Fim do lixo

Município mineiro terá de construir aterro sanitário em 90 dias

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16 de abril de 2007, 16h25

O município de Lajinha (MG) está obrigado a construir em 90 dias um aterro sanitário que comporte todo o lixo produzido pela cidade. A decisão é da 7ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Caso a obra não seja concluída em 90 dias contados a partir do plano a ser desenvolvido pela Fundação Estadual do Meio Ambiente, o município terá de pagar multa diária de R$ 350. Cabe recurso.

A ação foi proposta pelo Ministério Público. O órgão alegou que há mais de 10 anos, o lixo de Lajinha depositado a céu aberto, em condições inadequadas, expondo população a doenças, além de degradar algumas áreas.

Com base no artigo 23 da Constituição Federal, que diz ser competência da União, dos estados e dos municípios protegerem o ambiente, o município mineiro foi condenado a destinar o lixo a um local apropriado. “Em certos temas — como o do meio ambiente — preponderam, como se sabe, os princípios da prevenção e da proteção à vida, cuja aplicação, na maioria das vezes, não pode esperar pelo cumprimento das formalidades a que nos habituamos”, afirmou o relator do processo, desembargador Wander Marotta.

O desembargador reformou parte da decisão de primeira instância que, além de determinar a construção do aterro, condenou o município a recuperar as áreas onde o lixo tem sido depositado, sob pena de multa diária de R$ 1 mil. Como o MP não pediu a construção de uma usina de reciclagem de lixo ou a recuperação das áreas afetadas, o desembargador esclareceu que a sentença deveria se limitar ao pedido, conforme estabelece o artigo 460 do Código de Processo Civil.

Leia íntegra da decisão

REEXAME NECESSÁRIO 1.0377.04.000112-7/001 – COMARCA DE LAJINHA – REMETENTE: JD COMARCA LAJINHA – AUTOR(ES)(A)S: MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADO MINAS GERAIS – RÉ(U)(S): MUNICÍPIO LAJINHA – RELATOR: EXMO. SR. DES. WANDER MAROTTA

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a 7ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, EM REFORMAR A SENTENÇA PARCIALMENTE NO REEXAME NECESSÁRIO.

DES. WANDER MAROTTA – Relator

NOTAS TAQUIGRÁFICAS

O SR. DES. WANDER MAROTTA:

VOTO

O MINISTÉRIO PÚBLICO DE MINAS GERAIS, pelo Promotor de Justiça da Comarca de Lajinha, ajuizou ação civil pública contra o MUNICÍPIO DE LAJINHA, alegando, em síntese, que não cuida do lixo urbano de forma apropriada, fato que vem causando inúmeros danos ao meio ambiente, impondo-se, assim, seja o Município condenado a cumprir os requisitos mínimos expedidos pela Deliberação Normativa 052/02, utilizando como destino do lixo urbano ali produzido aterro sanitário controlado, a ser construído em local previamente aprovado por órgãos ambientais, além de retirar todo o lixo depositado a céu aberto do local onde atualmente se encontra para o referido aterro sanitário “…ou outra área adequada”, sob pena de multa mensal.

Citado, o réu afirmou, em síntese, não possuir recursos para construir o aterro objeto do pedido inaugural e se comprometeu a tentar solucionar o problema – o que não ocorreu até o julgamento final do presente feito.

O culto Juiz de Direito Substituto da Comarca de Lajinha julgou procedente o pedido para determinar que o Município construa aterro sanitário controlado ou usina de reciclagem para depósito do lixo urbano, no prazo de 30 dias, contados da data do recebimento dos projetos e planos a serem enviados pela FEAM, devendo a construção ser concluída no prazo de 90 dias após o seu início, sob pena de multa diária de R$350,00 (trezentos e cinqüenta reais), tudo conforme projeto e planos de trabalho “…a serem especificados pela FEAM e pela COPAM”; condenando-o, ainda, a recuperar as áreas onde foi e está sendo depositado o lixo, sob pena de multa diária de R$1.000,00, e, “…no caso da impossibilidade da execução específica, condeno o requerido a indenizar os danos causados ao meio ambiente, a serem apurados em liquidação”, determinando, ainda, que o município informe à FEAM e à COPAM qual o lugar adequado para a construção do aterro, sob pena de multa diária fixada em R$350,00 (trezentos e cinqüenta reais) – (fls. 92/98). A sentença está sujeita a reexame necessário.

