Cobrança de taxa

OAB contesta lei que define custas judiciais em Mato Grosso

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20 de abril de 2007, 15h58

O presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, Cezar Britto, protocolou nesta sexta-feira (20/4) uma Ação Direta de Inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal contra a íntegra da Lei Complementar 261, de 2007, do estado de Mato Grosso. A lei estabelece a base de cálculo e os índices de cobrança da taxa judiciária. A ADI é acompanhada de pedido de liminar.

Cezar Britto defende que a lei é inconstitucional desde a origem, pois foi iniciada por projeto de autoria do Poder Judiciário. Segundo ele, isso afronta diversos dispositivos da Constituição Federal.

A ação observa que a Constituição estabelece, em seu artigo 96, as hipóteses nas quais cabe ao Judiciário a iniciativa de leis. “Dentre tais hipóteses não se encontra a iniciativa de leis em matéria de taxa judiciária”, destaca o texto da ação. “Prevê ao artigo 61, § 1°, II, “b” que em matéria tributária a iniciativa de leis é privativa do Poder Executivo”, afirma.

A OAB contesta, ainda, o valor máximo de custas, fixado em R$ 20 mil, previsto na lei. “O valor máximo de custas é excessivo e acaba por restringir o acesso ao Judiciário”. Além disso, o valor, segundo a ação, não possui qualquer relação com a atividade judicante e, portanto, só teria o intuito de arrecadar, o que feriria o princípio da razoabilidade.

O presidente da entidade afirmou, ainda, que a concessão da liminar que suspenda os efeitos da lei é fundamental “quando se considera que o número de lesados diariamente, por ser muito elevado [o preço da taxa], determinará, eventualmente, o ajuizamento de centenas de milhares de ações para a repetição do que foi indevidamente cobrado, aumentando ainda mais o número de litígios em curso no Judiciário”.

Leia a íntegra da ADI

“EXCELENTÍSSIMA SRA MINISTRA PRESIDENTE DO

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, serviço público dotado de personalidade jurídica, regulamentado pela Lei 8906, com sede no Edifício da Ordem dos Advogados, Setor de Autarquias Sul, Quadra 05, desta Capital, representado por seu Presidente, vem, nos termos do artigo 103, VII, da Constituição Federal, ajuizar ação direta de inconstitucionalidade, com pedido de liminar, contra a íntegra da Lei Complementar 261, de 18 de dezembro de 2006, do Estado do Mato Grosso, cuja redação é a seguinte:

LEICOMPLEMENTAR Nº 261, DE 18 DE DEZEMBRO DE 2006 – D.O. 18.12.06.

Autor: Tribunal de Justiça

Altera os §§ 1º e 2º e cria o § 3º do art. 414, do Decreto Estadual nº 2.129, de 25 de julho de 1986.

“A ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE MATO GROSSO, tendo em vista o que dispõe o art. 45 da Constituição Estadual, aprova e o Governador do Estado sanciona a seguinte lei complementar:

Art. 1º O art. 414 do Decreto Estadual nº 2.129, de 25 de julho de 1986, passa a ter a seguinte redação:

Art. 414 A base de cálculo da taxa judiciária, nas causas que se processarem em juízo, é o valor desta ou do montemor ou dos bens do casal nos inventários, arrolamentos, sobrepartilhas, separações judiciais e divórcios:

§ 1º A taxa será calculada pela alíquota de 1% (um por cento) sobre a base de cálculo estabelecida no caput, não podendo ultrapassar o valor de R$20.000,00 (vinte mil reais) e nem ficar aquém do valor correspondentes a 1 (uma) UPF/MT.

§ 2º Nas causas de valor superior a R$350.000,00 (trezentos e cinqüenta mil reais), a taxa relativa à parcela excedente será calculada pela alíquota de 0,5% (meio por cento) sobre a base de cálculo estabelecida no caput, não podendo ultrapassar o valor de R$20.000,00 (vinte mil reais).

§ 3º Para os efeitos dos parágrafos anteriores, tomar-se-á em consideração o valor da UPF/MT vigente no exercício do ajuizamento do feito.

Art. 2º Esta lei complementar entra em vigor na data de sua publicação, revogadas a disposições em contrário.”

Vício de iniciativa

A norma impugnada é inconstitucional porque iniciada por projeto do Poder Judiciário.

