Equívoco caro

Operadora não pode cortar linha se a conta está paga

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18 de abril de 2007, 0h01

Por suspender irregularmente o serviço de telefonia, a Telemat Celular (Vivo) terá de pagar indenização por danos morais a uma cliente. A conta, já paga, encontrava-se em aberto no sistema da operadora e, segundo ela, o equívoco foi o motivo pelo qual a linha ficou indisponível. Cabe recurso.

O juiz Luiz Antônio Sari, da 1ª Vara Cível da Comarca de Rondonópolis (MT), considerou inválido o argumento da empresa. Segundo ele, a atual tecnologia dos serviços de informações auxilia na administração da empresa. Assim, considerou que houve negligência por parte da Telemat.

Proprietário de três linhas telefônicas e com dificuldades financeiras, o cliente acumulou várias faturas. Posteriormente, formalizou um acordo junto ao Procon e a dívida foi parcelada em nove vezes de R$ 460,39. Ainda que com o atraso de seis dias, ele alega ter pago a quarta parcela na própria agência da operadora.

Mesmo assim, teve sua linha cortada. Entrou com o pedido de indenização por danos morais, dando como valor à causa de R$ 46.039,00. “Para a fixação do valor do dano moral, inexiste critério definido, pois por não ter natureza reparatória, torna-se difícil ou até mesmo impossível a fixação da indenização em valor equivalente ao dano”, afirmou o juiz, que condenou a empresa a pagar R$ 15 mil ao cliente da operadora.

Leia a íntegra da decisão

ESTADO DE MATO GROSSO

PODER JUDICIÁRIO

COMERCA DE RONDONÓPOLIS

PRIMEIRA VARA CÍVEL

Processo 343/2006

Ação: Declaratória c/c Indenização

Autor: M. M. S.

Ré: Telemat Celular S/A

Vistos, etc…

M. M. S., com qualificação nos autos, via seu bastante procurador, ingressou neste juízo com a presente ‘Ação Declaratória de Inexistência de Débito c/c Indenização’ em desfavor de TELEMAT CELULAR S/A, com qualificação nos autos, aduzindo:

“Que, o autor é titular dos prefixos 999-0696, 9984-9455 e 9984-0860; que, por motivos de força maior, acumulou várias faturas em atraso que posteriormente ensejou o acordo junto ao Procon, nesta cidade, em que ficou obrigado ao pagamento de nove parcelas no valor de R$ 460,39, além das contas mensais decorrente do uso habitual; que, para sua surpresa, neste último dia 23 de julho de 2006, um domingo, já no período noturno, percebeu a impossibilidade de originar chamadas de seu aparelho celular, sem que tivesse conhecimento da causa; que, na manhã seguinte, persistindo a anomalia manteve contato com a ré e para sua surpresa recebeu a notícia de que seria por falta de pagamento da parcela n° 04/09, vencida em 13 de julho de 2006, referente ao acordo; que, referida parcela já se encontrava quitada desde o dia 19 de julho de 2006, portanto, há cinco dias, na própria agência da ré; que, vislumbra-se mais um caso de violação, assim, requer a procedência da ação, com a condenação da ré nos encargos da sucumbência. Junta documentos e dá à causa o valor de R$ 46.039,00 (quarenta e seis mil e trinta e nove reais), postulando a ação sob o pálio da Assistência Judiciária”.

Devidamente citada, ofereceu contestação, onde procura rechaçar as assertivas levadas a efeito pelo autor, aduzindo:

“Que, no caso não se há falar em qualquer ato praticado pela ré que pudesse ter causado danos morais ao autor; que, ao contrário do alegado na petição inicial, o autor teve seu celular bloqueado não por mera vontade da ré, mas sim porque constava no sistema da vivo o não pagamento da 4ª boleta de parcelamento; que, uma vez verificado o inadimplento do autor na hipótese em exame, mostrou-se legítimo o bloqueio do celular, o que de fato aconteceu; que, para a procedência do pedido indenizatório é necessário a comprovação do dano; que, a simples ocorrência de um suposto ato não enseja a existência de um dano; que, só se poderia falar em prejuízo da vítima se houvesse comportamento culposo ou doloso da ré, mas isto jamais existiu; que, a ré não praticou qualquer conduta ilícita, censurável ou reprovável, por isso, requer a improcedência do pedido, com a condenação do autor nos ônus da sucumbência’.