Narra o autor, na inicial, que há mais de 10 anos vem tentando solucionar o problema do lixo na cidade de Lajinha. Aberto inquérito civil público e realizadas duas perícias, ficou demonstrando que o lixo é depositado em local irregular, assumindo os representantes legais do Município, por mais de uma vez, o compromisso de construir aterro sanitário controlado para solucionar a questão, o que, até o momento, não ocorreu. Assim, com base no art. 225 da CF, pede que o Judiciário condene o réu a implementar os requisitos mínimos de destinação de resíduos sólidos, instituídos na Deliberação Normativa 052/01, da COPAM, obrigando-o à construção de aterro sanitário controlado, que deverá ser utilizado como destino do lixo ali produzido.


As provas demonstram que, de fato, em 1.993, foi instaurado inquérito civil para apurar as irregularidades decorrentes do acondicionamento incorreto dos resíduos sólidos produzidos pelo Município, estando demonstrado que:

– O lixo urbano de Lajinha é depositado numa vala, a céu aberto (fls. 06/07-ap), nas proximidades do Bairro do Areado (fls. 08 e 30-ap);

– realizada vistoria técnica no local pela FEAM, em janeiro de 1.994, foi constatado que o depósito de lixo se localiza em uma área rural, no local denominado Alto Carvalho, distante aproximadamente 1 km do Parque Florestal Municipal, ressaltando-se que embora o local utilizado tenha sido modificado várias vezes o lixo sempre foi depositado em locais abandonados, não sendo adotada nenhuma medida corretiva ou de controle ambiental, causando o acúmulo dos resíduos, poluição visual e atraindo pragas urbanas responsáveis pela transmissão de várias doenças (fls. 26/29-ap);

– em nova vistoria, realizada em outubro de 2.001, a FEAM anotou que o lixo estava depositado no local denominado Campo de Aviação, situado a cerca de 3 km do centro urbano, a céu aberto, no ponto mais alto do terreno, danificando a mata nativa ali existente. Na ocasião verificou-se a irregularidade e a existência de uma nascente a aproximadamente cem (100) metros de distância da região, além da contaminação, pelo chorume, das águas superficiais e subterrâneas (fls. 60/69). A FEAM observou, ainda, que “…o Município de Lajinha foi contemplado com recursos da ordem de R$245.310,00, provenientes do Programa de Investimentos Sociais na Área de Influência da Cia. Vale do Rio Doce de Minas Gerais” e “…já adquiriu um terreno destinado à implantação de uma usina de triagem e compostagem de lixo no município” (fls. 62).

– Apresentado o projeto do Empreendimento Usina de Reciclagem e Compostagem de lixo pelo Município, em 2001, (fls. 91/146 e 150/191-ap), foi este, ao que parece, rejeitado, assinalando-se que as fotografias anexadas aos autos em apenso demonstram que a situação só está se agravando (fls. 221/224).

O conjunto probatório referido mostra que o Município deposita o lixo, há mais de dez anos, em áreas localizadas a céu aberto. O atual local utilizado como depósito dos resíduos sólidos é próximo da área urbana e da nascente de um rio.

A Prefeitura, apesar de já se ter comprometido a resolver a questão, nada faz efetivamente, tendo a FEAM informado, inclusive, que já liberou recursos para a solução da questão, sendo imprescindível, portanto, a implantação de sistema definitivo de tratamento e destinação de resíduos sólidos.

Nos termos da CF:

“Art. 23- É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:

(…)

VI – proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas”

“Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

(…)

§3º. As condutas e atividades consideradas lesivas ao Meio Ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados

No mesmo sentido a Constituição Mineira:

“Art. 214. Todos têm direito a Meio Ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, e ao Estado e à coletividade é imposto o dever de defendê-lo e conservá-lo para as gerações presentes e futuras.

§1º – Para assegurar a efetividade do direito a que se refere este artigo, incumbe ao Estado, entre outras atribuições:

(…)

IV – exigir, na forma da lei, prévia anuência do órgão estadual de controle e política ambiental, para início, ampliação ou desenvolvimento de atividades, construção ou reforma de instalações capazes de causar, sob qualquer forma, degradação do Meio Ambiente, sem prejuízo de outros requisitos legais, preservado o sigilo industrial;

(…)

§2º – O licenciamento de que trata o inciso IV do parágrafo anterior dependerá, nos casos de atividade ou obra potencialmente causadora de significativa degradação do Meio Ambiente, de estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade.

