. Lourdes, ao que se apresenta, também mantém estreito contato com França e Adaídes, negociando documentações referente a imóveis totalmente ilegais (fls. 136/137).

Por fim, as investigações permitiram evidenciar alguns dos integrantes do que podemos dizer “grupo-fim”, ou seja, aqueles que utilizam-se dos documentos adulterados ou falsificados em prejuízo ao sistema financeiro nacional, já que os apresentam em sua grande maioria, como garantias aos financiamentos pretendidos.

Deve-se registrar a sua importância, pois são os mantenedores do esquema, sem os quais, todos os atos criminosos não teriam qualquer valia e proveito econômico.

Um parêntese compõe-se para se destacar a necessidade da prisão temporária e da medida de busca e apreensão como formas de desestruturar a ação organizada, apurar-se adequadamente os demais benefíciários dos atos infracionais e coibir, ao menos, temporariamente, a continuidade de tais práticas, as quais, segundo inserto nos documentos já produzidos na investigação policial, encontram-se em pleno vapor, permeando, de maneira generalizada, a atuação dos cartórios de registro de imóveis daquela região.

Dentre os beneficiários, apurou-se a atuação de Aislan Vieira Gonçalves (fls. 34), o qual, em certa ocasião, mostrou-se interessado em documento fraudado, visando alteração da sua propriedade de improdutiva para produtiva, para ser utilizado em processo de financiamento em instituição financeira.

Note-se que, nesse grupo, há pessoas de merecido destaque, notadamente, levando-se em consideração o lucro ilicitamente auferido.

Assim são evidenciados os irmãos “Tura” – Serineu Osmar Tura e Celso Tura – empresários estabelecidos em Água Boa-MT, os quais aparecem como beneficiários de um esquema montado via INTERMAT – Instituto de Terras de Mato Grosso – com dados inverídicos, com o qual concluiriam um negócio referente à venda de uma fazenda, o que lhes geraria uma parcela final de R$10 milhões de reais ao escriturar o comprador.(fls. 35/36).

Atuando em auxílio aos irmãos Tura, destaca-se Marcelo Elias (fls. 131 e segtes), flagrado em interceptação telefônica inquirindo sobre a segurança do negócio escuso e tratando do pagamento do serviço avençado.

Também destaca-se, nesse mesmo negócio ilícito realizado em interesse dos irmãos Tura, a participação de Wilson Antônio (fls. 184 e segtes).

Passo doravante a apreciar o pedido de prisão temporária formulado exclusivamente pelo “Parquet” Federal.

*Ainda dentro da divisão básica de tarefas acima descrita, apontou o Ministério Público Federal a necessidade da medida excepcional em relação a outras onze pessoas, algumas somente citadas nos diálogos, demonstrando haver estreita ligação nas atividades ilícitas, mas que sequer chegaram a ser devidamente identificadas.

A prisão temporária, nessa hipótese, atenderia à sua dupla função – a imprescindibilidade para a investigação policial e proceder-se a correta identificação das pessoas investigadas.

Destarte, tem-se Clóvis Peres Filho, flagrado preparando documento falso com Lucélia, conforme se vê da transcrição aposta à fl. 74, também mencionado em conversa mantida entre Lucélia e Eliane (fl. 75). Tais fatos revelam sua participação no esquema, junto ao núcleo dos falsificadores.

Já José Roberto, conforme descreve o MPF, “intermedia e faz a corretagem da criminalidade, percutindo transações com (sic) escrituras frias. Age e interage com Quinho, sempre que se trata de elaborar documentos para calçar financiamentos bancários.” (fl. 230), alegação esta corroborada pelos elementos de prova amealhados no inquérito policial. De fato, constata-se à fl. 167 que José Roberto pergunta a Quinho se este ainda está fazendo escrituras com datas retroativas. Na seqüência, um homem não identificado pergunta a Quinho se José Roberto ligara a fim de ajustar a realização de um “serviço” com data retroativa.


