Assisti ao documentário Cartola. Deu orgulho de ser brasileiro como ele, eu brasileiro de apartamento, Cartola brasileiro de barraco e que compôs “Mangueira, és a sala de recepção/aqui se abraça o inimigo/como se fosse um irmão” — música que conheço desde a adolescência na voz e no violão de outro brasileiro, também de apartamento, do qual igualmente me orgulho: meu pai. Vi e ouvi no documentário a imagem e o depoimento de um famoso marginal da primeira metade do século XX, tempos em que a polícia batia em homossexuais e os chamava de pederastas: Madame Satã, que culposamente matou o sambista Geraldo Pereira na briga por um copo de cerveja, era gay.
O documentário fala de marginalidade e traficantes, mas nele se percebe que o Brasil já foi mais delicado. Agora, o Brasil é bruto. Lula é brutalmente criticado por ter chancelado a lei que permite aos autores de crimes hediondos aguardarem julgamento em liberdade — ou seja, “batem” em Lula por ele ter respeitado a Constituição que determina a presunção da inocência e diz que todos são inocentes até que condenados em última instância.
Os críticos de Lula querem punições cada vez mais rígidas, ainda que isso rasgue a Constituição e imponha a exceção. A primeira referência à prisão no Brasil está nas Ordenações Filipinas (Livro V) e lá diz que o chão do Brasil Colônia é, todo ele, uma prisão. Cartola vem séculos depois das Ordenações. Lula e seus críticos vêm décadas depois de Cartola. Nessa linha do tempo, a punição de exceção só fez crescer e, apesar dela, os crimes só aumentaram. Algo está errado, como sempre esteve, na questão da punição. Demagógicas legislações de exceção nunca faltaram. O que será, então, que anda e andou errado?
Uma dica: não foi Cartola e sua Sala de Recepção nem meu pai e seu violão. E nessa parada, mano, o presidente Lula está certo.