Tarifa não é taxa

São Paulo Futebol Clube não terá de pagar R$ 100 mil à CET

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8 de abril de 2007, 0h02

A tarifa e a taxa são duas figuras distintas. Enquanto a taxa é obrigatória para os contribuintes, a tarifa é facultativa para os usuários. A tarifa é um preço tabelado pela Administração, a taxa é uma imposição fiscal, é um tributo. Distingue-se, ainda, a tarifa (preço público) da taxa (tributo) porque esta só pode ser instituída, fixada e alterada por lei, ao passo que aquela pode ser estabelecida e modificada por decreto ou outro ato administrativo, desde que a lei autorize a remuneração da utilidade da utilidade ou do serviço por preço.

Com esse entendimento, o Tribunal de Justiça de São Paulo anulou duplicatas emitidas pela Companhia de Engenharia de Tráfego (CET), que reclamava a cobrança de R$ 110 mil do São Paulo Futebol Clube. A estatal apontava que o clube era devedor de serviços prestados por ela no sistema viário por ocasião de jogos de futebol. A CET se amparou na Lei 14.072/05 que, segundo ela, autorizaria a cobrança dos custos operacionais desses serviços.

O advogado do São Paulo Futebol Clube, Kalil Rocha Abdalla argumentou que a lei não estabeleceu qualquer critério como base de cálculo para a cobrança. Apenas fazia menção genérica aos custos e que, por isso, precisaria de outra norma para regulamentar o assunto. O advogado alegou que a lei é inconstitucional e pediu a anulação das duplicatas.

A CET se defendeu argumentando que a cobrança não tem natureza de taxa, mas de tarifa ou preço público. Segundo ela, não se trata de prestação de serviço divisível, já que os serviços que ela faz são destinados à sociedade. Argumentou, ainda que é pessoa jurídica de direito privado e exerce atividade econômica de relevante interesse coletivo. E, por fim, afirmou que essa atividade deve ser prestada por meio de tarifa, razão pela qual não necessita observar os limites constitucionais tributários.

A juíza da 35ª Vara Cível que decidiu sobre o caso entendeu que a cobrança prevista na lei municipal tem caráter obrigatório. Por causa disso, na opinião da juíza, tem natureza de taxa e, por isso, deve observar as normas constitucionais tributárias, em especial os limites ao poder de tributar.

“Não compete ao legislador municipal delegar competência à uma sociedade de economia mista para definição dos critérios formadores do tributo. Assim, irregular a cobrança e o envio do título a protesto”, afirmou a juíza, que declarou a inconstitucional a Lei Municipal 14.072/05 e anulou as duplicatas cobradas pela CET.

Leia a decisão

583.00.2006.176225-0/000000-000 – nº ordem 1092/2006 – Declaratória (em geral) – SÃO PAULO FUTEBOL CLUBE X COMPANHIA DE ENGENHARIA DE TRÁFEGO – Fls. 109/118 – VISTOS. I. SÃO PAULO FUTEBOL CLUBE, qualificado nos autos, propôs a presente AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA OBRIGACIONAL C/C DESCONSTITUTIVA DE DUPLICATA MERCANTIL em face de COMPANHIA DE ENGENHARIA DE TRÁFEGO – CET, qualificada nos autos, alegando, em síntese, que recebeu notificações do 1º, 8º e 10º Tabelionatos de Protesto de Letras e Títulos da Capital de São Paulo, nas quais se exigiu o pagamento de duplicatas mercantis no montante de R$. 110.413,35, sob pena de protesto.

A autora afirmou ser indevida a cobrança dos referidos títulos cambiais, uma vez que não foi firmado qualquer negócio mercantil entre as partes. Salientou que a Lei municipal n. 14.072/2005, que autorizou a ré a cobrar pelos custos operacionais de serviços prestados em eventos relativos à operação do sistema viário, não estabeleceu qualquer critério como base de cálculo para essa cobrança, apenas fez menção genérica aos `custos operacionais`, necessitando, portanto, de lei que regulamentasse a matéria.

Dessa forma, o autor afirmou que a mencionada exigência é completamente ilegal, porquanto o legislador municipal deveria ter observado as regras tributárias constitucionais, em razão da natureza de tributo da referida cobrança. A referida legislação municipal cingiu-se a determinar como base de cálculo apenas os `custos operacionais`, sem a utilização de critérios para a aferição dos mesmos, delegando à ré competência para fixar os preços referentes à prestação de serviços de acompanhamento de eventos.

Dessa forma, o autor alegou que a referida cobrança não deveria prosperar, em virtude da inconstitucionalidade da lei que instituiu a aludida taxa. Pleiteou a declaração de inexistência de relação jurídica obrigacional e a conseqüente nulidade das duplicatas mercantis mencionadas na petição inicial, tornando-se definitiva a liminar concedida na cautelar em apenso. Regularmente citada, a ré apresentou contestação (fls. 47/55), alegando, no mérito, que existe relação jurídica entre as partes, pois esta foi instituída pela Lei n. 14.072/05 e pelo Decreto n. 46.942/06, além de terem ocorrido contatos com a Federação Paulista de Futebol e com o autor, negociação e execução dos serviços de operação do sistema viário, os quais justificaram os custos operacionais correspondentes.