A C.F. estabelece, no art. 96, quais são as hipóteses nas quais cabe aos tribunais a iniciativa de leis. Dentre tais hipótese não se encontra a iniciativa de leis em matéria de taxa judiciária. Demais disso, prevê o art. 61, § 1º, II, “b” que em matéria tributária a iniciativa de leis é privativa do Poder Executivo. Iniciada pelo Judiciário ex-surge, também por esse motivo, o vício formal.

A íntegra da norma, portanto, deve ser expurgada do ordenamento jurídico.

Ausência de correlação entre o valor da taxa cobrada e o custo da atividade estatal

A inconstitucionalidade que ora se sustenta decorre do uso do valor da causa como base de cálculo das custas, o que importa, na realidade, em disfarçar de taxa verdadeiro imposto sobre o valor das lides.


Valor da causa não pode ser utilizado para o fim de dimencionamento de custas, pena de ofensa, ao artigo 145, II, da Constituição Federal:

“A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:

(…)

II – taxas, em razão do exercício do poder de polícia, ou pela utilização efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição.”

Implícita está na autorização constitucional outorgada pela Constituição aos entes da Federação para instituir taxa a vinculação necessária entre o fato gerador e a base de cálculo. Não faria sentido algum que a Lei Fundamental, no artigo 145, II, autorizasse a imposição de taxas apenas para duas categorias de fatos geradores (exercício do poder de polícia ou utilização efetiva ou potencial de serviços públicos), mas admitisse que a base de cálculo (que é a dimensão quantitativa do fato gerador) pudesse ser escolhida ao arbítrio do Legislador. A base de cálculo, por força da Constituição Federal (em especial do artigo 145, II), não pode, pena de inconstitucionalidade, se distanciar do fato gerador. Como assevera Sacha Calmon, em palestra publicada na Revista de Direito Tributário, nº 47, página 186:

“A base de cálculo das taxas tem que medir necessariamente a atuação do Estado, e não se reportar a um fato estranho à sua hipótese de incidência.”

Ainda Sacha Calmon, in “O Controle da Constitucionalidade das Leis e do Poder de Tributar na Constituição de 1988, Editra Del Rey, Belo Horizonte, 1992, páginas 266 a 269, assevera:

“Sendo a taxa um tributo cujas hipóteses de incidência (fatos geradores) configuram atuações do estado relativamente à pessoa do obrigado, a sua base de cálculo somente pode mensurar tais atuações. Entre a base de cálculo e o fato gerador dos tributos existe uma relação de inerência quase carnal (inhaeret et ossa) uma relação de pertinência, de harmonia. Do contrário, estaria instalada a confusão e o arbítrio com a prevalência do nomen juris, i. e., da simples denominação formal sobre a antologia jurídica e conceitual dos tributos, base científica do Direito Tributário.”

A não eleição de base de cálculo de taxa estadual relacionada ao fato gerador prestação de serviço ou exercício do poder de polícia implica instituição de imposto, em ofensa a outro artigo da Constituição, a saber:

“Art 154 A União poderá instituir:

I – mediante lei complementar, impostos não previstos no artigo anterior, desde que seja não-cumulativos e não tenham fato gerador ou base de cálculo próprios dos discriminados nesta Constituição.”

Acarreta também, acentue-se, violência ao artigo 145, § 2º da Constituição Federal, na medida em que se atribui a uma taxa base de cálculo que só poderia ser eleita por meio de imposto, uma vez que o valor da causa não mede nenhuma atividade estatal, seja a prestação de um serviço, seja o exercício do poder de polícia. Verbis:

“§ 2 As taxas não poderão ter base de cálculo própria de impostos.”

O valor da causa não mede, a toda evidência, a atividade estatal passível de taxa. Não estão, de modo algum, relacionados, direta ou inversamente, o valor alto ou baixo que é dado a uma causa com a atividade estatal que será desenvolvida pelo Estado, por meio do Poder Judiciário ou por meio de órgãos a ele diretamente vinculados. Distribuição, citação, despachos, decisões interlocutórias, sentenças, julgamento de recursos, cumprimento de mandados em processos de conhecimento, em execuções, em cautelares, em procedimentos especiais, em procedimentos de jurisdição voluntária, não ocorrem em maior ou menor número segundo o valor da causa. Demandas de alto valor, muitas vezes, mormente naquelas contra a Fazenda Pública e de natureza tributária, são julgadas sem oitiva de testemunhas, sem perícia, sem audiências; em lides de natureza tributária, quase sempre de grande valor, a citação é fácil, a execução procede-se sem penhora e avaliação de bens, a causa é julgada antecipadamente. Não há, data venia, nenhuma relação entre o fato gerador da Taxa Judiciária (o serviço, a atividade estatal) e o valor da causa.

