Caos aérea

Estamos no país do militar grevista e do cidadão palhaço

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12 de abril de 2007, 0h02

Meu nome é Ricardo Romagnoli do Vale, resido em Belo Horizonte e escrevo para expor alguns pensamentos que me ocupam a mente, desde o momento em que os senhores, sem pedir licença, alteraram o destino de minha vida e o de milhares de pessoas.

Não deve ser nada fácil ocupar o seu posto, o seu cargo de presidente, mormente na atual situação em que se encontra o país. Vocês lutam por salários melhores, por planos de carreira e pela desmilitarização da função. Não me oponho a isso. Pela responsabilidade dos serviços prestados, devem ter um salário condigno e também uma expectativa de crescimento na carreira.

Todavia, algumas ponderações se fazem necessárias. Vivemos todos em um Estado organizado, apesar de, às vezes, não parecer, e devemos, por isso, obediência, em última instância, ao que estabelece a nossa lei maior, nossa Constituição. Não fosse assim, a sociedade já teria tomado outro sentido, rumo ao desconhecido, ao caos, o mesmo caos que vocês causaram no final de semana, entre os dias 30 de março e 1º de abril deste ano, em todo o país.

Estabelece a Constituição Federal, em seu artigo142, inciso IV, que “ao militar são proibidas a sindicalização e a greve”. Peço escusas se estou sendo redundante, ou escrevendo o óbvio, mas, depois do ocorrido, já não posso mais presumir que tenha conhecimento jurídico suficiente, ou melhor, que tenha algum conhecimento jurídico ou, ao menos, sentimento de respeito pelo povo.

Ademais, não bastasse a lei maior disciplinar a matéria, estabelece o Decreto-Lei 1.001, de 21 de Outubro de 1969, conhecido como Código Penal Militar, em seu artigo 149, referente ao Título II, que trata dos crimes contra a autoridade ou disciplina militar, o seguinte:

“Artigo 149 — Reunirem-se militares ou assemelhados:

I — agindo contra a ordem recebida de superior, ou negando-se a cumpri-la;

II — recusando obediência a superior, quando estejam agindo sem ordem ou praticando violência;

III — assentindo em recusa conjunta de obediência, ou em resistência ou violência, em comum, contra superior;

IV — ocupando quartel, fortaleza, arsenal, fábrica ou estabelecimento militar, ou dependência de qualquer deles, hangar, aeródromo ou aeronave, navio ou viatura militar, ou utilizando-se de qualquer daqueles locais ou meios de transporte, para ação militar, ou prática de violência, em desobediência à ordem superior ou em detrimento da ordem ou da disciplina militar.

Pena: reclusão, de quatro a oito anos, com aumento de um terço para os cabeças”.

Senhor Wellington e senhores militares grevistas, controladores de tráfego aéreo, acabo de lhes apresentar o crime de motim. O delito no qual estão incursos, dentre outros, a ser apontados oportunamente pelo nosso prestigiado Ministério Público Militar. Em respeito ao princípio da não-culpabilidade, previsto no artigo 5º, inciso LVII, da carta magna (eu, como um bom cidadão, respeito a Constituição da República), ainda não vou chamá-los de criminosos.

Buscassem outros meios para suas reivindicações. Não aquele que poderia afetar, como afetou, milhares de cidadãos. Faço, assim, algumas indagações, senhor presidente.

Como fica aquele caso do senhor Moska, que morreu ao dar entrada em hospital, devido a ataque cardíaco originado, segundo consta, pelo caos nos aeroportos causado pela greve dos militares amotinados?

Como fica a situação daquela senhora que não pode ir ao enterro de seu marido, pois o avião não decolou devido ao caos provocado pela greve dos militares amotinados?

Por fim, para não cansá-lo muito, como fica o meu caso? Perdi uma prova em concurso público, não a prova inicial, mas outra, já no meio da seleção. Agi com prudência, chegaria ao meu destino cerca de 30 horas antes de meus exames, mas cheguei três horas após. Serei eliminado, ao que tudo indica. Então, senhor, como fica minha situação? Sabia que há anos estudo para esse concurso? Sabia que dos aproximados três mil inscritos, passei para a fase posterior em 25º lugar, com reais chances de aprovação? Sabia que um cargo público, hoje, nesse país da desordem e do crime, assegura toda uma vida? Então, senhor presidente, como fico? Perdão é o que estão pedindo?

Agora vem o senhor, por meio do site, de maneira hipócrita e desrespeitosa, pedir perdão à sociedade brasileira? Perdão pelo crime que cometeram? É isso? Se for, saiba que existe previsão no ordenamento jurídico pátrio acerca do perdão judicial, em certos crimes, sendo o juiz o competente para decidir sobre sua aplicação ou não. Salvo engano, no grave crime de motim, que os senhores cometeram, não há essa previsão! É esse perdão que estão pedindo? Ou não, ou é o perdão à mulher, aos filhos, parentes e amigos do morto, ou à mulher que não pôde se despedir do marido pela última vez, ou ao palhaço que perdeu o concurso público e se vê sem chão e sem futuro. Para quem? Palhaço, é como me sinto, principalmente após seu pedido de perdão. Para mim, o perdão, nesse caso, resume-se nas seguintes palavras: “Reclusão, de quatro a oito anos, com aumento de um terço para os cabeças”.

Senhor Wellington, nem perdão, nem respeito. Espero, sinceramente, e eu tenho idoneidade moral para usar essa palavra — sinceramente —, que sejam todos os responsáveis e partícipes deste ato criminoso severamente punidos pelas iras da lei, em respeito à sociedade e ao estado de legalidade que, após muita luta, conseguimos alcançar.

Finalizo externando meu sentimento, de revolta, de impunidade e de espanto. Que país é esse? Que militares são esses? O país dos militares grevistas. E dos cidadãos tratados como palhaços.

Punição é o que espero.

Sobre sua mensagem na nota à sociedade, abaixo transcrita, concito-vo a meditar sobre ela.

“Paz nos céus; Feliz Páscoa; Sinceramente; Wellington Rodrigues; Presidente da ABCTA”

Carta enviada a Wellington Rodrigues, presidente da Associação Brasileira dos Controladores de Tráfego Aéreo

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