Dinheiro dos cofres

Beneficiados por ato de improbidade são condenados

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3 de abril de 2007, 0h01

Organização sem fins lucrativos e ex-dirigentes de órgão público devem pagar prejuízos causados por irregularidade contratual. O entendimento é da 8ª Vara da Fazenda Pública do Distrito Federal, que condenou, por improbidade administrativa, o Instituto Candango de Solidariedade (ICS) e três ex-dirigentes da Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil (Novacap) a pagar solidariamente cerca de R$ 3,5 milhões aos cofres públicos.

Para o juiz, Donizeti Aparecido da Silva, os administradores da Novacap, ao promoverem a contratação sem prévia licitação, não se comprometeram com o interesse público. Além disso, por quase dois anos, efetuaram o pagamento de um adicional de 9% nas faturas sem respaldo contratual ou legal.

Por ter se beneficiado dos atos de improbidade, o ICS também foi condenado. O contrato de gestão entre o instituto e a Novacap incluía prestação de serviços relativos à proteção e preservação do meio ambiente. O instituto subcontratava a GHF Comercial Internacional Trading para o corte de grama.

Ao considerar os prejuízos a Novacap, o juiz decidiu pela suspensão dos direitos políticos dos ex-administradores por cinco anos. Além disso, eles devem perder as funções públicas que exercem durante a condenação. Já o instituto não poderá, pelo mesmo período, assinar contrato com o poder público. Ele também não poderá receber incentivos fiscais ou de crédito, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário.

A Novacap não poderá assinar qualquer termo aditivo ao contrato questionado e a qualquer contrato de gestão com o instituto, de acordo com a determinação. Cabe recurso.

Leia a determinação:

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS

OITAVA VARA DE FAZENDA PÚBLICA DO DISTRITO FEDERAL

AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA 2005.01.1.042302-9

Autor: MINISTÉRIO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL E

TERRITÓRIOS – MPDFT

Réu: ELMAR LUIZ KOENIGKAN,

CLARINDO CARLOS DA ROCHA,

ALOIZIO PEREIRA DA SILVA,

INSTITUTO CANDANGO DE SOLIDARIEDADE – ICS

AÇÃO CIVIL PÚBLICA 2005.01.1.043998-7

Autor: MINISTÉRIO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL E TERRITÓRIOS – MPDFT

Réu: COMPANHIA URBANIZADORA DA NOVA CAPITAL DO BRASIL – NOVACAP e INSTITUTO CANDANGO DE SOLIDARIEDADE – ICS

AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO AO VALOR DA CAUSA 2005.01.1.063399-3

Impugnante: INSTITUTO CANDANGO DE SOLIDARIEDADE – ICS

Impugnado: MINISTÉRIO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL E TERRITÓRIOS – MPDFT

S E N T E N Ç A

Ação de Improbidade Administrativa

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL E TERRITÓRIOS ingressou com ação de responsabilidade por ato de improbidade administrativa em desfavor dos réus nomeados em epígrafe, versando sobre a responsabilidade destes em vista do contrato de gestão n° 702/02 e respectivos aditamentos, firmados entre o ICS e a NOVACAP, oriundo do processo administrativo n° 112.006.243/2001, cujo objeto é a “prestação de serviços concernentes a proteção e preservação do meio ambiente, inclusive conservação de áreas urbanizadas e ajardinadas e o desenvolvimento tecnológico e institucional, previstos no Programa de Trabalho de Edificações e Urbanização do Distrito Federal (…) nos termos da Proposta ICS-P 046/2-1”, colimando acolhimento dos pedidos para, na forma das disposições contidas no inciso II do art. 12 da Lei 8.429/92, a) condenar os 1º, 2º, 3º e 4º réus, solidariamente, no pagamento dos danos causados ao patrimônio da NOVACAP: i) na quantia de R$ 3.435.793,31 (três milhões quatrocentos e trinta e cinco mil setecentos e noventa e três reais e trinta e um centavos), correspondente ao valor da diferença encontrada entre as notas fiscais que instruem esta inicial e ii) bem assim, no valor da diferença encontrada entre as demais notas fiscais emitidas pela GHF – Comercial Internacional Trading Ltda. contra o ICS e as notas fiscais emitidas por esta contra NOVACAP; à suspensão dos direitos políticos de 5 (cinco) a 8 (oito) anos dos 1º, 2º, e 3º réus; condenar os 1º, 2º, e 3º réus na perda das funções públicas que estiverem ocupando ao tempo da condenação; condenar os 1º, 2º, 3º e 4º réus, solidariamente, no pagamento de multa civil na quantia de 2 (duas) vezes o valor total do dano, referente às referidas no primeiro item; e proibir o 4º réu de contratar com o Poder Público ou receberem incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 5 (cinco) anos.

O demandante aduz substrato fático-jurídico adiante alinhado a estribar provimento judicial vindicado. Assenta que, dentro do objeto amplo, indefinido e totalmente impreciso, por se tratar de contrato de gestão, teve incluído o inusitado serviço de poda de grama e remoção de mato. Contratação esta mereceu dispensa de licitação, fundada no artigo 24, inciso XXIV, da Lei nº 8.666/93, com valor original de R$ 18.000.000,00 (dezoito milhões reais), sobre o qual incidiu vários acréscimos durante os anos de 2003 e 2004, chegando ao total de R$ 89.554.591,00 (oitenta e nove milhões quinhentos e cinqüenta e quatro mil quinhentos e noventa e um reais), num acréscimo de 397%, superiores aos 25% prescritos no artigo 65, §§ 1º e 2º da mesma lei. Acrescenta que o ICS vem percebendo, graciosamente e sem previsão contratual e sem previsão legal, um percentual sobre os serviços prestados pelas empresas particulares, cuja espécie de taxa de administração, tornando a transação altamente lesiva para os cofres públicos. Ressalta, em síntese, que os administradores públicos optaram por pagar mais sem procedimento licitatório, do que pagar menos a partir de uma licitação. Que segundo ilegal sistemática adotada, o ICS é, via contrato de gestão, mero intermediador dos serviços prestados à NOVACAP, o que vem se repetindo com todos os demais órgãos e administração indireta do DF. Assim, a empresa que presta os serviços emite uma nota fiscal contra o ICS, o qual, por sua vez, emite a sua, “casada”, majorada no percentual de 9%, contra a NOVACAP. Aduz que, no Contrato de Gestão n. 702/02, o ICS se comprometeu a prestar à NOVACAP, dentre outros, os serviços de poda de grama e remoção de mato, e que, mesmo tendo aquele se apresentado como única organização social no país capaz de prestar todos os serviços possíveis de ser objeto de um contrato de gestão, nenhum deles pode realizar com recursos próprios, tendo então contratado a empresa GHF – COMERCIAL INTERNACIONAL TRADING LTDA, sendo o primeiro instrumento, de n° 004/2002, firmado para vigência de 18.02.2002 a 31.12.2


002, no valor de R$ 15.057.703,93 (quinze milhões cinqüenta e sete mil setecentos e três reais e noventa e três centavos); o segundo, de n° 22/2003, período de 1º/08/2003 a 31/07/2004, no valor de R$ 21.000.000,00 (vinte e um milhões de reais). Enumera as notas fiscais pela empresa terceirizada e as notas “casadas” emitidas pelo ICS, no período de 93/06/2002 a 27/04/2004, no total de R$ 41.611.277,67 (quarenta e um milhões seiscentos e onze mil duzentos e vinte e se reais e sessenta e sete centavos), e conclui que a NOVACAP sofreu um prejuízo de pelo menos R$ 3.435.793,31 (três milhões quatrocentos e trinta e cinco mil setecentos e noventa e três reais e trinta e um centavos), considerando apenas as notas que teve acesso, o que poderia ter sido obstado pelos 1º, 2º e 3º réus caso agissem com um mínimo de compromisso com a supremacia do interesse público e com a indisponibilidade deste interesse. Alude às disposições contidas no artigo 10, caput, da Lei n. 8.429/92, e assenta que o negócio jurídico entabulado entre a GHF e o ICS para prestação de serviços junto à NOVACAP, mediante expressa autorização dos 1º e 2º réus, respectivamente, Presidente e Diretor Administrativo da empresa pública, e sob a responsabilidade do 3º réu, executor do contrato de gestão, deu causa ao significativo prejuízo econômico ao patrimônio público, em verdadeiro desvio de finalidade. Acrescenta que a contratação do ICS, através do intitulado contrato de gestão, sem prévio procedimento licitatório, viola tanto artigo 37, II, da CF, como artigo 19 da LODF, além de malferir os princípios da legalidade, impessoalidade e da economicidade, tendo o administrador público desprezado a possibilidade da competição e a viabilidade de contratação por preço mais vantajoso. Colaciona doutrina e destaca que qualquer justificativa apresentada para se acrescentar 9% ao valor do serviço efetivamente praticado pela AGHF, caberia aos 1º, 2º e 3º réus para realizar os procedimentos previstos na legislação de regência na contratação deste terceiro, economizando-se exatamente o valor indevidamente cobrado a título de intermediação pelo 4º réu. Com isso, a conduta ilegal causadora da lesão foi opção dos 1º, 2º e 3º réus ao optarem por autorizar a prestação de um serviço mais caro sem licitação, sem observância dos princípios e regras que informam os atos dos agentes públicos e que conferem validade aos atos administrativos, enquanto o 4º réu, beneficiário dos atos de improbidade praticados, deve ser responsabilizado, na forma do disposto no artigo 3º c/ artigo 10, caput, todos da Lei n. 8.429/92. Finaliza ressaltando que a majoração do valor contratado em 397% ocorreu acima do limite legal de 25%, conforme artigo 65, §§ 1º e 2º, da Lei n. 8.666/93.

Inicial instruída com documentos de fls. 18/209.

Réus devidamente notificados para os fins previstos no artigo 17, §7º, da Lei n. 8.429/92.

Manifestação ofertada pelo INSTITUTO CANDANGO DE SOLIDARIEDADE – ICS, acompanhada de documentos, na forma de fls. 215/305. Suscita preliminar de carência de ação, motivada pela ilegitimidade passiva ad causam, ao argumento de que não foi beneficiário de qualquer ato de improbidade, e tanto que entabulou contrato de gestão nos termos e para os efeitos da Lei distrital n° 2.415/99 e Leis federais n° 9.637/98 e 9.648/98, o que seria admitido somente se o instrumento for julgado nulo. E, se superada a defesa processual, assevera que a necessidade de suspensão destes autos em vista da dependência de julgamento da ACP n. 2000.01.1.010247-9, em curso na 3ª VFP, na qual se discute a legalidade ou nulidade do Contrato de Gestão n° 702/2002 – ICS x NOVACAP. E, no mérito, sustenta que os serviços são prestados dentro do processo de terceirização implementado pelas leis antes referidas, cujos pagamentos são devidos, de acordo com os preços pactuados. Diz que não procedem as alegações de irregularidade no tocante à majoração de 9% (nove por cento), pois os serviços foram contratados a preço justo e certo, os quais sofrem desconto por conta dos trabalhos de seleção e escolhas realizadas pela entidade social, sempre preservando o binômio preço/qualidade. E, mesmo que se pudesse considerar taxa de administração os descontos obtidos pelo ICS sobre os preços ajustados com a NOVACAP, não haveria ilegalidade porquanto inexiste vedação na lei. Invoca precedentes jurisprudenciais tendentes ao reconhecimento da legalidade dos contratos de gestão firmados pelo ICS com diversos órgãos e entidades do Distrito Federal, bem como sobre a vigência e validade das leis em referência, pelo egrégio Conselho Especial do TJDFT, objeto da ADIN 2004.00.2.007567-6. Alude as ADIN’s 1.923-DF e 1943-DF, cujo objeto é a Lei n. 9.648/99, que dispensa a licitação para fins de realização de tarefas contempladas em contratos de gestão. Pugna pelo reconhecimento de sua ilegitimidade e, se vencida a preliminar, pela suspensão deste feito; e, no mérito, pela rejeição da ação ou julgados improcedentes todos os pedidos lançados na inicial, em relação ao notificado.


De sua parte, o réu CLARINDO CARLOS DA ROCHA produziu manifestações e documentos integrantes de fls. 306/388. Agita preliminar inerente à sua ilegitimidade passiva, pois a deliberação sobre a efetivação do Contrato de Gestão n. 702/02 foi do Conselho de Administração, além de não ter figurado no instrumento e nem nos aditamentos. No mérito, sustenta a legalidade da contratação direta do ICS, amparada pelo artigo 24, inciso XXIV, da Lei n. 8.666/93, atendidas as exigências de prestação de serviços com as organizações socais e atividades contempladas no contrato de gestão. Que o ICS é sociedade civil sem fins lucrativos, reconhecido com de utilidade pública federal pelo Decreto n. 73.190, de 22.11.73, e estadual pelo de n. 19.752, de 06.11.98, e, em 30.11.98, foi qualificado como organização social pelo Decreto de n. 19.974, condição confirmada pelo artigo 19 da Lei n. 2.415/99. Afirma que a última está sendo desafiada pela ADIN n. 2004.00.2.007567-6, cujo pedido de liminar mereceu indeferimento. Alude à decisão proferida em AGI contra decisão liminar proferida por este juízo, nos autos da ACP n° 2005.01.1.043998-7. Afirma que não houve alteração por meio do Judiciário da legislação do DF que qualifica o ICS como uma organização social, situação consagrada no MSG n. 2003.00.2.011424-6. Sustenta a inexistência de ofensa ao instituto do concurso público e que não houve desenvolvimento de qualquer fundamentação em relação à violação do artigo 37, II, da CF, chegando-se ao entendimento de que, caso houvesse prévio procedimento licitatório, não teria incorrido em ofensa ao preceito em tela. Argumenta sobre a inexistência de ofensa à norma do artigo 65, §§ 1º e 2º da Lei 8.666/93 e que o valor originário previsto na cláusula quinta é estimado, o qual, em razão da natureza contínua do seu objeto, há que se considerar o prazo e não o valor, podendo-se chegar ao limite de 60 (sessenta) meses, na forma do artigo 57, II, do Estatuto das Licitações. Reporta ao artigo 6º, VIII, alíneas “a” e “b”, e destaca que, no regime de empreitada por preço global, a Administração contrata mediante retribuição certa e determinada, diferentemente da empreitada por preço unitário, em que o custo final resulta do que for efetivamente realizado. Cita doutrina e diz que a majoração do valor inicial do contrato não se constitui em ilegalidade, visto que em tais casos não incide a vedação do artigo 65, §§ 1º e 2º da lei 8.666/93. Verbera sobre a legalidade da remuneração contratual do ICS e que o raciocínio desenvolvido pelo autor para concluir que houve lesão aos cofres públicos é tecnicamente inconsistente, pois os custos operacionais que conduzem ao pagamento dos serviços a cargo do ICS iriam acontecer caso a responsabilidade de execução ficasse a cargo da NOVACAP, pois são inerentes à própria atividade comercial e que há uma relação de dependência entre custo da atividade-fim e custo da atividade-meio. Que a remuneração concedida ao ICS encontra base de sustentação legal, empresarial, contável, administrativa e, sobretudo judicial, segundo decisão proferida no AGI 2000.00.2.0060527. Por fim, arremata justificando a ausência de improbidade administrativa, com referências a dispositivos da Lei de Improbidade e a cláusulas do contrato de gestão firmado. Postula acolhimento da preliminar e, em mérito, pela improcedência dos pedidos.

