Operação Hurricane

Hurricane: OAB vai ao Supremo em defesa de prerrogativas

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16 de abril de 2007, 13h55

O Conselho Federal da OAB ajuizou nesta segunda-feira (16/4) Petição no Supremo Tribunal Federal para garantir direitos dos advogados dos presos na Operação Hurricane, da Polícia Federal. A Ordem sustenta que a PF vem cerceando sistematicamente o trabalho dos profissionais.

A Petição (leia a íntegra ao final do texto) foi entregue em mãos pelo presidente nacional da OAB, Cezar Britto, ao ministro Cezar Peluso, relator do Inquérito que trata da operação da PF. A OAB requer, entre outras coisas, “que seja dado imediato acesso aos autos do inquérito policial aos advogados, sob pena de abuso de autoridade”.

A Ordem ressalta que “os advogados dos investigados na operação, sem exceção, estão sofrendo graves violações às suas prerrogativas profissionais”. A petição relata que até agora não se permitiu que os advogados, mesmo com os clientes presos, tivessem acesso aos autos do procedimento de investigação.

Da mesma forma, não se permitiu que os advogados mantivessem conversas pessoais e reservadas com seus clientes. As conversas tiveram prazo limitado e foram feitas em parlatórios e por meio de interfone. A ação destaca ainda que os advogados presos são colocados “em enxovias, que nada têm em comum com a sala de Estado-Maior a que alude a lei, em espaço mínimo, que não se compatibilizam sequer com as exigências mínimas fixadas pela ONU”.

À revista Consultor Jurídico, advogados dos presos na Operação Hurricane afirmaram neste domingo (15/4) que a Polícia Federal não tem observado as mais básicas prerrogativas da profissão e tem ferido diversos princípios constitucionais.

Segundo os advogados, os principais problemas estão na proibição de acesso aos autos do inquérito, ao conteúdo dos depoimentos já tomados pela PF e na falta de diálogo com seus clientes. O advogado Délio Lins e Silva – que representa o procurador da República João Sérgio Leal Pereira – afirmou que só conseguiu falar com seu cliente, por cinco minutos, depois de 30 horas da chegada dele a Brasília.

Em reunião do Conselho Federal da OAB nesta segunda, Délio Lins e Silva afirmou que a PF faz exigências absurdas, “a iniciar pela exigência de que cada réu — ou cada investigado, melhor dizendo — tivesse um único advogado”.

Por meio de sua assessoria de imprensa, a Polícia Federal negou, também nesta segunda, que faça tais restrições ou que tenha restringido o acesso dos advogados aos seus clientes ou mesmo fixado tempo para a consulta.

Outro advogado que representa presos na operação, contudo, confirmou que, depois de sete horas de espera, pôde falar com seus clientes por apenas cinco minutos e, ainda assim, sem qualquer privacidade. “Na sala onde temos contato com o cliente há três baias, mal separadas, onde os advogados ouvem uns aos outros, mas não conseguem ouvir direito o cliente por causa da má qualidade do telefone que somos obrigados a usar”, afirmou o advogado.

Em pedido de Habeas Corpus ajuizado neste domingo no Supremo Tribunal Federal, os advogados do desembargador José Ricardo de Siqueira Regueira escrevem que, desde a prisão de seu cliente, “princípios constitucionais têm sido desrespeitados como se nada fossem”.

Os advogados Nélio Machado, Mauro Tse e Gustavo Alves Pinto Teixeira reclamam que “sofrem graves limitações” ao exercício da profissão. Segundo afirmam, seus clientes “entrevistam-se com seus advogados como se fossem réus condenados, por meio de telefone, em parlatório, separados por vidros, tudo monitorado por filmagens, especialidade da Polícia Federal, que tudo filma, negando-se as autoridades policiais, pasme-se, alegando sigilo, a exibir o inquérito ou mesmo a cota do Ministério Público que motivou tudo que tem havido desde então a esta parte”.

O furacão

A Polícia Federal deflagrou na sexta-feira (13/4) a Operação Hurricane nos estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Bahia e no Distrito Federal para deter supostos envolvidos em esquemas de exploração de jogo ilegal (caça-níqueis) após um ano de investigações, ordenadas em uma operação sigilosa pelo ministro Cezar Peluso, do STF.

Foram presos os desembargadores do Tribunal Regional Federal da 2ª Região José Eduardo Carreira Alvim e José Ricardo Regueira, o juiz do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região Ernesto da Luz Pinto Dória e o procurador regional da República João Sérgio Leal Pereira. Também foram detidos Anísio Abraão David, ex-presidente da Escola de Samba Beija-Flor de Nilópolis; Capitão Guimarães, presidente da Liga Independente das Escolas de Samba do Rio de Janeiro; Antônio Petrus Kalil, conhecido como Turcão, apontado pela Polícia como um dos mais influentes bicheiros do Rio; a corregedora da Agência Nacional do Petróleo (ANP), Suzi Pinheiro Dias de Matos, entre outros.