(…)

§ 5º – A conduta e a atividade consideradas lesivas ao Meio Ambiente sujeitarão o infrator, pessoa física ou jurídica, a sanções administrativas, sem prejuízo das obrigações de reparar o dano e das cominações penais cabíveis.”

A Lei nº 8.625, de 12 de fevereiro de 1993, dispõe, em seu art. 25, inciso IV, alínea b, que incumbe ao Ministério Público promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a anulação ou declaração da nulidade de atos lesivos ao patrimônio público ou à moralidade administrativa do Estado ou de Município, de suas administrações indiretas e fundacionais ou de entidades privadas de que participem.


Conclui-se: caso o Poder Executivo Municipal esteja violando a Constituição Federal, desprezando o meio ambiente e pondo em risco seus habitantes e turistas da região, é cabível a ação civil pública, podendo o Poder Judiciário determinar que o Município tome as medidas cabíveis para proteger a população, não existindo, aí, violação ao princípio da separação dos poderes.

No caso, há demonstração de que há mais de 10 anos o lixo vem sendo depositado a céu aberto, em condições inadequadas, expondo à população a diversas doenças e o meio ambiente a uma degradação que poderá vir a ser irreversível no futuro, o que deve ser coibido, sendo a ação civil ora proposta o meio correto para a obtenção de tal objetivo.

A prevalecer tal situação, danos irreversíveis poderão advir para a saúde da população e para o meio ambiente.

Por outro lado, o Município pode ser condenado a construir o aterro sanitário, inclusive sob pena de multa – condição paliativa que visa evitar maiores prejuízos à população local e ao meio ambiente.

Em certos temas – como o do meio ambiente – preponderam, como se sabe, os princípios da prevenção e da proteção à vida, cuja aplicação, na maioria das vezes, não pode esperar pelo cumprimento das formalidades a que nos habituamos.

Sobre o princípio da prevenção, ensina CELSO ANTÔNIO PACHECO FIORILLO:

“Trata-se de um dos princípios mais importantes que norteiam o direito ambiental.

De fato, a prevenção é fundamental, uma vez que os danos ambientais, na maioria das vezes, soam irreversíveis e irreparáveis. Para tanto, basta pensar: como recuperar uma espécie extinta ? Como erradicar os efeitos de Chernobyl ? Ou, de que forma restituir uma floresta milenar que fora devastada e abrigava milhares de ecossistemas diferentes, cada um com o seu essencial papel na natureza?

Diante da impotência do sistema jurídico, incapaz de restabelecer, em igualdade de condições, uma situação idêntica à anterior, adota-se o princípio da prevenção do dano ao meio ambiente como sustentáculo do direito ambiental, consubstanciando-se como seu objetivo fundamental.” (in “Curso de Direito Ambiental Brasileiro”, Saraiva, 2001, p. 35).

Especificamente sobre o tema, leciona RODOLFO DE CAMARGO MANCUSO (in “Ação Civil Pública em defesa do meio ambiente, do patrimônio cultural e dos consumidores”, Rio de Janeiro: RT Ed., 8ª ed.):

“Hoje se entende que a grande maioria dos atos administrativos, em sentido largo, é de algum modo vinculada, seja porque seu agente está no exercício de um múnus público, seja pela própria natureza desses atos de gestão, seja pela precípua indisponibilidade do interesse público.

No ponto, escreve Luíza Cristina Fonseca Frischeisen: “Nesse sentido, a margem de discricionariedade da administração no cumprimento da ordem constitucional social é bastante limitada, o que ocasiona a possibilidade de maior judicialização dos conflitos, pois que as políticas públicas podem ser questionadas judicialmente.” Isso implica, prossegue, em que a atuação do MP “não é somente de atuar para corrigir os atos comissivos da administração que porventura desrespeitem os direitos constitucionais do cidadão, mas também deve atuar na correção dos autos omissivos, ou seja, para a implantação efetiva de políticas públicas visando a efetividade da ordem social prevista na Constituição Federal de 1.988”

Com efeito, as fórmulas com que usualmente se tem procurado discernir os atos discricionários e os atos vinculados trazem o risco, alerta Celso Antônio Bandeira de Mello, de induzirem a uma errônea compreensão do fenômeno jurídico em causa, distorcem-lhe a fisionomia, obstaculam seu entendimento e ocultam aspectos capitais dele. Daí que terminam por induzir a conclusões inteiramente falaciosas das quais resulta o danosíssimo efeito de arredar o Poder Judiciário do exame completo da legalidade de inúmeros atos e conseqüente comprometimento da defesa de direitos individuais.

