Batalha de togas

Desembargador do TRF-2 diz ter sido grampeado por colega

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12 de abril de 2007, 14h27

Enquanto em São Paulo desembargadores federais recorrem ao Supremo Tribunal Federal na tentativa de anular a eleição da nova diretoria do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (SP e MS) alegando desrespeito à exigência de nomeação dos mais antigos, o TRF da 2ª Região (RJ e ES) empossará na tarde desta quinta-feira (12/4) sua nova administração sem que a tradição de eleger os mais antigos tenha sido respeitada.

A escolha dos novos diretores no Rio, na sessão administrativa de 1° de março, não gerou nenhum recurso aos tribunais superiores, mas foi marcada por muito bate-boca e acusações. A mais grave partiu do vice-presidente da casa, desembargador José Eduardo Carreira Alvim, que denunciou ter sido vítima de escuta ambiental em seu gabinete além de grampo nos telefones seus e de seus familiares. Com 14 anos de tribunal, Carreira Alvim esperava eleger-se pela regra da antiguidade. Acabou vendo seu nome rejeitado por 15 votos a nove.

A derrota não foi só dele. Também o desembargador Paulo Espírito Santo — 12 anos de casa — perdeu a vice-presidência para seu colega Fernando Marques, com nove anos de nomeação. Já para a Corregedoria foi eleito Sérgio Feltrin em detrimento do desembargador Rogério Marques, dois meses mais antigo.

No TRF do Rio valeu o entendimento de que o regimento, ao falar em “preferencialmente os mais antigos”, não torna obrigatória esta opção. Nem foi a primeira vez que isto aconteceu. Em 2003, o pleno optou pela eleição de Valmir Martins Peçanha para a presidência em detrimento do seu colega Henry Bianor Chalu Barbosa, então o mais antigo. Na época, porém, alegou-se problemas de saúde a impedirem a nomeação de Chalu Barbosa.

Já este ano os motivos para que a regra da antiguidade fosse descumprida são diversos. No entendimento de alguns desembargadores, a escolha foi feita por critérios meramente administrativos. Entendeu-se que Castro Aguiar, após sua gestão à frente da Corregedoria, teria melhores condições de adequar a casa às exigências da Emenda Constitucional 45, a chamada Reforma do Judiciário. Mas há também aqueles que atribuem a derrota de Carreira Alvim ao ressentimento que ele mesmo provocou entre seus pares, principalmente no cargo de vice-presidente.

Bate-boca

O clima de animosidade entre um grupo de desembargadores e Carreia Alvim culminou com a rejeição ao seu nome para a presidência. Mas a tensão da sessão de 1° de março foi muito maior do que o esperado. Nos dias que a antecederam, houve intensa movimentação de alguns desembargadores em busca de uma nova candidatura, provocando surpresas nos mais antigos, defensores da manutenção da tradição.

Na sessão, a primeira a protestar foi a desembargadora Julieta Lunz, questionando a existência de outros candidatos. Pediu, inclusive, a impugnação da candidatura de Castro Aguiar, tão logo ela foi explicitada. Este, explicou-se dizendo que só entrou na disputa por se sentir desafiado e intimidado, após receber uma “visita” em seu gabinete, sem revelar a identificação do visitante, por não ter como provar.

Terminada a contagem dos votos, Carreira Alvim, até então calado, tomou a palavra. Foi um festival de acusações. Começou apontando um colega do plenário, de quem foi fiador, por deixar de pagar um aluguel de imóvel, causando a sua (dele, Carreira Alvim) execução judicial. Depois, responsabilizou a direção do Tribunal pela escuta ambiental que disse ter descoberto em seu gabinete e pelos grampos nos seus telefones e de seus familiares. Apresentava nas mãos um disquete com o que seria a prova dos grampos que, segundo disse, não os atingiram “porque sou pessoa honesta, não respondo a processo”. O presidente Gueiros prometeu investigar.

As acusações mais pesadas, porém, foram contra Castro Aguiar. Segundo Carreira Alvim, em 2001, em comum acordo com o então diretor da Faculdade de Direito da UFRJ, Armênio Albino da Cruz Filho, Castro Aguiar teria conseguido um edital para permitir que seu filho, Ricardo Aguiar, engenheiro formado pela UFRJ, ingressasse na faculdade de Direito sem vestibular. Estas denúncias, segundo Carreira Alvim, lhes teriam sido passadas por alunos da faculdade, há algum tempo, mas ele as manteve em segredo até agora.

Castro Aguiar usou as acusações de Carreira Alvim como prova do que dissera antes. Voltou a falar da visita recebida, mas permaneceu sem identificá-la. Partiu da visita a ameaça de, caso se candidatasse, ser processado por causa de irregularidades no ingresso do filho na faculdade. “Ou me candidatava ou vestia a carapuça”, concluiu.

A matrícula do filho na faculdade de Direito, segundo explicou, se deu por meio de edital publicado pela Reitoria — e não pelo diretor da faculdade —, abrindo vagas para formandos de outras faculdades da UFRJ. Ricardo já tinha concluído o curso de engenharia e candidatou-se às vagas abertas para Direito, com outros candidatos na mesma situação. “Meu filho passou porque tinha condições de passar.” Ao concluir sua fala, prometeu buscar indenização por danos morais.

A identidade da misteriosa visita não chegou a ser revelada. No Tribunal muitos falam que se trata da advogada Terezinha, mulher de Carreira Alvim, ex-servidora da casa, afastada após a resolução do Conselho Nacional de Justiça sobre nepotismo. Carreira Alvim já admitiu que sua esposa esteve no gabinete de Castro Aguiar, indagando sobre sua possível candidatura. Mas nega ter havido qualquer espécie de ameaça.