Já em relação aos demandados ALOIZIO PEREIRA DA SILVA e ELMAR LUIZ KOENIGKAN, os mesmos apresentaram justificativas símiles, representadas pelos documentos juntados às fls. 411/433. Ressalta a legalidade do contrato de gestão firmado entre a NOVACAP e ICS, pois não se tratar de dispensa, mas de inexigibilidade de licitação, na forma do previsto no inciso XXIV do artigo 24 da Lei de Licitações, acrescentado pela Lei federal n. 9.648, de 27.05.98. Salienta que o autor repete mesmos argumentos esposados na ACP movida contra a Companhia de Desenvolvimento do Planalto Central – CODEPLAN, objeto dos autos do processo n. 2005.01.1.043470-7/05, em trâmite na 6ª VFP, com transcrição dos mesmos. Colaciona voto exarado pelo ilustre relator Des. Lécio Resende, nos autos do MSG 2003.00.2.009144-8, impetrado pelo ICS contra o Presidente do TCDF. Acrescenta que, ao contrário do expendido na inicial, a NOVACAP promoveu enorme economia aos cofres públicos da empresa, alcançando a cifra de R$ 22.734.94,88 (vinte e dois milhões setecentos e trinta e quatro centavos seiscentos e noventa e quatro reais e oitenta e oito centavos), feita a projeção em apenas um ano de execução. Ainda, que, após versar sobre execução de serviços contínuos, aplicável no caso, o disposto no artigo 57 da Lei de Licitações, razão pela qual os aditamentos faziam-se imprescindíveis. Que, em consulta formulada pelo ICS, a NOVACAP manifestou-se favoravelmente, condicionada à não oneração do contrato firmado e realizado nos moldes contratados. Reconhece que os valores pagos pelo ICS à empresa GHF – COMERCIAL INTERNACIONAL TRADING LTDA são menores que os pagos pela NOVACAP, a uma proporção de 9%, mas não é verdade que a diferença seria o valor do prejuízo causado aos cofres públicos. Que os serviços encomendados de corte de grama e remoção de matos de grandes áreas ajardinadas, passíveis de variação expressiva na alocação de recursos humanos e equipamentos, em função da sazonalidade, ditada pela concentração do período de chuva na região. E ainda, foram mantidos sob responsabilidade direta do ICS os trabalhos de administração, coordenação, treinamento, fiscalização e até mesmo a execução direta dos serviços de poda de grama e capina de ervas daninhas. Tece considerações sobre o trabalho desenvolvido, custos de equipamentos e dificuldades na execução, situação que teria levado à terceirização na manutenção e operação dessas máquinas, no início de maio de 2002, através do ICS. Por derradeiro, destaca que a Lei distrital n. 2.415, de 06.08.99, que qualifica o Instituo Candango de Solidariedade como entidade de interesse social, é objeto da ADIN n. 2004.00.2.007567-6, cujo liminar postulada foi indeferida. Pugna pela rejeição da ação.


E, por último, a COMPANHIA URBANIZADORA DA NOVA CAPITAL DO BRASIL – NOVACAP produziu informações juntadas às fls. 434/441. Informa que deixará de atuar ao lado do autor por entender que inexiste ato de improbidade. Esclarece que o contrato de gestão firmado com o ICS visa à prestação de serviços concernentes à proteção e preservação do meio ambiente, inclusive conservação de áreas urbanizadas e ajardinadas e o desenvolvimento tecnológico e institucional previstos no “Programa de Trabalho de Edificação e Urbanização do Distrito Federal”. Que os mesmos são prestados sem descontinuidade, garantindo o atendimento às necessidades essenciais da população, manutenção e conservação do sistema de drenagem de águas pluviais, manutenção e conservação das vias públicas e na fabricação de peças para manutenção e instalação de mobiliários urbanos como: abrigos de ônibus, meios-fios, manilhas, com apresentação do programa de trabalho e metodologia a ser aplicada, com respectivas previsões de execução. Que o contrato de gestão abrange diversos outros serviços que não os executados pela empresa GHF, os quais são diretamente executados pelo ICS, cujo valor é cobrado de acordo com a quantidade de horas técnicas executadas. Ressalta que não há se falar em ofensa ao artigo 37, XXV, da CF, embora esteja constitucionalmente previsto o procedimento licitatório como regra geral e que, no caso, não é aplicável o artigo 24, XXIV, da Lei das Licitações. Destaca a natureza jurídica do ICS, seus respectivos regramentos, e alude à dispensa de licitação na contratação de organização social, não havendo assim o que questionar, nem mesmo ofensa ao artigo 65, §§ 1º e 2º da Lei 8.666/93, vez que o contrato de gestão prevê a execução de serviços contínuos, devendo ser observado o artigo 57, II, da mesma lei. Que a NOVACAP, consultada, não colocou obstáculo à terceirização de parte dos serviços, desde que realizados nos moldes em que foram contratados. Aduna que o ICS recorreu à AGHF para executar apenas parte dos serviços encomendados, pois o corte e remoção de matos de grandes áreas são passíveis de variação expressiva na alocação de recursos humanos e equipamentos, em função da sazonalidade ditada pela concentração do período de chuvas. Arremata afirmando que o contrato com o ICS permitiu uma economia significativa para os cofres públicos no que diz respeito aos serviços realizados. Pede pela rejeição da ação por ausência de ato de improbidade.

Inicial recebida segundo decisão de fls. 448/461, com determinação para citação dos réus, à exceção da COMPANHIA URBANIZADORA DA NOVA CAPITAL DO BRASIL – NOVACAP, a qual externou desinteresse em atuar ao lado do autor por entender que não há ato de improbidade. Dela interpuseram AGI o réu CLARINDO CARLOS DA ROCHA, na forma de fls. 468/479; o INSTITUTO CANDANGO DE SOLIDARIEDADE – ICS, às fls. 480/496; ELMAR LUIZ KOENIGKAN, às fls. 499/511. Decisão mantida em juízo de retratação, fls. 497 e 514. Negado seguimento ao AGI manejado por ELMAR LUIZ KOENIGKAN, fls. 525/532. Negado provimento aos AGI’s opostos pelo ICS e CLARINDO CARLOS DA ROCHA, fls. 700/710 e 724/732.

Citado com regularidade o réu CLARINDO CARLOS DA ROCHA ofertou contestação integrante de fls. 538/568, via da qual adota mesmos fatos e fundamentos articulados nas informações anteriormente prestadas, às fls. 306/336.

O réu ALOIZIO PEREIRA DA SILVA produziu defesa que se fez acompanhar de documentos, como se vê de fls. 569/608. Sustenta que não cometeu nenhum ato de improbidade administrativa, pois diferentemente do alegado, não há ilegalidade na contratação direta, realizada na forma do artigo 24, inciso XXIV da Lei 8.666/93. Que o ICS é uma organização social conforme atesta o artigo 19 da Lei distrital n° 2.415/99, não tenha esta sido contestada por meio de ADIN, processo n° 2004.00.2.007567-6, cujo pedido de liminar foi indeferido. Ressalta que os serviços em discussão na denúncia enquadram-se no objeto do contrato de gestão n° 702/02, estando este em consonância com o estatuto social do ICS. Assenta que o valor estipulado na Cláusula Quinta é estimado, isto porque os serviços são de natureza contínua, aplicando-se o disposto no artigo 57, II, da Lei de Licitações, não configurando a suposta majoração de 25%. Esclarece que foi consultada pela NOVACAP sobre possibilidade de se buscar no mercado empresa com experiência para execução dos serviços de poda de grama e suposto prejuízo aos cofres públicos do percentual de 9% pagos ao ICS sobre as faturas cobre os custos operacionais inerentes à própria atividade comercial, não se cogitando assim de enriquecimento ilícito por parte do ICS. Argumenta sobre o expresso número de pessoas e equipamentos adquiridos pela NOVACAP empregados no trabalho de poda de grama, situação determinante para a terceirização. Roga pela improcedência do pedido.


Já o réu ELMAR LUIZ KOENIGRKAN, em contestação de fls. 609/632, adota razões expendidas nas informações preliminares para concluir que as mesmas demonstram a inconsistência das alegações do autor. Alude ao recebimento da inicial e que este juízo não teria considerado os relevantes argumentos expendidos e desprezada a farta jurisprudência que ampara a contratação do ICS pela administração, ao mesmo tempo em que colaciona um precedente e ressalta a inexistência de legalidade na dispensa da licitação. Destaca que a cobrança da taxa no percentual de 9% (nove por cento) pelo ICS em nada onera os cofres públicos, porquanto retirada do faturamento da empresa subcontratada, e já foi considera legal pelo egrégio TJFT. Propugna pela improcedência do pedido.

De sua parte INSTITUTO CANDANGO DE SOLIDARIEDADE – ICS igualmente adota fundamentos esposados nas informações anteriores e pede pela improcedência do pedido, segundo fls. 634/647.

Réplica e documentos juntados às fls. 650/697. São reiterados os argumentos da inicial, refutadas as defesas processuais agitadas e retificados dados, segundo os quais as cifras do contrato de gestão n° 702/2002 na verdade atingiram a cifra de R$ 121.654.591,00 (cento e vinte e um milhões seiscentos e cinqüenta e quatro mil quinhentos e noventa e um reais), em razão da falta de inclusão dos 10° e 11° aditamentos. Reporta-se ao entendimento da Justiça do Trabalho e cita entendimento jurisprudencial dominante da Justiça Comum sobre o tema, reiterando, ao final, pela procedência dos pedidos.

Indeferidos os pedidos de dilação probatória de natureza testemunhal formulados pelos réus ELMAR LUIZ KOENIGKN PEREIRA e ALOÍZIO PEREIRA DA SILVA, na forma da decisão de fls. 722, sobre a qual operou a preclusão recursal.

Ação Civil Pública

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL ingressou ainda com ação civil pública contra a COMPANHIA URBANIZADORA DA NOVA CAPITAL DO BRASIL – NOVACAP e INSTITUTO CANDANDO DE SOLIDARIEDADE – ICS, ambas identificadas na inicial, distribuída por dependência ao processo n° 2005.01.1.042302-9, no escopo de obter provimento judicial tendente, em sede de tutela liminar, a impor à NOVACAP a obrigação de não-fazer consistente em se abster de assinar qualquer termo aditivo ao Contrato de Gestão n° 702/2002 e qualquer contrato de gestão com o ICS, até final demanda, e ainda, com relação à primeira, compeli-la deixar de realizar qualquer repasse de verbas para o pagamento de eventual termo aditivo ao referido contrato, ou eventual novo contrato, pactuados antes do dia 02.05.2005; e no mérito, a confirmação dos pedidos de ordem liminar e condenação definitiva da NOVACAP à obrigação negativa de fazer consistente na abstenção de contratar o ICS por meio de contrato de gestão, como assim de não executar (empenhar, liquidar e pagar) termo aditivo ou novo contrato de gestão eventualmente assinado antes do dia 02.05.2005 com o mesmo ICS, sob pena de pagamento de multa diária no valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais).

Inicialmente o autor esclarece que o objeto desta demanda é exclusivamente não permitir que seja prorrogado ou aditado o Contrato de Gestão n° 702/2002 celebrado entre as rés, bem como proibir a celebração de novo contrato de gestão com o mesmo ou semelhante objeto. Que a nulidade do referido contrato de gestão e a responsabilização pessoal dos causadores dos danos causados ao patrimônio estão sendo tratadas em demandas próprias, além de justificar a conexão com a ação de improbidade n° 2005.01.1.042302-9. Ressalta que o DISTRITO FEDEREAL tem celebrado, nos últimos seis anos, por intermédio de seus órgãos e empresas públicas, contratos de gestão fundados na Lei distrital n° 2.415/99, com o ICS, entidade que detém o título de organização social, como meio de burlar a licitação e concurso público, o que vem sendo combatido com ajuizamento de diversas ações civis públicas. Que, em 02.05.2002, a NOVACAP celebrou o Contrato de Gestão n° 702/02 com o ICS, no valor de R$18.000,00 (dezoito milhões), o qual foi objeto de vários aditamentos, sendo que o total até 15.01.2004 somava R$ 89.554.591,00 (oitenta e nove milhões quinhentos e cinqüenta e quatro mil quinhentos e noventa e um centavos), havendo assim majoração de 379% (trezentos e setenta e nove por cento), quando a lei de Licitações proíbe acréscimos superiores a 25% (vinte e cinco por cento). Aduz que a execução do contrato seguiu sistemática curiosa, assas ilegal, pois embora se comprometendo a realizar as “metas e ações” constantes no objeto amplo, indefinido e totalmente impreciso o ICS na verdade buscou empresas prestadoras de serviços no mercado para executar o trabalho, com autorização da NOVACAP, revelando-se mero intermediador. Com isso a prestadora de serviço para a NOVACAP emite nota fiscal contra o ICS, o qual, por sua vez, emite a sua, casada, contra a empresa pública, com majoração do valor real dos serviços em 9%, conta ilegalmente paga. Assevera que, dentre os serviços comprometidos se encontra o de poda de grama e remoção de mato, subcontratados da GHF – COMERCIAL INTERNACIONAL TRADING LTDA, com a qual o ICS celebrou, dentre outros, o contrato n° 004/002, com vigência de 18.02.2002 e 31.12.2002, no valor de R$ 15.057.703,93 (quinze milhões cinqüenta e sete mil setecentos e três centavos e noventa e três centavos) e o contrato n° 022/2003, de 1°.08.2003 a 31.07.2004, no valor de R$21.000.000,00 (vinte e um milhões de reais). Que, durante a execução dos serviços foram emitidas a notas fiscais enumeradas, no montante de R$38.175.484,36 (trinta e oito milhões cento e setenta e cinco mil quatrocentos e oitenta e quatro reais e trinta e seis centavos) e, sucessivamente, o ICS emitiu contra a NOVACAP as notas fiscais casadas no montante de R$ 41.611.277,67 (quarenta e um milhões seiscentos e onze mil duzentos e setenta e sete reais e sessenta e sete centavos), sofrendo a última um prejuízo de pelo menos R$3.435.793,31 (três milhões quatrocentos e trinta e cinco mil setecentos e noventa e três reais e trinta e um centavos). Afirma que, além de negar vigência a uma série de normas de regência e princípios constitucionais, implicou, ainda, no cometimento do crime descrito no artigo 89 da Lei 8.666/93, tendo o contrato de gestão servido de ponte para a contratação de terceira pessoa sem prévio procedimento licitatório, além de beneficiar o ICS com a transferência graciosa de 9% do valor contratado, cuja majoração não tem previsão ou contratual. Alude a decisões contrárias à possibilidade de cobrança de “taxa de administração” ou qualquer outro nome que se dê a cobrança diferenciada entre o valor cobrado do terceiro ao ICS e deste a NOVACAP. Finaliza justificando a presença dos requisitos da tutela liminar.