Alegou que os valores relativos à operacionalização do trânsito não são aleatórios, mas sim fixados de acordo com a tabela contida na Portaria SMT-GAB 58/06. Aduziu que a cobrança em questão não tem natureza de taxa, mas, sim, de tarifa ou preço público, pois não se trata de prestação de serviço divisível, já que os serviços realizados pela ré são destinados à coletividade. Ademais, a requerida constitui pessoa jurídica de direito privado que exerce atividade econômica de relevante interesse coletivo, cuja atividade deve ser prestada por meio de tarifa, razão pela qual não necessita observar os limites constitucionais tributários. Réplica a fls. 84/89, na qual o autor refutou os argumentos expendidos pelo réu.

Em apenso, medida cautelar em que foi deferido o pedido de liminar (fls. 93), mediante caução em bens, prestada conforme depósito de fls. 96.

É o relatório. II. Fundamento e DECIDO.

O processo comporta julgamento antecipado da lide, sendo desnecessária dilação probatória, nos termos do art. 330, inciso I, do Código de Processo Civil, pois os elementos constantes nos autos são suficientes para a solução da demanda.

Prospera a pretensão inicial. Importa registrar que a cobrança instituída pela Lei Municipal n. 14.072/2005, quanto aos custos operacionais de serviços prestados em eventos, relativos à operação do sistema viário, possui natureza jurídica de taxa. Sobre a distinção entre preço público e taxa, valho-me das considerações, sempre didáticas, de Hely Lopes Meirelles (Direito Municipal Brasileiro, 1990, p. 151): Preços públicos: a tarifa é o preço público que a Administração fixa, prévia e unilateralmente, por ato do Executivo, para as utilidades e serviços industriais, prestados diretamente por seus órgãos, ou, indiretamente, por seus delegados – concessionários e permissionários – sempre em caráter facultativo para os usuários.

Nisto se distingue a tarifa da taxa, porque, enquanto esta é obrigatória para os contribuintes, aquela (a tarifa) é facultativa para os usuários: a tarifa é um preço tabelado pela Administração; a taxa é uma imposição fiscal, é um tributo. Distingue-se, ainda, a tarifa (preço público) da taxa (tributo) porque esta só pode ser instituída, fixada e alterada por lei, ao passo que aquela pode ser estabelecida e modificada por decreto ou outro ato administrativo, desde que a lei autorize a remuneração da utilidade da utilidade ou do serviço por preço. Vale salientar que o que caracteriza a remuneração de um serviço público como taxa ou como preço público é a compulsoriedade, para a taxa, e a facultatividade, para o preço, conforme já decidiu o Supremo Tribunal Federal.

Com efeito, a taxa, por ser prestação pecuniária compulsória, é exigida por lei, independentemente da vontade do contribuinte; enquanto a tarifa tem caráter voluntário, porquanto decorre de avença entre as partes. Consoante preconiza Hugo de Brito Machado (Curso de Direito Tributário, 24ª ed., Ed. Malheiros, pág. 412): Se a ordem jurídica obriga a utilização de determinado serviço, não permitindo o atendimento da respectiva necessidade por outro meio, então é justo que a remuneração correspondente, cobrado pelo Poder Público, sofra as limitações próprias dos tributos.

O contribuinte estará seguro de que o valor dessa remuneração há de ser fixado por critérios definidos em lei. Terá, em síntese, as garantias estabelecidas na Constituição. Por outro lado, se a ordem jurídica não obriga a utilização do serviço público, posto que não proíbe o atendimento da correspondente necessidade por outro meio, então a cobrança da remuneração correspondente não ficará sujeita às restrições do sistema tributário. Pode ser fixada livremente pelo Poder Público, pois o seu pagamento resulta de simples conveniência do usuário do serviço.

De acordo com o Superior Tribunal de Justiça, não tem amparo jurídico a tese de que a diferença entre taxa e preço público advém da natureza da relação estabelecida entre o consumidor ou usuário e a entidade prestadora ou fornecedora do bem ou do serviço, pelo que, se a entidade que presta o serviço é de Direito Público, o valor cobrado caracterizar-se-ia como taxa, por ser a relação entre ambos de Direito Público; ao contrário, sendo o prestador de serviço público Pessoa Jurídica de Direito Privado, o valor cobrado é tarifa ou preço público. Prevalece no ordenamento jurídico as conclusões do X Simpósio Nacional de Direito Tributário, no sentido de que a natureza jurídica da remuneração decorre da essência da atividade realizadora, não sendo afetada pela existência da concessão. O concessionário recebe remuneração da mesma natureza daquela remuneração que o Poder Concedente receberia se prestasse diretamente o serviço.