Castro Aguiar, ao ver Carreira Alvim afastar-se do plenário após sua derrota, chegou a questioná-lo por “brigar só pelo seu nome, abandonando os outros que compõem o grupo”. Este “grupo” seria formado pelos que se candidataram aos outros cargos e seus respectivos eleitores. O que ninguém consegue prever é como e quando as feridas abertas nesta sucessão irão cicatrizar.

Recursos Futuros

Processualista reconhecido, com dezenas de livros publicados, Carreira Alvim provocou atritos com seus colegas por conceder liminares em Ações Cautelares interpostas contra decisões que nem sequer tinham sido ainda tomadas. Ou seja, eram liminares em recursos futuros, que só poderiam ser interpostos depois da publicação dos acórdãos, ainda não votados. Elas acabaram sendo vistas pelos seus pares como uma forma monocrática de a vice-presidência rever decisões a serem tomadas pelas turmas ou pelo pleno.

Um caso muito falado envolveu a apreensão de máquinas caça-níqueis. Em junho do ano passado, ele determinou a liberação de 900 destas máquinas recolhidas de casas de bingos da cidade de Niterói. Um pedido de liminar em Mandado de Segurança já tinha sido negado pelo relator do caso, desembargador Sérgio Feltrin. A decisão do vice-presidente deu-se antes do julgamento do Agravo interposto pela defesa dos bingos contra a recusa da liminar.

Carreia Alvim baseou-se no entendimento de que a “jurisprudência orienta-se no sentido de ser possível o empréstimo de efeito suspensivo a recurso, ainda não interposto na origem, quando presentes o perigo de lesão irreversível e a aparência de bom direito”.

A devolução da máquina, que deveria ter ocorrido em um sábado, foi suspensa por desembargadores de plantão, diante de alegadas dificuldades burocráticas sustentadas pela Polícia Federal. Isto provocou um novo despacho do vice-presidente, no qual ele não escondeu sua contrariedade: “O órgão hierarquicamente competente para reexaminar as decisões do Vice-Presidente do Tribunal de origem na Medida Cautelar é, unicamente, o Superior Tribunal de Justiça, o tribunal de destino (…) pelo que as decisões proferidas pelos ilustres desembargadores Benedito Gonçalves e Messod Azulay Neto, desta Corte, em regime de plantão, não tem sustentáculo legal”.

A decisão de Carreira Alvim acabou suspensa por outra decisão do presidente do TRF-2, Frederico Gueiros, na qual ele ironizou as atitudes do colega lembrando suas reconhecidas qualidades de processualista: “a decisão alvejada através do presente mandado de segurança foi proferida por emérito professor de direito processual civil que, talvez, pelo acúmulo de serviço na Vice-Presidência e o natural açodamento que é exigido dos magistrados em questões urgentes, olvidou-se de perquirir acerca do interesse no manejo da medida cautelar para emprestar efeito suspensivo a recurso contra decisão inexistente”.

A 1ª Turma negou o Mandado de Segurança, acompanhando o voto do relator, desembargador Feltrin, em que ele também não perdeu a oportunidade de criticar o colega justamente por rever decisão dos seus pares. “Assumiu, mediante tais atos, o Senhor Vice-Presidente, com afirmativas do tipo que ‘Portaria é coisa de Porteiro’ (N.R. referência a uma Portaria da Receita Federal considerando as máquinas caça-níqueis contrabando), a condição de mandatário-mor, ordenador único, competência exclusiva deste relator, valendo lembrar que está a falar de um agravo interno ainda não julgado pela 1ª turma especializada, estabelecendo a seu talante modos e meios de atendimento a um estranho pedido cautelar, que visa proteger um futuro recurso que o e. vice-presidente tem absoluta certeza de que um dia virá a ser interposto, em defesa de que interesses e bens não se consegue ficar sabendo com a necessária, a indispensável segurança, tal a confusão buscada instaurar.”

Negada a segurança pela Turma, os advogados dos bingos recorreram ao STJ, onde o ministro Paulo Medina liberou liminarmente as máquinas. A disputa processual prosseguiu através do Procurador-Geral da República, Antônio Fernando Souza, que recorreu à presidente do Supremo, ministra Ellen Gracie, com um pedido de Suspensão de Liminar.

Ao atendê-lo, ela entendeu que “se encontram demonstradas graves lesões à ordem e à segurança públicas, pois a liberação das máquinas eletrônicas apreendidas, a serem utilizadas na exploração de jogo de azar e loterias, é, num juízo prefacial e estritamente necessário para a apreciação do pedido de suspensão, medida que se incompatibiliza com a natureza contravencional dessa atividade”. As máquinas, porém, já tinham sido devolvidas e nem todas foram reencontradas.

O mesmo expediente de concessão de liminares em recurso futuros beneficiou empresas como a Refrigerantes do Rio de Janeiro (fábrica da Coca Cola), a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), uma adega de vinhos, um importador de alho e a fábrica de cigarros American Virgínia, fechada pela Receita Federal por ser considerada contumaz sonegadora. Em todos estes casos, a Procuradoria da Fazenda Nacional recorreu ao pleno do TRF-2 através de Mandados de Segurança, conseguindo anular tais decisões.

Mas, a liminar para a fábrica de cigarros foi mantida pelo ministro Teori Albino Zavascki, do STJ, com o entendimento de que a decisão de vice-presidente em recurso para tribunal superior só poderia ser revista por aquele tribunal. Carreira Alvim apega-se a esta decisão para demonstrar que suas liminares têm respaldo no STJ. Mudando agora a vice-presidência, certamente as liminares com efeito suspensivo em “recurso contra decisão inexistente”, deixarão de existir no TRF da 2ª Região.

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