Inicial instruída com documentos de fls. 17/424.

Pedido de liminar deferido às fls. 411/412, aclarado por meio de embargos interpostos, como se constata às fls. 425/426, para “[…] compelir a COMPANHIA URBANIZADORA DA NOVA CAPITAL DO BRASIL – NOVACAP à obrigação de não-fazer consistente em se abster de assinar qualquer termo aditivo ao Contrato de Gestão n° 702/2003, ou novo contrato de gestão, com o réu INSTITUTO CONDANGO DE SOLIDARIEDADE – ICS, até final demanda; e ainda, que se abstenha de efetuar qualquer repasse de verbas para o pagamento de eventual termo aditivo ao referido contrato, ou eventual contrato novo, pactuado a partir da data da intimação desta decisão […]”.

Houve interposição de AGI contra a decisão por conta do ICS, na forma de fls. 442/467. Manutenção da mesma em juízo de retratação à fl. 469. Deferido efeito suspensivo pleiteado no Agravo, fls. 471/476. Informações prestadas às fls. 477/481. Também a NOVACAP agravou do ato, como se constata de fls. 495/507.

Citada com regularidade, a ré COMPANHIA URBANIZADORA DA NOVA CAPITAL DO BRASIL – NOVACAP produziu defesa e documentos, como se constada de fls. 484/494. Sustenta que não há que se falar em ofensa ao artigo 37, inciso XXV, da CF, pois, no caso, o artigo 24, inciso XXIV, da lei de licitações, dispensa o certame. Ressalta que a Lei n° 2.177, de 30.12.98, foi revogada pela Lei distrital n° 2.415, que dispõe sobre a qualificação de entidades como organizações sociais no âmbito do DF. Que não há nenhuma ilegalidade nos aditamentos do contrato, em ofensa ao artigo 65, §§1° e 2°, da Lei 8.666/93, vem que o contrato de gestão prevê a execução de serviços contínuos, devendo ser observado o disposto no artigo 57, inciso II, da referida lei. Afirma que os diversos aportes financeiros são procedimentos administrativos absolutamente legais, ditados pela disponibilidade orçamentária. Lembra que foi consultada pelo ICS quanto a possibilidade de serem terceirizados serviços de poda de grama e remoção de mato, não colocando obstáculo, ressaltando que a contratação do ICS gerou substancial economia aos cofres públicos. Encerra destacando a ausência dos requisitos da tutela liminar e postula pela revogação da liminar e improcedência do pedido.

Por seu turno, o ICS apresentou defesa integrante de fls. 510/527. Argumenta que os pedidos lançados não podem ser tidos como independentes e juridicamente possíveis, pois que dependentes de eventual declaração de nulidade do Contrato de Gestão n° 702/02 e aditivos. Que, se considerada a premissa que o mesmo foi anulado pelo TCDF (decisões n°s 4117/2003 e 4848/2003) e posteriormente revigorado pelo eg. Conselho Especial do TTJDT (MSG 2003.00.2.009144-8), quando em eventual ação civil pública pode ser declarado legal, fato que impediria a procedência dos pedidos na presente ação. Com isso, o autor não cuidou de utilizar-se dos meios adequados e previstos na Lei n° 7.347/95. Ainda como defesa processual salienta que a dependência da presente ação com a ADI 2004.00.2.007567-6, em trâmite perante o eg. Conselho Especial do TJDFT, ao mesmo tempo em que requer a suspensão do feito e revogação da liminar até a propositura da ação de nulidade noticiada pelo autor. No mérito, afirma que o Aditivo ao Contrato de Gestão 702/02, assinado no dia 29.04.2005, foi publicado no dia DODF de 11.05.2005, fato revelador da total falta de substância do primeiro pedido de ordem liminar. Que, em relação ao segundo pedido, no sentido de não permitir fosse pactuado novo contrato de gestão, também se manifesta sem objeto, porquanto não se pode impedir ou vedar a assinatura de um contrato administrativo que não existe e não se sabe se irá existir. Salienta que, se não há possibilidade de declaração de nulidade do contrato, não se poderá impedir o prosseguimento e vigência do Termo Aditivo firmado no dia 29.04.2005, ou o pagamento dos serviços prestado. Lembra que o autor ingressou com inúmeras ações com o mesmo pedido, direcionadas para todos os contratos de gestão firmados com o ICS e, se acolhidas, o Executivo local e suas entidades estariam impedidas de exercer o ato discricionário de administrar, o que ofenderia a independência e a harmonia inscritas no artigo 2°; da CF. Aduz o autor, em considerações finais, que a contratação encontra previsão na Lei distrital n° 2.425/99 e lei federal n° 9.637/98; que o objeto do contrato de gestão não se mostra desprovido de objeto específico, mas tem que seguir os projetos e serviços contratados; que a dispensa de licitação está amparada pelo artigo 34, XXIV, da Lei n° 8.666/93; que executa o objeto do contrato por meio do mercado fornecedor, dentro da filosofia de reforma do Estado; que a o contrato de gestão trata da prestação de serviços a preço certo e ajustado previamente e alegação de que estaria auferindo 9% de todo o valor faturado na prestação é vazia e sem qualquer prova, cuja percepção e possível e legal em razão da inexistência de lei que a impeça, seja porque são necessários para fazer frente aos custos decorrentes da execução do contrato. Postula pelo reconhecimento da inadequação da via eleita e, alternativamente, pela suspensão do feito até ingresso de ação civil pública de nulidade do contrato administrativo, com revogação da liminar; e, no mérito, pela improcedência dos pedidos.


Autor requer providências e junta documentos às fls. 530/538.

ICS pede reconsideração da decisão, em vista aos pagamentos de serviços prestados e ainda não pagos, juntando-se cópias de vários contratos de locação, fls. 540/721. Decisão mantida à fl. 788.

Em 12.07.2005 o Conselho de Magistratura comunica decisão do Des. José Jerônimo Bezerra de Souza, proferida nos autos do MS n° 2005.00.2.005049-2 interposto pelo MPDFT contra decisão proferida no AGI 2005.00.2.004653-7, pela qual restou suspensa a decisão liminar proferida contra ato deste juízo, fls. 722/743. Informações prestadas às fls. 789/794.

Em 21.08.2005 o mesmo Conselho informa a decisão da lavra do Des. Dácio Vieira nos autos do MS n° 2005.01.1.043998-7, impetrado pelo ICS, suspendendo os efeitos da decisão monocrática, fls. 749/786.

AGI oposto pela NOVACAP julgado prejudicado, objeto dos autos do processo n° 2005.00.2.004352-8, conforme fls. 796/798.

Autor requer aplicação da sanção pecuniária prescrita, em razão da liberação de vários pagamentos pela NOVACAP, fls. 803/807, desta intimada a parte contrária às fls. 808. Informações integram fls. 823/826, as quais restaram acolhidas por este juízo à fl. 848.

MS n° 2005.00.2.7140-6, manejado pelo ICS, é extinto sem apreciação do mérito e revogada a liminar, fls. 810/814.

MS n° 2005.00.2.005049-2 é também extinto, pela perda superveniente do objeto, em razão do julgamento do AGI n° 2005.00.2.004652-7, fls. 816/820.

Réplica às fls. 829/845.

Autor pugna pelo julgamento antecipado da lide, junta novos documentos e ressalta que a edição do Decreto n° 25.937/05 reflete o reconhecimento do DISTRITO FEDERAL no sentido de que os contratos de gestão são onerosos e contrários à lei de licitações, salientando que a NOVACAP se curvou à decisão ao deflagrar processo de licitação pública, fls. 850/889.

Em 04.05.2006, o eg. Conselho Especial comunica decisão proferida nos autos da Suspensão de Segurança oposta pelo DISTRITO FEDERAL e NOVACAP, via da qual foi deferida a suspensão pleiteada para permitir a prorrogação do contrato objeto dos autos até 31.12.2006, fls. 895/918.

A NOVACAP pleiteia pelo julgamento antecipado, fls. 922, enquanto o ICS juntou documentos e requereu dilação de prazo para apresentação de outros, fls. 1925/1943, deferido à fl. 944. Documentos apresentados integram fls. 946/1103 e deles intimadas as partes à fl. 1104.

Autor informa que o edital de licitação promovida pela NOVACAP foi anulado, depois do ajuizamento de ação civil pública.

O eg. STJ, por seu ilustre presidente, comunica deferimento de liminar proferida para o fim de suspender a decisão proferida nos autos da Suspensão de Segurança, restabelecendo a decisão monocrática, fls.1110/1114.

Impugnação ao Valor da Causa – Ação Improbidade

O INSTITUTO CANDANDO DE SOLIDARIEDADE – ICS impugnou o valor atribuído à Ação de Improbidade pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL E TERRITÓRIOS – MPDFT no importe de R$ 100.000,00 (cem mil reais), ao mesmo tempo em que pretende obstar o recebimento, pela impugnante, de valores mensais necessários ao pagamento dos serviços prestados que alcançam o valor total de R$ 89.554.591,00 (oitenta e nove milhões quinhentos e cinqüenta e quatro mil quinhentos e noventa e um reais). Sustenta que o valor da causa deverá ser o do contrato impugnado ou que fundamenta o pedido, considerando que o litígio tem por objeto a existência, modificação ou rescisão do contrato de gestão, na diretriz do artigo 259, V, do CPC. Requer a fixação no montante de R$ 28.400.000,00 (vinte e oito milhões e quatrocentos mil reais) que o autor requer não seja liquidado ou pago ao impugnante.

O autor ofereceu resposta integrante de fls. 10/16. Esclarece que o valor dado à causa com base no único valor real e concretamente configurado na lide, qual seja o do pedido de aplicação da multa diária, não havendo qualquer questionamento acerca do valor pretendido. Lembra que o objeto da ação é exclusivamente não permitir a prorrogação, aditamento ou a realização de novo pacto administrativo, com objeto igual ou semelhante ao Contrato de Gestão n° 702/02. Que, na ação civil pública, o pleito de impugnação ao valor da causa não tem viabilidade processual, pois não há fim prático algum, pois é assenta na jurisprudência que não cabe a condenação do impugnado ao pagamento de honorários advocatícios, salvo comprava a má-fé do autor, segundos arestos colacionados. Conclui informando sobre real interesse por trás da impugnação e da contração do escritório Neves Barbosa Advocacia e Consultoria S/C e da relação de parentesco dos sócios destes com o presidente do ICS, propiciando renda de pequena fortuna superior a R$ 3.000.000,00 (três milhões de reais).

Réplica às fls. 21/34.


São os fatos relevantes. DECIDO.

O relato supra nos autoriza extrair com transparência as questões postas a desate. Inicialmente, no exercício de suas atribuições institucionais, o MINISTÉRIO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL E TERRITÓRIOS ingressou com Ação Civil Pública de Responsabilidade por Ato de Improbidade Administrativa em face dos réus nomeados em epígrafe, versando sobre a responsabilidade destes em vista do Contrato de Gestão n° 702/02 e respectivos aditamentos, firmados entre o ICS e a NOVACAP, oriundo do processo administrativo n° 112.006.243/2001, cujo objeto é a “prestação de serviços concernentes a proteção e preservação do meio ambiente, inclusive conservação de áreas urbanizadas e ajardinadas e o desenvolvimento tecnológico e institucional, previstos no “Programa de Trabalho de Edificações e Urbanização do Distrito Federal” […] nos termos da proposta ICS – P 046/2001 […]”.

Conquanto o autor direcione o enfoque de forma mais abrangente ao combatido Contrato de Gestão n° 702/02, em segundo instante centra com precisão o embate à improbidade administrativa dos agentes públicos à inserção deliberada e sem lastro nas relações jurídicas deflagradas e no arcabouço normativo. Vejamos.

O autor aduz que o objeto do ajuste é amplo, indefinido e totalmente impreciso, por se tratar de contrato de gestão, realizado sem licitação, no qual houve inclusão do inusitado serviço de poda de grama e remoção de mato, cuja contratação mereceu dispensa de licitação, fundada no artigo 24, inciso XXIV, da Lei n. 8.666/93, com valor original de R$ 18.000.000,00 (dezoito milhões reais), sobre o qual incidiu vários acréscimos mediante respectivos aditamentos durante os anos de 2003 e 2004, chegando ao total de R$ 89.554.591,00 (oitenta e nove milhões quinhentos e cinqüenta e quatro mil quinhentos e noventa e um reais), chegando ao patamar de 397%, bem superior aos 25% prescritos no artigo 65, §§ 1º e 2º da mesma lei.

Em segundo momento acrescenta que o ICS vem percebendo, graciosamente, sem previsão contratual e sem previsão legal, um acréscimo de 9% sobre os serviços (poda de grama e remoção de mato) prestados pela empresa terceirizada GHF – COMERCIAL INTERNACIONAL TRADING LTDA, a qual emite uma nota fiscal contra o ICS, o qual, por sua vez, emite a sua, “casada”, majorada no percentual de 9%, contra a NOVACAP, cujas notas fiscais emitidas pela contratada no período de 03/06/2002 a 27/04/2004, totalizando R$ 41.611.277,67 (quarenta e um milhões seiscentos e onze mil duzentos e setenta e sete reais e sessenta e sete centavos), gerando um prejuízo para a NOVACAP na ordem de R$ 3.435.793,31 (três milhões quatrocentos e trinta e cinco mil setecentos e noventa e três reais e trinta e um centavos), o qual poderia ter sido obstado pelos 1º, 2º e 3º réus caso agissem com um mínimo de compromisso com a supremacia do interesse público e com a indisponibilidade deste interesse. Invoca as disposições contidas no artigo 10, caput, da Lei n. 8.429/92, e assenta que o negócio jurídico entabulado entre a GHF e o ICS para prestação de serviços junto à NOVACAP, mediante expressa autorização dos 1º e 2º réus, respectivamente, Presidente e Diretor Administrativo da empresa pública, e sob a responsabilidade do 3º ré, executor do contrato de gestão, deu causa ao prejuízo econômico ao patrimônio público, em verdadeiro desvio de finalidade.

