Palavra proibida

Juíza pode ser punida por criticar decisão do TJ paulista

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5 de abril de 2007, 9h16

O Tribunal de Justiça de São Paulo quer abrir processo administrativo disciplinar contra a juíza Maria Cristina Cotrofe Biasi, por conduta ilícita aos deveres do cargo. Em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, em fevereiro do ano passado, ela criticou a decisão do Órgão Especial que absolveu o coronel da reserva Ubiratan Guimarães pelo massacre do Carandiru.

Na entrevista, a juíza afirmou que a absolvição foi política e sem justificativa. “O julgamento dos desembargadores foi esdrúxulo, uma vergonha. Envergonhou o Poder Judiciário. Fiquei perplexa”, afirmou ao jornal. As críticas não agradaram a cúpula do Judiciário paulista.

Nesta quarta-feira (4/4), o Órgão Especial iniciou o julgamento do pedido de abertura de processo disciplinar. Para o corregedor-geral da Justiça e relator do processo, desembargador Gilberto Passos de Freitas, a conduta da juíza feriu a Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman). Ele citou o artigo 36, inciso III, do capítulo que trata dos deveres do magistrado.

A lei diz que é proibido ao juiz “manifestar, por qualquer meio de comunicação, opinião sobre processo pendente de julgamento, seu ou de outrem, ou juízo depreciativo sobre despachos, votos ou sentenças, de órgãos judiciais, ressalvada a crítica nos autos e em obras técnicas ou no exercício do magistrado”.

Para o relator, a posição, apoiada na lei, não configura censura, mas norma de conduta ética que deve ser seguida por aqueles que ocupam o cargo. Segundo ele, ao se manifestar com críticas aos membros do Órgão Especial, em entrevista a um jornal de grande circulação nacional, a juíza afrontou os rígidos deveres do cargo.

“Quando a instituição, por um de seus membros, faz críticas graves e infundadas, está concorrendo para denegrir a imagem do Judiciário”, justificou o relator. Segundo o corregedor-geral da Justiça, a juíza manifestou opinião depreciativa sobre o Judiciário e membros do Órgão Especial.

O advogado da juíza Maria Cristina Cotrofe Biasi, em defesa prévia, sustentou a tese de que sua cliente, quando da entrevista, estava no exercício da garantia constitucional da livre expressão do pensamento. Argumentou que a garantia constitucional se sobrepõe à norma que dispõe sobre a organização da magistratura. Alegou, ainda, que a maioria dos membros do Órgão Especial tinha interesse na matéria em julgamento e que deveria se dar por impedido.

Com esse fundamento, a defesa pediu que a juíza seja declarada inocente e que o Órgão Especial rejeite a instalação do processo disciplinar ou, no caso de não aceitar a tese, transfira a competência de apreciar o processo para o Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

Em seu voto, o relator rejeitou as teses da defesa. Sustentou que o pedido de deslocar o julgamento para o CNJ não merecia ser acolhido, pois, segundo ele, mais da metade dos membros do atual Órgão Especial não participou do julgamento do caso envolvendo o coronel Ubiratan. Sobre o mérito, afirmou que defesa prévia não autoriza o afastamento da conduta ilícita da juíza.

O julgamento foi suspenso com pedido de vista dos desembargadores Renato Nalini e Oscarlino Moeller. Deverá ser retomado na sessão da próxima quarta-feira (11/4).

O caso

A juíza Maria Cristina Cotrofe Biasi foi procurada pelo jornal Folha de S. Paulo porque presidiu, em 2001, o júri que condenou o coronel da reserva Ubiratan Guimarães a 632 anos de prisão pelo massacre do Carandiru.

Ela estava de férias na França e localizada pela reportagem afirmou por e-mail e telefone que os 20 desembargadores que votaram pela inocência do coronel subestimaram a inteligência dos jurados.

“Os jurados responderam, por quatro a três, que o réu agiu com excesso doloso. Não há que falar em contradição ou ‘erro da juíza’ para justificar uma absolvição de cunho político ou para justificar o injustificável”, afirmou ela. “É difícil para um magistrado que tem ideal de justiça constatar o curso das águas de um rio…do rio da justiça”, desabafou.

O trabalho da juíza na condução dos jurados foi questionado pelos desembargadores. O desembargador Walter Guilherme, que abriu divergência do relator, afirmou na época que houve contradição na condução dos quesitos votados pelos jurados.

Para ele, os jurados aceitaram a tese de estrito cumprimento do dever e, mesmo assim, a juíza continuou a votação com o item que avaliava se houve excesso doloso, argumento também aceito pela maioria. Segundo o desembargador, o primeiro item excluía o segundo.

Na entrevista, a juíza disparou contra Walter Guilherme. “Apesar da complexidade do processo, 20 desembargadores inovaram no ordenamento jurídico brasileiro, em apenas cinco horas”, disse. “O desembargador Walter Guilherme disse que o julgamento pelo júri foi político. Julgamento político foi o dele. E por que não anularam o júri e fizeram outro julgamento? Foi o caminho mais curto, sem precisar estudar o processo”, completou a juíza.

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