Caso Banco Santos

Edemar Cid Ferreira nega crimes e ataca BC em entrevista

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9 de abril de 2007, 16h26

Um ano e meio depois da falência do Banco Santos, Edemar Cid Ferreira se defende em entrevista dada ao jornalista Guilherme de Barros, do jornal Folha de S. Paulo. O ex-banqueiro é acusado de lavagem de dinheiro, desvio de recursos, evasão de divisas, ocultação de obras de arte, entre outros crimes. Ele contesta a proposta de acordo feita aos devedores do banco pelo administrador da massa falida da instituição, Vânio Aguiar, e ataca o Banco Central.

A proposta consiste em um desconto de até 75% nos créditos tomados no Banco Santos em reciprocidade na compra de debêntures para aqueles que quitarem a dívida à vista. “Essa proposta é uma maluquice e extremamente danosa aos credores do banco”, diz Edemar. Trabalhando numa ala improvisada de sua faraônica casa no Morumbi, onde recebeu a reportagem da Folha, Edemar não perde a esperança de sair ileso do processo.

Ele acusa, na entrevista, o Banco Central de ter agido deliberadamente contra ele e nega ter praticado qualquer desvio no banco para a construção da casa ou para a compra de obras de arte, hoje espalhadas por diversos museus na cidade. “O Banco Central errou e espero que um dia esse erro seja reparado”, diz.

Apesar do que passou e das denúncias contra ele, Edemar não demonstra sinais de abalo, tampouco perdeu o estilo formal e a mania de grandeza de quando presidia o Banco Santos e era conhecido como “mecenas das artes” do país.

Seu escritório improvisado, onde trabalham ele e a secretária, ocupa o mesmo espaço de um apartamento de alto luxo num bairro nobre de São Paulo. Na sua sala, tem à disposição três mesas independentes, três computadores para cada um dos clientes que assessora, uma TV de plasma pregada na parede e uma pequena bandeirinha do Santos, time do coração, escondida entre uma montanha de papéis, além de um banheiro de mármore.

Edemar espera viver pelo menos mais uns 30 anos para, de novo, poder curtir a vida. Tem até uma explicação para o momento que está vivendo. “Estou pagando o preço da demasia.” Seus planos imediatos incluem uma ONG para a re-socialização de presos, a partir da sua experiência na prisão, e um site para dar sua versão dos fatos.

Veja a entrevista

Folha — Por que o senhor decidiu falar?

Edemar Cid Ferreira — O momento agora é crucial. Está acontecendo uma barbaridade. Enquanto ele [o administrador da massa falida, Vânio Aguiar] estava me punindo, me xingando, dizendo que deixei um furo no banco, eu estava deixando. Era uma estratégia da defesa me manifestar apenas nos autos do processo e deixar eles errarem, principalmente o Banco Central. Mas o que está ocorrendo agora não depende da Justiça, e sim dos credores do Banco Santos. Os credores correm o risco de receber só 25% do que têm a receber se não contestarem a proposta de acordo apresentada pelo administrador da massa falida do banco e aprovada pelo representante dos credores, Jorge Queiroz. Esse acordo é danoso para os credores.

Folha — Mas a proposta foi aprovada pelo representante dos credores e autorizada pela Justiça.

Edemar — O juiz não tinha outra alternativa se não a de autorizar, já que a proposta foi emanada pelo administrador da massa falida do Banco Santos e aprovada pelo representante dos credores, Jorge Queiroz. O juiz agiu corretamente. O que não consigo entender é como o representante dos credores aceitou essa maluquice. Creio que outros credores vão se opor também. Essa proposta não tem pé nem cabeça.

Folha — Por que o senhor considera esse acordo uma “maluquice”?

Edemar — Ele [Vânio Aguiar] propõe esse desconto porque acha difícil receber esse dinheiro das empresas que devem aos bancos. Ocorre que essas empresas entraram na Justiça com o objetivo de pedir uma compensação para não pagarem a parte do empréstimo que foi usada na compra de debêntures e estão perdendo. A Justiça está mandando todos os devedores pagarem ao Banco Santos o que devem e depois cobrarem das empresas que elas tomaram as debêntures. Na opinião dos juízes, esses devedores têm experiência no mercado, não são ingênuos e não foram enganados quando compraram as debêntures. Eles compraram as debêntures porque tinham interesse, achavam que poderiam ganhar mais. Já há mais de 50 ações ganhas pelo banco contra esses devedores, inclusive umas quatro ou cinco no Tribunal de Justiça [segunda instância].

Folha — Mas eles têm pagado essas dívidas?

Edemar — Vão ter que pagar, senão vão à falência. O juiz pode decretar a falência deles se desacatarem a decisão judicial. E vão ter que pagar com juros e correção monetária. O mesmo está acontecendo na Santos Asset Management, cuja gestão e administração foram segregadas do Banco Santos. Os mais de 950 credores da Asset não aceitaram que a gestão e a administração ficassem não mãos do interventor [Vânio Aguiar] e nomearam para essas funções a Mellon Global Investments Brasil e a BES Ativos Financeiros [Besaf]. Os quatro principais fundos da Asset reuniam um patrimônio de R$ 831 milhões. O Banco Central tinha reduzido essa cifra para R$ 19,5 milhões após o reconhecimento das perdas. Hoje já foram recuperados na Justiça R$ 210 milhões, sendo que R$ 102 milhões já foram distribuídos aos cotistas. Estão sendo discutidos na Justiça mais R$ 543 milhões. Assim como o Banco Central disse que a Asset só conseguiria receber R$ 19,5 milhões dos R$ 831 milhões, o mesmo erro está sendo cometido no Banco Santos ao propor esse desconto de 75% aos devedores. Os credores do banco vão receber apenas 25% do que têm a receber, quando poderiam receber até 100%. O meu objetivo é evitar que ocorra esse mal para os credores do banco. Pelo menos estou fazendo esse alerta.