Ressalta, por fim, que a contratação do ICS através do intitulado contrato de gestão, sem prévio procedimento licitatório, viola tanto artigo 37, II, da CF, como artigo 19 da LODF, além de malferir os princípios da legalidade, impessoalidade e da economicidade, tendo o administrador público desprezado a possibilidade da competição e a viabilidade de contratação por preço mais vantajoso.

Desbordam com nitidez três teses angulares: a celebração do Contrato de Gestão n° 0702/02 sem realização de prévio procedimento licitatório; a introdução de acréscimos mediante respectivos aditamentos durante os anos de 2003 e 2004, chegando ao total de R$ 89.554.591,00 (oitenta e nove milhões quinhentos e cinqüenta e quatro mil quinhentos e noventa e um reais), alcançando o patamar de 397%, bem superior aos 25% prescritos no artigo 65, §§ 1º e 2º da mesma lei; e a percepção pelo ICS, graciosamente, sem previsão contratual e sem previsão legal, do acréscimo de 9% sobre os serviços (poda de grama e remoção de mato) prestados pela empresa terceirizada GHF – COMERCIAL INTERNACIONAL TRADING LTDA, gerando um prejuízo para a NOVACAP na ordem de R$ 3.435.793,31 (três milhões quatrocentos e trinta e cinco mil setecentos e noventa e três reais e trinta e um centavos), a no período de 03/06/2002 a 27/04/2004, o qual poderia ter sido obstado pelos 1º, 2º e 3º réus caso agissem com um mínimo compromisso com a supremacia do interesse público e com a indisponibilidade deste interesse, diante expressa autorização dos 1º e 2º réus, respectivamente, Presidente e Diretor Administrativo da empresa pública, e sob a responsabilidade do 3º ré, executor do contrato de gestão.


O provimento judicial delineado na Ação de Improbidade tem por escopo, na forma das disposições contidas no inciso II do art. 12 da Lei 8.429/92, à:

a) condenação dos 1º, 2º, 3º e 4º réus, solidariamente, ao pagamento dos danos causados ao patrimônio da NOVACAP: i) da quantia de R$3.435,793,31 (três milhões quatrocentos e trinta e cinco mil setecentos e noventa e três reais e trinta e um centavos), correspondente ao valor da diferença encontrada entre as notas fiscais que instruem esta inicial e ii) bem assim, no valor da diferença encontrada entre as demais notas fiscais emitidas pela GHF – Comercial Internacional Trading Ltda. contra o ICS e as notas fiscais emitidas por esta contra NOVACAP;

b) suspensão dos direitos políticos de 5 (cinco) a 8 (oito) anos dos 1º, 2º, e 3º réus;

c) condenação dos 1º, 2º, e 3º réus na perda das funções públicas que estiverem ocupando ao tempo da condenação;

d) condenação dos 1º, 2º, 3º e 4º réus, solidariamente, no pagamento de multa civil na quantia de 2 (duas) vezes o valor total do dano, referente à referidas no primeiro item; e

e) proibir o 4º réu de contratar com o Poder Público ou receberem incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 5 (cinco) anos.

Por seu turno, na Ação Civil Pública, o MPDFT adota mesmo substrato fático-jurídico, malgrado diverso o escopo, centrado no vindicado provimento judicial tendente, em sede de tutela liminar, a impor à NOVACAP a obrigação de não-fazer consistente na abstenção de assinar qualquer termo aditivo ao Contrato de Gestão n° 702/2002 e qualquer contrato de gestão com o ICS, até final demanda; e, ainda, compelir referida ré a deixar de realizar qualquer repasse de verbas para o pagamento de eventual termo aditivo ao referido contrato, ou eventual novo contrato, pactuados antes do dia 02.05.2005; e no mérito, a confirmação dos pedidos de ordem liminar e condenação definitiva da NOVACAP à obrigação de não-fazer consistente na abstenção de contratar o ICS por meio de contrato de gestão, como assim de não executar (empenhar, liquidar e pagar) termo aditivo ou novo contrato de gestão eventualmente assinado antes do dia 02.05.2005 com o mesmo ICS, sob pena de pagamento de multa diária no valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais).

Como o demandante fez questão de ressaltar, o objeto da Ação Civil Pública é não permitir que seja prorrogado ou aditado o Contrato de Gestão n° 702/2002, bem como seja proibido que novo contrato de gestão, com o mesmo ou semelhante objeto, seja pactuado. E que a nulidade do referido contrato seria tratada em demanda própria, a exemplo da responsabilização pessoal pelos danos causados.

De relevância observar que, a despeito do deferimento do pedido de liminar para o fim de “[…] compelir a COMPANHIA URBANIZADORA DA NOVA CAPITAL DO BRASIL – NOVACAP à obrigação de não-fazer consistente em se abster de assinar qualquer termo aditivo ao Contrato de Gestão n° 702/2003, ou novo contrato de gestão, com o réu INSTITUTO CONDANGO DE SOLIDARIEDADE – ICS, até final demanda; e ainda, que se abstenha de efetuar qualquer repasse de verbas para o pagamento de eventual termo aditivo ao referido contrato, ou eventual contrato novo, pactuado a partir da data da intimação desta decisão […]”, segundo decisão de fls. 411/412 e 425/426, datada de 09.05.2005, fato é que, de forma adrede ou não, a NOVACAP firmou o Termo de Aditamento Contato de Gestão ASJUR/PRES “F” 702/02, prorrogando o instrumento por mais 1 (um ) ano, de 01.05.2005 a 30.04.2006.

Ainda, importa a decisão deste juízo foi desafiada por vários recursos e até mesmo ação mandamental e suspensão de segurança, na ordem do restou sumariado. Só para relembrar últimos acontecimentos, em 04.05.2006 o eg. Conselho Especial comunicou decisão proferida nos autos da suspensão de segurança oposta pelo DISTRITO FEDERAL e NOVACAP, via da qual foi deferida a suspensão pleiteada para permitir a prorrogação do contrato objeto dos autos até 31.12.2006, fls. 895/918. E, mais recentemente, no findar do ano de 2006, o eg. STJ, por seu ilustre Presidente, comunica deferimento de liminar proferida para o fim de suspender a decisão proferida nos autos da suspensão de segurança, restabelecendo a decisão monocrática, fls.1110/1114.

De qualquer modo, é bom lembrar que, após vários anos de adoção dos combatidos contratos de gestão para gerenciamento de seus serviços em diversas esferas de ação, quer na administração direta ou indireta, findou por reconhecer que a inovação se revelou dissociada dos princípios que norteiam a administração pública e causa de várias irregularidades e acusações de desvios de recursos públicos, rendendo ensejo a inúmeras ações promovidas pelo MPDFT, o que motivou o Poder Executivo local recuar na política posta em prática ao editar o Decreto n° 25.937, de 15.06.2005, cujo teor assim expressa:


DECRETO Nº 25.937, DE 15 DE JUNHO DE 2005

Dispõe sobre a execução indireta das atividades que especifica, no âmbito da Administração Direta, Autárquica e Fundacional do Distrito Federal, e dá outras providências.

O GOVERNADOR DO DISTRITO FEDERAL, no uso das atribuições que lhe confere o artigo 100, incisos IV, X e XXVI, da Lei Orgânica do Distrito Federal, e tendo em vista o disposto nos §§ 7º e 8º do artigo 10, do Decreto-lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967, DECRETA:

Art. 1º As atividades de vigilância, limpeza e conservação, ajardinamento e limpeza de áreas urbanas, segurança, transporte, informática, copeiragem, recepção, reprografia, telecomunicações, manutenção predial, de equipamentos e de instalações e outras assemelhadas, no âmbito da Administração Direta e Indireta do Distrito Federal, excetuando-se as companhias de capital aberto, serão, de preferência, objeto de execução indireta, mantido o poder regulatório e de fiscalização dessas atividades por parte do Poder Público.

Art. 2º A contratação dos serviços de que trata o artigo 1º será feita de forma gradual, atendendo aos ditames do interesse público, da oportunidade e da conveniência administrativa, cabendo à Secretaria de Estado de Gestão Administrativa, mediante entendimentos com os órgãos e entidades envolvidas, adotar providências no sentido da aplicação dos institutos da readaptação, relotação e da cessão de servidores, acaso remanescentes, para aqueles órgãos ou entidades que continuarem executando diretamente tais atividades.

Parágrafo único. Na aplicação do caput, deverá ser levada em conta a possibilidade de os servidores serem treinados para desempenhar a supervisão, o controle e a avaliação das atividades citadas no artigo 1º deste Decreto, observadas as respectivas correlações com o cargo ou emprego ocupado.

Art. 3º Os órgãos e entidades da Administração Direta e Indireta do Distrito Federal, excetuando-se as companhias de capital aberto, relacionados no artigo 1º, que atualmente mantenham contrato de gestão envolvendo os serviços previstos no artigo 1º promoverão, a partir da publicação deste Decreto, as medidas necessárias ao início dos procedimentos de contratação previstos na Lei Federal nº 8.666, de 21 de junho de 1993, e alterações posteriores.

Parágrafo único. Para fins de aplicação do que dispõe o caput deste artigo, cada órgão ou entidade observará as situações excepcionais e emergenciais, de modo a evitar que os serviços e o atendimento à população sofram qualquer solução de continuidade.

Art. 4º Caberá à Corregedoria-Geral do Distrito Federal velar pela fiel observância deste Decreto, devendo a Procuradoria-Geral do Distrito Federal e as Secretarias de Estado de Gestão Administrativa, de Fazenda e de Planejamento, Coordenação e Parcerias do Distrito Federal, no âmbito de suas competências, garantir as condições que se fizerem necessárias ao seu estrito cumprimento.

Art. 5º Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 6º Revogam-se as disposições em contrário.

Na esteira da determinação em tela a NOVACAP deflagrou procedimento de licitação, mediante publicação do Edital de Concorrência n° 015/2006 – ASCAL/PRES, muito embora a contratação tenha sido objeto de impugnação por parte do MPDFT por suspeita de superfaturamento e outras irregularidades, culminando com o cancelamento. Presentemente é desconhecida a moldura fática reinante, mas evidencia o redirecionamento posto em prática na política de contratações de serviços terceirizados, no escopo de guardar conformação com ordem jurídica.

Há que se ter presente, nesse diapasão, que o fim delineado pelo autor de compelir a NOVACAP à obrigação de não-fazer consistente na abstenção de assinar qualquer termo aditivo ao Contrato de Gestão n° 702/2002, ou qualquer outro contrato de gestão com o ICS, encontra ressonância na determinação expressa no Decreto n° 25.937, de 15.06.2005. Só isso basta para escoimar a proteção jurisdicional vindicada. Importa saber, entretanto, se demais fundamentos esposados conduziriam ou não ao mesmo desiderato.

Pois bem. Como anteriormente delineado na decisão concessiva da liminar, aflora de maneira irrefutável o amplo objeto do contrato de gestão firmado entre a NOVACAP e o ICS aos dias 02.05.2002, não obstante contemple em seu bojo como parte integrante o Programa de Trabalho de Edificações e Urbanização do Distrito Federal, nos termos da Proposta ICS-P 046/2001. Estranhamento, pouco mais de um mês depois, precisamente no dia 18.06.02, o ICS solicita autorização da contratante visando à contratação de “empresa que tenha capacidade técnica e operacional para promover a execução dos serviços técnicos especializados de Poda e Remoção de Mato nos níveis de qualidade e operacionalidade exigidos pela Novacap”, na forma da missiva juntada à fl. 75 e resposta favorável da lavra do Diretor Administrativo da NOVACAP, três dias depois, segundo fl. 76.


Ocorre que, estranhamente, bem antes do sucedido, consta que o ICS já tinha contratado a empresa GHF – COMERCIAL INTERNACIONAL TRADING LTDA, cujo instrumento de n° 004/2002 foi firmado no dia 18.02.02, com vigência a partir desta data até 31.12.2002, no valor de R$15.057.703,93 (quinze milhões cinqüenta e sete mil setecentos e três reais e noventa e três centavos), em consonância com documento integrante de fls. 82/86. Em seguida, novo ajuste restou pactuado, o de n° 22/2003, para o período de 1º/08/2003 a 31/07/2004, no valor de R$ 21.000.000,00 (vinte e um milhões) de reais. Esses são os instrumentos que se tem notícia, mas, pelo que é possível deduzir pelo volume de recursos financeiros repassados, outros seguiram a mesma esteira.

A bem da verdade, ao singelo cotejo dos valores constantes do contrato de gestão primitivo e sucessivos aditamentos, chegando-se à cifra de R$ 89,554.591,00 (oitenta e nove milhões quinhentos e cinqüenta e quatro mil quinhentos e noventa e um reais), e aqueles constantes das contratações entabuladas entre o ICS e empresa GHF, no total de R$ 36.057.703,93 (trinta e seis milhões cinqüenta e sete mil setecentos e três reais e noventa e três centavos), o que permite-se extrair ilação segura tendente à existência de alcance de outras atividades desenvolvidas pela NOVACAP, albergadas no combatido contrato de gestão.

De qualquer modo, o autor enumera as notas fiscais emitidas pela contratada GHF no período de 03/06/2002 a 27/04/2004, no total de R$ 41.611.277,67 (quarenta e um milhões seiscentos e onze mil duzentos e setenta e sete mil e sessenta e sete centavos), e conclui que a NOVACAP sofreu um prejuízo de R$ 3.435.793,31 (três milhões quatrocentos e trinta e cinco mil setecentos e noventa e três reais e trinta e um centavos).

Situação que se confirma ao observar que o ICS firmou ainda com a GHF o contrato de prestação de serviços n° 20/2004, no valor de R$ 24.000.000,00 (vinte e quatro milhões), para vigência no período de 26.06.2004 a 26.07.2006, tendo por objeto demolição do concreto de calçadas, meio-fios, retirada, execução de pavimento rígido em concreto usinado e com pedra portuguesa, além da execução também dos meio-fios e bocas de lobo e outros que venham a ser demandados, mediante apresentação de orçamento a ser previamente aprovado.