(…)

Conforme adverte Álvaro Luiz Valery Mirra, tais controles judiciais não implicam em se atribuir “ao Judiciário o poder de criar políticas ambientais, mas tão-só o de impor a execução daquelas já estabelecidas na Constituição, nas leis ou adotadas pelo próprio governo” (p.41 e seguintes).

A lei é expressa no sentido de que “a ação civil poderá ter por objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer e não fazer” (art. 3º da Lei 7.347/85).

Além disso:

“Considerando-se o desiderato perseguindo na ação civil pública, a partir de seu preâmbulo – responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, aos consumidores e ao patrimônio cultural e natural do País, assim como a qualquer outro interesse difuso ou coletivo- constata-se que o ideal seria a execução específica, de maneira que repusesse o bem ou interesse lesado no seu statu quo ante.


(…)

Do art. 11 da lei em questão, antes transcrito, resulta claro que a mens legis é a de conseguir, no limite do possível, que o poluidor, o fraudador, o vândalo repare o mal feito e para isso a lei dotou o juiz da possibilidade de impor astreintes, e isto “independentemente de requerimento do autor”. (…)” (ob. cit., p. 29/30)

Como bem anotado pela Eminente Ministra Eliana Calmon, quando do julgamento do Recurso Especial nº 429.570-GO, pela Segunda Turma do STJ:

“A pergunta que se faz é a seguinte: pode o Judiciário, diante de omissão do Poder Executivo, interferir nos critérios da conveniência e oportunidade da Administração para dispor sobre a prioridade da realização de obra pública voltada para a reparação do meio ambiente, no assim chamado mérito administrativo, impondo-lhe a imediata obrigação de fazer? Em caso negativo, estaria deixando de dar cumprimento à determinação imposta pelo art. 3º, da lei de ação civil pública?

O acórdão recorrido adotou entendimento de que não poderia fazê-lo por se tratar de ato administrativo discricionário, sobre o qual não cabe a ingerência do Judiciário.

Não obstante, entendo que a ótica sob a qual se deve analisar a questão não é puramente a da natureza do ato administrativo, mas a da responsabilidade civil do Estado, por ato ou omissão, dos quais decorram danos ao meio ambiente.

Estando, pois, provado que a erosão causa dano ao meio ambiente e põe em risco a população, exige-se do Poder Público uma posição no sentido de fazer cessar as causas do dano e também de recuperar o que já foi deteriorado.

O primeiro aspecto a considerar diz respeito à atuação do Poder Judiciário, em relação à Administração.

No passado, estava o Judiciário atrelado ao princípio da legalidade, expressão maior do Estado de direito, entendendo-se como tal a submissão de todos os poderes à lei.

A visão exacerbada e literal do princípio transformou o Legislativo em um super poder, com supremacia absoluta, fazendo-o bom parceiro do Executivo, que dele merecia conteúdo normativo abrangente e vazio de comando, deixando-se por conta da Administração o facere ou non facere, ao que se chamou de mérito administrativo, longe do alcance do Judiciário.

A partir da última década do Século XX, o Brasil, com grande atraso, promoveu a sua revisão crítica do Direito, que consistiu em retirar do Legislador a supremacia de super poder, ao dar nova interpretação ao princípio da legalidade.

Em verdade, é inconcebível que se submeta a Administração, de forma absoluta e total, à lei. Muitas vezes, o vínculo de legalidade significa só a atribuição de competência, deixando zonas de ampla liberdade ao administrador, com o cuidado de não fomentar o arbítrio. Para tanto, deu-se ao Poder Judiciário maior atribuição para imiscuir-se no âmago do ato administrativo, a fim de, mesmo nesse íntimo campo, exercer o juízo de legalidade, coibindo abusos ou vulneração aos princípios constitucionais, na dimensão globalizada do orçamento.

A tendência, portanto, é a de manter fiscalizado o espaço livre de entendimento da Administração, espaço este gerado pela discricionariedade, chamado de “Cavalo de Tróia” pelo alemão Huber, transcrito em “Direito Administrativo em Evolução”, de Odete Medauar.

