Constituição ameaçada

Imposição de depósito prévio viola princípios basilares da CF

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4 de abril de 2007, 0h03

Vem sendo noticiada a recente decisão do Plenário do Supremo Tribunal Federal que exime os recorrentes de efetuarem o depósito prévio correspondente a 30% do valor discutido para poderem recorrer administrativamente no INSS, o que representa uma grande vitória dos contribuintes.

O INSS vinha sustentando que o fundamento de validade de tal exigência consistia na interpretação literal do parágrafo 1º, do artigo 126, da Lei 8.213, de 24 de julho de 1991, quando não se pode perder de vista que o direito deve ser interpretado de forma sistêmica, atentando-se não apenas à legislação correlata, aí inserido o Código Tributário Nacional (CTN), como também, e especialmente, à Constituição Federal.

O professor Souto Maior Borges já ensinou que a interpretação literal, além de sua precariedade, não necessita de um técnico do direito para procedê-la, podendo mesmo ser realizada por qualquer leigo. Além disso, leciona com propriedade que “é impossível se estabelecer a inteligência de um dispositivo se ele for considerado isoladamente, isto é, se for abstraído de um contexto sistemático no qual, por necessidade, estava inserto”, fundamentando seu entendimento em Kelsen, para quem “a norma contém apenas uma moldura, dentro da qual cabem diversas interpretações possíveis. Há sempre uma indeterminação conceitual na norma jurídica, uma polissemia, plurivalência de significados. Por isso mesmo, é possível a interpretação feita pelo órgão encarregado pelo sistema jurídico, em que se escolha entre as alternativas possíveis de aplicação da Constituição.” (in artigo: Imposto Sobre Serviços na Constituição – RDT 3, páginas 198/199/201).

Paradoxalmente o CTN tem em seu artigo 151, inciso III, uma norma auto-aplicável, que não necessita de regulamentações e maiores esclarecimentos, dando conta de que “as reclamações e os recursos, nos termos das leis reguladoras do processo administrativo tributário”, suspendem a exigibilidade do crédito tributário, não havendo qualquer condicionamento de depósito prévio para obter o alcance da norma.

Evidente que qualquer lei que venha regular o processo administrativo deve ter no mínimo o mesmo status de lei complementar que possui o CTN, e as demais somente podem tratar da forma e trâmite dos recursos ou outros aspectos meramente formais, não se podendo restringir o direito ao duplo grau de jurisdição na seara administrativa como vem sendo exigido, em observância ao preconizado no artigo 146 da Constituição Federal.

Não obstante entendimentos contrários, a imposição de depósito prévio para somente então possibilitar a análise de recurso afronta também princípios basilares da Constituição Federal assegurados no artigo 5º, inciso LV, quais sejam, devido processo legal, ampla defesa e contraditório, que os assegura inclusive no processo administrativo. Assim, se a Constituição Federal, através de norma oriunda do poder originário, concede os amplos direitos ventilados, não pode norma do poder derivado suprimi-los, seja lá qual for o pretexto.

Observasse o órgão previdenciário a Constituição Federal desde o início evitaria inúmeros mandados de segurança impetrados pelos contribuintes que são obrigados a recorrer ao Judiciário tão somente para fazer valer seu direito de recorrer administrativamente, mostrando quão injusta é a acusação de que os advogados se socorrem dos instrumentos processuais de forma desnecessária. Muito embora a notícia dê conta de que o efeito da decisão que derrubou a necessidade de depósito prévio seja erga omnes, é pagar para ver se o INSS repensará a forma de agir administrativamente.

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