Vê-se, destarte, que o ICS empreende nova contratação diversa daquela impugnada nestes autos, a evidenciar de maneira inequívoca a utilização do Contrato de Gestão n° 0702/02 como subterfúgio para emprestar aparente legalidade às contratações procedidas pela NOVACAP, sem que sejam submetidas ao prévio procedimento de licitação pública, em consonância com o Estatuto das Licitações e preceitos insculpidos no artigo 175 da Carta Política de 1988.

Bem é verdade que o ajuste impugnado está ancorado no artigo 24, inciso XXIV, c/c com artigo 26, ambos da Lei n° 8.666/93, e na Lei distrital n° 2.415, de 06.07.99, a teor do contido na Cláusula Primeira, fl. 79 da ação civil pública. E esta é a tônica geral das defesas produzidas.

Sem dúvida, a Lei distrital n° 2.415, de 06.07.99, dispõe sobre a qualificação de entidades como organizações sociais no âmbito do Distrito Federal, a qual, estranhamento, no capítulo destinado às disposições finais e transitórias, especificamente no artigo 19, declara o Instituto Candango de Solidariedade – ICS como organização de interesse social e utilidade pública, sem que se tenha atentado para a necessidade de satisfação dos requisitos específicos para a qualificação. E o artigo 1° define como passíveis de habilitação as organizações sociais de pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, cujas atividades seja dirigidas ao ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico e institucional, a proteção e preservação do meio ambiente, inclusive conservação de áreas urbanizada e ajardinadas, à defesa do consumidor, à cultura e à saúde, atendidos os requisitos previstos nesta lei.

Já o artigo 24, inciso XXVI, do Estatuto das Licitações, acrescentado por força da Lei n° 9.648, de 27.05.98, prevê a dispensa de licitação para celebração de contratos de prestação de serviços com as organizações sociais, qualificadas no âmbito das respectivas esferas de governo, para atividades contempladas no contrato de gestão.

Todavia, os temas não são tão simplórios como se apresentam. As inúmeras ações manejadas pelos valorosos integrantes do MPDFT combatendo as contratações ancoradas em contrato de gestão renderam azo a acirrados debates na Corte de Justiça local, sem aqui olvidar igualmente as intervenções do TCDF e construção doutrinária que vem se erigindo, ainda que aos passos lentos.

De relevo consignar que a norma em referência acima, alterada pela Lei n° 2.523, de 13.01.2000, é objeto da ADI n° 2004.00.2.007567-6, a despeito do indeferimento do pedido de liminar pelo colendo Conselho Especial do TJDFT.


Mas, para se aquilatar real moldura das questões, bem a propósito a síntese ofertada pelo ilustre Desembargador Dácio Vieira, por ocasião da apreciação do pedido de liminar na ADI antes referida, ao qual peço vênia para aqui transcrevê-la, por ser extremamente valiosa para a elucidação que se faz necessária:

Senhor Presidente, completaria meu raciocínio, desenvolvido na preliminar anterior. Do mesmo aresto que citei, da ADI 246/RJ, Rel. Min. Eros Grau, também destaco no item 2 o seguinte:

“2. Inexistente atribuição de competência exclusiva à União, não ofende a Constituição do Brasil norma constitucional estadual que dispõe sobre aplicação, interpretação e integração de textos normativos estaduais, em conformidade com a Lei de Introdução ao Código Civil.

É a hipótese, Senhor Presidente.

Aproveito a abertura trazida no voto do Desembargador Getúlio Moraes Oliveira a respeito do que disse sobre contrato de gestão. A doutrina atual é bastante clara a respeito. Peço vênia para apenas trazer o pensamento de Maria Sylvia Zanela Di Pietro:

“Não é fácil discorrer sobre o tema, por diversas razões: em primeiro lugar, porque ele é novo no direito brasileiro, sendo pouco tratado pela doutrina e praticamente inaplicado no âmbito judicial; em segundo lugar, porque ele não está disciplinado, de forma genérica, no direito positivo, a não ser em leis esparsas relativas a contratos específicos com entidades determinadas; em terceiro lugar, porque ele assume diferentes contornos, conforme o interesse da Administração Pública em cada caso; em quarto lugar, porque, inspirado no direito estrangeiro, adapta-se mal à rigidez de nosso direito positivo. (…) o contrato de gestão tem sido um desses temas em que a aplicação prática antecede o labor legislativo e exige todo um trabalho de interpretação e, mais do que isso, de acomodação de um instituto novo ao ordenamento jurídico vigente.”. E prossegue, depois, finalizando: “A Constituição de 1998 teve, em relação à Administração Indireta, uma tendência para a ‘publicização’, impondo-lhe regime jurídico sob muitos aspectos igual ao das entidades de direito público (…). Todas as entidades, independentemente da natureza jurídica e do tipo de atividade que exercem, estão sujeitas à exigência de concurso público para admissão de pessoal, às mesmas normas sobre licitação, ao mesmo tipo de controle e tantas outras normas que emperram a atividade de entidades que, por sua natureza jurídica e pela natureza jurídica da atividade que exercem, deveriam ter realmente maior autonomia de gestão. (…) De todo modo, fica muito claro, pela legislação citada, que o objetivo a ser alcançado pelos contratos de gestão é o de conceder maior autonomia à entidade da Administração Indireta (…). O ímpeto reformador, conforme assinalado (…), leva não só à idealização de institutos novos, como à remodelação de institutos antigos, ou ao emprego de nova terminologia.” (in “Parcerias na Administração Pública”, 4ª ed., Atlas, 2002, p. 199, 206, 209 e 210)

E trago, também, uma síntese a respeito dessa questão.

De uma precisa exegese em face da legislação aplicada à espécie, não se olvida que a origem e a inspiração remontam a meados da década de 90, ao iniciar uma ampla reforma, ainda em curso na Administração Pública brasileira, projetada oficialmente a partir da elaboração do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, pelo Ministério da Administração e Reforma do Estado, com aprovação do Presidente da República, em novembro/95, disponível no site da Presidência da República e publicações anteriores, constando referência à criação do Programa Nacional de Publicização – PNP, com o fito de viabilizar a transformação dos serviços não-exclusivos estatais em organizações sociais (item 8.1.3), a culminar na esfera federal, dentre outros normativos, na edição da Emenda Constitucional nº 19, publicada em 05/05/98, que introduziu o § 8º no art. 37 da Constituição Federal, que é o chamado princípio da eficiência; na Lei nº 9.637, de 15/05/98, que dispõe sobre a qualificação de entidades como organizações sociais e a criação do Programa Nacional de Publicização; e na Lei nº 9.648/98, que altera as disposições da Lei nº 8.666, Estatuto das Licitações, acrescentando o inciso XXIV no seu art. 24, que estabelece a dispensa de licitação para a celebração de contratos de prestação de serviços com as organizações sociais qualificadas no âmbito do governo para atividades contempladas no contrato de gestão.

Todo esse histórico legislativo é para que se chegasse, finalmente, ao contrato de gestão como uma novidade na publicização do nosso Direito. Essa é a razão do contrato de gestão, sendo que, desse contexto, no âmbito do Distrito Federal, essa matéria atualmente encontra-se disciplinada desde que vigente a Lei Distrital nº 2.415, de 06/07/99, e a Lei nº 2.523/2000, que veio dizer do Instituto Candango de Solidariedade.


Não se pode desconsiderar que no elenco dos princípios inseridos no art. 37, caput, da Carta Magna, teve acrescentado o princípio da eficiência àqueles outros, em atendimento aos fins do Estado, que é o § 8º, incluso.

Há uma nítida previsão constitucional garantidora da possibilidade de contratação de serviços qualificados de não-exclusividade estatal, a serem prestados pelas denominadas organizações sociais – § 8º, art. 37, da Constituição; a Lei nº 9.637; a Lei nº 9.648 que incluiu o inciso XXIV no art. 24 na Lei das Licitações.

Tudo isso, inexoravelmente, leva à tese da dispensa de licitação sem obrigatoriamente a exigência de concurso público. Essa é uma regra que o direito moderno estabeleceu e essa é a questão que, talvez, pela sua relevância, está hoje entregue à alçada do Supremo Tribunal Federal para final decisão. Talvez, por isso, ter merecido cuidado o pedido de vista do Min. Nelson Jobim, porque a questão, realmente, é relevante, de alta indagação.

Bem é verdade que o Conselho Especial de Justiça, nos autos do MSG 2003.00.2.009144-8, por maioria, concedeu a ordem de segurança para declarar parcialmente a nulidade das decisões do TCDF n° 3.518/2003 (item II), n° 3.518/2003 (item II), n° 4.117/2003 (itens II e III), n° 4.848/2003 (item IV) e n° 6.890/2003, versando a qualificação do ICS como organização social e a legalidade dos contratos de gestão firmados.

Em outra decisão, agora da 3ª Turma Cível, apreciando recurso específico da BELACAP – SERVIÇO DE AJARDINAMENTO E LIMPEZA URBANA DO DISTRITO FEDERAL, também relatada pelo ilustre Desembargador Lécio Resende, não obstante vencido o voto divergente do Desembargador Benito Tiezzi, este faz percuciente abordagem sobre as questões, sem aqui desmerecer o brilhantismo do vencedor, ao assim argumentar:

[…]

Todavia, no MÉRITO, permissa maxima venia, ouso discordar do r. voto do digno Relator, vez que tenho como juridicamente irrepreensível a bem lançada sentença (fls. 1.110/1.118), ora hostilizada, razão porque merece ser mantida, pois:

Tem-se observado nas sucessivas reformas por que passa a estrutura estatal brasileira, a implementação da ideologia neoliberal do Estado mínimo, reduzido na execução de serviços e ampliado na função fiscalizadora. Esse processo está estampado nas reformas constitucionais e nas diversas leis editadas com o fito de permitir ao Estado delegar a execução de suas atividades. A ele passou a ser reservado o poder/dever de, através de seus órgãos ou entes descentralizados, fiscalizar a prestação do serviço por terceiros alheios à sua estrutura. Diz-se que esse novo Estado permite uma maior eficiência na prestação dos serviços, haja vista o afastamento dos entraves burocráticos.

Seguindo esta tendência, vemos o fenômeno denominado “publicização”, que introduziu no ordenamento jurídico brasileiro a figura do contrato de gestão, cujo objetivo é (além de conferir maior autonomia a entes estatais) permitir que determinadas atividades, previstas em lei, sejam delegadas a entidades particulares – as organizações sociais – estranhas ao aparato estatal (Primeiro Setor), mas que também não sejam entidades voltadas à mercancia (Segundo Setor). Daí porque se diz que são entidades sem fins lucrativos, integrantes do Terceiro Setor.

A implementação deste novo instrumento jurídico foi favorecida pelo afastamento de procedimentos indispensáveis a todo e qualquer ente estatal, dentre os quais se encontram as regras da licitação para contratação ou delegação de serviço público, consoante se observa no inciso XXIV do artigo 24 da Lei 8666/90.

Estes procedimentos – licitação e concurso público – não foram introduzidos na Constituição Federal de forma gratuita. Fundam-se nos princípios do interesse público, da impessoalidade, da moralidade administrativa, da isonomia, entre outros estampados na Carta Política e de suma importância à manutenção do Estado de Direito. É certo que criam formalidades que, por vezes, impedem o Estado de acompanhar a dinâmica própria da iniciativa privada. Todavia, sem essas formalidades (mormente em um país onde, venia concessa, a probidade dos agentes públicos não está bem cotada pela sociedade) não há a garantia de que o dinheiro público seja destinado às atividades que melhor atendam o interesse da coletividade, ou que o Estado contrate a proposta mais vantajosa, ou ainda que seja conferido a todos os indivíduos capacitados a mesma oportunidade de prestar o serviço solicitado pelo Estado.

Assim, a imposição ao Estado do processo de licitação e/ou do concurso público para contratar particulares haverá de ser a regra, sob pena de se ter, como em outras épocas, um Estado arbitrário, parcial, nepótico e sem compromisso com o real interesse público. É verdade que as regras comportam exceções. Todavia, dada a supremacia do interesse em jogo, aquelas formalidades são regras cujas exceções haverão de ser excepcionalíssimas, aplicáveis às hipóteses em que patentemente a regra não produzirá os efeitos desejados, vale dizer, não alcançará da melhor forma o interesse publico.


Por estas razões muitos doutrinadores têm questionado a constitucionalidade das normas que autorizam e disciplinam o contrato de gestão relativamente às organizações sociais, pois, para eles, não há fundamento razoável para afastar aqueles postulados. Entendem que o caminhar nesse sentido levará à banalização dos princípios constitucionais do concurso público e da licitação, até que, de exceções em exceções, a regra tornar-se-á exceção e, as exceções, a regra.

Contudo, não cabe, nesta sede recursal, revolver matéria que não foi objeto da sentença. Mesmo porque, no caso dos autos, permissa venia dos que entendem o contrário, o contrato de gestão firmado entre o Instituto Candango de Solidariedade – ICS e o Serviço de Limpeza Urbana do Distrito Federal – SLU/DF (fls. 174-182), antes de qualquer inconstitucionalidade da lei permissiva, encontra óbice nas próprias disposições legais que regem a matéria, independentemente delas serem, repita-se, constitucionais ou não.

Com efeito. A figura do contrato de gestão foi introduzida no ordenamento jurídico Distrital pela Lei n. 2.177, de 30 de dezembro de 1998, em vigor na data da assinatura do combatido contrato (fls. 174-182), e substituída pela Lei n. 2.415, de 06 de junho de 1999. O objetivo destas leis é estimular o fomento às atividades nelas relacionadas que se diferenciam das demais, segundo seus defensores, pelo seu excepcional interesse social, coletivo. De fato, esse interesse, no sistema civil law, é determinado pelo legislador (seja ele constitucional ou ordinário). Assim, não é facultado ao agente público afastar-se das autorizações legais, ainda que sob o pretexto de atingir outro interesse público não disciplinado expressamente na lei permissiva, sob pena de incorrer em desvio de finalidade.

Daí porque, no caso em debate, o administrador deve ficar restrito às hipóteses expressamente autorizadas em lei para a celebração do contrato de gestão. Neste aspecto, a Lei n. 2.177/98 estatuía, verbis:

Art. 2° Fica instituído o Programa de Fomento às Organizações Sociais, com o objetivo de fomentar a prestação de serviços públicos por entidades privadas, observadas as seguintes diretrizes:

I – adoção de critérios que assegur

em a otimização do padrão de qualidade na execução dos serviços e no atendimento ao cidadão;

II – promoção de meios que favoreçam a ampliação do acesso do cidadão aos serviços prestados;

III – adoção de mecanismos que possibilitem a integração entre a Administração Pública, a sociedade e o setor privado;

IV – manutenção de sistema de programação e acompanhamento de suas atividades que permitam a avaliação da eficiência, eficácia e efetividade dos serviços prestados.