Dentro desse novo paradigma, não se pode simplesmente dizer que, em matéria de conveniência e oportunidade, não pode o Judiciário examiná-las. Aos poucos, o caráter de liberdade total do administrador vai se apagando da cultura brasileira e, no lugar, coloca-se na análise da motivação do ato administrativo a área de controle. E, diga-se, porque pertinente, não apenas o controle em sua acepção mais ampla, mas também o político e a opinião pública.”

No mesmo sentido a jurisprudência colecionada no site www.stj.gov.br e www.tjmg.gov.br, acessados em 17/06/05:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. COLETA DE LIXO. SERVIÇO ESSENCIAL. PRESTAÇÃO DESCONTINUADA. PREJUÍZO À SAÚDE PÚBLICA. DIREITO FUNDAMENTAL. NORMA DE NATUREZA PROGRAMÁTICA. AUTO-EXECUTORIEDADE. PROTEÇÃO POR VIA DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA. POSSIBILIDADE. ESFERA DE DISCRICIONARIEDADE DO ADMINISTRADOR. INGERÊNCIA DO PODER JUDICIÁRIO.

1. Resta estreme de dúvidas que a coleta de lixo constitui serviço essencial, imprescindível à manutenção da saúde pública, o que o torna submisso à regra da continuidade. Sua interrupção, ou ainda, a sua prestação de forma descontinuada, extrapola os limites da legalidade e afronta a cláusula pétrea de respeito à dignidade humana, porquanto o cidadão necessita utilizar-se desse serviço público, indispensável à sua vida em comunidade.

2. Releva notar que uma Constituição Federal é fruto da vontade política nacional, erigida mediante consulta das expectativas e das possibilidades do que se vai consagrar, por isso cogentes e eficazes suas promessas, sob pena de restarem vãs e frias enquanto letras mortas no papel. Ressoa inconcebível que direitos consagrados em normas menores como Circulares, Portarias, Medidas Provisórias, Leis Ordinárias tenham eficácia imediata e os direitos consagrados constitucionalmente, inspirados nos mais altos valores éticos e morais da nação sejam relegados a segundo plano. Trata-se de direito com normatividade mais do que suficiente, porquanto se define pelo dever, indicando o sujeito passivo, in casu, o Estado.


3. Em função do princípio da inafastabilidade consagrado constitucionalmente, a todo direito corresponde uma ação que o assegura, sendo certo que todos os cidadãos residentes em Cambuquira encartam-se na esfera desse direito, por isso a homogeneidade e transindividualidade do mesmo a ensejar a bem manejada ação civil pública.

4. A determinação judicial desse dever pelo Estado, não encerra suposta ingerência do judiciário na esfera da administração. Deveras, não há discricionariedade do administrador frente aos direitos consagrados, quiçá constitucionalmente. Nesse campo a atividade é vinculada sem admissão de qualquer exegese que vise afastar a garantia pétrea.

5. Um país cujo preâmbulo constitucional promete a disseminação das desigualdades e a proteção à dignidade humana, alçadas ao mesmo patamar da defesa da Federação e da República, não pode relegar a saúde pública a um plano diverso daquele que o coloca, como uma das mais belas e justas garantias constitucionais.

6. Afastada a tese descabida da discricionariedade, a única dúvida que se poderia suscitar resvalaria na natureza da norma ora sob enfoque, se programática ou definidora de direitos.

7. As meras diretrizes traçadas pelas políticas públicas não são ainda direitos senão promessas de lege ferenda, encartando-se na esfera insindicável pelo Poder Judiciário, qual a da oportunidade de sua implementação.

8. Diversa é a hipótese segundo a qual a Constituição Federal consagra um direito e a norma infraconstitucional o explicita, impondo-se ao judiciário torná-lo realidade, ainda que para isso, resulte obrigação de fazer, com repercussão na esfera orçamentária.

9. Ressoa evidente que toda imposição jurisdicional à Fazenda Pública implica em dispêndio e atuar, sem que isso infrinja a harmonia dos poderes, porquanto no regime democrático e no estado de direito o Estado soberano submete-se à própria justiça que instituiu. Afastada, assim, a ingerência entre os poderes, o judiciário, alegado o malferimento da lei, nada mais fez do que cumpri-la ao determinar a realização prática da promessa constitucional.

10. “A questão do lixo é prioritária, porque está em jogo a saúde pública e o meio ambiente.” Ademais, “A coleta do lixo e a limpeza dos logradouros públicos são classificados como serviços públicos essenciais e necessários para a sobrevivência do grupo social e do próprio Estado, porque visam a atender as necessidades inadiáveis da comunidade, conforme estabelecem os arts. 10 e 11 da Lei n.º 7.783/89. Por tais razões, os serviços públicos desta natureza são regidos pelo PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE.”