Sobre a contestação manifestou-se o autor. Foi designada audiência preliminar (fl.44), a qual se realizou. Ausento o procurador da empresa ré; e, o procurador do autor, pugnou pelo julgamento antecipado da mesma (fl.48), vindo-me os autos conclusos.

É o relatório necessário.

DECIDO:

Não há necessidade de dilação probatória no caso em tela, uma vez que a prova documental carreada ao ventre dos autos é suficiente para dar suporte a um seguro desate à lide, por isso, passo ao julgamento antecipado e o faço com amparo no artigo 330, inciso I, do Código de Processo Civil.

Outrossim, “Constante dos autos elementos de prova documental suficientes para formar o convencimento do julgador, inocorre cerceamento de defesa se julgada antecipadamente a controvérsia” (STJ 4ª Turma, Ag 14.952-DF AgRg Rel. Min. Sálvio Figueiredo, j.4.12.91, DJU 3.2.92, p.472).


De igual forma, “Presentes as condições que ensejam o julgamento antecipado da causa, é dever do juiz, e não mera faculdade, assim proceder”. ( STJ 4ª Turma, Resdp 2.832, rel. Min. Sálvio de Figueiredo, 14.8.90, DJU 17.09.90, p. 9.513).

Cuida-se na espécie de ação de reparação de danos, amparada no artigo 186 do Código Civil, o qual consagra a teoria da responsabilidade extracontratual ou, como denominam os ‘experts’ a responsabilidade aquiliana.

O mestre Silvio Rodrigues, em sua obra Direito Civil, edição Saraiva, volume I, parte geral, página 30, nos ensina que os pressupostos dessa responsabilidade são: a) – ação ou omissão do agente; b) – relação de causalidade; c) – existência do dano: d) – dolo ou culpa do agente.

Para que essa responsabilidade emerja, continua o civilista, necessário se faz “… que haja uma ação ou omissão por parte do agente; que a mesma seja a causa do prejuízo experimentado pela vítima; que haja ocorrido efetivamente o prejuízo, e que o agente tenha agido com dolo ou culpa. Inocorrendo um destes pressupostos não aparece, regra geral, o dever de indenizar.

No mesmo diapasão é o pensamento do renomado civilista Washigton de Barros Monteiro, quando em sua obra Curso de Direito Civil, edição Saraiva, 5º Volume, diz: “Nosso Código Civil manteve-se fiel a teoria subjetiva. Em princípio, para que haja responsabilidade é preciso que haja culpa; sem prova deste inexiste obrigação de reparar o dano. Nessa ordem de idéias preceitua o artigo 159, num de seus dispositivos fundamentais, que aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano pois, da nossa lei civil, a reparação do dano tem como pressuposto a prática de um ilícito”.

Analisando as razões trazidas nas peças de ingresso e defensiva, bem como a prova documental carreada ao ventre dos autos, tenho comigo que a presente ação merece acolhimento, pois os documentos centrados no processo dão respaldo à pretensão do autor, mormente diante da confissão levada a efeito pela empresa ré, qual seja, de que efetivamente houvera o equívoco na suspensão dos serviços de telefonia.

É princípio corrente em direito que, para que o pedido de indenização seja acolhido, ao autor compete o ônus de demonstrar a existência dos danos e que a reparação não foi concretizada. Também, sem prova pré-constituída, o autor sujeita-se aos ônus probatórios, segundo a distribuição estabelecida pelo artigo 333 do Código de Processo Civil.

E, nesse sentido é a jurisprudência:

“Quem pede ao Juiz tem o ônus de afirmar fatos que autorizam o pedido, logo tem o ônus de provar os fatos afirmados. Assim, tem o autor o ônus da ação. Quem quer fazer valer um direito em juízo deve provar os fatos que constituem em fundamento” (TARGS – 1ª Câm. Julgado em 10.08.93, na Apel. 193.117.652, rel. Juiz Heitor Assis Remonti).