No total, foram cumpridos 70 mandados de busca e apreensão e 25 mandados de prisão. Os presos foram transferidos para Brasília (DF), onde são interrogados e permanecem à disposição da Justiça. O material apreendido será analisado na Diretoria de Inteligência Policial com o objetivo de complementar os trabalhos de investigação.

No sábado (14/4), o ministro Paulo Medina, do Superior Tribunal de Justiça, afirmou à ConJur que está apenas preocupado com o seu irmão, o advogado Virgílio de Oliveira Medina, preso na operação. Também investigado pela PF, o ministro disse estar com a consciência limpa e que estará à disposição da Polícia para explicar as suspeitas que recaem sobre suas decisões judiciais.

Togas

Conforme publicou na quinta-feira (12/4) a Consultor Jurídico, um dos desembargadores presos pela PF, Carreira Alvim, foi vice-presidente do TRF-2 até um dia antes de sua prisão, quando tomou posse a nova direção do tribunal. Pela tradição, Carreira Alvim se tornaria presidente por ser o mais antigo da casa, mas foi preterido por entrar em atrito com seus colegas.

Na sessão administrativa que elegeu a nova direção do TRF-2, em 1º de março, Carreira Alvim havia afirmado ter sido vítima de escuta ambiental em seu gabinete e que seus familiares haviam sido grampeados (Clique aqui para ler a notícia). As acusações foram feitas depois que ele foi preterido pelos colegas na eleição para a presidência do TRF-2. O clima entre o desembargador e seus colegas era de estranhamento, causado justamente por liminares dadas por Carreira Alvim em casos de bingos e caça-níqueis.

Leia a íntegra da petição da OAB

EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO, DIGNÍSSIMO RELATOR DO INQUÉRITO n. 2.424/2006.

A ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL, representada neste ato pelo Presidente do seu Conselho Federal, com fundamento no disposto pelo artigo 49 do Estatuto da Advocacia e da OAB (Lei n. 8.906/94), nos autos do procedimento supra mencionado, respeitosamente vem à elevada presença de Vossa Excelência a fim de expor e requerer o quanto segue:

Os advogados dos investigados na operação “Hurricane”, sem exceção, estão sofrendo graves violações às suas prerrogativas profissionais que podem ser resumidas da seguinte maneira:

1. não se permitiu, mesmo com os clientes presos, que os advogados tivessem acesso aos autos do procedimento investigatório;

2. não se permitiu que os advogados mantivessem pessoal e reservadamente conversas com seus clientes, obrigando-os que o contato se desse com prazo limitado, em parlatórios e por meio de interfone;

3. colocaram-se os advogados presos, afora as autoridades, em enxovias, que nada têm em comum com a sala de Estado Maior a que alude a lei, em espaço mínimo, que não se compatibilizam sequer com as exigências mínima fixadas pela ONU.

SOBRE O ACESSO AOS AUTOS DE INQUÉRITO

A e. Primeira Turma, em recente decisão da qual Vossa Excelência participou, proferida no habeas corpus n.º 82.354-8-PR, relatado pelo Ministro Pertence, deixou assentado, entre outras coisas, o seguinte: i) malgrado não se apliquem as garantias do contraditório e da ampla defesa ao inquérito policial, existem, não obstante, “direitos do indiciado no curso do inquérito, entre os quais o de fazer-se assistir por advogado, o de não se incriminar e o de manter-se em silêncio”; iii) “do plexo de direitos dos quais é titular o indiciado ___ interessado primário no procedimento administrativo do inquérito policial ___ é corolário e instrumento a prerrogativa do advogado de acesso aos autos respectivos, explicitamente outorgada pelo Estatuto da Advocacia (L. 8906/94, art. 7º, XIV), da qual ___ ao contrário do que previu em hipóteses assemelhadas ___ não se excluíram os inquéritos que correm em sigilo: a irrestrita amplitude do preceito legal resolve em favor da prerrogativa do defensor o eventual conflito dela com os interesses do sigilo das investigações, de modo a fazer impertinente o apelo ao princípio da proporcionalidade” (DJ 24/9/04).

A conclusão a que, por unanimidade de votos, chegou a Primeira Turma do STF no julgado posto em destaque encerra com propriedade a idéia de que “a oponibilidade (do sigilo) ao defensor constituído esvaziaria uma garantia constitucional do indiciado (CF, art. 5º, LXIII), que lhe assegura, quando preso, e pelo menos lhe faculta, quando solto, a assistência técnica do advogado, que este não poderá prestar se lhe é sonegado o acesso aos autos do inquérito sobre o objeto do qual haja o investigado de prestar declarações”.