Art. 3° O Poder Executivo do Distrito Federal poderá qualificar como organizações sociais pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, cujas atividades sejam voltadas ao ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico, à proteção e preservação do meio ambiente, à defesa do consumidor, à cultura e à saúde, atendidos os requisitos previstos nesta Lei.

No vertente caso, o objeto contratual é a limpeza urbana (varrição de ruas, coleta de lixo, etc), conforme se observa na cláusula primeira do contrato de gestão (fl. 174-182), que, a meu ver, não se subsume às hipóteses elencadas no permissivo legal.

Não se mostra razoável enquadrar os serviços de limpeza urbana – essenciais à comunidade e, portanto, indeclináveis pelo Poder Público – em atividades de proteção ao meio ambiente. É certo que a limpeza urbana guarda relação com a manutenção de um ambiente urbano sadio e suportável. Também é verdade que o conceito amplo de meio ambiente vai além daquilo que se vê como natureza, açambarcando o meio cultural, urbanístico, do trabalho, enfim, todos os meios em que o homem interaja. Todavia, não me parece que a mens legis alcança esta amplitude. A meu sentir, a preservação e proteção do meio ambiente, da forma como está disciplinada na lei, diz respeito à proteção, preservação e manutenção da natureza, esteja ela no campo ou na cidade, mas nunca a prestação de serviço de limpeza urbana, razão porque este serviço, típico do Estado, não encontra amparo nas hipóteses legais. Enquadrar-se-ia na proteção e preservação do meio ambiente, por exemplo, estudos relativos à ecologia ou às novas formas de processamento e aproveitamento do lixo, à fiscalização e ao combate à degradação do meio ambiente, ao plantio e reflorestamento, etc.

Por outro lado, e não menos importante, entendo que o contrato também não preenche os requisitos impostos pelo art. 10 da Lei 2.177/98 (repetidos no 7º da Lei 2.415/99), verbis:

Art. 10. Na elaboração do contrato de gestão devem ser observados os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, economicidade e, também, os seguintes preceitos:


I – especificação do programa de trabalho proposto pela organização social, a estipulação das metas a serem atingidas e os respectivos prazos de execução, bem como previsão expressa dos critérios objetivos de avaliação de desempenho a serem utilizados, mediante indicadores de qualidade e produtividade;

A indispensabilidade da prefixação destas metas e de indicadores de qualidade e produtividade de forma minuciosa, clara e objetiva justifica-se no poder-dever do Estado em fiscalizar a execução do contrato e coibir o eventual descumprimento das metas pactuadas, resguardando, assim, a eficiência do serviço prestado à coletividade. Inadmissível que o controle da execução do contrato se faça aleatoriamente, segundo o livre arbítrio do administrador por ocasião da análise dos relatórios semestrais (cláusula décima). Impõe-se a estipulação objetiva de metas para que a atividade administrativa fiscalizadora tenha parâmetros de julgamento e esteja sujeita à fiscalização da sociedade e dos órgãos de controle.

No programa de trabalho acostado aos autos (fls. 868-875) são descritas muito genericamente as metas a serem alcançadas, resumindo-se à “limpeza urbana do Distrito Federal e suporte operacional nas usinas de tratamento de lixo” (item 8.3). Não vai além disso. Portanto, se o contrato de gestão tem como característica o afastamento de procedimentos formais para contratação, justamente porque se vislumbrou outra maneira de fixar padrões de produtividade e de fiscalizá-los, não há como considerar válido o referido contrato se carece de disciplina minuciosa, clara e objetiva das metas que haveriam de ser contratadas.

A todas estas irregularidades soma-se o fato de que o objeto social do ICS (vide estatuto de fls. 73-84) engloba um extenso rol de atividades e serviços. Este amplíssimo plexo de atividades não se coaduna com a qualificação de organização social destinada a dar suporte ao Poder Público no implemento das atividades disciplinadas em lei, através do contrato de gestão e pelo qual usufruirá as benesses legais. A toda evidência que essa amplitude do objeto social afasta-se da necessária especialização do ente em determinada atividade, o qual, justamente em razão de sua especialidade, haveria de ter capacitação notória para desempenhar atividades com maior eficiência que o Poder Público.

Não é o que se observa nos autos, no qual se vislumbra, isto sim, a adoção do contrato de gestão com o objetivo dissimulado de obter equipamentos e mão-de-obra para a prestação do serviço público em diversos órgãos e entidades do Distrito Federal, sem comprometimento algum com a especialização de suas atividades.

De fato, foram firmados diversos contratos entre o ICS e Distrito Federal, fazendo daquele instituto o maior fornecedor de mão-de-obra deste ente federado, nas suas mais variadas atividades. Em dezembro de 1999 estavam contratadas 9.119 pessoas locadas nos órgãos e entidades do Distrito Federal, consoante relatório elaborado pelo próprio ICS (fls. 569).

No vertente caso, conforme o mesmo relatório, em 1999 foram contratados 1.245 trabalhadores para prestar os serviços objetos do contrato: coleta e transporte de lixo doméstico, comercial e hospitalar, remoção de entulhos, varrição, catação de papéis, capina, destinação fina, reciclagem e compostagem, pintura de meios-fios, lavagem de logradouros. No entanto, ainda segundo o relatório elaborado pelo ICS (fls. 569-574), foram alocados no SLU desde coletor de lixo à médico, passando por apontador, soldador, dentista, advogado, auxiliar de escritório, auxiliar administrativo, motorista, lanterneiro, entre outros.

Como se vê, não há um comprometimento do ICS com alguma atividade especializada. Depreende-se daí o flagrante intuito de contratar mão-de-obra para prestação de serviços que fazem parte das atividades típicas e permanentes do SLU/DF, o qual possui uma ampla estrutura, conforme se observa na Lei Distrital n. 706/94 (fls.63-65), cujos artigos 3o e 4o criam cargos em comissão e cargos efetivos no quadro de pessoal do Serviço de Limpeza Urbana. Por esta razão, também se afigura ilegal a contratação de entidade interposta para o fornecimento de mão-de-obra relativo à limpeza urbana, mormente quando não observados os postulados do concurso público e/ou da licitação, consoante impõem os artigos 37, II, e 175 da Constituição Federal.

Convém transcrever, pela pertinência, as precisas lições de Claudia Fernanda de Oliveira Pereira acerca do tema:

É preciso não permitir, por seu turno, que, sob a máscara do contrato de gestão, os entes públicos admitam mão-de-obra, e não serviços. Sobre isso dissertei exaustivamente no parecer n. 250/88 (processo n. 2499/87). De fato, a locação de mão-de-obra é ilícita. Apenas a locação de mão-de-obra temporária é admissível. Quando o contratante quer é mesmo mão-de-obra deve fazê-lo por seleção permanente, e não através de pessoa interposta – a prestadora.


Aliás, mesmo que não existissem as irregularidades acima apontadas, o ICS, pelo que se depreende dos documentos acostados aos autos, não poderia beneficiar-se da contratação direta. É que a contratação sem licitação, de acordo com o § 2o do art. 3o da Lei n. 2.177/98, em vigor na data de assinatura do contrato, tem como pré-requisito “que a instituição seja reconhecida, por decreto ou lei específica, como entidade filantrópica ou de utilidade pública há pelo menos cinco anos, cujo objeto social e atividades exercidas, de forma continuada e por idêntico período, guardem identidade com a finalidade do contrato”.

O estatuto social do ICS, acostado às fls. 73-84, está datado de 12 de agosto de 1999, ao passo que o contrato de fls. 174-182 foi assinado em 22 de abril de 1999. Segundo noticia o Ministério Público em sua réplica (fls. 938-973) bem como o órgão fiscalizador do TCDF (fls. 443-450 do apenso), o anterior estatuto social do ICS não incluía em seu rol de atividades a limpeza urbana. Aquele instituto não preenchia, portanto, o requisito de ter em seu objeto social, pelo prazo mínimo de cinco anos, atividade que guardasse identidade com a finalidade do contrato, razão porque não poderia ter sido beneficiada com a dispensa de licitação.

Por fim, não vejo como possa ser ajustada em contrato de gestão, cujo escopo é estabelecer parceria entre o Estado e o ente privado sem fins lucrativos, taxa de administração. Isto porque a lei prevê (artigos 15 usque 18 da Lei 2.177/98 e artigos 12 usque 14 da Lei 2.415/99) tão-somente a subvenção para cobrir os custos com a prestação do serviço, o fornecimento de bens públicos e a cessão de pessoal. Nada diz acerca de taxa de administração. Esta taxa, comumente adotada nos contratos administrativos em que se visa o lucro, tem o único escopo de remunerar o prestador de serviço além dos custos da operação, configurando um excesso, ou seja, lucro, o que se mostra inconcebível no presente caso.

A prevalecer o pagamento da taxa de administração, mormente no excessivo montante de 9% dos repasses (vide termo aditivo de fls. 615-616), ter-se-á que a execução dos serviços pelo ICS será mais oneroso que a execução pelo próprio SLU (ou BELACAP), que, além de pagar os valores referentes aos salários e compras de equipamentos, fornece bens públicos e cede servidores. Para tanto – pagar taxa de administração – haveria que ser firmado contrato administrativo, mediante prévia e necessária licitação e não contrato de gestão.

Ante essas irregularidades, a meu sentir, o contrato de gestão entabulado entre as o ICS e o SLU não é válido porque fere frontalmente a Lei e a Constituição.

Trago à baila, pela pertinência, acórdãos deste Egrégio Tribunal de Justiça que, conquanto exarados em sede de agravo de instrumento e, portanto, enfrentando a matéria sem definitividade, demonstram o entendimento até então prevalecente:

AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO POPULAR – CONTRATO DE GESTÃO – INSTITUTO CANDANGO DE SOLIDARIEDADE – SUSPENSÃO DA CONTRATAÇÃO DE PESSOAL — PRINCÍPIO DA LEGALIDADE – DEFERIMENTO DA LIMINAR. CONEXÃO – INOCORRÊNCIA.

1. Não se vislumbra a conexão de ações quando ausente a identidade entre as causas de pedir.

2. Presentes os requisitos legais, correto o deferimento de liminar que, em sede de ação popular, suspende a admissão de pessoal, via contrato de gestão, para o Instituto Candango de Solidariedade, medida que afronta a exigência legal de concurso público para acesso aos cargos respectivos.

3. Agravo improvido. Unânime.

(AGI 2000 00 2 001716-8 – 2ª Turma Cível – Relatora: ADELITH DE CARVALHO LOPES – DJU: 01/03/2001 Pág.: 32).

AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – ANTECIPAÇÃO DE TUTELA – VEROSSIMILHANÇA DAS ALEGAÇÕES – CONTRATO DE GESTÃO – INSTITUTO CANDANGO DE SOLIDARIEDADE (ICS) E COMPANHIA DO DESENVOLVIMENTO DO PLANALTO CENTRAL (CODEPLAN).

Não obstante possível a parceria do particular e a Administração, os contratos de gestão não podem servir como meio de burla à proibição legal, isto é, a pretexto de viabilizar a execução de determinado programa, permite a contratação de novos servidores, com as mesmas atribuições daqueles que ingressaram licitamente no serviço público.

Concede-se a pretendida antecipação de tutela se restou clara a ilegalidade do contrato de gestão firmado entre o Instituto Candango de Solidariedade – ICS e a Companhia do Desenvolvimento do Planalto Central – Codeplan, uma vez que desrespeitada a obrigatoriedade de licitação.

(AGI 2000.00.2.001773-5 – 4ª Turma Cível – Relator: SÉRGIO BITTENCOURT – DJU: 28/03/2001 Pág.: 34).

EMENTA – AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CONTRATO DE GESTÃO. AUSÊNCIA DE LICITAÇÃO. LIMINAR QUE SUSPENDE A EFICÁCIA DO ACORDO ADMINISTRATIVO. Não se evidenciando presente o requisito da fumaça do bom direito, por não estarem os serviços elencados pela Administração inseridos dentre aqueles de caráter essencial e social, que teriam ensejado a criação do Instituto Candango de Solidariedade, cuja emergencialidade autorizasse a contratação direta, por meio de contrato de gestão, dispensando-se o procedimento licitatório correspondente, não há como se cassar a liminar que suspende os efeitos do contrato administrativo. Agravo que se conhece, mas nega-se provimento.


(AGI 2000.00.2.002080-4 – 3ª Turma Cível – Relator: VASQUEZ CRUXÊN – DJU: 07/02/2001 Pág.: 23).

No mesmo sentido, transcrevo acórdão deste Egrégio Tribunal exarado em apelação cível e enfrentou o mérito da questão:

EMENTA – ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CONTRATO DE GESTÃO. COBRANÇA DE TAXA DE ADMINISTRAÇÃO. VEDAÇÃO. AUSÊNCIA DE LICITAÇÃO. ILEGALIDADE.

1 – O pagamento de taxa de administração em convênio é vedado, posto que esse pressupõe colaboração entre entidades públicas ou entre essas e instituições sem fins lucrativos. A instituição de referida taxa de administração em convênios viola diversos dispositivos legais, entre os quais o art. 8º, I, da Instrução Normativa n.º 1, da Secretaria do Tesouro Nacional, de 15/01/97 e os arts. 54 e seguintes da Lei n.º 8666/93, além de ferir frontalmente o art. 37, caput e inciso XXI.

2 – Resta clara a ilegalidade do contrato de gestão firmado entre o Instituto Candango de Solidariedade e a extinta Fundação Hospitalar do Distrito Federal, eis que desrespeitada a obrigatoriedade de licitação.

(APC 2000.01.1.044923-2 – 3ª Turma Cível – Relator: VASQUEZ CRUXÊN – DJU: 25/09/2002 Pág.: 52).

O Digníssimo relator desta apelação, Desembargador Vasquez Cruxên, abordou com a propriedade e brilhantismo que lhe são peculiares a questão relativa à taxa de administração. Confira-se:

Com efeito, o pagamento de taxa de administração em convênio é vedado, posto que esse pressupõe colaboração entre entidades públicas ou entre essas e instituições sem fins lucrativos. A instituição de referida taxa de administração em convênios viola diversos dispositivos legais, entre os quais o art. 8º, I, da Instrução Normativa n.º 1, da Secretaria do Tesouro Nacional, de 15/01/97 e os arts. 54 e seguintes da Lei n.º 8666/93, além de ferir frontalmente o art. 37, caput e inciso XXI, da Carta Magna.

