Direitos trabalhistas

Norma de transporte de carga colide com legislação trabalhista

Autor

  • Alcio Antonio Vieira

    é advogado autônomo pós-graduando em Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho pela Escola Superior de Advocacia da Ordem dos Advogados do Brasil - Secção São Paulo.

2 de abril de 2007, 0h00

Em 5 de janeiro de 2007, entrou em vigor a Lei 11.442/2007, revogando a Lei 6.813/1980, para regulamentar o transporte rodoviário de cargas por terceiros e mediante remuneração.

A nova ordem define o Transportador Autônomo de Cargas (TAC) como a pessoa física que tem no transporte rodoviário de cargas a sua atividade profissional e que deverá comprovar ser proprietário, co-proprietário ou arrendatário de, pelo menos, um veículo automotor de carga registrado em seu nome no órgão de trânsito como veículo de aluguel. Ele está obrigado, ainda, a comprovar experiência de, pelo menos, três anos na atividade, senão, que comprove a aprovação em curso específico, independentemente de prazo de experiência.

A Lei 11.442/2007 também tratou de definir as Empresas de Transporte Rodoviário de Cargas como pessoas jurídicas constituídas por qualquer forma prevista em lei e que tenham no transporte rodoviário de cargas a sua atividade principal.

Nada demais, haja vista o Código Civil, artigo 730, dispor que pelo contrato de transporte alguém se obriga, mediante retribuição, a transportar, de um lugar para outro, pessoas ou coisas e, no artigo 732, ter aberto a possibilidade de se aplicar preceitos da legislação especial ao transporte de cargas. Aos contratos de transporte, em geral, são aplicáveis, quando couber, desde que não contrariem as disposições deste Código, os preceitos constantes da legislação especial e de tratados e convenções internacionais.

Daí que a nova legislação especial, à luz do Código Civil, tratou de definir dois tipos de sujeito nos contratos de transporte de cargas, quais sejam, o Transportador Autônomo de Cargas e as Empresas de Transporte Rodoviário de Cargas.

O que causa estranheza é o fato de a nova norma trazer dispositivo acerca da competência dos Órgãos do Poder Judiciário e nova definição quanto ao tipo de relação que se estabelece entre o transportador pessoa física, agora, denominado TAC, e o tomador dos serviços de transporte, enquanto pessoa jurídica, agora denominado ETC.

Diz o artigo 4º da Lei 11.442/2007, que o contrato a ser celebrado entre a ETC e o TAC ou entre o dono ou embarcador da carga e o TAC definirá a forma de prestação de serviço desse último, como agregado ou independente.

No parágrafo 1º do artigo 4º da Lei 11.442/2007, o TAC-agregado foi definido como a pessoa física que coloca veículo de sua propriedade ou de sua posse, a ser dirigido por ele próprio ou por preposto seu, a serviço do contratante, com exclusividade, mediante remuneração certa.

Salta aos olhos que a definição de TAC-agregado parece preencher todos os requisitos do artigo 3º da CLT, a pessoalidade (por ele próprio), a habitualidade (exclusividade), a subordinação (a serviço do contratante) e a onerosidade (remuneração certa), implicando, assim, em uma típica relação de emprego para com a ETC.

Quando a Lei 11.442/2007 fala em remuneração certa, percebe-se a semelhança entre esse tipo de contraprestação e o salário, típico das relações de emprego, já que o Código Civil estabelece como forma de contraprestação pelo serviço a retribuição pelo transporte, ou seja, o frete, que é variável, ajustável a cada viagem, e, portanto, coisa bem diferente de remuneração certa.

Para o Direito do Trabalho, o fato de o veículo ser de propriedade ou posse do TAC, como diz a Lei 11.442/2007, é irrelevante para descaracterizar o vínculo de emprego, sobrepondo-se, sempre, o Princípio da Primazia da Realidade.