Mais recentemente, o em. Min. Celso de Mello, concedendo liminar em habeas corpus impetrado contra o indeferimento de outra liminar em remédio idêntico, portanto, superando o óbice da Súmula 691, gizou o seguinte:


“DECISÃO: os fundamentos em que se apóia a presente impetração revestem-se de inquestionável relevo jurídico.

O caso ora em exame põe em evidência uma situação que não pode ocorrer, nem continuar ocorrendo, pois a tramitação de procedimento investigatório em regime de sigilo, ainda que se cuide de hipótese de repressão à criminalidade organizada (Lei nº 9.034/95, art. 3º, § 3º), não constitui situação legitimamente oponível ao direito de acesso aos autos do inquérito policial, pelo indiciado, por meio do Advogado que haja constituído, sob pena de inqualificável transgressão aos direitos do próprio indiciado e às prerrogativas profissionais de seu defensor técnico, especialmente se se considerar o que dispõe o Estatuto da Advocacia (Lei nº 8.906/94), em seu art. 7º, incisos XIII e XIV.

Os impetrantes esclarecem que se lhes negou acesso aos autos do inquérito policial, sob a alegação de que tal medida importaria em “ameaça ao objetivo das investigações”, considerada a circunstância de que estas se processam em regime de sigilo.

Entendo claramente evidenciado, na espécie, o abuso que se verificou, não só contra as prerrogativas profissionais dos Advogados regularmente constituídos, mas, sobretudo, contra os direitos que assistem ao indiciado, ainda que se trate de procedimento investigatório que tramite em regime de sigilo.

Cabe relembrar, no ponto, por necessário, a jurisprudência firmada pelo Supremo Tribunal Federal em torno da matéria pertinente à posição jurídica que o indiciado ostenta em nosso sistema de direito positivo:

“INQUÉRITO POLICIAL – UNILATERALIDADE – A SITUAÇÃO JURÍDICA DO INDICIADO.

– O inquérito policial, que constitui instrumento de investigação penal, qualifica-se como procedimento administrativo destinado a subsidiar a atuação persecutória do Ministério Público, que é – enquanto ‘dominus litis’ – o verdadeiro destinatário das diligências executadas pela Polícia Judiciária.

A unilateralidade das investigações preparatórias da ação penal não autoriza a Polícia Judiciária a desrespeitar as garantias jurídicas que assistem ao indiciado, que não mais pode ser considerado mero objeto de investigações.

O indiciado é sujeito de direitos e dispõe de garantias, legais e constitucionais, cuja inobservância, pelos agentes do Estado, além de eventualmente induzir-lhes a responsabilidade penal por abuso de poder, pode gerar a absoluta desvalia das provas ilicitamente obtidas no curso da investigação policial.” (RTJ 168/896-897, Rel. Min. CELSO DE MELLO).

Não custa advertir, como já tive o ensejo de acentuar em decisão proferida no âmbito desta Suprema Corte (MS 23.576/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO), que o respeito aos valores e princípios sobre os quais se estrutura, constitucionalmente, a organização do Estado Democrático de Direito, longe de comprometer a eficácia das investigações penais, configura fator de irrecusável legitimação de todas as ações lícitas desenvolvidas pela Polícia Judiciária ou pelo Ministério Público.

Mesmo o indiciado, portanto, quando submetido a procedimento inquisitivo, de caráter unilateral, em cujo âmbito não incide a regra do contraditório (é o caso do inquérito policial), não se despoja de sua condição de sujeito de determinados direitos e de senhor de garantias indisponíveis, cujo desrespeito põe em evidência a censurável face arbitrária do Estado, a quem não se revela lícito desconhecer que os poderes de que dispõe devem necessariamente conformar-se ao que prescreve o ordenamento positivo da República.

Esse entendimento – que reflete a própria jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, construída sob a égide da vigente Constituição – encontra apoio na lição de autores eminentes, que, não desconhecendo que o exercício do poder não autoriza a prática do arbítrio (ainda que se cuide de mera investigação conduzida sem a garantia do contraditório), enfatizam que, em tal procedimento inquisitivo, há direitos titularizados pelo indiciado que não podem ser ignorados pelo Estado.