11. Recurso especial provido. (STJ – RESP 575998 / MG – Relator Ministro LUIZ FUX – PRIMEIRA TURMA – j. 07/10/2004 – Data da Publicação/Fonte: DJ 16.11.2004 p. 191)

EMENTA: AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DEPÓSITO DE LIXO IRREGULAR. DANO AMBIENTAL COMPROVADO. Constatada a existência de prejuízos ao Meio Ambiente causados pelo depósito irregular de lixo em local inapropriado, tendo agido o Município contrariamente às normas definidas pelas autoridades ambientais competentes, é plenamente admissível, além de inevitável, sua condenação, como agente poluidor, à reparação dos prejuízos causados, consistente na realização de obras voltadas a recuperação da área degradada, em cumprimento aos artigos 2º, VIII, e 4º, VII, da Lei n. 6938/1981.” (TJMG – APELAÇÃO CÍVEL Nº 000.234.112 1/00 COMARCA DE BARBACENA RELATOR: EXMO. SR. DES. BRANDÃO TEIXEIRA)

“EMENTA: Prescreve a Constituição Federal que todos têm direito ao Meio Ambiente ecologicamente equilibrado, na medida em que este é bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se, assim, ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações (art. 225).” (TJMG – APELAÇÃO CÍVEL Nº 000.260.520-2/00 – COMARCA DE PONTE NOVA – APELANTE(S): JD 2 V CV COMARCA PONTE NOVA PELO MUNICÍPIO JEQUERI – APELADO(S): MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADO MINAS GERAIS PJ 2 V CV COMARCA PONTE NOVA – RELATOR: EXMO. SR. DES. EDIVALDO GEORGE).

Observo, contudo, que a sentença deve ser adequada ao pedido inicial.

O MP (autor da ação) não pede a construção de usina de reciclagem de lixo ou a recuperação das áreas usadas irregularmente para depósito do lixo urbano. Com base em perícias já realizadas pela FEAM – FUNDAÇÃO ESTADUAL DO MEIO AMBIENTE – o que quer é que ele cumpra os requisitos mínimos contidos no art. 2º da Deliberação Normativa 052/01, depositando o lixo urbano em aterro sanitário controlado a ser construído em local previamente aprovado pelos órgãos ambientais, providenciando a transferência de todo o lixo depositado a céu aberto para local adequado, vedada a queima do mesmo.

O parquet ressalta, inclusive, ser de seu conhecimento que “…o projeto da usina de reciclagem de lixo foi reprovado pela própria Fundação Estadual do Meio Ambiente” (fls. 06), devendo ser construído aterro sanitário controlado.

Nos exatos termos do art. 460 do CPC, o limite da sentença válida é o pedido formulado pelo autor da ação.

Na sentença ultra petita o juiz decide o pedido, mas vai além dele, concedendo ao autor mais do que fora pleiteado, ensejando nulidade parcial.

Por tal motivo, deve ser a sentença parcialmente modificada, e acolhido o pedido nos exatos termos contidos na inicial.

Assim:

– Determina-se ao Município que construa aterro sanitário controlado para depósito do lixo urbano, no prazo de 30 dias, contados da data do recebimento dos projetos e planos a serem enviados pela FEAM, devendo a construção ser concluída no prazo de 90 dias após o seu início, sob pena de multa diária de R$350,00 (trezentos e cinqüenta reais), tudo conforme projeto e planos de trabalho “…a serem especificados pela FEAM e pela COPAM”, observados os requisitos mínimos contidos no art. 2º da Deliberação Normativa 052/01.

– Determina-se, ainda, que o município informe à FEAM e à COPAM, no prazo máximo de 30 dias, qual o local adequado para a construção do aterro, sob pena de multa diária fixada em R$350,00 (trezentos e cinqüenta reais). Caso o local seja inadequado deverá ele providenciar outro, no prazo máximo de 30 dias, sob pena de multa, a ser aprovado pelos órgãos competentes.

– Intime-se a FEAM e a COPAM, como determinado na sentença de primeiro grau – (fls. 98).

É como voto.

Sem honorários ou custas.

Votaram de acordo com o(a) Relator(a) os Desembargador(es): BELIZÁRIO DE LACERDA e HELOISA COMBAT.

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