Folha — O banco terá condições de restituir os credores, caso os pagamentos sejam feitos?

Edemar — Quando o Vânio Aguiar apresentou a proposta de desconto da dívida, em 21 de novembro do ano passado, ao Juiz da 2ª Vara de Falências de São Paulo, ele acabou revelando os números do banco, coisa que ele não tinha feito desde a intervenção. O que se conclui, ao analisar os números, é que o Banco Santos tem um saldo a receber de R$ 279 milhões se todos os devedores pagarem o que devem. E esses devedores estão sendo intimados pela Justiça a pagar o que devem.

Folha — Mas os devedores teriam condições para fazer o pagamento?

Edemar — Nessa mesma proposta de renegociação dos ativos de crédito do Banco Santos, o administrador da massa falida cita alguns desses devedores que estão brigando na Justiça para não pagarem suas dívidas. Entre eles, a Caoa, que é o maior revendedor Ford do Brasil e está fazendo um investimento numa fábrica de automóveis de R$ 200 milhões em Goiânia, a AES Eletropaulo, o grupo Veríssimo, a Remaza, que é uma das maiores empresas de construção hospitalar do país, a Metalnave, a Multigran, a Hering, a Via Veneto, a francesa Sodexho, e assim por diante. O problema é que o administrador da massa falida não está cobrando essas dívidas. Ele tem que cobrar, ser mais diligente.

Folha — Mas o banco não tem um rombo de R$ 2,6 bilhões?

Edemar — O banco não tem esse furo anunciado pelo Vânio Aguiar. O banco tem patrimônio líquido positivo, como os números do próprio Vânio mostram isso. A intervenção foi um erro do Banco Central. Desde a sua criação até a intervenção, o Banco Santos foi o banco que mais cresceu no país. Eu tenho um estudo que mostra isso e vou publicá-lo no site que estou fazendo e deve entrar no ar no final do mês. Até três meses antes da intervenção, o banco tinha apresentado uma excepcional performance.

Folha — Por que, então, realizar a intervenção?

Edemar — No final de 2002, o Banco Central baixou uma portaria dizendo que, a partir daquele momento, não iria financiar mais os bancos no carregamento dos títulos públicos. Os bancos teriam que se financiar no próprio mercado. O mercado, no entanto, cobra um “spread” para esses financiamentos, e isso geraria prejuízo ao sistema. Eu procurei então o Banco Central para avisar que o Banco Santos e todos os outros bancos iriam quebrar se fosse mantida essa norma. O Banco Central revogou a decisão, mas antes colocou o Banco Santos em evidência. Ou seja, sob monitoramento do Banco Central.

Folha — O que o BC alegou?

Edemar — Não ficou claro para mim. O que alegaram foi problema estrutural. Até hoje não entendo direito o que aconteceu. Mas, mesmo nesse regime de evidência, o banco continuava crescendo. De uma hora para outra, em 2004, a partir de março, o Banco Central aumenta o número de fiscais dentro do banco. Chegou a ter 30 fiscais. Nesse momento, começam a se espalharem os boatos sobre a saúde do banco e, junto com isso, os saques. Em novembro, o nosso caixa era de pouco mais de R$ 100 milhões. Foi quando pedi ao Banco Central um empréstimo de R$ 700 milhões no redesconto e ofereci como garantia toda a minha carteira de crédito, que correspondia a R$ 3,2 bilhões. Também assinei uma carta me comprometendo a vender o banco. Numa quinta-feira, dia 10 de novembro, o Banco Central nega o pedido de redesconto, e, no dia seguinte, ocorre a intervenção. Naquele momento, o Banco Santos tinha uns R$ 30 milhões em caixa. O banco não estava quebrado. O BC errou.

Folha — O senhor tirou o dinheiro do banco para a construção da sua casa e para comprar obras de arte?

Edemar — Nunca retirei dinheiro do banco para comprar nada. Na verdade, de 1994 a 2004, recebi de dividendos do banco a quantia de US$ 120 milhões, mas nunca usei esse dinheiro. Devolvi ao banco. Poderia ter usado esse dinheiro para a casa, as obras de arte e até para comprar um avião, mas não usei.

Folha — De onde saiu o dinheiro da casa e das obras de arte?

Edemar — Foi dinheiro da minha família, das empresas que temos para isso. Está tudo registrado nos documentos do banco. Se tinha dinheiro líquido, os US$ 120 milhões, por que iria recorrer a malabarismos de lavagem de dinheiro, por que cometeria um crime se não precisava? Seria coisa de maluco.

Folha — O senhor pretende se desfazer da casa?

Edemar — Só tenho esta casa para morar. Não tenho outra. Nunca tive casa de veraneio. Trabalho aqui. Sou eu e minha secretária Alice, que me ajuda desde sempre.

Folha — O senhor se acha perseguido pelo Banco Central?

Edemar — O Banco Central é o culpado. Se há um culpado, é o Banco Central. Agora, por que ele fez isso? Não sei. Tenho minhas desconfianças, mas, como não tenho certeza, não posso falar nada. O Banco Central errou e espero um dia que esse erro seja reparado.

Folha — O que o senhor faz hoje?

Edemar — Assessoro três empresas, inclusive uma financeira. As empresas me pagam em dinheiro, já que não posso ter conta bancária.

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