Toninho Barbudo também aparece negociando com Quinho (fl. 169), oportunidade em que este oferece documentos sobre uma área de 702 hectares, que, todavia, encontra-se invadida, ao que complementa dizendo que existe uma outra documentação forjada em cima da mesma terra, no caso com 403 hectares. Toninho afirma que a documentação deve ser confeccionada de tal modo que a avaliação alcance um milhão de reais, o que evidencia a liberdade e trânsito do Investigado com o falsificador, bem como a intenção de perpetrar o ilícito.

A advogada Beth, ao que parece atua no Cartório de 1º Ofício de Barra do Garças, juntamente com Carlos Augusto de Abreu, seu esposo. Ambos são investigados por receberem valores na conta bancária deste último, oriundos dos ilícitos cometidos pelo grupo ora investigado, o que ressoa de forma cristalina no diálogo travado entre Lucélia e Divino (fls. 50/51), onde este afirma o que segue:

“DIVINO < Pois é eu esqueci de pegar o número da matrícula. O depósito do dinheiro tá aqui na minha gaveta, eu tô pegando nele oh! Depositei na conta do Carlão, Carlos Augusto Abreu, marido da Beth >

LUCÉLIA < É o marido da Beth >

DIVINO < É eu que depositei >

LUCÉLIA < Nossa mas tem que ter esses trens em mãos >

DIVINO < Eu que depositei, transferi da minha conta pra conta dele, ta aqui oh, transferi da conta minha foi pra dele, limpinho.

Já Dionísio Barbosa é mencionado em conversa mantida entre Adaídes e Marcelo. Adaídes, ao explicar o procedimento adotado, afirma que, caso Marcelo se recuse a apresentar a documentação falsa, bastaria procurar Dionísio, que se encarregaria da tarefa (fl. 15). Ao que se demonstra dos autos também, seria Dionísio o elo de ligação especialmente com o Inermat, órgao encarregado da produção de documentação “fria” seja sobre terras públicas ou propriedade particular, situação gravíssima que necessita de imediata apuração.

Os Representados Clodomar, João Carlos Correa de Cerqueira (segundo citação da autoridade policial – fl. 60), Wilson Martins Alves e Mauro César Dias de Melo são apontados como agentes na intermediação da prática ilícita de comércio de documentação falsa para “esquentar” imóveis rurais e fraudar o sistema financeiro nacional.

Por fim, integrando o quadro de beneficiários do esquema ilícito, tem-se a pessoa de Anderson Antônio Kloster, fazendeiro flagrado por vezes nas interceptações telefônicas, sempre se reportando aos fornecimentos de documentação “fria”, tanto para utilização em financiamento, quanto para a realização de atos de grilagem de terras.

A custódia ainda que temporária, constitui-se medida de exceção a ser evitada quando possível atingir por outros meios seus objetivos. No caso em pauta, a detenção dos elementos de destaque na organização criminosa, de certa forma, desestrutura a ação do grupo permitindo que a autoridade policial proceda à apuração dos fatos e colha as provas existentes.

Só pelo teor das informações da autoridade policial em seu petitório, há aproximadamente 250 procedimentos em tramitação apurando-se suspeitas de irregularidades cometidas no Cartório de Barra do Garças/MT.

Constata-se ainda que, ao que parece, tais práticas delitivas contam de longa data, situação que dificulta a apuração dos fatos se não houver uma efetiva atuação do poder público, porquanto nem mesmo a interposição de ação penal para se investigar um único fato, o afastamento da tabeliã e a demissão de vários funcionários intimidaram os Representados, que prosseguem firmes em seu propósito de auferir lucro fácil de maneira ilícita.


Não custa lembrar o importante papel exercido por um cartório de registro de imóveis, sendo o responsável pela regularização de todas as propriedades de determinada região.

Os fatos até então apurados constituem-se em realidade estarrecedora a ser enfrentada e reprimida o quanto antes pelo poder estatal, tamanha a gravidade com que se delineiam.

Portanto, existem indícios de autoria e materialidade em relação às pessoas supracitadas de participação em uma organização criminosa/quadrilha (artigo 288 do Código Penal), que promoveria uma série de crimes que atentam contra a Administração Pública, contra a Ordem Tributária e em prejuízo ao Sistema Financeiro Nacional, havendo suporte normativo para que seja decretada a prisão temporária com fulcro no artigo 1º, incisos, I e III, alínea “l” e “o”, da Lei nº 7.960/89.