Outrossim, há de se salientar que o réu, não obstante ostente a condição de organização social, despe-se de aludida condição, quando recebe a taxa de administração como ‘pagamento’ pelos serviços públicos que presta, sem que haja real controle e amparo legal para a efetivação desses gastos públicos.

Nessa linha de raciocínio, outro não é o entendimento da administrativista Maria Sílvia Zanella de Pietro, senão vejamos:

“Com relação ao convênio, é ele possível na área de saúde, entre pessoas jurídicas de direito público (União, Estados, Municípios, Distrito Federal), por ser esta a forma usual pela qual se estabelece a colaboração na execução de serviços comuns; também com as respectivas entidades da Administração Indireta, especialmente autarquias e fundações; e, ainda, com instituições privadas.

Isto porque a própria Constituição, no art. 199, § 1º, e a Lei n.º 8080 permitem que a participação complementar das instituições privadas no SUS se faça por meio de convênio, o que somente é viável quando se tratar de entidade sem fins lucrativos, hipóteses em que a mesma receberá auxílios ou subvenções provenientes de recursos do SUS, não se cogitando propriamente de remuneração por serviços prestados; se for o caso de remunerar por serviço prestado, cuida-se de contrato e não de convênio”

Destarte, fácil inferir-se que a diferença clássica entre o contrato administrativo e o convênio é a remuneração, admitida no primeiro e indevida no segundo. Destaque-se, ainda, por oportuno, que a contratação de ‘taxa de administração’ é permitida no contrato administrativo, uma vez que este submete-se ao procedimento licitatório inserto na Lei nº 8666/93, o que inocorreu na hipótese vertente, haja vista o fato de o contrato de gestão ter sido firmado entre o réu e a extinta FHDF, sem a referida licitação.

Ante o exposto, reiterando a mais respeitosa venia ao eminente Desembargador Relator, NEGO PROVIMENTO aos recursos de apelação e à remessa oficial, para o fim de MANTER incólume a r. sentença vergastada.

O caso apreciado guarda perfeita conformação com o objeto de exame aqui, cujo posicionamento adotado, apesar de vencido, reflete, ao meu sentir, a que melhor coaduna com a ordem jurídica, com devido respeito à posição em contrário, mesmo porque é a linha que vendo perfilhada pela doutrina e pela primeira colenda Turma do STJ, segundo decisão proferida no RESP 623.197, relatado pelo eminente Ministro José Delgado:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. INEXISTÊNCIA DE OMISSÃO, OBSCURIDADE, CONTRADIÇÃO, DÚVIDA OU FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO NO ACÓRDÃO RECORRIDO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO. CONTRATO DE GESTÃO. BENEFÍCIOS PATRIMONIAIS. NECESSIDADE DE LICITAÇÃO. DANO PRESUMIDO.

1. Fundamentos, nos quais se suporta a decisão impugnada, apresentam-se claros e nítidos. Não dão lugar a omissões, obscuridades, dúvidas ou contradições. O não-acatamento das teses contidas no recurso não implica cerceamento de defesa. Ao julgador cabe apreciar a questão de acordo com o que ele entender atinente à lide. Não está obrigado o magistrado a julgar a questão posta a seu exame de acordo com o pleiteado pelas partes, mas sim com o seu livre convencimento (art. 131 do CPC), utilizando-se dos fatos, provas, jurisprudência, aspectos pertinentes ao tema e da legislação que entender aplicável ao caso. Não obstante a oposição de embargos declaratórios, não são eles mero expediente para forçar o ingresso na instância especial, se não houve omissão do acórdão que deva ser suprida. Inexiste ofensa ao art. 535, II, do CPC, quando a matéria enfocada é devidamente abordada no voto a quo.


2. “O Ministério Público tem legitimidade para propor ação civil pública, fundamentada em inconstitucionalidade de lei, na qual opera-se apenas o controle difuso ou incidenter tantum de constitucionalidade. Precedente do STF.” (Resp nº 493270/DF, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, DJ de 24/11/2003)

3. O ato discutido nos autos evidencia-se como viciado, flagrantemente, pela ilegalidade. O contrato de gestão, por resultar benefícios patrimoniais, deve, obrigatoriamente, ser precedido de licitação. O fato de já ter sido celebrado e consumado não afasta a possibilidade da decretação de sua nulidade, com efeitos ex-tunc. A Administração Pública tem compromisso maior com os princípios da legalidade, moralidade, publicidade, impessoalidade, eficiência e transparênci a. O procedimento licitatório só pode ser dispensado ou inexigível nas situações previstas na Lei nº 8.666/93. Impossível ampliar as situações nela previstas. O descumprimento ou inobservância de princípios legais e constitucionais que norteiam a atuação estatal presume o risco do dano.

4. Recurso não provido.

(RESP 623.197 – RS, Relator Min. JOSÉ DELAGADO, 1ª Turma / STJ, Publicado no DJU de 08.11.2004)

Aliado a tudo é forçoso ressaltar que doutrinadores de escol vêm se postando pela necessidade de realização de certame público colimando a seleção de organizações sociais para o fim de celebração de contrato de gestão. Marçal Justem Filho é incisivo ao lecionar que:

Não é admissível afirmar que a Administração seria livre para realizar o contrato de gestão, sem maiores parâmetros jurídicos. O contrato de gestão não é uma espécie de porta aberta para escapar das limitações do direito público. Portanto e até em virtude da regra explícita do art. 37, inc. XXI, da CF/88, o Estado é obrigado a submeter seus contratos de gestão ao princípio da prévia licitação.

Com propriedade a lição da professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro, ao realçar que:

Aparentemente, a organização social vai exercer atividade de natureza privada, com incentivo do poder público, e não serviço púbico delegado pelo Estado.

Todavia a própria lei, em pelo menos um caso, está prevendo a prestação de serviço público pela organização social, hipótese em que ela exerce atividade delegada pelo poder público; com efeito, quando a entidade absorver atividade de entidade federal extinta no âmbito da área de saúde, deverá considerar no contrato de gestão, quanto ao atendimento da comunidade, os princípios do Sistema Único de Saúde, expressos no art. 198 da Constituição Federal e no art. 7° da Lei n° 8.080, de 19-9-90. Vale dizer que prestará serviço público e não atividade privada; em conseqüência, estará sujeita a todas as normas constitucionais e legais que regem esse serviço, até porque não poderia a lei ordinária derrogar dispositivos constitucionais.

[…]

Por isso mesmo, para que a organização social se enquadrasse adequadamente nos princípios constitucionais que regem a gestão do patrimônio público e que existem exatamente para proteger esse patrimônio, seria necessário, no mínimo:

a. exigência de licitação para escolha da entidade.

b. Comprovação de que a entidade já existe, tem sede própria, patrimônio, capital, entre outros requisitos exigidos para que uma pessoa jurídica constitua validamente;

c. Demonstração de qualificação técnica e idoneidade financeira para administrar o patrimônio público;

d. Submissão aos princípios da licitação;

e. Imposição de limitações salariais quando dependam de recursos orçamentários do Estado par pagar seus empregados;

f. Prestação de garantia como tal exigida nos contratos administrativos em geral, exigência essa mais aguda na organização social, pelo fato dela administrar patrimônio público.

Com efeito, já não mais se concebe aplicação do direito na estreita linha do superado positivismo jurídico, impondo-se ao julgador uma interpretação com acentuada tendência à constitucionalização do direito, numa visão ampliada, em consonância com os valores, os fins públicos e os comportamentos nos princípios e regras da Constituição, de molde a condicionar a validade e o sentido de todas as normas do direito infraconstitucional, segundo o professor Luís Roberto Barroso .

Em tal contexto, a previsão da dispensa de prévia de licitação inserida no Estatuto das Licitações deve ser enfocada em consonância com princípios e regras constitucionais, dos quais não se permite afastar jamais, cumprindo ao intérprete efetiva fidelidade, sem que com isso se compreenda desrespeito à norma infraconstitucional, mas sua conformação com a ordem jurídica. Porquanto, a despeito da existência de posição contrária, centrada tão-somente na dispensa da exigência de prévia licitação inserida no Estatuto das Licitações com o escopo de celebração de contrato de gestão, esta não guarda simetria com lei maior.


Há que ter premente ainda outro aspecto de extrema relevância diz respeito às matérias sujeitas à contratação por via da gestão administrativa. A Lei federal n° 9.637, de 15.05.98, dispôs sobre a qualificação de entidades como organizações sociais, a criação do Programa Nacional de Publicização, a extinção dos órgãos e entidades que menciona e a absorção de suas atividades por organizações sociais, e dá outras providências, assim preconizou em seu artigo 1°:

Art. 1° O Poder executivo poderá qualificar como organizações sociais pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, cujas atividades sejam dirigidas ao ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico, à proteção e preservação do meio ambiente, à cultura e à saúde, atendidos aos requisitos previstos nesta Lei.

Sucede que, no plano local, ao disciplinar a matéria da qualificação de entidades como organizações sociais, via edição da Lei distrital n° 2.415, de 06.07.99, houve adrede maquinação com a introdução de inovação das matérias, na inserção da expressão “inclusive conservação de áreas urbanizadas e ajardinadas”, na forma do texto adiante transcrito:

Art. 1° O Poder Executivo, por ato do Governador do Distrito Federal, poderá qualificar como organizações sociais pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, cujas atividades sejam dirigidas ao ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico e institucional, à proteção e preservação do meio ambiente, inclusive conservação de áreas urbanizadas e ajardinadas, à defesa do consumidor, à cultura e à saúde, atendidos os requisitos previstos nesta Lei. (grifos propositais)

Saliente-se que a empreitada no afã de viabilizar a contratação do Instituto Candango de Solidariedade, em relação à inovação da matéria introduzida, é materializada pelo reconhecimento da sua condição de organização de interesse social e utilidade pública, estranhamente objeto de deliberação no corpo do mesmo diploma legal em evidência.

A propósito, a indevida inserção no dispositivo legal mostra-se dissociado do arcabouço normativo maior, sendo assim maculado de vício insanável da inconstitucionalidade material. Sobreleva trazer à baila o disposto no artigo 175 da Carta Política de 1988:

Artigo 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

[…]

§ 8° A autonomia gerencial, orçamentária e financeira dos órgãos e entidades da administração direta e indireta poderá ser ampliada mediante contrato, a ser firmado entre seus administradores e o poder público, que tenha por objeto a fixação de metas de desempenho para o órgão ou entidade, cabendo à lei dispor sobre:

I – o prazo de duração do contrato;

II – os controles e critérios de avaliação de desempenho, direitos, obrigações e responsabilidade dos dirigentes;

III – a remuneração do pessoal.

Art. 175. Incumbe ao poder público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.

Parágrafo único. A lei disporá sobre:

I. o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão.

[…]

Tal previsão é de maneira bastante abrangente, o que permite extrair a competência de cada esfera de governo para legislar a matéria. Contudo, o dispositivo em realce se acha umbilicalmente atrelado a outro não menos importante, precisamente o artigo 22, inciso XXVII da CF, que trata da competência privativa da União em legislar, incluindo dentre as matérias, a adiante transcrita:

Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:

[…]

XXVII. normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, distrito Federal e Municípios, obedecido o disposto no artigo 37, XXI, e para as empresa públicas e sociedades de economia mista, nos termos do art. 173, § 1°, III;

[…]

Acerca do tema com propriedade conclui a Professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro que:

Conjugando-se os dois dispositivos, chega-se à conclusão de a competência legislativa, nessa matéria, cabe à União, no que diz respeito às normas gerais, e aos Estados e Municípios, no que se refere às normas suplementares, com base no § 3° do art. 24 e no art. 30, inciso II, respectivamente. Por outras palavras, trata-se de matéria de competência concorrente da União, Estados e Municípios .


Nesse contexto, soa de todo razoável a compreensão no sentido de que a competência para legislar sobre a matéria é privativa da União, remanescendo ao Distrito Federal as normas suplementares, o que implica necessariamente sujeição às regras estabelecidas no âmbito federal. Porquanto, manifestamente inconstitucional a inovação inserta na Lei distrital n° 2.415, de 06.07.99, diante da introdução da matéria “conservação de áreas urbanizadas e ajardinadas” dentre aquelas passíveis de contratação via como organizações sociais pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos.

Noutro giro, importa deslocar o enfoque para a outra tese esposada pelo autor, precípua à introdução no ajuste primitivo de acréscimos mediante respectivos aditamentos durante os anos de 2003 e 2004, chegando ao total de R$ 89.554.591,00 (oitenta e nove milhões quinhentos e cinqüenta e quatro mil quinhentos e noventa e um reais), alcançando o patamar de 397%, bem superior aos 25% prescritos no artigo 65, §§ 1º e 2º da Lei n° 8.666, de 21.06.93. A bem da verdade, segundo informação complementar do autor, os valores repassados atingiram a cifra de R$ 121.654.591,00 (cento e vinte e um milhões seiscentos e cinqüenta e quatro mil quinhentos e noventa e um reais), em razão da falta de inclusão dos 10° e 11° aditamentos.

As defesas sustentam que o contrato de gestão prevê a execução de serviços contínuos e, nesse sentido, deve ser observado o disposto no artigo 57, inciso II, da referida lei. Aqui importa discernir bem duas situações: o prazo de validade do contrato e a questão dos acréscimos ou supressões. O fato de o pacto ter natureza contínua não se confunde com a inexistência de limitação, visto que, como regra geral, as contratações se dão, em linhas gerais, segundo a natureza do objeto, como obra, serviço ou compra de bens. Por via reflexa cada qual das operações encontra limitações legais, quer de ordem temporal ou orçamentária, segundo dicção dos artigos 57 e 64 do Estatuto das Licitações.

Contudo, o caso em exame está revestido de peculiaridade própria, visto que a natureza jurídica do contrato de gestão extrapola o singelo contrato com objeto determinado. Não se cogita de interesses antagônicos, mas comuns aos envolvidos, mais se assimilando ao convênio, já que a organização gere os recursos financeiros públicos percebidos, segundo parâmetros exigidos pela iniciativa privada em conformação com o programa ou projeto.