Na verdade, o que a lei impugnada fez foi eleger para base de cálculo circunstâncias inerentes ao demandante ou a seus bens, sem qualquer vinculação com o fator gerador. Tal procedimento, porém, é vedado. Atente-se, a esse propósito, para os termos de arguta citação de Hector Villegas, referido por Geraldo Ataliba em “Hipótese de Incidência Tributária” (ed. Revista dos Tribunais, 1984, 3ª edição, pág 103):

“A taxa também tem limites que são naturais à sua própria conformação objetiva e que estão referidos ao seu montante. Estes limites devem partir da noção básica, segundo a qual a mesma é um tributo vinculado, sendo sua hipótese de incidência uma determinada atividade estatal suscetível de ser individualizada, relativamente a determinada pessoa. Daí por que a fixação do montante não pode levar em conta circunstâncias inerentes à pessoa ou aos bens do obrigado (que são hipótese de incidência de imposto), mas só circunstâncias atinentes à atividade vinculante em si mesma, por ser ela, e não outra coisa, a hipótese de incidência da obrigação correspondente às taxas.”


Atente-se também para a lição lapidar de Alfredo Augusto Becker, em Teoria Geral do Direito Tributário, 2ª edição, Saraiva, páginas 348 e 349:

“Em se tratando de taxa, unicamente o valor do serviço estatal ou coisa estatal poderá ser tomado como a base de cálculo que, depois de convertida em cifra pelo método de conversão, sofrerá a aplicação da alíquota da taxa.

A alíquota da taxa poderá variar segundo, v. g., a natureza do veículo ou da carga transportada, porém, em qualquer caso as distintas alíquotas continuarão a ser aplicadas sempre sobre a mesma base de cálculo: o valor do serviço estatal utilizado ou à disposição.

Como é impraticável tomar o valor real do serviço, seu valor é indiretamente fixado pela própria lei criadora da taxa. Esta lei, ao estabelecer uma quota (ex: determinada quantia de dinheiro) multiplicável (ex: por litros de água ou quilômetros de estrada), determinou a unidade de divisão do valor do serviço e esta determinação pela regra jurídica do coeficiente do valor do serviço (ou coisa) estatal criou a presunção “juris et de jure” do valor do serviço (ou coisa) estatal para o efeito de constituir a base de cálculo.

Esta quota multiplicável é a alíquota da taxa que poderá variar (ser maior ou menor) segundo, v. g., a natureza do veículo ou da carga por ele transportada, entretanto esta quota variável é multiplicável unicamente pela medida (litros de água ou quilômetros) do serviço (ou coisa) estatal utilizado ou posto à disposição, nunca pelo valor do veículo ou de sua carga.”

A Lei impugnada, ao fixar o valor da causa como base de cálculo para a cobrança de custas, é inconstitucional e deve ser excluída do ordenamento jurídico pátrio.

Acesso à Justiça, razoabilidade e proprocionalidade

O valor máximo das custas fixado pela lei impugnada é por demais elevado: R$ 20.000,00 (vinte mil reais). Em hipótese como essa há violência ao princípio que garante o acesso à Justiça, aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade.

Calha aqui citar a lição que se extrai da ementa do acórdão prolatado por essa Corte, ao julgar a Representação 1077, na qual foi relator o Ministro Moreira Alves:

“Se a taxa judiciária, por excessiva, criar obstáculo capaz de impossibilitar a muitos a obtenção da prestação jurisdicional, é ela inconstitucional, por ofensa ao disposto na parte inicial do parágrafo quarto do artigo 153 da Constituição”(de 1969 – acréscimo do autor da presente ação)

Na espécie, o valor máximo de custas é excessivo e acaba por restringir o acesso ao Judiciário.

Em verdade, o valor fixado resta estabelecido sem qualquer relação de proporção com a atividade judicante, só podendo ter sido instituído com o fim de arrecadar. Daí, falta à exação proporcionalidade entre o que estabeleceu e seu fim. Fere, em tal caso, o princípio da razoabilidade, evidenciando-se que deve a norma ser julgada inconstitucional, também por tais razões.