“Negados pelo réu os fatos narrados na inicial, compete ao autor prová-los durante a fase congnitiva do processo. Não os provando, improcedente deve ser julgado o pedido formulado na petição inicial. (TJGO – Apel. 30.912-1/188, j. 26.08.94, rel. Des. Charife Oscar Abrão).

Assim, em se tratando de processo de reparação de danos, fundada no artigo 186 do Código Civil, cumpre o autor o ônus de provar, de forma plena e convincente, que o réu, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violou direito seu ou lhe causou prejuízo, não havendo elementos seguros, só restará um caminho, a improcedência do pedido.

A prova documental trazida aos autos pelo autor é suficiente para sedimentar o pedido, pois a empresa ré não nega que tenha ocorrido a suspensão, pelo contrário, confessa o equívoco quando afirma que “…o autor teve seu celular bloqueado não por mera vontade da ré, mas sim porque constava nos sistemas da vivo o não pagamento da 4° boleto do parcelamento”(fl.30).

Não paira a menor dúvida de que houve de fato a suspensão do serviço de telefonia, e os argumentos levados a efeito pela empresa ré não tem o condão de macular a pretensão posta à liça.

Ora, não se concebe possa a empresa ré ter incorrido em erro tão patamar, suspender os serviços de telefonia, usando como argumento que “constava nos sistemas da vivo o não pagamento do 4° boleto do parcelamento”, pagamento esse que fora efetivado na própria agência arrecadadora da ré. Estranheza tanto mais acentuada quando se têm presentes as condições técnicas que regem o serviço de informação hodiernamente, subsidiados por auxiliares eletrônicos. Há prova da desídia com que se houvera a ré de modo que sua ação se coloca em nexo direto de causalidade com o dano moral sofrido pelo autor, assim sem dúvida se está diante de situação ilícita que enseja dano moral puro.


Outrossim, a jurisprudência tem deixado assente que, quando ocorrer o bloqueio de linha telefônica, quando o usuário, comprovadamente, nada deve, configura o dano, assim:

“INDENIZAÇÃO. Danos material e moral. Bloqueio indevido de linha telefônica de usuário que comprovadamente nada deve. Caracterização de dano moral, cuja prova depende apenas da simples demonstração do fato. Verba devida. Dano material indevido, se o autor não comprova a ocorrência de prejuízos.

Ementa Oficial: O bloqueio de linha telefônica, quando o usuário, comprovadamente, nada deve, configura dano moral, cuja prova, acrescente-se, depende apenas da simples demonstração do fato: contudo, para que a mesma ocorrência implique em prejuízos de ordem material também, necessário se faz que o autor comprove esses prejuízos” (RT 802/340).

Quanto à alegada necessidade de se provar o dano moral mencionado na inicial, na verdade, tratando-se de ofensa moral o que ocorre normalmente é que ela se dá no íntimo e na consciência da pessoa, atingindo a honra subjetiva, violando o psíquico, a auto-estima e o sentimento de respeito e de idoneidade que todos possuem como pessoa humana dotada de dignidade. Essa é a violação que decorreu no caso em questão.

Também, em abono a sua tese, a ré procura fazer crer que o fato em questão não passou de mero aborrecimento ou transtorno, não dando azo à pretensão exposta na peça madrugadora.

Ora, ninguém está obrigado a conviver com transtornos, aborrecimentos ou contratempos causados por outrem. Se tais dissabores provierem, ao natural, em conseqüência de circunstâncias que a própria vida reserva, quer por deficiências pessoais, quer por imposição do acaso, é claro que não se pode falar em dano moral, do ponto de vista jurídico. Mas, se a causa dessas ad dessas adversidades for a transgressão do preceito universal, calcado no direito romano, neminem laedere, tendo como base a responsabilidade civil, que é a regra da convivência social, então se evidencia o dano, reconhecido pelo artigo 186 do Código Civil.

Em outras palavras, não se pode negar que o transtorno, o dissabor, a adversidade, o contratempo causem desconforto, dano moral, abalo de estado de ânimo das pessoas. Mas esse dano, esse abalo só é suscetível de indenização, quando causado por outrem.