Cabe referir, nesse sentido, o magistério de FAUZI HASSAN CHOUKE (“Garantias Constitucionais na Investigação Criminal”, p. 74, item n. 4.2, 1995, RT); ADA PELLEGRINI GRINOVER (“A Polícia Civil e as Garantias Constitucionais de Liberdade”, in “A Polícia à Luz do Direito”, p. 17, 1991, RT); ROGÉRIO LAURIA TUCCI (“Direitos e Garantias Individuais no Processo Penal Brasileiro”, p. 383, 1993, Saraiva); ROBERTO MAURÍCIO GENOFRE (“O Indiciado: de Objeto de Investigações a Sujeito de Direitos”, in “Justiça e Democracia”, vol. 1/181, item n. 4, 1996, RT); PAULO FERNANDO SILVEIRA (“Devido Processo Legal – Due Process of Law”, p. 101, 1996, Del Rey); ROMEU DE ALMEIDA SALLES JUNIOR (“Inquérito Policial e Ação Penal”, p. 60-61, item n. 48, 7ª ed., 1998, Saraiva) e LUIZ CARLOS ROCHA (“Investigação Policial – Teoria e Prática”, p. 109, item n. 2, 1998, Saraiva), dentre outros.


Impende destacar, ainda, que o Advogado do indiciado, quando por este regularmente constituído (como sucede no caso), tem o direito de acesso aos autos da investigação penal, não obstante em tramitação sob regime de sigilo.

É certo, no entanto, em ocorrendo essa hipótese excepcional de sigilo, e para que não se comprometa o sucesso das providências investigatórias em curso de execução, que o indiciado, por meio de seu Advogado, tem o direito de conhecer as informações “já introduzidas nos autos do inquérito, não as relativas à decretação e às vicissitudes da execução das diligências em curso (…)” (HC 82.354/PR, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE – grifei).

Vê-se, pois, que assiste ao investigado, bem assim ao seu Advogado, o direito de acesso aos autos, podendo examiná-los, extrair cópias ou tomar apontamentos (Lei nº 8.906/94, art. 7º, XIV), observando-se, quanto a tal prerrogativa, orientação consagrada em decisões proferidas por esta Suprema Corte (Inq. 1.867/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO – MS 23.836/DF, Rel. Min. CARLOS VELLOSO, v.g.), mesmo quando a investigação, como no caso, esteja sendo processada em caráter sigiloso, hipótese em que o Advogado do investigado, desde que por este constituído, poderá ter acesso às peças que digam respeito, exclusivamente, à pessoa do seu cliente e que instrumentalizem prova já produzida nos autos, tal como esta Corte decidiu no julgamento do HC 82.354/PR, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE:

“Do plexo de direitos dos quais é titular o indiciado – interessado primário no procedimento administrativo do inquérito policial -, é corolário e instrumento a prerrogativa do advogado, de acesso aos autos respectivos, explicitamente outorgada pelo Estatuto da Advocacia (L. 8906/94, art. 7º, XIV), da qual – ao contrário do que previu em hipóteses assemelhadas – não se excluíram os inquéritos que correm em sigilo: a irrestrita amplitude do preceito legal resolve em favor da prerrogativa do defensor o eventual conflito dela com os interesses do sigilo das investigações, de modo a fazer impertinente o apelo ao princípio da proporcionalidade.

A oponibilidade ao defensor constituído esvaziaria uma garantia constitucional do indiciado (CF, art. 5º, LXIII), que lhe assegura, quando preso, e pelo menos lhe faculta, quando solto, a assistência técnica do advogado, que este não lhe poderá prestar se lhe é sonegado o acesso aos autos do inquérito sobre o objeto do qual haja o investigado de prestar declarações.

O direito do indiciado, por seu advogado, tem por objeto as informações já introduzidas nos autos do inquérito, não as relativas à decretação e às vicissitudes da execução de diligências em curso (cf. L. 9296, atinente às interceptações telefônicas, de possível extensão a outras diligências); dispõe, em conseqüência, a autoridade policial, de meios legítimos para obviar inconvenientes que o conhecimento pelo indiciado e seu defensor dos autos do inquérito policial possa acarretar à eficácia do procedimento investigatório.” (grifei).

Sendo assim, e tendo em consideração as razões expostas, defiro o pedido de medida cautelar, em ordem a garantir, ao ora paciente, por intermédio de seus Advogados regularmente constituídos, o direito de acesso aos autos de inquérito policial no qual figura como investigado e em tramitação, presentemente, em regime de sigilo (Autos n.º 2005.7000003027-2-IPL n.º 1370-04-Diretoria de Combate ao Crime Organizado da Polícia Federal em Curitiba/PR).

Observo, por necessário, que este provimento liminar assegura, ao ora paciente, o direito de acesso às informações já formalmente introduzidas nos autos do procedimento investigatório em questão, excluídas, em conseqüência, nos termos do precedente referido (HC 82.354/PR, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE), “as relativas à decretação e às vicissitudes da execução das diligências em curso” (HC n.º 86.059, Min. CELSO DE MELLO em 24 de junho de 2005 (DJ 30/6/05).