A questão que se coloca então é saber se há limitação no orçamento previsto originariamente. Diante do que se apresenta pelo disposto no artigo 37, § 8°, da Carta Política de 1988, acrescentado pela EC 19/98, em consonância com Lei n° 9.637, os recursos destinados ao programa obedeceriam tão-somente o interesse da Administração Pública, sem qualquer limitação, pois, em tese, o gerenciamento dos recursos e a execução do programa se sujeitam a uma constante avaliação. Isto no caso de normalidade na gestão, cujos serviços devem estar inseridos em projeto aprovado e ainda dentre aqueles legalmente previstos e não de forma dissimula, a exemplo do caso vertente. E, ademais, insta salientar que a organização social não tem fins lucrativos, presumindo-se a regular aplicação dos recursos públicos a ela transferidos, sob controle e fiscalização da administração. Mas, lamentavelmente, não é o que se constata na prática, pois a entidade, que deveria se constituir antes de tudo numa verdadeira organização social sem fins lucrativos, numa parceira no desenvolvimento do empreendimento a ela confiada, inda por se transformar em instrumento de malversação de recursos públicos, segundo notícias amplamente veiculadas nos meios de comunicação.

Situação esta que encontra seara fértil quando se permite que os serviços sejam confiados a uma terceira, cuja subcontratação se materializa sem controle algum por parte do ente público, com inequívoca burla à exigência constitucional da prévia licitação. É o que se verifica no caso em exame, pois, muito embora o ICS tenha por definição em seu objeto social a prestação dos serviços avençados em comunhão de interesses com o ente público.

Porém, as irregularidades não se prendem ao que restou expendido. Não menos grave é o procedimento adotado pelos dirigentes da NOVACAP, ora réus na ação de improbidade, os quais, sem qualquer respaldo legal ou previsão contratual, de forma graciosa, autorizaram o pagamento ao ICS, em toda fatura emitida pela organização social ICS, do acréscimo de 9% sobre os serviços (poda de grama e remoção de mato) prestados pela empresa terceirizada GHF – COMERCIAL INTERNACIONAL TRADING LTDA, gerando um prejuízo para a NOVACAP na ordem de R$ 3.435.793,31 (três milhões quatrocentos e trinta e cinco mil setecentos e noventa e três reais e trinta e um centavos), no período de 03/06/2002 a 27/04/2004. Isto é o que se tem conhecimento, tudo levando a crer que outros repasses irregulares sucederam ao arrepio da ordem jurídica.


Sem dúvida, os réus ELMAR LUIZ KOENIGKAN, CLARINDO CARLOS DA ROCHA e ALOIZIO PEREIRA DA SILVA, Presidente, Diretor Administrativo e executor do contrato, respectivamente, à época dos fatos, agiram sem o mínimo de compromisso com a supremacia do interesse público, em flagrante prejuízo econômico ao erário público, ao promoverem a contratação sem prévia licitação e pública e ainda efetuando pagamento do adicional de 9% (nove por cento) nas faturas especificadas, sem nenhum respaldo contratual ou legal, substrato este que, por si, revela a ilegalidade no procedimento adotado.

De qualquer modo, não assiste razão em pretender justificar a cobrança como se taxa de administração fosse. Mais uma vez importa trazer à liça os fundamentos esposados pelo ilustre Desembargador Benito Tiezzi, ora adotado a reforçar as razões de decidir, ao assim consignar:

[…]

A prevalecer o pagamento da taxa de administração, mormente no excessivo montante de 9% dos repasses (vide termo aditivo de fls. 615-616), ter-se-á que a execução dos serviços pelo ICS será mais oneroso que a execução pelo próprio SLU (ou BELACAP), que, além de pagar os valores referentes aos salários e compras de equipamentos, fornece bens públicos e cede servidores. Para tanto – pagar taxa de administração – haveria que ser firmado contrato administrativo, mediante prévia e necessária licitação e não contrato de gestão.

Ante essas irregularidades, a meu sentir, o contrato de gestão entabulado entre as o ICS e o SLU não é válido porque fere frontalmente a Lei e a Constituição.

[…]

No mesmo sentido, transcrevo acórdão deste Egrégio Tribunal exarado em apelação cível e enfrentou o mérito da questão:

EMENTA – ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CONTRATO DE GESTÃO. COBRANÇA DE TAXA DE ADMINISTRAÇÃO. VEDAÇÃO. AUSÊNCIA DE LICITAÇÃO. ILEGALIDADE.

1 – O pagamento de taxa de administração em convênio é vedado, posto que esse pressupõe colaboração entre entidades públicas ou entre essas e instituições sem fins lucrativos. A instituição de referida taxa de administração em convênios viola diversos dispositivos legais, entre os quais o art. 8º, I, da Instrução Normativa n.º 1, da Secretaria do Tesouro Nacional, de 15/01/97 e os arts. 54 e seguintes da Lei n.º 8666/93, além de ferir frontalmente o art. 37, caput e inciso XXI.

2 – Resta clara a ilegalidade do contrato de gestão firmado entre o Instituto Candango de Solidariedade e a extinta Fundação Hospitalar do Distrito Federal, eis que desrespeitada a obrigatoriedade de licitação.

(APC 2000.01.1.044923-2 – 3ª Turma Cível – Relator: VASQUEZ CRUXÊN – DJU: 25/09/2002 Pág.: 52).

O Digníssimo relator desta apelação, Desembargador Vasquez Cruxên, abordou com a propriedade e brilhantismo que lhe são peculiares a questão relativa à taxa de administração. Confira-se:

Com efeito, o pagamento de taxa de administração em convênio é vedado, posto que esse pressupõe colaboração entre entidades públicas ou entre essas e instituições sem fins lucrativos. A instituição de referida taxa de administração em convênios viola diversos dispositivos legais, entre os quais o art. 8º, I, da Instrução Normativa n.º 1, da Secretaria do Tesouro Nacional, de 15/01/97 e os arts. 54 e seguintes da Lei n.º 8666/93, além de ferir frontalmente o art. 37, caput e inciso XXI, da Carta Magna.

Outrossim, há de se salientar que o réu, não obstante ostente a condição de organização social, despe-se de aludida condição, quando recebe a taxa de administração como ‘pagamento’ pelos serviços públicos que presta, sem que haja real controle e amparo legal para a efetivação desses gastos públicos.

Nessa linha de raciocínio, outro não é o entendimento da administrativista Maria Sílvia Zanella de Pietro, senão vejamos:

“Com relação ao convênio, é ele possível na área de saúde, entre pessoas jurídicas de direito público (União, Estados, Municípios, Distrito Federal), por ser esta a forma usual pela qual se estabelece a colaboração na execução de serviços comuns; também com as respectivas entidades da Administração Indireta, especialmente autarquias e fundações; e, ainda, com instituições privadas.

Isto porque a própria Constituição, no art. 199, § 1º, e a Lei n.º 8080 permitem que a participação complementar das instituições privadas no SUS se faça por meio de convênio, o que somente é viável quando se tratar de entidade sem fins lucrativos, hipóteses em que a mesma receberá auxílios ou subvenções provenientes de recursos do SUS, não se cogitando propriamente de remuneração por serviços prestados; se for o caso de remunerar por serviço prestado, cuida-se de contrato e não de convênio”

Destarte, fácil inferir-se que a diferença clássica entre o contrato administrativo e o convênio é a remuneração, admitida no primeiro e indevida no segundo. Destaque-se, ainda, por oportuno, que a contratação de ‘taxa de administração’ é permitida no contrato administrativo, uma vez que este submete-se ao procedimento licitatório inserto na Lei nº 8666/93, o que inocorreu na hipótese vertente, haja vista o fato de o contrato de gestão ter sido firmado entre o réu e a extinta FHDF, sem a referida licitação.


[…]

Ora, como delineado anteriormente, o caso em exame está revestido de peculiaridade própria, visto que a natureza jurídica do contrato de gestão extrapola o singelo contrato com objeto determinado. Não se cogita de interesses antagônicos, mas comuns aos envolvidos, mais se assimilando ao convênio, já que a organização gere os recursos financeiros públicos percebidos, segundo parâmetros exigidos pela iniciativa privada em conformação com o programa ou projeto.

Em tal contexto, não há se cogitar de remuneração a título de taxa de administração pela intermediação, que é vedado em convênio, pois comuns os interesses na prestação dos serviços, onde pressupõe colaboração entre entidades públicas ou entre essas e instituições sem fins lucrativos. Ademais, a contratação em tela só seria possível em contrato administrativo, submetido a prévio procedimento de licitação.

Outro fator de relevância a ser destacado emerge da tese esposada pelo réu CLARINDO CARLOS DA ROCHA concernente à pretensa ilegitimidade passiva ad causam, já enfrentadas, diga-se de passagem, adotando-se o fundamento o fato da deliberação sobre a efetivação do Contrato de Gestão n. 702/02 ter sido exarada pelo Conselho de Administração. Ora, em que pese a deliberação favorável do mencionado Conselho, importa lembrar que mesma versa sobre a dispensa de licitação no que tange ao contrato de gestão e não fazer qualquer referência à autorização para que o contratado ICS contratasse de terceira os serviços de poda de grama e remoção e muito menos a relativa ao acréscimo do percentual de 9% sobre as faturas emitidas pela empresa. Responsabilidade esta recai inequivocamente sobre os dirigentes da NOVACAP à época dos fatos e ora demandados. Por via de conseqüência, como antes ressaltado, a conduta ilegal causadora da lesão foi opção dos 1º, 2º e 3º réus ao optarem por autorizar a prestação de um serviço mais caro sem licitação, sem observância dos princípios e regras que informam os atos dos agentes públicos e que conferem validade aos atos administrativos, enquanto o 4º réu, beneficiário dos atos de improbidade praticados, deve ser responsabilizado, na forma do disposto no artigo 3º c/c artigo 10, caput, todos da Lei n° 8.429/92.

Ao final, segundo a acusação levada a efeito se confirma, segundo a qual os 1º, 2º e 3º réus incorreram no cometimento de improbidade administrativa, por permitir a realização de despesa vedada em lei, na forma do artigo 10, incisos II e IX, da Lei n° 8.429/92, bem assim, praticar ato visando fim proibido em lei, em simetria com o contido no artigo 11, inciso I, do mesmo diploma legal. O 4º réu, a seu turno, por ter sido beneficiário direito dos atos de improbidade administrativa, lesão ao patrimônio publico, na forma do disposto no artigo 3º do citado diploma.

Calha aqui conferir as fatispécies delituais de improbidade imputadas aos réus, aos quais as condutas perpetradas guardam perfeita subsunção, em flagrante violação aos princípios que norteiam a Administração Pública, na forma que se seguem:

[…]

Art. 3° A imposição da pena referida no artigo anterior não exclui o processo e julgamento do acusado por crime comum, na justiça ordinária, nos termos das leis de processo penal.

[…]

Art. 10 Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesaã ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, devio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, notadamente:

[…]

II – permitir ou concorrer para que pessoa física ou jurídica privada utilize bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta Lei, sem a observância das formalidades legais ou regulamenteares aplicáveis à espécie;

[…]

IX – ordenar ou permitir a realização de despesas não autorizadas em lei ou regulamento;

[…]

Art. 11 – Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente:

I – praticar ato visando a fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto na regra de competência:

[…]

Por derradeiro, no que tange à Impugnação do Valor atribuído à Ação de Improbidade Administrativa, não assiste razão ao embargante ICS, visto que o provimento judicial vindicado é de natureza condenatória em duas vertentes: uma quanto à obrigação negativa de celebração do contrato e a outra na reparação aos danos causados ao erário público no importe de R$ 3.435.793,31 (três milhões quatrocentos e trinta e cinco mil setecentos e noventa e três mil e trinta e um reais). Valor esta atribuído corretamente à causa, na diretriz estabelecida pelo artigo 259, inciso I, do CPC. Ademais, como bem realçado pelo MPDFT, na ação civil pública, o pleito de impugnação ao valor da causa não tem viabilidade processual, pois não há fim prático algum, pois é assente na jurisprudência que não cabe a condenação do impugnado ao pagamento de honorários advocatícios, salvo comprovada a má-fé do autor.


Ao que vem de ser expendido, força é concluir pela pertinência das pretensões deduzidas pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL para:

1) – na Ação de Improbidade Administrativa, autos do processo n° 2005.01.01.1.042302-9, levando-se em conta a extensão do dano causado e o proveito patrimonial obtido pelos agentes:

a) condenar os réus ELMAR LUIZ KOENIGKAN, CLARINDO CARLOS DA ROCHA e ALOIZIO PEREIRA DA SILVA, Presidente, Diretor Administrativo e executor do contrato, respectivamente, à época dos fatos, e ICS – INSTITUTO CANDANGO DE SOLIDARIEDADE, solidariamente, ao pagamento dos danos causados ao patrimônio da NOVACAP na quantia de R$ 3.435.793,31 (três milhões quatrocentos e trinta e cinco mil setecentos e noventa e três reais e trinta e um centavos), correspondente ao valor da diferença encontrada entre as notas fiscais que instruem esta inicial, bem assim no valor da diferença encontrada entre as demais notas fiscais emitidas pela GHF – Comercial Internacional Trading Ltda. contra o ICS e as notas fiscais emitidas por esta contra NOVACAP;

b) condenar os três primeiros indicado na alínea “a” à suspensão dos direitos políticos de 5 (cinco) anos, bem assim na perda das funções públicas que estiverem ocupando ao tempo da condenação;

c) condenar todos os réus nomeados na alínea “a”, solidariamente, ao pagamento de multa civil na quantia de 1 (uma) vez o valor total do dano, referido na alínea “a”;

d) proibir o 4º réu de contratar com o Poder Público ou receberem incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 5 (cinco) anos; e

2) condenar a NOVACAP à obrigação negativa consistente na abstenção de assinar qualquer termo aditivo ao Contrato de Gestão n° 702/2002 e qualquer contrato de gestão com o ICS, até final demanda, com exceção, naturalmente, do Termo de Aditamento Contrato de Gestão ASJUR/PRES “F” 702/02, com vigência no período de 01.05.2005 a 30.04.2006, firmado antes da decisão liminar proferida nos autos, e, ainda, compelir referida ré a deixar de realizar qualquer repasse de verbas para o pagamento de eventual termo aditivo ao referido contrato, ou eventual novo contrato com o mesmo ICS, sob pena de pagamento de multa pecuniária correspondente ao valor contratado ou do repasse efetuado.

Ainda, julgo improcedente o pedido formulado nos autos da impugnação ao valor da causa atribuído na Ação de Improbidade Administrativa.

Por fim, condeno os réus, na Ação de Improbidade Administrativa ao pagamento das custas processuais, além da verba honorária ora arbitrada em R$ 5.000,00 (cinco mil reais), de forma eqüitativa, a ser rateada em partes iguais entre os condenados. Em relação a Ação Civil Pública, há isenção de custas, despesas processuais e honorários advocatícios, conforme dicção do art. 18 da Lei nº 7.347/85.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Brasília-DF, 28 de fevereiro de 2007.

Donizeti Aparecido da Silva

Juiz de Direito

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