Brasileiro por lei

Justiça brasileira dá nacionalidade a argentino incapaz

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6 de abril de 2007, 0h00

A Justiça pode decidir pela nacionalidade de pessoa incapaz se os seus responsáveis assim quiserem. Foi o que decidiu o juiz Ivorí Luis da Silva Scheffer, da 1ª Vara Federal de Florianópolis, que reconheceu o direito de Andres Matias Pereira de optar pela nacionalidade brasileira.

Filho de mãe brasileira, Pereira nasceu na Argentina. Com 19 anos, mora no Brasil desde os primeiros anos de vida. O juiz entendeu que, embora o direito de opção só possa ser exercido por pessoas plenamente capazes, se o pedido fosse negado, o jovem continuaria sendo considerado argentino e não teria acesso aos benefícios concedidos aos brasileiros.

Na sentença, o juiz observou que os demais requisitos legais para a concessão foram cumpridos. O jovem provou que é filho de brasileiro e que mora no país, mas não tem capacidade plena em função da interdição. Scheffer ponderou, no entanto, que o jovem não pode receber tratamento inferior ao de outras pessoas em situação semelhante.

“Fosse um menor de idade o requerente, a opção poderia ser declarada em seu favor sob condição de ser confirmada aos 18 anos”, explicou o juiz. “No caso dos autos, essa condição terá que ser a assunção de plena capacidade do requerente, o que, nesta hipótese, poderá requerer a alteração do que aqui conferido”, concluiu Scheffer. Tanto o jovem quanto a mãe foram ouvidos em audiência. O Ministério Público Federal também deu parecer favorável ao jovem.

Leia a decisão

Opção de Nacionalidade 2007.72.00.001226-0/SC

Requente: Andres Matias Pereira

Advogado: Epitácio Bittencourt Sobrinho

SENTENÇA

Cuida-se de opção de nacionalidade proposta por ANDRÉS MATIAS PEREIRA, nascido em San Isidro, Argentina, em 15 de setembro de 1987, filho de mãe brasileira, requer opção pela nacionalidade brasileira e o registro civil de seu nascimento, nos termos do art. 12, I, da Constituição.

Inicial instruída com documentos.

Em audiência, tendo em vista a constatação de que o requerente está sob curatela, foi tomado o depoimento pessoal da sua representante, haja, bem como, tomado o depoimento do requerente.

O Ministério Público Federal manifestou-se em audiência pelo deferimento do pedido.

É o sucinto relatório. Passo a decidir.

Trata-se de opção de nacionalidade e pedido de registro civil formulado por brasileiro nascido no exterior.

Para o exercício da opção já não há prazo, há apenas requisitos, quais sejam: a) capacidade absoluta: maioridade, pois é ato que diz respeito com o estado da pessoa; b) residência no Brasil; c) condição de filho de pai ou mãe brasileira.

Segundo Pontes de Miranda os efeitos da opção de nacionalidade são ex tunc pois o indivíduo já possui a nacionalidade e, com a opção, apenas a torna definitiva. Essa não parece ser a melhor interpretação. O que a Constituição garante é a obtenção do estado de brasileiro nato ao que optar, mas a opção é condição para a obtenção daquele estado. Tanto é assim que se não houver opção o filho de brasileiro não é considerado nacional do Brasil.

Assim, a opção tem efeito constitutivo e, portanto, ex nunc, salvo se já houver registro provisório. Nesse caso os efeitos da opção reportar-se-ão àquela data, obtendo, portanto, efeitos ex tunc.

A representante do requerente confirmou em audiência que está residindo no Brasil há 20 anos, em Imaruí/SC. A nacionalidade brasileira de sua mãe está comprovada pela cópia autenticada da carteira de identidade (fl. 11) e da certidão de casamento (fl.12). Às fls. 25 há cópia do comprovante de residência.

Todavia, o caso em apreço demanda uma análise singular haja vista que o menor encontra-se sob curatela provisória, ou seja, não se encontra na plenitude de sua capacidade civil, a despeito de já haver atingido a maioridade, o que, conforme exposto, é um dos requisitos para a opção de nacionalidade.

No julgamento do Recurso Extraordinário n. 418.096-1/RS, o Relator Min. Carlos Velloso proferiu seu voto no sentido de que a opção, por possuir caráter personalíssimo, exige a capacidade plena do requerente para manifestar a sua vontade. Naqueles autos, discutia-se a acerca da possibilidade de menor requerer a nacionalidade brasileira.

Muito embora, a ressalva feita no sentido de que a opção de nacionalidade demanda a capacidade plena do requerente, o acórdão foi elucidativo ao esclarecer que: "… vindo o nascido no estrangeiro, de pai brasileiro ou de mãe brasileira, a residir no Brasil, ainda menor, passa a ser considerado brasileiro nato, sujeita essa nacionalidade à manifestação da vontade do interessado, vale dizer, à opção pela nacionalidade brasileira, depois de atingida a maioridade. Atingida a maioridade, enquanto não manifestada a opção, esta passa a constituir-se em condição suspensiva da nacionalidade brasileira".