No tocante à pessoa de Thiago Henryk Barros Parreira, uma vez deferida sua exclusão, e diante da ausência de dados novos apresentados pelo MPF a justificar a revisão do “decisum”, mantenho o despacho de fl. 246 verso.

Os mesmos fundamentos para a concessão da restrição temporária da liberdade dos Representados são aptos a autorizar a medida de busca e apreensão também requerida.

O art. 240, §1º, alíneas “b”, “c”, “d”, “e” e “h”, do Código de Processo Penal, autoriza a busca e apreensão de coisas com o fim de colher elementos de convicção acerca da materialidade e da autoria da infração penal, investigada em procedimento próprio, sendo certo que o caso em comento está compreendido pela hipótese supracitada, autorizando, assim, o acolhimento do pleito inicial.

Os fatos demonstrados pela autoridade policial são bastante graves e estão a merecer a devida atenção e atuação por parte deste órgão jurisdicional no sentido de possibilitar o desenvolvimento e a conclusão das investigações policiais existentes.

Registre-se, por fim, que pela natureza das práticas delitivas apontadas, configura-se de fundamental importância a apreensão de documentos que estão em poder dos Representados, bem como em seus órgãos de trabalho, notadamente o Cartório do 1° Ofício de Barra do Garças/MT.

DISPOSITIV O

Diante do exposto, com fulcro nos artigos 1º, incisos I e III da Lei nº 7.960/89, e art. 240 e seguintes do Código de Processo Penal, decreto a prisão temporária de ADAÍDES PEREIRA GERVÁSIO, ADAÍLTON GALDINO DE OLIVEIRA, AILDA DE DEUS SILVA, AISLAN VIEIRA GONÇALVES, CELSO TURA, DIVINA CÉLIA MORENO NASCIMENTO, DIVINO MARRA DA SILVA , ELIANE SILVA MOREIRA, FRANCISCO GERVÁSIO PEREIRA, HELENA DA COSTA JACARANDÁ, HENRIQUE MEDEIROS DA CRUZ, IRISMAR DE PAULA PARAGUASSU, JAIRO HOHLENVERGER RODRIGUES, JOSÉ ROQUE DA COSTA, LUCÉLIA BARROS LOPES PARREIRA, MARCELO ELIAS DE OLIVEIRA, MARIA DE LOURDES DIAS GUIMARÃES, RENATO ALVES DE OLIVEIRA JUNIOR, RONDOM RODRIGUES DA SILVA, RUBENS OMAR MAURMANN BORGES, SERINEU OSMAR TURA, THATTIANE GERVÁSIO DO NASCIMENTO, WILSON ANTÔNIO PRESTES STEIN, CLÓVIS PERES FILHO, BETH, JOSÉ ROBERTO, “TONINHO BARBUDO”, CARLOS AUGUSTO DE ABREU, DIONÍSIO BARBOSA, CLODOMAR, JOÃO CARLOS CORREA DE CERQUEIRA, MAURO CESAR DIAS MELLO, WILSON ANTÔNIO MARTINS e ANDERSON ANTÔNIO KLOSTER pelo prazo de cinco (05) dias, bem como autorizo a BUSCA E APREENSÃO de documentos, dinheiro, bens e valores, arquivos magnéticos, pastas, cadernetas, cadernos, papéis diversos e tudo mais que interesse a presente investigação, observando a autoridade policial os endereços e a indicação dos locais contidos na inicial, inclusive no CARTÓRIO DO 1º OFÍCIO DE BARRA DO GARÇAS-MT, bem como respeitando na execução da medida as cautelas contidas nos artigos 245 do Código de Processo Penal e 5º, inciso XI, da Constituição Federal.

Expeçam-se os mandados respectivos.

Autorizo, desde já, à autoridade policial, o acesso aos bancos de dados dos HD’s, mídias avulsas e celulares que venham a ser apreendidos, para análise de perícia técnica.

Intimem-se.

Cuiabá, 20 de março de 2007.

JULIER SEBASTIÃO DA SILVA

Juiz Federal da 1ª Vara/MT

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