Parece claro, ante as expressivas manifestações deste Excelso Pretório, das quais, aliás, Vossa Excelência é consectário, que não se pode impedir que os advogados tenham acesso aos autos do inquérito e, concomitantemente, se queira colher declarações de seus assistidos.

Portanto, impõe-se determinar à autoridade policial que seja dado imediato acesso aos autos do inquérito policial aos advogados, sob pena de abuso de autoridade.

SOBRE A CONVERSA PESSOAL E RESERVADA DOS ADVOGADOS COM SEUS CLIENTES

O artigo 7º, inciso III, do Estatuto, afirma ser direito do advogado “comunicar-se com seus clientes, pessoal e reservadamente, mesmo sem procuração, quando estes se acharem presos, detidos ou recolhidos em estabelecimentos civis ou militares, ainda que considerados incomunicáveis”. Esta regra, praticamente com a mesma redação, constava do antigo Estatuto no art. 89, inc. III (L. 4.215/63) e, no entanto, como anotava o saudoso RUY DE AZEVEDO SODRÉ, era uma das prerrogativas “que mais óbices sofrem, por parte das autoridades policiais”, pois “estas, por visão unilateral do problema, procuram, tanto quanto podem, obstar ao advogado o exercício daquele direito”


Tão importante é o direito de o preso ter acesso a outras pessoas e, sobretudo ao advogado, que mesmo sob o Estado de Defesa é vedada a sua incomunicabilidade (CF, art.136, IV). De fato, é o advogado quem em primeiro lugar terá a oportunidade de constatar a higidez física e moral e zelar por ela, reclamando quando o preso for desrespeitado no que concerne a direitos fundamentais. A questão que se examina aqui não é, todavia, a do preso sob regime de incomunicabilidade, instituto cuja constitucionalidade é duvidosa como anota MIRABETE , mas a do preso em regime carcerário comum.

A imposição ao advogado de que sua conversa com o seu assistido se dê por meio de um interfone atenta contra o caráter pessoal da conversa. Sim, porque quando o texto legal fala que o advogado tem o direito de “comunicar-se pessoal e reservadamente com seus clientes”, a expressão “pessoal”, na dicção do Estatuto, quer dizer sem mediação, ou seja, repele tanto o terceiro que possa funcionar como intermediário, uma espécie de ‘leva e traz’, como o telefone, o fax, a internet, a videoconferência e, também, o interfone. Quisesse o legislador cuidar apenas do problema relativo ao sigilo da conversa entre o advogado e seu cliente, teria utilizado apenas a expressão “reservadamente”. O acréscimo quanto ao caráter pessoal da conversa tem a ver, obviamente, com a ausência de mediação, inclusive quanto à meios elétrico-eletrônicos.

Mesmo porque, por outro lado, a utilização dos interfones não oferece ao advogado a segurança necessária quanto ao sigilo da sua conversa com o preso. Se o acesso amplo e franco do cliente detido ao advogado é, como disse o ministro XAVIER DE ALBUQUERQUE, “consubstancial à defesa ampla garantida na Constituição” , seu cerceamento mediante a imposição da utilização do interfone viola não apenas a Lei 9.806/94, mas a própria Constituição no que tem de mais caro quando relacionado ao sistema penal: a ampla defesa do acusado.

Imagine-se a hipótese de uma confissão ao advogado que vem a ser indevidamente gravada ou mesmo a revelação de um outro segredo de caráter pessoal. Certo que o seu conteúdo não pode ser utilizado como prova em juízo, mas pode causar incalculáveis prejuízos de ordem moral e material para o preso, familiares e até para o próprio advogado, conforme o desiderato da polícia. De qualquer modo, como vimos acima, é inadmissível, num Estado de Direito, que se desrespeitem direitos em nome de uma maior eficácia na repressão.

E nem se diga que se quer evitar o contato do preso com o advogado como medida preventiva para se garantir a segurança da cadeia ou do presídio, evitando-se a entrega de armas ou drogas. Além do fato de que a grande maioria dos advogados são sérios e honestos, hoje, submetem-se aos conhecidos detectores de metais, deixam seus celulares na entrada e pastas fechadas também não entram nas cadeias.

Afora o mais, se dúvidas existem quanto ao comportamento dos advogados, uma revista no preso após a entrevista com o defensor resolveria o eventual problema.

A liberdade da advocacia e o segredo profissional acabam sendo não apenas neutralizados, mas mesquinhamente pisoteados. A utilização de interfones como veículo de comunicação entre os advogados e seus clientes é intolerável diante do Estatuto do Advogado e dos direitos e garantias que a própria Constituição enumera.