Para ilustrar a explicação, colacionou-se, no acórdão citado, o posicionamento de Nelson Jobim sobre o tema que também transcrevo a seguir:

A opção pode agora ser feita a qualquer tempo. Tal como nos regimes anteriores, até a maioridade, são brasileiros esses indivíduos. Entretanto, como a norma não estabelece mais prazo, podendo a opção ser efetuada a qualquer tempo, alcançada a maioridade essas pessoas passam a ser brasileiras sob condição suspensiva, isto é, depois de alcançada a maioridade, até que optem pela nacionalidade brasileira, sua condição de brasileiro nato fica suspensa. Nesse período o Brasil os reconhece como nacionais, mas a manifestação volitiva do Estado torna-se inoperante até a realização do acontecimento previsto, a opção. É lícito considerá-los nacionais no espaço de tempo entre a maioridade e a opção, mas não podem invocar tal atributo porque pendente da verificação da condição.’ Certo a opção é condição potestativa, porque, em termos substanciais, depende unicamente da vontade do optante que reúna os pressupostos constitucionais de sua validade e eficácia, é dizer, a filiação de brasileiro ou brasileira, a residência no País e a maioridade. Não é, porém, de forma livre: há de fazer-se em juízo, em processo de jurisdição voluntária, que finda com a sentença que homologa a opção e lhe determina a transcrição, uma vez acertados os requisitos objetivos e subjetivos dela.

No entanto, o caso do requerente é diferente, mas não pode receber proteção inferior à concedida aos menores de idade. O fato é que o requerente preenche todos os requisitos necessários à opção, salvo, como os menores, a plena capacidade. Contrariamente, contudo, os menores adquirem a plena capacidade aos dezoito anos, enquanto o requerente, posto que maior de idade, está interditado civilmente.

Fosse um menor de idade o requerente, a opção poderia ser declarada em seu favor sob condição resolutiva de ser confirmada aos 18 anos. No caso dos autos, essa condição terá que ser a assunção de plena capacidade mental do requerente, o qual, nesta hipótese, poderá requerer a alteração do que aqui conferido.

Destarte, tendo o requerente, por meio de sua curadora, comprovado os demais requisitos para válida e livremente optar pela nacionalidade brasileira, acompanhando a manifestação do Ministério Público Federal, tenho por conceder o pedido, para que o requerente usufrua de todos os direitos e deveres dos brasileiros natos.

Quanto à obrigatoriedade de duplo grau de jurisdição em processos deste jaez a questão está superada. A Lei n. 818/49 determinava que a sentença que deferia o registro somente produziria efeitos após apreciada pelo tribunal ad quem (art. 4º, § 3º). A Lei n. 6.825/80 limitou a remessa de ofício aos casos em que fosse discutida matéria constitucional (art. 1º, § 3º). Tal lei, contudo, foi inteiramente revogada pela Lei n. 8.197/91. Como não há repristinação, os processos de opção de nacionalidade sujeitam-se ao duplo grau apenas por força do recurso voluntário, quando houver. Nessa linha já tem decidido o Colendo Tribunal Regional Federal da Quarta Região como se vê da seguinte ementa:

"OPÇÃO DE NACIONALIDADE. REMESSA OFICIAL. INCABIMENTO.1. A LEI:6825/80 DERROGOU A LEI:818/49, NO QUE TANGE COM AS HIPÓTESES DE REEXAME NECESSÁRIO DAS SENTENÇAS QUE DEFEREM O PEDIDO DE OPÇÃO DE NACIONALIDADE; 2. O FATO DE AQUELA TER SIDO REVOGADA NÃO REVIGORA ESTA, PORQUE, EM NOSSO ORDENAMENTO JURÍDICO, NÃO SE ADMITE O EFEITO REPRISTINATÓRIO; 3. REMESSA OFICIAL DE QUE NÃO SE CONHECE." (REO 92.04.08944-0-RS, TURMA:01, Relator JUIZ PAIM FALCÃO, DJ 16-09-92, p. 28545). "CONSTITUCIONAL. OPÇÃO DE NACIONALIDADE. REEXAME NECESSÁRIO. DESCABIMENTO. 1. Não há reexame necessário nas causas referentes à nacionalidade e à naturalização. 2. Remessa oficial não conhecida." (REMESSA EX OFFICIO 97.04.44952-6/RS, Juíza Relatora LUIZA DIAS CASSALES, unânime, 3ª Turma, TR4, DJ 03.12.97, p. 105068).

DISPOSITIVO

Face ao exposto, DEFIRO o requerido para, após o trânsito em julgado, determinar a expedição de mandado ao Cartório de Registro Civil, Títulos, Documentos e Pessoas Jurídicas de Imaruí (fls. 18/19) para que, no Livro E, proceda ao registro do termo de nascimento de ANDRÉS MATIAS PEREIRA a fim de que possa usufruir com plenitude os direitos e deveres civis e políticos que a sua qualidade de cidadão brasileiro lhe confere.

P. R. Intimem-se.

Florianópolis, 02 de abril de 2007.

IVORÍ LUIS DA SILVA SCHEFFER

Juiz Federal

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