Violação da anterioridade

A norma impugnada majora tributo sem observar as prescrições do artigo 150, III, c da Constituição Federal. O artigo 2º da Lei impugnada estabelece que a lei entrará em vigor na data de sua publicação. Ocorre que antes de decorrido prazo de 90 dias, não se faz possível a cobrança do tributo, ante as prescrições do preceito da Constituição apontado como vulnerado:

“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

III – cobrar tributos:

a) em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado;

b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou;

c) antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou, observado o disposto na alínea b; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)”

Apreciando caso assemelhado, esse egrégio Tribunal decidiu pela inviabilidade da cobrança sem a observância do prazo de 90 dias; verbis:

ADI 3694 / AP – AMAPÁ

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE

Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE

Julgamento: 20/09/2006 Órgão Julgador: Tribunal Pleno

“EMENTA: I. Ação direta de inconstitucionalidade: L. 959, do Estado do Amapá, publicada no DOE de 30.12. 2006, que dispõe sobre custas judiciais e emolumentos de serviços notariais e de registros públicos, cujo art. 47 – impugnado – determina que a “lei entrará em vigor no dia 1º de janeiro de 2006”: procedência, em parte, para dar interpretação conforme à Constituição ao dispositivos questionado e declarar que, apesar de estar em vigor a partir de 1º de janeiro de 2006, a eficácia dessa norma, em relação aos dispositivos que aumentam ou instituem novas custas e emolumentos, se iniciará somente após 90 dias da sua publicação. II. Custas e emolumentos: serventias judiciais e extrajudiciais: natureza jurídica. É da jurisprudência do Tribunal que as custas e os emolumentos judiciais ou extrajudiciais tem caráter tributário de taxa. III. Lei tributária: prazo nonagesimal. Uma vez que o caso trata de taxas, devem observar-se as limitações constitucionais ao poder de tributar, dentre essas, a prevista no art. 150, III, c, com a redação dada pela EC 42/03 – prazo nonagesimal para que a lei tributária se torne eficaz. “

Liminar

A suspensão liminar dos preceitos legais impugnados se impõe. A cada dia os cidadãos que propõem demandas no Estado do Mato Grosso são feridos, pelas normas inconstitucionais ora atacadas, em seus direitos fundamentais de acesso à Justiça e de não pagar tributos que não são devidos.

Restringir por meio de tributos o acesso do cidadão ao Judiciário, pela eleição indevida de bases de cálculo de taxas, todas elas aviltantes, exigidas para a realização de atos necessários ao regular desenvolvimento da vida, é penalizar de modo insuportável parcela expressiva da população brasileira. É fomentar até mesmo a fuga do jurisdicionado e administrado dos canais constitucionais e legais próprios do adequado desenvolvimento da atividade civilizada.

Sendo certo, por outro lado, que a não concessão da liminar acarretará grande dificuldade material de se obter devolução daquilo que vem sendo pago e que continuará a ser pago até o final da presente demanda, acaso não concedida a liminar, patenteia-se a necessidade do provimento antecipatório, mormente quando se considera que o número de lesados diariamente pela norma impugnada, por ser muito elevado, determinará, eventualmente, o ajuizamento de centenas de milhares de ações para a repetição do que foi indevidamente cobrado, aumentando ainda mais o números de litígios em curso no Judiciário.

Pedido

Por todo o exposto, pede o autor seja suspensa a eficácia da íntegra da Lei complementar 261, de 18 de dezembro de 2006, do Estado do Mato Grosso.

Pede, ainda, seja declarada a inconstitucionalidade da íntegra da Lei complementar 261, de 18 de dezembro de 2006, do Estado do Mato Grosso.

Requer seja citado o Advogado-Geral da União, nos termos do artigo 103, § 3o, da Constituição Federal, para defender o ato impugnado, na Praça dos Três Poderes, Palácio do Planalto, Anexo IV, em Brasília, Distrito Federal.

Requer, outrossim, sejam oficiados o Governador e os Presidentes da Assembléia Legislativa e do Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso para prestarem informações no prazo legal.

Protesta pela produção de provas porventura admitidas (art. 9o , §§ 1o e 3o da Lei 9.868).

Dá à causa o valor de mil reais.

Brasília, 19 de abril de 2007.

Cezar Britto

Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil”

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