Requer-se, portanto, que Vossa Excelência determine, na forma da lei, que os advogados dos presos possam com eles se comunicar pessoal e reservadamente, sem a utilização de interfones ou qualquer outro meio que retire o caráter pessoal da conversa.

PRISÃO DO ADVOGADO EM SALA DE ESTADO-MAIOR:

Como anotam Alberto Zacharias Toron e Alexandra Lebelson Szafir em seu “Prerrogativas profissionais do advogado” : “O artigo 295 do Código de Processo Penal assegura a inúmeras pessoas a assim chamada prisão especial, cuja duração fica limitada até o trânsito em julgado da sentença condenatória. Entre os contemplados estão os portadores de diploma de nível superior reconhecido pela República (inc. VII) e, por conseguinte, os advogados. Ocorre que em relação a estes o Estatuto do Advogado deu contornos diferentes à matéria, garantindo-lhes o direito de “não ser recolhido preso, antes de sentença transitada em julgado, senão em sala de Estado-Maior, com instalações e comodidades condignas, assim reconhecidas pela OAB, e, na sua falta, em prisão domiciliar” (art. 7º, inc. V).

Enquanto o conteúdo da prisão especial vinha regulado pelo Decreto 38.016/55, a diferença entre esta e uma sala de Estado-Maior não era expressiva, pois as regalias de que desfrutava o preso em tal regime não se diferenciavam substancialmente. Na forma do disposto pelo referido Decreto, o detido poderia usar sua própria roupa, receber visitas todos os dias, receber alimentação destas, comunicar-se por telefone etc. Com a revogação do Decreto pela Lei n.º 10.258/01 , promulgada como um ato legislativo ad hoc, após a prisão do juiz Nicolau dos Santos Neto, protagonista do assim chamado “escândalo do TRT de São Paulo”, a prisão especial, como anota MIRABETE, ficou restrita ao recolhimento em local distinto da prisão comum ou em cela distinta do próprio estabelecimento penal comum.


Portanto, diante da nova sistemática, torna-se imprescindível estabelecer que a regra a ser observada não é a constante do Código de Processo Penal, mas a do Estatuto do Advogado que contempla sala de Estado-Maior, “com instalações e comodidades condignas”. Nesse sentido o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro já decidiu que “A prisão provisória do advogado deve ser cumprida em sala de Estado-Maior, prerrogativa de classe, e não em sala especial de estabelecimento prisional comum, tal como ocorre em relação aos demais diplomados por curso superior (RT 663/323)”.

Não obstante a clareza do quadro normativo, com o advento da Lei 10.258/01 ergueu-se uma corrente jurisprudencial segundo a qual “a nova disciplina estabelecida pelos parágrafos do art. 295 do Código de Processo Penal, com as modificações introduzidas pela Lei n.º 10.258, de 11.07.2001, alcança todas as formas de prisão especial, inclusive a prevista no inciso V, do art. 7º, da Lei n.º 8.906/94 (Estatuto da Ordem dos Advogados)”.

“A despeito da autoridade dos precedentes citados, que sufragam o entendimento de que a prerrogativa da prisão em sala do Estado-Maior, instituída pelo Estatuto em prol do advogado, estaria revogada pela Lei 10.258/01, esta não representa a melhor intelecção sobre a matéria. Como leciona FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO referindo-se à Lei n.º 8.906/94 (Estatuto): “trata-se de Lei especial, e, a nosso juízo, em face do princípio da especialidade, a nova Lei não a revogou, não só porque lex posterior generalis non derogat speciali, como também porque ali não se fala em prisão especial, mas em sala do Estado-Maior ou prisão domiciliar”.

Reafirmando a exegese de que a sala de Estado-Maior não se confunde com a prisão especial, e que a prerrogativa não foi revogada com a promulgação da Lei n.º 10.258/01, o ministro CELSO DE MELLO, no Habeas Corpus n.º 88.702-3/SP concedeu expressiva cautelar nos seguintes termos:

DECISÃO: O E. Conselho Seccional da OAB/SP e o DR. OTÁVIO AUGUSTO ROSSI VIEIRA, Conselheiro da Comissão de Prerrogativas da OAB/SP, impetram “habeas corpus” em favor de Advogado, o ora paciente, a quem se negou a prerrogativa assegurada pelo art. 7º, inciso V, do Estatuto da Advocacia (Lei nº 8.906/94), que assim dispõe:

“Art. 7º São direitos do advogado:

……………………………………………….