Nesse sentido, farta a Jurisprudência do TRT de São Paulo:

“Vínculo empregatício. Motorista de veículo próprio. A propriedade sobre veículo com que se presta serviços a terceiros, com a constância dos elementos previstos nos arts. 2º e 3º da CLT, não desnatura o vínculo empregatício entre as partes.” (R.O.; Proc. 02990236796; 3ª Turma; Relator Décio Sebastião Daidone, Data de Publicação: 23/05/2000)

“Reconhecimento do vínculo – motorista. O motorista de caminhão, ainda que trabalhe com seu veículo, se obedecer horário, for subordinado ao encarregado da obra e trabalhar com habitualidade, tem reconhecido o vínculo de emprego, eis que presentes os requisitos do art. 3º da CLT.” (R.O.; Proc. 02970180965; 9ª Turma, Relator Ildeu Lara de Albuquerque, Data de Publicação: 20/05/1997)

Tendo-se em vista, ainda, que a própria Lei 11.442/2007 definiu que ETC é a pessoa jurídica que tenha no transporte rodoviário de cargas a sua atividade principal e que TAC é a pessoa física que tenha no transporte rodoviário de cargas a sua atividade profissional, a figura do que a lei chamou de TAC-agregado parece ser uma velha conhecida do Direito do Trabalho.

Trata-se da terceirização ilícita e, nesse sentido, nos ampara a Jurisprudência:

TERCEIRIZAÇÃO ILEGÍTIMA. CONTRATAÇÃO DE TRABALHADOR PARA O DESEMPENHO DE ATIVIDADE-FIM DA EMPRESA – A prestação de serviços essenciais (motorista) ao objetivo da empresa (com atividade no ramo de transporte de cargas e de pessoas), revela contratação fraudulenta e configura ilegítima terceirização, redundando na reconhecimento do vínculo empregatício com o trabalhador, nos moldes do art. 3º da CLT. (R.O.; Proc. 53181200290202002; 4ª Turma; TRT 2ª Região; Relator Paulo Augusto Câmara; Data de Julgamento: 12/09/2003).

Ressalte-se ser proibida a terceirização da atividade-fim da empresa, nos termos do inciso III da Súmula 331 do c. TST:

III – Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.

Assim, pode-se dizer, que a Lei 11.442/2007 trouxe à balha um dispositivo que colide com a Legislação Trabalhista, especialmente quando seu artigo 5º assevera que as relações decorrentes do contrato de transporte de cargas de que trata o art. 4o desta Lei são sempre de natureza comercial, não ensejando, em nenhuma hipótese, a caracterização de vínculo de emprego.

Desenganadamente, a declaração ou não do vínculo de emprego se dá em razão do contrato realidade, não em razão do que estabelece o artigo 5º da Lei 11.442/2007.

Esquecendo-se, o legislador, de se referir expressamente, nesse artigo 5º, à relação entre o TAC e o dono ou embarcador da carga, que definiu como sendo TAC-independente, ou, de outra forma, esquecendo-se de excluir, expressamente, da redação do artigo 5º, o que chamou de TAC-agregado, tenho que o referido artigo 5º da Lei 11.442/2007 chegará natimorto à Justiça do Trabalho.

Ademais, a lei em comento apresenta, no parágrafo único do referido artigo 5º, um dispositivo inconstitucional.

Com efeito, o parágrafo único do artigo 5º assevera que compete à Justiça Comum o julgamento de ações oriundas dos contratos de transporte de cargas, em evidente desacordo com o artigo 114 da Constituição Federal, que atribui à Justiça Especializada a competência para as relações de trabalho.

Deveras, entre o TAC-agregado e a ETC, a relação sempre será de trabalho, e, isso, apesar de ser um contrato de transporte de cargas, na medida em que haverá uma pessoa física prestando serviços de forma pessoal, não eventual e mediante remuneração certa a uma pessoa jurídica, qual seja, a ETC. Típica relação de trabalho, e, portanto, inafastável da competência imposta pelo artigo 114 da Carta Política de 1988.

Dessa forma, e concluindo, tenho que os artigos 4º, inciso I, e 5º, caput, da Lei 11.442/2007, não passarão incólumes pelo crivo da Justiça do Trabalho, e que o parágrafo 1º do mesmo artigo 5º não resistirá ao controle concentrado de constitucionalidade, caso seja a ele submetido.

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    é advogado autônomo, pós-graduando em Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho pela Escola Superior de Advocacia da Ordem dos Advogados do Brasil - Secção São Paulo.

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