Além disso, a corrida atrás da reposição do direito violado causa desgaste moral, psicológico, gera angústia, tensões, expectativas, a contratação de advogado, acompanhamento do processo e todas as peculariedades que envolvem qualquer demanda judicial. Esse quadro, por todos conhecido, não necessita de provas, consoante autorização judicial legal, expressa no artigo 334, inciso I, do Código de Processo Civil.

Semelhante sucede com o caso dos autos, portanto, legitimidado o autor a buscar a reparação.

Para a fixação do valor do dano moral, inexiste critério definido, pois por não ter natureza reparatória, torna-se difícil ou até mesmo impossível a fixação da indenização em valor equivalente ao dano, mormente como na situação de abalo de crédito, onde não há previsão legal específica no Código Civil acerca do correspondente dano moral ou mesmo patrimonial.

Sobre a matéria em questão o Juiz Carlos Dias Mota, ao escrever sobre o ‘Dano Moral por Abalo Indevido de Crédito’ in RT 760/83, assim discorreu:

“… como na situação de abalo de crédito, não há qualquer previsão legal específica no Código Civil acerca do correspondente dano moral ou mesmo patrimonial. Há uma corrente jurisprudência que, verificando uma lacuna, realiza a integração pelo uso da analogia. Assim, adota os limites da Lei de Imprensa ou do Código Brasileiro de Telecomunicações. Não parece, entretanto, adequada a solução. Essas são leis específicas, que cuidam de atividades muito peculiares e, que por isso mesmo, disciplinadas de forma extravagante. Não há que aplicar aludidos limites por exemplo, na fixação de indenização por dano moral decorrente de abalo indevido de crédito, situação que toca apenas às partes envolvidas, sem qualquer interesse público subjacente. A par disso, há uma norma a ser aplicada, que, embora de conteúdo genérico, afasta a lacuna. Trata-se do art. 1.533 do CC.

Dispõe o referido dispositivo legal – art. 1.533 CC – que, nos casos não previstos no capítulo da liquidação das obrigações resultantes de atos ilícitos do mesmo Código, fixar-se-á por arbitramento a indenização. Em outras palavras, caberá ao juiz arbitrar o valor a ser pago”.

Também, se à falta de critérios objetivos da lei, o juiz tem de se valer da prudência para atender, em cada caso, às suas peculiaridades, assim como à repercussão econômica da indenização do dano moral, o certo é que o valor da condenação, como princípio geral: “não deve ser nem tão grande que se converta em fonte de enriquecimento, nem tão pequeno que se torne inexpressivo” ( Humberto Theodoro Júnior, Dano Moral, página 46).

Assim, provado nos autos que houve a suspensão do serviço de telefonia, fato esse de exclusiva culpa da ré, assim, havendo o dano moral, impõe-se o seu ressarcimento e, no que tange a fixação do dano, área em que, em situação como dos autos, arbitro em R$ 15.000,00 (quinze mil reais), indenização esta que atende os princípios, pois não se deve levar em conta apenas o potencial econômico da empresa demandada, é preciso também a repercussão do ressarcimento sobre a situação social e patrimonial do ofendido, para que lhe seja proporcionada.

Face ao exposto e princípios de direito aplicáveis à espécie JULGO PROCEDENTE a presente ‘Ação Declaratória de Inexistência c/c Indenização por Danos Morais’ promovida por M. M. S., em desfavor de TELEMAT CELULAR S/A, todos com qualificação nos autos, para condená-la ao pagamento da importância de R$ 15.000,00 (quinze mil reais), a título de danos morais, devendo incidir correção monetária a contar desta decisão, uma vez que se trata de prejuízo de ordem moral e não material, não sendo caso de incidência da Súmula 43 do STJ; e, quanto aos juros de mora, deve ser aplicável ao caso a Súmula n° 54 do STJ.

Condeno também no pagamento das custas judiciais e honorários advocatícios que arbitro em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação.

Publique-se.

Registre-se.

Intimem-se.

Cumpra-se.

Rondonópolis-Mt., 16 de abril de 2007.-

Dr. Luiz Antonio Sari,

Juiz de Direito da 1ª Vara Cível.

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