V – não ser recolhido preso, antes de sentença transitada em julgado, senão em sala de Estado-Maior, com instalações e comodidades condignas (…),e, na sua falta, em prisão domiciliar.” (grifei)

Os elementos de informação constantes da presente ação de “habeas corpus” revelam que o paciente, que é Advogado, sofreu condenação penal ainda não transitada em julgado, havendo sido recolhido a estabelecimento prisional – a Cadeia Pública de Avaí/SP (comarca de Bauru) – que não satisfaz a exigência fixada no preceito legal mencionado (fls. 62/64 e 65/75).

Os fundamentos em que se apóia esta impetração revestem-se de densidade jurídica, eis que a pretensão nela deduzida tem o beneplácito da jurisprudência que o Supremo Tribunal Federal firmou na matéria, quer antes do advento da Lei nº 10.258/2001, quer após a promulgação desse mesmo diploma legislativo:

“(…) ADVOGADO – CONDENAÇÃO PENAL RECORRÍVEL – DIREITO À PRISÃO ESPECIAL – PRERROGATIVA DE ORDEM PROFISSIONAL (LEI N. 8.906/94).

– O Advogado tem o insuprimível direito, uma vez efetivada a sua prisão, e até o trânsito em julgado da decisão penal condenatória, de ser recolhido a sala de Estado-Maior, com instalações e comodidades condignas (Lei nº 8.906/94, art. 7., V). Trata-se de prerrogativa de ordem profissional que não pode deixar de ser respeitada, muito embora cesse com o trânsito em julgado da condenação penal. Doutrina e jurisprudência.

O recolhimento do Advogado a prisão especial constitui direito público subjetivo outorgado a esse profissional do Direito pelo ordenamento positivo brasileiro, não cabendo opor-lhe quaisquer embaraços, desde que a decisão penal condenatória ainda não se tenha qualificado pela nota da irrecorribilidade.

A inexistência, na comarca, de estabelecimento adequado ao recolhimento prisional do Advogado, antes de consumado o trânsito em julgado da condenação penal, confere-lhe o direito de beneficiar-se do regime de prisão domiciliar.” (RTJ 169/271-274, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Primeira Turma)

“HABEAS-CORPUS. ADVOGADO. PRISÃO PROVISÓRIA. SALA DE ESTADO-MAIOR. PRERROGATIVA DE CLASSE. RECOLHIMENTO EM DISTRITO POLICIAL. CELA QUE NÃO ATENDE A REQUISITOS LEGAIS. SITUAÇÃO DEMONSTRADA POR DOCUMENTOS E RECONHECIDA PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA EM OUTRO PROCESSO. DILAÇÃO PROBATÓRIA. DESNECESSIDADE. PRISÃO DOMICILIAR DEFERIDA.

…………………………………………


2. Bacharel em direito, regularmente inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil. Lei 8906/94, artigo 7º, inciso V. Recolhimento em sala de Estado-Maior, até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Direito público subjetivo, decorrente de prerrogativa profissional, que não admite negativa do Estado, sob pena de deferimento de prisão domiciliar.

3. Incompatibilidade do estabelecimento prisional em que recolhido o paciente, demonstrada documentalmente pela Ordem dos Advogados do Brasil-SP (…).

Ordem deferida para assegurar ao paciente seu recolhimento em prisão domiciliar.” (RTJ 184/640, Rel. p/ o acórdão Min. MAURÍCIO CORRÊA, Segunda Turma – grifei)

Concorre, por igual, o requisito concernente ao “periculum in mora”, tal como alegado – e documentalmente comprovado (fls. 62/64 e 65/75) – pelos ora impetrantes.

Sendo assim, e em face das razões expostas, defiro o pedido de medida cautelar, em ordem a assegurar a transferência do paciente para dependência que se qualifique como “sala de Estado-Maior” (Lei nº 8.906/94, art. 7º, V), devendo, o Senhor Juiz Federal da 2ª Vara Federal de Bauru/SP, adotar providências que viabilizem o imediato cumprimento desta determinação, apurando, para esse efeito, junto às Organizações Militares sediadas na 8ª Subseção Judiciária do Estado de São Paulo e, também, junto à Polícia Militar e ao Corpo de Bombeiros Militar dessa mesma unidade da Federação, a existência, ou não, de local disponível.

Caso tal não se mostre viável, por inexistência de local adequado que atenda a exigência do art. 7º, V, da Lei nº 8.906/94, o magistrado federal em questão deverá informar, com urgência, esta Suprema Corte, da impossibilidade de execução material da presente medida cautelar, caso em que será assegurada, ao paciente, mediante nova deliberação deste Tribunal, a prerrogativa de ordem profissional instituída pelo Estatuto da Advocacia, consistente em recolhimento a prisão domiciliar (art. 7º, V, “in fine”)”.