` Verifica-se no caso vertente que a cobrança prevista na aludida legislação municipal tem caráter compulsório, razão pela qual é forçoso conferir a natureza de taxa a esta remuneração. Por conseqüência, referida cobrança deveria observar as normas constitucionais tributárias, em especial os limites ao poder de tributar. Tais limitações estão consagradas, de maneira precípua, nos princípios constitucionais tributários, dos quais se destaca o da estrita legalidade.


Cabe consignar que o mencionado princípio, também chamado de tipicidade fechada, estabelece que o tributo deve ser instituído por lei, a qual deve conter todos os elementos da norma jurídica tributária (hipótese de incidência, sujeitos ativo e passivo, base de cálculo e alíquota), não se discutindo, de forma alguma, a delegação, ao Poder Executivo, da faculdade de defini-los, ainda que em parte.

Frise-se que é da exclusividade da lei, não só a determinação da hipótese de incidência do tributo, como, também, de seus elementos quantitativos, quais sejam, base de cálculo e alíquota. Ocorre que, no caso em tela, o legislador ordinário municipal delegou à ré a competência tributária para fixar a base de cálculo, o que é inadmissível. Ressalte-se que o Executivo não pode apontar, nem mesmo por delegação legislativa, nenhum aspecto essencial da norma jurídica tributária, sob pena de flagrante inconstitucionalidade.

Não discrepa dessa linha Paulo de Barros Carvalho: Assinale-se que à lei instituidora do gravame é vedado deferir atribuições legais a normas de inferior hierarquia, devendo, ela mesma, desenhar a plenitude da regra matriz da exação, motivo que é inconstitucional certa prática, cediça no ordenamento brasileiro, e consistente na delegação de poderes para que órgãos administrativos completem o perfil dos tributos.

É o que acontece com diplomas normativos que autorizam certos órgãos da Administração Pública federal a expedirem normas que dão acabamento à figura tributária concebida pelo legislador ordinário. Mesmo nos casos em que a Constituição dá ao Executivo federal a prerrogativa de manipular o sistema de alíquotas, como no Imposto Sobre Produtos Industrializados (IPI), tudo se faz dentro de limites que a lei especifica` Irrefutável, deste modo, o entendimento acerca da invalidade de delegação de poderes à Administração para que venha a dispor sobre qualquer dos elementos da regra-matriz tributária, tarefa esta circunscrita à lei instituidora do gravame.

Houve, na presente hipótese, ofensa ao princípio da estrita legalidade, uma vez que a lei municipal já mencionada não aponta a base de cálculo da cobrança em questão, delegando à ré, consoante dispõe o art. 3º da referida legislação, a incumbência de fixar os preços correspondentes à prestação de serviços de acompanhamento de eventos. Não compete ao legislador municipal delegar competência à uma sociedade de economia mista para definição dos critérios formadores do tributo.

Assim, irregular a cobrança e o envio do título a protesto. Cumpre salientar, ainda, diante do reconhecimento da inconstitucionalidade da lei municipal nº. 14.072/2005, no que diz respeito à exação, não há que se falar em relação jurídica entre o autor e a ré. Em conseqüência, é de rigor a declaração de inexistência da relação jurídica, e conseqüente declaração de nulidade das duplicatas, além da sustação definitiva do protesto. Cumpre salientar, por derradeiro, que ainda que a cobrança em questão não tivesse natureza de taxa, mas de preço público, a lei que instituiu a mencionada remuneração não estabeleceu parâmetros objetivos para a fixação dos valores exigidos do autor. III.

Diante do exposto e do mais que dos autos consta, JULGO PROCEDENTE a ação principal e a ação cautelar, nos termos do art. 269, inciso I, do Código de Processo Civil, declarando, incidentalmente, a inconstitucionalidade da Lei Municipal n. 14.072/2005, pois em confronto com o art. 150, inciso I, da Constituição Federal, e em conseqüência, declaro a inexistência de relação jurídica obrigacional e a nulidade das duplicatas mercantis mencionadas na inicial, no montante de R$.110.413,35, tornando definitiva a liminar concedida. Oficie-se ao 1º, 8º e 10º Tabelionatos de Protesto de Letras e Títulos da Capital, comunicando o julgamento.

Após o trânsito em julgado, defiro o levantamento pelo autor do valor da caução (fls. 96 do apenso).

Pela sucumbência, a ré arcará com as custas, despesas processuais e honorários advocatícios, que fixo em 20% sobre o valor atribuído às causas, com fundamento no art. 20, parágrafo 4º, do Código de Processo Civil. P.R.I.C. São Paulo, 20 de março de 2007. VALOR DE PREPARO R$ 2.266,98 – ADV KALIL ROCHA ABDALLA OAB/SP 17637 – ADV JOSE EDGARD GALVAO MACHADO OAB/SP 142974 – ADV LEONETE ANGELA CARDOSO MARTINELLI OAB/SP 19365 – ADV MARIANA TERRA CASTELLOTTI OAB/SP 234894

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