Em despacho posterior, de 24 de maio de 2006, no mesmo writ, o Ministro CELSO DE MELLO, realçou “que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, em recentíssimo julgamento (17/05/2006), ao apreciar o mérito da ADI 1.127/DF, Rel. p/ o acórdão Min. RICARDO LEWANDOWSKI, entendeu subsistente a norma consubstanciada no inciso V do art. 7º da Lei nº 8.906/94 (ressalvada, unicamente, por inconstitucional, a expressão “assim reconhecidas pela OAB” inscrita em tal preceito normativo), enfatizando, então, em referido julgamento plenário, após rejeitar questão prejudicial nele suscitada, que é inaplicável, aos Advogados, em tema de prisão especial, a Lei n.º 10.258/2001”.

De fato, como gizou o Ministro CELSO DE MELLO, a “Suprema Corte, ao proceder ao exame comparativo entre a Lei n.º 10.258/2001 e a Lei nº 8.906/94 (art. 7º, V), reconheceu, nesse cotejo, a existência de uma típica situação configuradora de antinomia em sentido próprio, eminentemente solúvel, porque superável mediante utilização, na espécie, do critério da especialidade (“lex specialis derogat generali”), cuja incidência, no caso, tem a virtude de viabilizar a preservação da essencial coerência, integridade e unidade sistêmica do ordenamento positivo (RTJ 172/226-227, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.). Ao assim decidir ___ completou o Ministro ___, o Supremo Tribunal Federal teve presente, dentre outras lições expendidas por eminentes autores (HUGO DE BRITO MACHADO, “Introdução ao Estudo do Direito”, p. 164/166 e 168, itens ns. 1.2, 1.3 e 1.6, 2ª ed., 2004, Atlas; MARIA HELENA DINIZ, “Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro Interpretada”, p. 67/69, item n. 4, e p. 72/75, item n. 7, 1994, Saraiva; ROBERTO CARLOS BATISTA, “Antinomias Jurídicas e Critérios de Resolução”, “in” Revista de Doutrina e Jurisprudência-TJDF/T, vol. 58/25-38, 32-34, 1998; RAFAEL MARINANGELO, “Critérios para Solução de Antinomias do Ordenamento Jurídico”, “in” Revista do Instituto dos Advogados de São Paulo, vol. 15/216-240, 232-233, 2005, RT, v.g), o magistério – sempre lúcido e autorizado – de NORBERTO BOBBIO (“Teoria do Ordenamento Jurídico”, p. 91/92 e 95/97, item n. 5, trad. Cláudio de Cicco/Maria Celeste C. J. Santos, 1989, Polis/Editora UnB), para quem, na perspectiva do contexto em exame, e ocorrendo situação de conflito entre normas (aparentemente) incompatíveis, deve prevalecer, por efeito do critério da especialidade, o diploma estatal (o Estatuto da Advocacia, no caso) “que subtrai, de uma norma, uma parte de sua matéria, para submetê-la a uma regulamentação diferente (contrária ou contraditória)…” (grifei).

Cumpre observar, de outro lado, neste ponto, que, mesmo que se tenha por configurada, na espécie, hipótese mais complexa (motivada pela existência de antinomia entre os critérios cronológico e de especialidade), reveladora, por tal razão, de uma clássica antinomia de segundo grau – decorrente, no caso, da incompatibilidade entre norma anterior especial (Lei n.º 8.906/94, art. 7º, V) e norma posterior geral (Lei n.º 10.258/2001) -, ainda assim prevalecerá, por efeito da hierarquização do critério da especialidade (JUAREZ FREITAS, “A Interpretação Sistemática do Direito”, p. 94/98, item n. 3.4, e p. 106/107, item n. 4.2, 3ª ed., 2002, Malheiros), a norma fundada no Estatuto da Advocacia (“lex posterior generalis non derogat priori speciali”).

Importa registrar que o referido HC 88702-3 veio a ser deferido pela e. 2ª. Turma e, portanto, requer-se seja determinada a imediata transferência dos advogados presos para Sala de Estado Maior como lhes assegura a lei.

EMINENTE MINISTRO:

A Ordem dos Advogados do Brasil bate as portas deste eg. Tribunal com a certeza de que Vossa Excelência restabelecerá prontamente as prerrogativas dos advogados que atuam na defesa dos investigados, bem como assegurará que os advogados presos sejam colocados em Sala de Estado Maior e se estabeleça um regime de plena legalidade.

Termos em que, Pede deferimento.

Brasília, 16 de abril de 2007

Cezar Britto

Presidente do Conselho Federal da OAB

Reportagem alterada para acréscimo de informações às 16h

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